Resumo: Em razão da consolidação da Teoria da Responsabilidade Civil Objetiva do Estado no Ordenamento Jurídico Pátrio verifica-se elevada litigiosidade a respeito do tema, sendo de bom alvitre proceder à análise da prescrição nas ações de responsabilidade civil em face da Fazenda Pública. A exposição da matéria envolve o estudo do conflito aparente de normas estabelecido entre a Lei 9.494/97 e a Lei 10.406/2002 (Novo Código Civil) que procedeu à redução do prazo prescricional para 3 (três) anos, através da explanação evolução doutrinária e jurisprudencial que culminou na mitigação do tradicional critério da especialidade.
Palavras-chave: Responsabilidade, Prescrição, Estado, Código Civil, Prevalência.
Abstract: Due to the consolidation of the Objective Theory of Liability of the State in national laws foresee showed the high litigation on the subject, being well advised to examine the actions of limitation of liability in the face of the Exchequer. The exposure of matter involves the study of apparent conflict between the standards established Law 9.494/97 and Law 10.406/2002 (New Civil Code) which carried out the reduction of the limitation period for 3 (three) years, through the explanation of doctrinal and jurisprudential developments culminating in mitigating the traditional criteria of expertise.
Keywords: Liability, Prescription, State, Civil Code, Prevalence.
Sumário: 1. Introdução. 2. Da prescrição da pretensão indenizatória em face da Fazenda Pública. 3.Considerações finais. 4.Referências.
1. INTRODUÇÃO:
Com o advento do Novo Código Civil, em vigor desde o ano de 2003, o profissional do direito se viu obrigado a enfrentar questões relativas aos conflitos aparentes de normas oriundos da necessidade de conformar o novel diploma legal ao Ordenamento Jurídico.
Foi justamente a partir desse contexto que a análise do tema se tornou imperiosa, pois com a vigência da Lei 10.406/2002 operou-se a redução do prazo prescricional da pretensão indenizatória (três anos, conforme o art. 206, § 3º, IV), surgindo o questionamento a respeito da sua aplicação à Fazenda Pública, visto que o prazo geral tornou-se mais benéfico que o especial (cinco anos, previsto pela Lei 9.494/97 e Decreto nº 20.901/32).
Intensa divergência jurisprudencial e doutrinária se travou a respeito, sendo possível encontrar decisões e opiniões de elevado apuro técnico-jurídico em ambos os sentidos. Entretanto, cremos que a tendência dos Tribunais Pátrios seja o posicionamento no sentido da mitigação do critério da derrogação das normas gerais pelas especiais, posto que, no atual estágio em que se encontra o direito não é possível proceder a qualquer análise sem considerar a tábua axiológica que rege o Ordenamento Jurídico-Positivo.
É sabido que os entes públicos gozam de prerrogativas, que decorrem da própria noção de Estado. Maria Sylvia Zanella di Pietro[1] anota que, basicamente, pode-se dizer que o regime administrativo resume-se a duas palavras: prerrogativas e sujeições. Os fundamentos que embasam as prerrogativas da Fazenda Pública encontram justificativa em razão da natureza, da organização e dos fins do Estado moderno e, ainda, para a preservação do interesse da coletividade.
Nesse contexto, para fins do presente, será focalizada exclusivamente a prerrogativa do prazo reduzido que milita a favor da Fazenda Pública sob a ótica e decorrência do princípio da supremacia do interesse público.
Esclarece-se, ainda, que a problemática ora apresentada restringe-se àquelas disposições tanto do Decreto 20.910 como da Lei nº 9.494/97 que tratam de pretensões de reparação civil em que a Fazenda figure como demandada, permanecendo, no mais, íntegras as referidas normatizações.
Nesta seara, o presente trabalho tem por objetivo expor o conflito aparente de normas estabelecido entre a Lei 9.494/97 e a Lei 10.406/2002 (Novo Código Civil) no que diz respeito ao prazo prescricional das pretensões indenizatórias deduzidas em face do Estado, analisando a matéria mediante a utilização de pesquisa bibliográfica, documentos eletrônicos e levantamento jurisprudencial.
