Da efetividade da penhora on line. Breves considerações

Resumo: Neste trabalho analisa-se a questão da preferência da penhora sobre dinheiro diretamente em conta bancária do devedor em detrimento de outros bens de sua propriedade, conforme histórico legislativo que redundou na criação da penhora “on line” realizada por via eletrônica conforme convênio entre o Conselho Nacional de Justiça e o Banco Central do Brasil.


Palavras-chave: Penhora “on line”. Dinheiro. BACENJUD.


Abstract: This paper analyzes the issue of preference on pledge money directly into bank account of the debtor at the expense of other property owned, as legislative history that led to the creation of attachment “on line” as performed by an electronic agreement between the National Council of Justice and the Central Bank of Brazil.


Keywords: Attachment “on line”. Money. BacenJud.


Sumário: 1 Introdução; 2 Da Lei Complementar nº 118/2005; 3 Da Lei nº 11.382/2006; 4 Do entendimento jurisprudencial; 5 Considerações finais; 6 Conclusão.


1. INTRODUÇÃO


Mesmo sagrando-se vencedor na demanda, o exequente — tanto pessoa física ou jurídica incluindo a Fazenda Pública —, não raras vezes via-se tolhido no seu direito de executar a contento a decisão judicial que lhe fora favorável, não conseguindo convertê-la em numerário por falta de bens passíveis de penhora em nome do executado.


Nesse contexto, iniciada a execução do julgado, era assente o entendimento no Poder Judiciário de que deveria o exequente, primeiramente, esgotar todos os meios na busca de bens livres e desimpedidos para constrição judicial, para somente então, com a comprovação da inexistência destes, dar-se início à penhora em contas bancárias do executado, quando então quase sempre estas já encontravam-se esvaziadas.


2. DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005


Na busca da efetividade da execução, com supedâneo no princípio constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII da CF)[1], no tocante às dívidas tributárias, foi editada a Lei Complementar nº 118/2005 que acrescentou ao Código Tributário Nacional (CTN) o artigo 185-A “caput” e §§ 1º e 2º, assim redigidos:


Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.


§ 1o. A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite.


§ 2o. Os órgãos e entidades aos quais se fizer a comunicação de que trata o caput deste artigo enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.”


Em harmonia com esse dispositivo legal, a Lei nº 6.830/80 – Lei de Execução Fiscal (LEF), ao elencar os bens integrantes do patrimônio do executado passíveis de constrição, já havia fixado em seu art. 11 o dinheiro em espécie como prioridade:


Art. 11. A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:


I – dinheiro;


II – título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;


III – pedras e metais preciosos;


IV – imóveis;


V – navios e aeronaves;


VI – veículos;


VII – móveis ou semoventes; e


VIII – direitos e ações.”


3. DA LEI Nº 11.382/2006


De igual modo deve ser observado que a penhora sobre numerário também encontra-se legalmente prevista no Código de Processo Civil (CPC), agora de acordo com a redação dada pela Lei nº 11.382/2006, mormente em seus arts. 655, I e 655-A. Confira-se:


Art. 655.  A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:


I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;


II – veículos de via terrestre;


III – bens móveis em geral;


IV – bens imóveis;


V – navios e aeronaves;


VI – ações e quotas de sociedades empresárias;


VII – percentual do faturamento de empresa devedora;


VIII – pedras e metais preciosos;


IX – títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado;


X – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;


XI – outros direitos.


Art. 655-A.  Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.”


E na esteira dessas disposições legais, o Conselho da Justiça Federal (CJF) editou a Resolução nº 524, de 28/09/2006, nos seguintes termos:


RESOLUÇÃO Nº 524, DE 28 DE SETEMBRO DE 2006


Institucionaliza a utilização do Sistema BACEN-JUD 2.0 NO âmbito da Justiça Federal de primeiro e segundo graus.


Art. 1º. Em se tratando de execução definitiva de título judicial ou extrajudicial, ou em ações criminais, de improbidade administrativa ou mesmo em feitos originários do Tribunal Regional Federal poderá o magistrado, via Sistema BACEN-JUD 2.0, solicitar o bloqueio/desbloqueio de contas e de ativos financeiros ou a pesquisa de informações bancárias.


