Da prova pericial nos Juizados Especiais Civeis

Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar o instituto da prova pericial, defendendo seu total cabimento no âmbito dos juizados especiais cíveis. Para melhor defender essa tese, analisaremos pontualmente a legislação que dispõe sobre os JESPS: Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95), CPC/73, CF/88, bem como o lastimável FONAJE, aqui elencado como legislação pois apesar de não o ser, assim vem sendo aplicado na prática, constituindo um exemplo clássico da invasão de competências legislativas por parte do órgão judiciário, muitas vezes sobrepondo-se ao Código de Processo Civil. Ademais, aproveitar-se da doutrina com a finalidade enriquecer o estudo na busca de uma melhor construção do conhecimento jamais é supérfluo.[1]

Palavras-chave: Juizados Especiais. Perícia. Prova Pericial.

Abstract: The purposeofthisartcileistoanalysetheinstituteof expert evidence, defendingit’ssuitability in theSpecial Civil Courtjurisdiction. Tobettersupportthisthesis, wewillanalysethoroughlythelegislationaboutthem, as well as thepitful FONAJE, whichwasplaced as legislationeventhough it isnot, buthasbeenconsidered a law in thepractice, fitting a classicalexampleofinvasionoflegislativepowersbythejudiciaryorgan, andevenoftenoverlappingthe civil code. Futhermore, tomakeusofthedoctrine, aimingtoenrichthestudy, seekingtobetter build knowledge, it isnever a shallowasset.

Keywords: SpecialCourt. Expertise. Expert Evidence.

Sumário: Introdução: A Importância dos Juizados Especiais Cíveis para a popularização do acesso à Justiça. 1. Breves considerações sobre a prova pericial e sua não utilização no procedimento sumaríssimo. 2. A competência dos Juizados Especiais segundo o Código de Processo Civil e a Lei dos Juizados Especiais. 3. A experiência bem sucedida dos Juizados Especiais Federais. Conclusão: Necessidade de realização de perícia para melhor prestação jurisdicional

Introdução: A Importância dos Juizados Especiais Cíveis para a popularização do acesso à Justiça

É inegável que a implantação dos Juizados Especiais trouxe muitos benefícios para o povo brasileiro. Impulsionado pelo movimento de ampliação do acesso à justiça, os Juizados Especiais têm tornado possível ao cidadão exercer o direito de ação sem pesadas custas processuais, de maneira prática, célere, e sem a necessidade do acompanhamento de um advogado, o que seria muitas vezes injustificado em vista ao valor da causa e à baixa complexidade da matéria discutida. As intensas campanhas de incentivo à conciliação e todos os esforços direcionados a essa modalidade de resolução de conflitos têm conseguido aumentar muito a composição amigável entre as partes e, consequentemente, agilizado a prestação jurisdicional, bem como aliviado o número de casos que exigem um pronunciamento decisório dos magistrados. Não obstante, os Juizados Especiais não podem ficar blindados a críticas pois ainda oferecem uma prestação jurisdicional um tanto quanto defeituosa em certos aspectos. As críticas, quando debruçadas em estudos e pesquisas bem direcionadas, são capazes de impulsionar uma crescente melhoria no âmbito judiciário brasileiro, possibilitando sua melhor adequação ao modelo do Estado Democrático de Direito. Afinal, apropriando-se da obra de Karl Popper, sabiamente adaptado ao campo de estudos do Direito por Rosemiro Pereira Leal:

“Os nossos sonhos e esperanças não têm necessariamente de comandar as nossas conclusões. Na procura da verdade, o nosso melhor plano pode ser o de começar por criticar as crenças que mais prezamos. É possível que este pareça a alguns um plano perverso. Mas não o parecerá àqueles que querem descobrir a verdade e não têm receio dela” – Karl Popper, no livro “Conjecturas e Refutações” (p. 22)

 1- Breves considerações sobre a prova pericial e sua não utilização no procedimento sumaríssimo

A prova pericial, ou prova técnica, é um instituto utilizado quando as questões de fato discutidas na lide demandam um conhecimento técnico para serem apuradas. Como ensina Humberto Theodoro Júnior, “Não raras as vezes, portanto, terá o juiz de se socorrer de auxílio de pessoas especializadas, como engenheiros, agrimensores, médicos, contadores, químicos etc., para examinar as pessoas, coisas ou documentos envolvidos no litígio e formar sua convicção para julgar a causa, com a indispensável segurança” (CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, volume 1, 55ª edição, editora Forense P. 524).