2. da prescrição da pretensão indenizatória em face da fazenda pública:
Em sede doutrinária é possível encontrar, distintos posicionamentos quanto à definição de prescrição.
Alguns entendem que o instituto em epígrafe atinge o direito subjetivo, os que afirmam tratar-se de perda do direito de ação e outros sustentam cuidar-se de perda da pretensão.
Dentre os adeptos da primeira corrente, ressalta-se o ilustre Caio Mário da Silva Pereira (ob.cit., pg.435/436), que assevera:
“Diferentemente da prescrição aquisitiva, que atua como força criadora, a extintiva ou liberatória conduz à perda do direito pelo seu titular negligente, ao fim de certo lapso de tempo, e pode ser, em contraste com a primeira, encarada como força destrutiva.
Perda do direito, dissemos, e assim nos alinhamos entre os que consideram que a prescrição implica algo mais do que o perecimento da ação. (…)
é o próprio direito que perece. O titular não pode reclamá-lo pela ação, porque não o pode tornar efetivo. (…)
Esdrúxulo se nos afigura, entretanto, que o ordenamento legal reconheça o direito, afirme a sua vinculação ao sujeito ativo, proclame a sua oponibilidade ao sujeito passivo, mas recuse os meios de exercê-lo eficazmente. Se o direito é reconhecido, não deve ser desvestido do poder da rem persquendi in iudicio.”
No tangente à segunda posição, destaca-se a clássica definição de Clóvis Beviláqua, no sentido de que “prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso dela, durante determinado espaço de tempo”(Citado por Carlos Roberto Gonçalves, ob.cit, p.180).
Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (ob.cit., pg 476) explicitam que tal entendimento decorre do fato de que:
“na época da elaboração do Código Civil de 1916, e mesmo antes, considerava-se, ainda com fulcro na superada teoria imanentista do Direito Romano, que a ação judicial nada mais era do que o próprio direito subjetivo, lesado, em movimento. Por essa razão, incrementada pelo pouco desenvolvimento do Direito Processual Civil, não se visualizava a nítida distinção entre o direito de ação em si (de pedir do Estado o provimento jurisdicional) e o próprio direito material violado. Ora, se a ação e o direito material eram faces da mesma moeda, explicava-se porque a prescrição extintiva atacava o direito de ação e, indiretamente, o próprio direito material violado, que permaneceria inerte, despojado de sua capacidade defensiva”
O novel Código Civil, todavia, esclarece que a prescrição atinge a pretensão, indicando que não se trata do direito público e abstrato de ação. Com lastro neste dispositivo, é possível conceituar o instituto em tela como a extinção da pretensão, que nasce, para o titular, no momento em que seu direito é violado, devido a sua inércia, durante certo período de tempo fixado em lei.
Não são raras as situações em que o Poder Público Firmando relações jurídicas com particulares, não observa os direitos atribuídos pelo regime jurídico a estes terceiros, causando-lhes danos.
Estes, por sua vez, submetem-se ao prazo prescricional previsto na legislação federal para aviar a pretensão, ou seja, para pleitear a reparação administrativa ou o cumprimento da obrigação.
A fluência do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, ou seja, a partir do momento em que se torna viável requerer em juízo a prestação inadimplida o que, por sua vez, ocorre com a ciência da ação ou omissão lesiva.
Assim, dentre as ações cominatórias, exsurgem aquelas em que se pede a condenação da Fazenda Publica ao pagamento de indenização, em virtude de sua responsabilidade pelo evento danoso, bem como nos casos de pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa (CUNHA. 2008, p.84).
Inicialmente, resta-nos esclarecer que, em regra, é de cinco anos o prazo prescricional para propositura qualquer ação condenatória em face da Fazenda Publica.
A afirmativa acima era isenta de questionamentos até o advento do Código Civil de 2002, que em seu art. 206, § 3º, IV, dispõe:
“Art. 206. Prescreve:…
§3º. Em Três anos:…
IV – a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;”
Surge, então, duvida: a pretensão de reparação civil, assim como, a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa mantém-se submetida ao prazo prescricional de cinco anos, que é próprio para as ações condenatórias intentadas em face da fazenda publica, ou deve submeter-se à nova regra encartada no Código Civil de 2002?
