Da (im)possibilidade da antecipação da tutela punitiva ex offício

Resumo: O artigo aborda sobre a possibilidade de ser concedida a tutela antecipatória, de ofício, pelo juiz, quando constatado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu, como forma de punição, por configurar ato atentatório à jurisdição.


O instituto previsto no artigo 273 do Código de Processo Civil, nominado pela doutrina, simplesmente de tutela antecipada, permite ao julgador antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela pretendida. Tal avanço, encontra alicerce na doutrina dos direitos fundamentais, cuja leitura das regras processuais deve ser vista sob a lente constitucional.


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Um dos assuntos insertos no tema que merece destaque, é a concessão da tutela de natureza sancionatória ou punitiva, quando restar evidenciado o abuso do direito defensivo ou manifesto propósito protelatório, implantada no sistema brasileiro, por meio da minirreforma processual em 1994.


Consoante a simples dicção do artigo 273, II, do CPC, sua concessão também está condicionada ao requerimento da parte.


Considerando a exegese legal e a fiel observância aos princípios do dispositivo ou  inércia de jurisdição, da congruência, da imparcialidade do magistrado, entre outros, a doutrina e a jurisprudência majoritárias, pregam pela impossibilidade da concessão da tutela antecipada sem provocação, inclusive nas situações de tutela punitiva.


Em contrapartida, há vozes firmes e crescentes na doutrina pátria, propugnando pela possibilidade  da concessão ex offício da tutela punitiva, como forma de preservar a lealdade e a efetividade processual, sendo assim, presentes os requisitos, dispensa-se o requerimento expresso da parte.


Impende ressaltar, que a atitude protelatória ou abusiva ofende não somente o direito fundamental do demandante, mas, sobremaneira, a dignidade e seriedade da justiça no exercício da atividade jurisdicional.


É irrefragável que a finalidade maior da antecipação da tutela é reduzir o efeito negativo da mora processual, nesse sentido o eminente doutrinador Carnelutti[1] assevera:, “o valor que o tempo tem no processo é imenso e, em grande parte, desconhecido. Não seria demasiadamente advertido comparar o tempo a um inimigo contra o qual o juiz luta sem descanso”.


No que tange a conveniência da tutela punitiva pelo abuso da defesa, esclarecedora é a lição de França[2]:


“a) o condicionamento de antecipação da tutela ao pedido da parte, quando ocorrer o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório, vai de encontro à orientação adotada pelo Código de Processo Civil quanto à aplicação, ex officio, das sanções, além de alijar a participação do Estado na solução dos conflitos e favorecer, ainda que reflexamente, o exercício abusivo dos direitos;


b) o condicionamento de antecipação da tutela ao pedido da parte, quando ocorrer o manifesto propósito protelatório, vai de encontro ao princípio do impulso oficial, que impõe ao juiz o dever de velar pela continuidade dos atos processuais até a decisão de mérito;


c) impõe-se interpretar o caput do art. 273 do Código de Processo Civil, em consonância com o art. 5o , inc. XXXV da CR/1988, de forma que se possa autorizar ao juiz antecipar, ex officio, a tutela, toda vez que a parte abusar do seu direito de defesa ou litigar com manifesto intuito protelatório, como forma de alcançar a celeridade e efetividade da prestação jurisdicional”.


Por sua vez, Benedito Pereira Filho[3], acrescenta: “ Sendo assim, o juiz, ao perceber que o réu está utilizando-se do processo para fins escusos, protelatórios, deve antecipar a tutela como forma de penalizá-lo e impedir que o processo seja um instrumento a serviço única e exclusivamente do réu/devedor” .


A reação eficaz e enérgica do Estado se justifica em situações excepcionais, notadamente, quando à parte, a pretexto de exercer o seu direito de defesa, pautar suas condutas com má-fé e na precípua finalidade de atrasar, dificultar ou impedir a prestação jurisdicional, bem como a efetividade processual.


Nesse contexto de morosidade, Dinamarco[4] aduz: “Há demoras razoáveis, ditadas pelo caráter formal inerente ao processo (não formalista) e há demoras acrescidas pelo comportamento desleal do demandado. As condutas aqui conducentes à antecipação consideram-se litigância de má-fé”.


O professor Scarpinella Bueno[5] também é assente na possibilidade da concessão de tutela satisfativa sem provocação da parte, ao fundamento de que somente assim se realizará a efetividade do processo.


Considerando que a mora no desfecho do processo sempre beneficia quem não tem razão, e a cultura processual brasileira, tão estigmatizada pelo retardo no deslinde das lides, impõe-se à necessidade de refletir a postura do juiz sob a contemporânea perspectiva do processo civil, numa participação pró-ativa na judicatura, com vistas à efetividade, celeridade e razoável duração do processo, a fim de assegurar direitos fundamentais, não ocupando a posição de fantoche ou mero expectador no desenrolar da relação jurídico-processual.


Não se deve permitir que autor e o Estado-juiz figurem apenas como massa de manobra nas mãos da parte mal intencionada, quando evidente o seu intuito em protelar o feito a todo custo e conduzi-lo a seu bel prazer, na certeza de postergar ao máximo a tutela final por meio de artifícios protelatórios, sujeitando-se, tão somente as multas pecuniárias.


Assim, neste diapasão, a ausência de requerimento formal em tais casos, não deve possuir o condão de obstar a satisfação do direito material pela tutela sancionatória, havendo que prevalecer o interesse público na eficaz e tempestiva solução do litígio, estando o juiz autorizado a prestar a tutela efetiva e adequada, à luz da razoabilidade e pacificação social.


Ante os argumentos acima, vislumbra-se a excepcional possibilidade da antecipação da tutela punitiva ex offício, aplicando-se o direito ao caso concreto, quando a adoção da medida se mostrar imperiosa e necessária, a fim de efetivar direitos fundamentais e garantias constitucionais, após criterioso juízo de proporcionalidade.


 


Referências bibliográficas

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil, vol 4: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos. São Paulo: Saraiva, 2009.

CARNELUTTI, Francesco. Derecho y Proceso, tradução de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires, Ediciones Juridicas Europa-America, 1971.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 1995.

FRANÇA, Fernando Luiz. A antecipação de Tutela ‘ex ofício´. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.


Notas

[1] CARNELUTTI, Francesco. Derecho y Proceso, tradução de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-America, 1971, vol. I, p. 412.

[2] FRANÇA, Fernando Luiz. A antecipação de Tutela ‘ex ofício´. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 184.

[3] PEREIRA FILHO, Benedito.  Tutela antecipada: concessão de ofício? Revista da Ajuris, ano XXXI, nº. 95, setembro de 2004. Porto Alegre/RS. P. 48.

[4] DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 146.

[5] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil, vol 4: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos. São Paulo: Saraiva, 2009.


Informações Sobre o Autor

Vanessa Teruya

Servidora Pública Estadual e especialista Pós graduação lato sensu em Direito Público Processo Civil e Ciências Criminais


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