A perícia, segundo o artigo 420 do Código de Processo Civil “consiste em exame, vistoria ou avaliação”. Sucintamente, exame pode ser definido como inspeção sobre coisas, pessoas ou documentos, com a finalidade de averiguar fato que auxilie na resolução do litígio. A vistoria possui a mesma estrutura do exame, entretanto é realizada sobre bens imóveis, enquanto a avaliação é a valoração de coisas, direitos ou obrigações. Em tese, pode-se afirmar que a prova técnica utiliza da ciência para tirar conclusões a partir da análise do estado atual da coisa apurada.

A ideia de que os Juizados Especiais Cíveis não comportam prova pericial já está consolidada de tal maneira, perante os operadores do direito que ali atuam, que as críticas a tal entendimento se mostram bastante escassas. Aparentemente as abundantes e reiteradas decisões judiciais nesse sentido criaram um clima de conformidade entre todos aqueles que são alvo delas. Todavia, tais decisões não resistem a uma análise mais profunda pois se fundam em argumentos vazios e superficiais que sequer estão pacificados entre si. Ora a negativa em realizar o exame pericial ocorre sob o fundamento de que a prova técnica foge à competência dos Juizados Especiais Cíveis, ora ocorre sob o pretexto de que tal instituo não se coaduna com os princípios orientadores dos Juizados Especiais.

2 –A competência dos Juizados Especiais segundo o Código de Processo Civil e a Lei dos Juizados Especiais

Passamos ao exame do argumento trazido pelos Tribunais em decisões recentes:

“RECURSO INOMINADO. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO. REVISÃO DE JUROS E PARCELAMENTO DECORRENTE DE DÉBITO NO CARTÃO DE CRÉDITO. RENEGOCIAÇÃO VIA TELEFONE. AUSÊNCIA DE JUNTADA DO ATENDIMENTO CALL CENTER. PEDIDO DE BALCÃO. COMPLEXIDADE DA CAUSA EM FACE DA NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL. INCOMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. EXTINÇÃO DO FEITO, DE OFÍCIO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.”(Recurso Cível Nº 71005586805, Quarta Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Glaucia DippDreher, Julgado em 30/10/2015)

CONSUMIDOR. RETÍFICA DE MOTOR. NOVOS DEFEITOS APRESENTADOS AINDA NO PRAZO DE GARANTIA, RESTRITA AO SERVIÇO REALIZADO. VEÍCULO COM APROXIMADAMENTE VINTE E DOIS ANOS DE USO. DESGASTE NATURAL. INCONCLUSIVA A TESE DE QUE OS SEGUNDOS REPAROS DECORRERAM DA MÁ-PRESTAÇÃO DO SERVIÇO OU DA FALTA DE MANUTENÇÃO. COMPLEXIDADE. PROVA PERICIAL. INCOMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

(Recurso Cível Nº 71005297049, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Cleber Augusto Tonial, Julgado em 12/03/2015).

A Constituição Federal determinou, em seu artigo 98, I, a criação de Juizados Especiais para tratar de causas de ‘menor complexidade’, sem no entanto conceituar tal expressão, que é o norte da fixação de competências dessas unidades jurisdicionais. Coube ao legislador infraconstitucional esclarecer, por meio da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95), o que seriam tais causas. A lei 9.099/95, ao dispor sobre a competência dos Juizados Especiais Cíveis, apresenta um rol taxativo das ‘causas de menor complexidade’, definindo o conceito que o Legislador Constitucional deixou vago da seguinte forma:

" Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:

I – as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;

II – as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;

III – a ação de despejo para uso próprio;

IV – as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo."

Por sua vez, o art. 275, II, do Código de Processo Civil de 1973, ao qual faz menção, dispõe:

Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumário: (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)

I – nas causas, cujo valor não exceder 20 (vinte) vezes o maior salário mínimo vigente no País; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

I – nas causas cujo valor não exceda a 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo; (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)

II – nas causas, qualquer que seja o valor (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)

a) de arrendamento rural e de parceria agrícola; (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)

b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)

c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)

d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre; (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)

e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução; (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)

f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial; (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)

g) nos demais casos previstos em lei. (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)

g) que versem sobre revogação de doação; (Redação dada pela Lei nº 12.122, de 2009).

h) nos demais casos previstos em lei. (Incluído pela Lei nº 12.122, de 2009).

Observa-se que as causas de menor complexidade foram definidas e taxativamente elencadas pelo legislador orientando-se pelo critério do valor e da matéria. Não há qualquer menção na lei de que as causas de menor complexidade poderão ser assim definidas a partir de outro critério, como por exemplo a prova demandada para apuração dos fatos. Nesse mesmo sentido posiciona-se Antônio Pereira Gaio Júnior, ao afirmar que:

“Há, portanto, apenas dois critérios para fixação dessa competência: valor e matéria, inexistindo dispositivo na Lei 9.099/95 que permita inferir que a complexidade da causa- e, por conseguinte, a competência do Juízado Especial Cível- esteja relacionada à necessidade ou não de perícia”. (O PROCESSO NOS JUÍZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, EDITORA DEL REY, 2010, P. 63)

Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre o assunto, no voto da eminente relatora Nancy Andrighi, salientando que “Não há dispositivo na Lei 9.099/95 que permita inferir que a complexidade da causa e, por conseguinte, a competência do Juizado Especial Cível esteja relacionada à necessidade ou não de perícia.” (STJ- 3ª TURMA – MC 15.465/SC – Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 28/04/09).