Na situação em tela verifica-se a situação de antinomia jurídica à qual se refere Tércio Sampaio FERRAZ JÚNIOR
“a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado.” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 211.)
Nesse contexto, existem dois tipos de antinomias jurídicas: a antinomia aparente (quando o conflito poderá ser solucionado mediante a utilização de um determinado critério) e a antinomia real (caracterizada na hipótese em que não há um critério, ainda que inicial, para a efetiva resolução do conflito).
A antinomia jurídica aparente pode ser solucionada através dos critérios abaixo referidos:
“a) Critério cronológico: Norma posterior prevalece sobre norma anterior. Este critério prevê que leis do mesmo escalonamento possuem como diferencial a data em que entram em vigor;
b) Critério da especialidade: Norma especial prevalece sobre norma geral. Soluciona a antinomia, fazendo as diferenciações fáticas exigidas no caso concreto;
c) Critério hierárquico: Norma superior prevalece sobre norma inferior. Este critério está baseado na superioridade de uma fonte de produção normativa sobre outra.”
Ante o exposto qual seria a legislação aplicável à situação aqui tratada o Código Civil de 2002, lei geral e cronologicamente posterior, ou a Lei 9494/97. Em verdade a situação perpassará inevitavelmente pelo conflito aparente de normas de segundo grau, conforme delineado por NOVELINO (2011, p. 141):
“Os conflitos de segundo grau envolvem mais de um critério. É o que ocorre no caso de antinomia entre uma norma constitucional anterior e uma norma legal posterior (hierárquico x cronológico); ou entre uma norma geral de uma lei posterior e uma norma especial de uma lei anterior (especialidade x cronológico), ou mesmo de uma norma constitucional geral e uma norma legal especial (hierárquico x especialidade)”.(…)
“Com exceção da primeira hipótese, em que o critério hierárquico sempre prevalece sobre o cronológico, nas outras a solução irá depender da análise do caso concreto”.(…)
“Em regra o critério da especialidade prevalece sobre o cronológico, mas esta resposta só poderá ser dada com maior segurança após a análise da ‘mens legis’”.
A civilista Maria Helena Diniz[2], todavia, aponta criticamente a razão pela qual não se dever priorizar o critério da especialidade, verbis:
“Em caso de antinomia entre o critério de especialidade e o cronológico, valeria o metacritério lex posterior generalis non derogat priori speciali, segundo o qual a regra de especialidade prevaleceria sobre a cronológica. Esse metacritério é parcialmente inefetivo, por menos seguro que o anterior. A meta-regra lex posterior generalis non derogat priori speciali não tem valor absoluto, dado que, às vezes, lex posterior generalis derogat priori speciali, tendo em vista certas circunstâncias presentes. A preferência entre um critério e outro não é evidente, pois se constata uma oscilação entre eles. Não há uma regra definida; conforme o caso, haverá supremacia ora de um, ora de outro”.
A aplicação do princípio da especialidade, portanto, somente pode prevalecer se a lei especial anterior não conflitar com a lei geral posterior. De outra sorte, na solução de antinomias os doutrinadores vêm reconhecendo uma maior eficácia na técnica da interpretação sistemática.
O administrativista Juarez Freitas, in A Interpretação Sistemática do Direito, 2ª edição, editora Malheiros, p. 55, elucida com costumeira precisão o tema:
“É, pois, a interpretação sistemática o processo hermenêutico, por essência, do Direito, de tal maneira que se pode asseverar que ou se compreende o enunciado jurídico no plexo de suas relações com o conjunto dos demais enunciados, ou não se pode compreendê-lo adequadamente. Neste sentido, é de se afirmar, com os devidos temperamentos, que a interpretação jurídica é sistemática ou não é interpretação”.