Parágrafo único. No processo de execução, a emissão da ordem em comento poderá ocorrer desde que requerida pelo exequente, face a inexistência de pagamento da dívida ou garantia do débito (arts. 659 do CPC e 10 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980), com precedência sobre outras modalidades de constrição judicial; podendo, nas demais ações, tal medida ser adotada ex oficio.”


Assim restou criada a penhora “on line” de numerário em contas bancárias dos devedores, sendo que, segundo Luiz Guilherme Marioni e Sérgio Cruz ArenhaRt[2], a penhora de dinheiro traduz-se na melhor forma de viabilizar a realização do direito de crédito, eliminando a demora e o custo de atos como a avaliação e a alienação do bem a terceiro, bem como “dá ao exequente a oportunidade de penhorar a quantia necessária ao seu pagamento, o que é difícil em se tratando de bens imóveis ou móveis, os quais possuem valores relativos” (sic).


4. DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL


Com efeito, a possibilidade de penhora sobre dinheiro já era adotada pelas Terceira e Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mesmo antes da entrada em vigor da Lei Complementar n° 118/2005 e da Lei nº 11.382/2006 que alterou o CPC no particular:


“Processual civil. Recurso especial. Ação de execução. Nomeação de bens à penhora. Intempestividade. Indicação pelo credor. Depósitos realizados em conta corrente. Penhora. Possibilidade. Quando o devedor não nomeia bens à penhora no momento oportuno, o direito de fazê-lo é transferido ao credor. Não se configura ofensa ao princípio da menor onerosidade da execução para o devedor o fato de a constrição patrimonial recair sobre valores depositados em sua conta corrente. (REsp 332584/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2001, DJ 18/02/2002, p. 422)


“PROCESSUAL CIVIL. RESP. AGRAVO. EXECUÇÃO. PENHORA. GRADAÇÃO LEGAL. REJEIÇÃO DO BEM MÓVEL INDICADO PELO DEVEDOR. EXISTÊNCIA DE NUMERÁRIO EM CONTA CORRENTE DA DEVEDORA. CONSTRIÇÃO SOBRE A MESMA. LEGITIMIDADE. CPC, ARTS. 655, 656, I E 657. MATÉRIA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. I. Indicado bem móvel pelo devedor, mas detectada a existência de numerário em conta corrente, preferencial na ordem legal de gradação, é possível ao juízo penhorar a importância em dinheiro, nos termos dos arts. 656, I, e 657, do CPC. II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” – Súmula n. 7-STJ. III. Agravo desprovido.” (AgRg no REsp 623750/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 10/08/2004, DJ 08/11/2004, p. 246).


E para que seja devidamente efetivada a penhora do numerário em conta bancária do executado, deverá ser utilizado o sistema denominado BACENJUD, instituído por convênio firmado entre o Banco Central do Brasil e o Conselho da Justiça Federal.   Registre-se que essa constrição possui apenas natureza de penhora de dinheiro e jamais de quebra de sigilo bancário, pois visa apenas atingir o patrimônio do devedor que, como é cediço, sempre deve responder pelas suas dívidas inadimplidas.


Portanto, de acordo com a legislação de regência susa citada, quando o executado não nomear bens à penhora, todo o seu patrimônio poderá ser indisponibilizado, inclusive aplicações financeiras e depósitos em conta-corrente e poupança, comunicando-se por meio eletrônico a instituição bancária dessa penhora.


Outrossim, também nada impede que o sistema BACENJUD seja utilizado para fins de arresto, “ex vi” do art. 653 e 813 do CPC, também consoante entendimento do STJ:


“RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. ARRESTO VIA BACENJUD. POSSIBILIDADE. (…) 4. O sistema Bacenjud pode ser utilizado para efetivar não apenas a penhora on line, como também o arresto on line. Preenchidos os requisitos legais, o juiz pode utilizar-se do Bacenjud para realizar o arresto provisório previsto no art. 653 do Código de Processo Civil, bloqueando contas do devedor não encontrado. Em outras palavras, é admissível a medida cautelar para bloqueio de dinheiro via Bacenjud nos próprios autos da execução. Nesse sentido é a orientação firmada pela Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.184.765/PA, submetido ao regime de que trata o art. 543-C do Código de Processo Civil, em que ficou restabelecida a decisão do Juízo Singular, que, em 30.01.2008, determinara, com base no poder geral de cautela, o “arresto prévio” (mediante bloqueio eletrônico pelo sistema Bacenjud) dos valores existentes em contas bancárias da empresa executada e dos co-responsáveis (Rel. Min. Luiz Fux, DJe 3.12.2010). 5. Recurso especial parcialmente provido.” (REsp 1240270/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/04/2011, DJe 15/04/2011)