Defendendo a aplicação da novel legislação Leonardo José Carneiro da Cunha (2008, p.84-85) anota:
“Em princípio a regra especial, ou seja, o prazo qüinqüenal previsto no Decreto nº 20.910/32, deveria prevalecer sobre a regra geral, que é o prazo de três anos, estabelecido no art. 206, § 3º, da Lei 10.406/02. Cumpre, todavia atentar-se para os disposto no art. 10 do Decreto nº20.910/32”.(…)
“O que se percebe, em verdade, é um nítido objetivo de beneficiar a fazenda publica. A legislação especial conferiu-lhe um prazo diferenciado de prescrição sem eu favor. Enquanto a legislação geral (Código Civil 1916) estabelecia um prazo vintenário de prescrição, a legislação específica (Decreto nº 20.910/32) previa um prazo prescricional de apenas cinco anos para ações condenatórias em desfavor da Fazenda Pública. Neste intuito de beneficiá-la, o próprio Decreto nº 20.910/32, em seu art, 10. Dispõe que os prazos menores devem favorecê-la.
A legislação geral atual (Código Civil de 2002) passou a prever um prazo de prescrição de três anos para as ações de pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa. Ora, se a finalidade das normas contidas no ordenamento jurídico é conferir um prazo menor a Fazenda Publica, não há razão para o prazo geral – aplicável à todos, indistintamente – ser inferior àquele outorgado às pessoas jurídicas de direito público. A estas deve ser aplicado, ao menos, o mesmo prazo, e não um superior, até mesmo em observância ao disposto no art. 10 do Decreto nº 20.910/32”.
Enfim, conclui ilustríssimo jurista que a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa contra a Fazenda Publica se sujeita ao prazo de prescrição de três anos, e não, à prescrição qüinqüenal.
Vale ainda, ressaltar o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho:
“Cumpre nessa matéria recorrer à interpretação normativo-sistemática. Se a ordem jurídica sempre privilegiou a Fazenda Pública, estabelecendo prazo menor de prescrição da pretensão de terceiros contra ela, prazo esse fixado em cinco anos pelo Decr. 20.910/32, raia ao absurdo admitir a manutenção desse mesmo prazo quando a lei civil, que outrora apontava prazo bem superior àquele, reduz significativamente o período prescricional, no caso para três anos (pretensão à reparação civil). Desse modo, se é verdade, de um lado, que não se pode admitir prazo inferior a três anos para a prescrição da pretensão à reparação civil contra a Fazenda, em virtude de inexistência de lei especial em tal direção, não é menos verdadeiro, de outro, que tal prazo não pode ser superior, pena de total inversão do sistema lógico-normativo; no mínimo, é de aplicar-se o novo prazo fixado agora pelo Código Civil. Interpretação lógica não admite a aplicação, na hipótese, das regras de direito intertemporal sobre lei especial e lei geral, em que aquela prevalece a despeito do advento desta. A prescrição da citada pretensão de terceiros contra as pessoas públicas e as de direito privado prestadoras de serviços públicos passou de qüinqüenal para trienal.” (Manual de Direito Administrativo. 22ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 550)
Cumpre observar inclusive que o entendimento supra já foi sufragado pelo STJ, conforme decisão proferida no Resp. 1.137.354-RJ, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 8/9/2009 e divulgada no Informativo de Jusrisprudência nº 406, verbis:
“RESPONSABILIDADE. ESTADO. PRESCRIÇÃO. Trata-se, na origem, de ação indenizatória lastreada na responsabilidade civil proposta contra o Estado por viúvo e filhos de vítima fatal de disparo supostamente efetuado por policial militar durante incursão em determinada área urbana. Assim, a questão cinge-se em saber se, após o advento do CC/2002, o prazo prescricional para o ajuizamento de ações indenizatórias contra a Fazenda Pública foi reduzido para três anos, como defende o recorrente com suporte no art. 206, § 3º, V, do mencionado código, ou permanece em cinco anos, conforme a norma do art. 1º do Dec. n. 20.910/1932. Isso posto, a Turma deu provimento ao recurso ao argumento de que o legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício do Fisco e, com o manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso de eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado nesse particular (art. 10 do Dec. n. 20.910/1932). O prazo prescricional de três anos relativo à pretensão de reparação civil (art. 206, § 3º, V, do CC/2002) prevalece sobre o qüinqüênio previsto no art. 1º do referido decreto.”
Vale salientar que o Pretório Superior publicou notícia em seu endereço eletrônico[3], sinalizando a mudança no entendimento da corte, confira-se o excerto:
“Após o Código Civil de 2002, o prazo prescricional para o ajuizamento de ações indenizatórias contra a Fazenda Pública é de três anos. Com esse entendimento, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a prescrição de ação interposta por viúvo e filhos contra o Estado do Rio de Janeiro.
No caso, eles propuseram a ação de indenização baseada na responsabilidade civil contra o estado pela morte de sua esposa e mãe, vítima de disparo fatal supostamente efetuado por policial militar durante incursão em determinada área urbana. O falecimento aconteceu em março de 2001 e a ação foi proposta em março de 2006, ou seja, cinco anos depois.
Em primeiro grau, foi reconhecida a prescrição. No julgamento do agravo de instrumento (tipo de recurso) interposto pela família, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou o prosseguimento do exame da apelação interposta contra a sentença. O estado, então, recorreu ao STJ.
Ao votar, o relator, ministro Castro Meira, destacou que o legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício do Fisco e, com o manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado nesse particular”.
“É exatamente essa a situação em apreço, daí porque se revela legítima a incidência na espécie do prazo prescricional de três anos, fruto do advento do Código Civil de 2002”, assinalou o ministro”.
Nessa linha de raciocínio também se mantém o Egrégio Tribunal de Justiça de Sergipe, in verbis:
“Administrativo e Civil – Ação indenizatória – Empresa pública prestadora de serviços públicos – Prazo prescricional – Direito intertemporal. I – Cuidando-se de empresa pública prestadora de serviços públicos, não obstante possua personalidade jurídica de direito privado, se aplicam diversas normas e princípios próprios do direito público, tal como o prazo prescricional reduzido, justamente em atenção ao interesse das atividades a que se prestam; II – No que toca, especificamente, à ação de reparação civil, é forçoso reconhecer que aludido prazo qüinqüenal foi reduzido pelo novel Código Civil para três anos, devendo ser analisadas as condições elencadas no art. 2.028 do mesmo diploma legal, a fim de se verificar o prazo aplicável à hipótese dos autos; III – Recurso conhecido e desprovido.” (grifos apostos). (APELAÇÃO CÍVEL 4303/2008. RELATOR: DESA. MARILZA MAYNARD SALGADO DE CARVALHO)
Mesmo diante do quanto até aqui exposto é de bom alvitre destacar que a tese da aplicação da lei 9.494/97 (art. 1-C) e do Decreto nº 20.910/32 também encontra argumentos sólidos deduzidos por doutrinadores de escol, a exemplo da lição de Marçal Justen Filho (2011, p. 1258-1260):
“Como já referido, o art. 206, V, do Código Civil fixa em três anos o prazo da prescrição da ação versando sobre pretensão de reparação civil. Essa regra não se aplica às ações que envolvam pretensão de reparação civil dirigida contra a Fazenda Pública. Assim se passa porque a regra do Código Civil é genérica. A prescrição da ação versando pretensão contra a Fazenda Pública está disciplinada de modo especial no Decreto nº. 20.910/32.
O argumento de que o Código Civil disciplina de modo genérico todas as ações, inclusive aquelas contra a Fazenda Pública, foi rejeitado já na vigência do Código Anterior. O Código de 1916 estabelecia que as ações pessoais prescreviam em 20 anos. Lembre-se que essa disposição constava do art. 177, cuja redá foi determinada pela Lei nº. 2.437. Essa regra em nada afetou a disciplina especial que já estava prevista no Decreto nº. 20.910.
Ou seja, consagrou-se a orientação de que prevalecia a lei anterior especial obre prescrição em face da Fazenda Pública, a qual determinava o prazo de cinco anos pra prescrição das ações. A lei posterior, que fixara o prazo de prescrição de vinte anos para as ações pessoais, foi reputada como norma geral, não apta a afetar a disciplina constante da norma especial.” (grifamos)
A crítica lavrada pelo eminente administrativista leva ao exame da questão relativa à qual seria o elemento jurídico que conduziu à conclusão diversa, ante ao conflito de normas que aparentemente possuíam o mesmo jaez.
Isto é, qual a razão de ter prevalecido a norma específica (Decreto nº 20.910/32) quando em confronto com o Código Civil de 1916, alterado pela Lei nº. 2.437? E, hodiernamente, haver divergência quanto à prevalência da “Lex Generalis”.