Verifica-se, dessarte, que tratando-se de penhora de dinheiro, esta jamais será excepcional ou terá cabimento apenas se esgotados os outros meios de localização de bens. Nesse sentido, confira-se o atual entendimento jurisprudencial do STJ:


“RECURSO ESPECIAL – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – NÃO OCORRÊNCIA – EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA – PENHORA ON LINE – SISTEMA BACEN-JUD – PEDIDO REALIZADO APÓS VIGÊNCIA DA LEI N.º 11.382/2006 –  EXAURIMENTO DAS DILIGÊNCIAS PARA A LOCALIZAÇÃO DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA – DESNECESSIDADE – ESCÓLIO JURISPRUDENCIAL – RECURSO ESPECIAL PROVIDO.” (REsp 1159807/ES, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 29/06/2011)


5.CONSIDERAÇÕES FINAIS


Deve ser ressaltado, por oportuno, que na Justiça do Trabalho a penhora “on line” poderá ocorrer “ex officio”, ou seja, sem provocação da parte vencedora nos termos do art. 878, “caput”, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)[3], face a natureza alimentar da dívida e em razão do princípio protetivo que vigora na Justiça Laboral, considerando a presumida hipossuficiência da parte reclamante.


Frise, também, que a penhora “on line” não poderá incidir sobre depósitos em cadernetas de poupança até o valor de 40 (quarenta) salários mínimos, consoante art. 649, X, do Estatuto Processual Civil[4], face a sua absoluta impenhorabilidade, considerando, para tanto, todas as poupanças registradas em nome do executado.


6.CONCLUSÃO


Face todo o esposado, não restam quaisquer dúvidas que para a satisfação integral do seu crédito o exequente/credor não é obrigado a preferir penhora sobre imóveis, veículos ou outros bens quando há dinheiro do executado/devedor depositado em sua conta bancária, pois em razão da Lei nº 11.382/2006 não há mais necessidade de se comprovar o esgotamento das vias extrajudiciais na localização de bens, para somente então tornar-se viável a penhora “on line” por meio do sistema BACENJUD.


Da mesma forma, com amparo no entendimento jurisprudencial do STJ, é plenamente possível a realização de arresto “on line” provisório, garantindo assim o juízo da execução se preenchidos os pressupostos legais, nos termos do art. 653 do Estatuto Processual Civil, tendo como norte o princípio constitucional da razoável duração do processo insculpido no art. 5º, LXXVIII, do Excelso Diploma.


 


Referência

MARIONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. CURSO DE PROCESSO CIVIL-EXECUÇÃO. vol. 3. 2ª. ed. São Paulo: RT, 2008.

 

Notas:

[1] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

[2] MARIONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. CURSO DE PROCESSO CIVIL-EXECUÇÃO. vol. 3. 2ª. ed. São Paulo: RT, 2008,  p.  274.

[3] Art. 878. A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio,  pelo próprio juiz ou presidente ou tribunal competente, nos termos do artigo anterior.

[4] Art. 649.  São absolutamente impenhoráveis: (…) X – até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança.


Informações Sobre o Autor

Daniel Guarnetti dos Santos

Procurador Federal, lotado no Escritório de Representação da Procuradoria-Regional Federal da 3ª. Região (PGF/AGU) em Bauru/SP; com pós graduação lato sensu em Direito Previdenciário pela FAAT-Londrina; pós graduação lato sensu em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP/LFG; pós graduação lato sensu em Direito Processual pela UNISUL/LFG; pós graduação lato sensu em Direito Público pela Universidade Anhanguera/LFG; e cursos de extensão em Direito Imobiliário pela PUC/RJ e em Direito Tributário pela ITE-Bauru/SP.


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