Tal celeuma originou-se do fato do Código Civil de 2002 haver reduzido o prazo prescricional, sendo que, historicamente, este, quando atribuído às demandas contra o Estado, era muito inferior ao prazo comum, desse modo não se poderia chegar à mesma conclusão atingida à época da alteração no Código Civil de 1916, visto que a lei geral não atingiu a “ratio essendi” da lei especial, como ocorrerá com o Código Civil de 2002.
Entretanto, a questão ainda se adensa, atente-se para a análise feita por Marçal Justen Filho (2011, p. 1261):
“As orientações políticas norteadas à proteção da Fazenda Pública em face dos cidadãos não foram recepcionadas pela Constituição de 1988. A dita ‘Constituição Cidadã‘ é impregnada pelo reconhecimento e proteção dos Direitos Fundamentais dos Cidadãos, inclusive perante o Estado. Justamente por isso a CF/88 – na esteira de uma longa tradição constitucional – impõe a responsabilidade objetiva da Administração Pública por ações e omissões aptas a acarretar danos a partculares”.(…)
“O regime da responsabilização civil da Administração Pública é muito mais severo do que o reservado para os particulares. Não há fundamento constitucional para defender o entendimento de que o prazo de prescrição da ação de responsabilização civil da Fazenda Pública seria mais exíguo do que aquele das ações de indenização em geral”.
Entretanto, perceba-se que o Código Civil em vigor, ao reduzir o prazo prescricional das pretensões que versem sobre reparação civil, repercutiu diretamente nos valores subjacentes à norma jurídica especial consubstanciada no art. 1-c da Lei 9.494/97 e no Decreto nº. 20.910/32. Isso porque a “mens legis” dos mesmos foi a Supremacia do Interesse Público, privilegiando o Estado.
Ressalte-se que, “in casu”, a lei geral posterior colocou a Fazenda Pública num patamar inferior ao que se encontra o particular.
Desse modo, mesmo que se considerem inconstitucionais os privilégios da Fazenda Pública, entendimento, diga-se de passagem, minoritário na doutrina, a não aplicação do prazo prescricional previsto no Código Civil implica sobrepor o particular ao interesse público.
Note-se que o princípio da supremacia do interesse público, como atributo da soberania estatal pode ser empregado em sua função sistêmica a qual conferem aos princípios o condão de interligar e harmonizar o ordenamento jurídico,conferindo-lhe unidade e transformando um inextricável conjunto de normas aparentemente desprovidasde um sentido comum, em um todo sistemático. Executam, assim, uma função conectiva na dinâmica do ordenamento jurídico (NOVELINO, 2011, P. 219).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Para que não haja inversão valorativa no ordenamento jurídico, privilegiando inclusive o princípio da igualdade, é fundamental pugnar pela aplicação do prazo prescricional de três anos às ações indenizatórias deduzidas em face da Fazenda Pública.
Portanto, a utilização do critério da especialidade para afastar a incidência do prazo prescricional previsto no Código Civil não apresenta solução ao conflito aparente de normas aqui apresentado, uma vez que conduz à relativização do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.
Embora se reconheça que o debate provoque alguma perplexidade, importante referir que a questão foi enfrentada no III Congresso de Procuradorias das Capitais Brasileiras, realizado em novembro de 2006, no Rio de Janeiro, restando aprovado o Enunciado IV, com o seguinte teor:
"Em matéria de responsabilidade civil aplica-se às ações propostas contra a Fazenda Pública o prazo prescricional de três anos previsto no parágrafo 3º do artigo 206 do Código Civil de 2002, afastada a incidência do artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, em prol da supremacia do interesse público.[4]"
Assim, a proposta para solução da antinomia verificada é a de que o prazo de prescrição qüinqüenal para as ações pessoais, previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 e no art. 1º-C, Lei nº 9.494/97, continua existente, somente se aplicando às hipóteses em que o mesmo prazo para os particulares for igual ou superior.
Informações Sobre o Autor
Thiago Carneiro de Santana Santos
Advogado Procurador do Município de Aracaju SE Especialista em Direito Publico e Direito Tributário pela Universidade Anhanguera/LFG Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador UCSAL