Todavia, lamentavelmente o enunciado 54 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE), dispõe que “A menor complexidade da causa para fixação da competência é aferida pelo objeto da prova e não em face do direito material”. Preliminarmente, é necessário tecer algumas breves considerações sobre o FONAJE para melhor analisar esse enunciado.

O site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais oferece alguns esclarecimentos que serão aqui utilizados. Dispõe que o FONAJE:

“[…]tem por finalidade promover a padronização e a melhoria desse segmento do Poder Judiciário. Para isso, são editados enunciados, pedidos de providência, recomendações, sugestões, notas técnicas, e formados grupos de trabalho para atuação em frentes específicas.” (http://www.tjmg.jus.br/portal/conheca-o-tjmg/juizados-especiais/fonaje/)

Nota-se que o objetivo do FONAJE é proporcionar segurança jurídica aos jurisdicionados, uniformizando entendimentos e interpretações. Ademais, o referido site também versa que:

“Nesses Encontros – realizados também com o propósito de aperfeiçoar o Sistema e promover a atualização de conhecimentos pelo intercâmbio de informações e de experiências –, são organizadas plenárias com a finalidade de discutir temas polêmicos, gerando enunciados que servem de orientação para os juízes na solução de questões jurisdicionais mais controvertidas. Os enunciados editados nesses encontros, nacionais ou regionais – a exemplo do que ocorre com a edição de súmulas – servem para nortear a atuação jurisdicional dos magistrados, não tendo, entretanto, efeito vinculante. Assim, sua adoção não é obrigatória pelos juízes do Sistema dos Juizados Especiais.”

Não obstante os enunciados do FONAJE terem caráter meramente informativo, orientador e não vinculante, na prática eles são elevados à condição de lei, não sendo raras as vezes em que as decisões jurisdicionais se valem deles em sua fundamentação. Sua redação, por si só, já se mostra substancialmente imperativa, como pode ser aferido no trecho supramencionado. O enunciado 54 vai de encontro à Lei 9.099/95 ao reeditar a competência dos Juizados Especiais. O artigo 34 da LJE, juntamente com o artigo 275, inciso II do CPC/73 a que faz menção, definem explicitamente que a menor complexidade da causa é auferida a partir do valor da causa e da matéria, e ainda tratam de elencá-las. O enunciado do FONAJE é ilegítimo para contradizer o texto legal, uma vez que elaborado por integrantes do Poder Judiciário sem poder para legislar. Ele não pode ultrapassar a condição de orientador e muito menos contrariar a lei, pois não cabe ao Poder Judiciário definir sua própria competência e regulamentar seu âmbito de atuação, sob pena de violação do princípio da Divisão de Poderes e do Art 5º, inciso XXXV CF/88: – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

3- A experiência bem sucedida dos Juizados Especiais Federais

Superado o argumento de incompetência dos Juizados Especiais Cíveis para processar causas que demandam o exame pericial, cabe agora avaliar um segundo argumento também muito presente nas decisões judiciais: a incompatibilidade da realização de perícia com o procedimento sumaríssimo eos princípios norteadores dos Juizados Especiais.

Diante da inevitabilidade da realização de prova pericial para a resolução da demanda, múltiplas são as decisões optantes pela extinção do processo sem resolução de mérito, sob a égide do artigo 51, II, da lei 9.099/95 que prevê tal medida nos seguintes termos:

"Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei: […]

II – quando inadmissível o procedimento instituído por esta Lei ou seu prosseguimento, após a conciliação; "

Em decisão recente, a Turma Recursal de Divinópolis se utilizou de tal argumento:

“MEDIDOR – SUPOSTA ADULTERAÇÃO – NECESSIDADE PROVA TÉCNICA – JUIZADO – INCOMPETÊNCIA.QIESTIONAMENTO DE ADULTERAÇÃO NO MEDIDOR DE CONSUMO DE ENERGIA – LAUDO DE IRREGULARIDADE UNILATERAL FORNECIDO PELA CEMIG – NECESSIDADE DE PROVA TÉCNICA PERICIAL COM OBEDIÊNCIA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL – PROVA COMPLEXA – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JEC – EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO COM BASE NOS ARTS. 3º E 51, II, DA LEI 9099/95 – SENTENÇA CONFIRMADA. Se a demanda reclama exame pericial para apurar a natureza e o valor do dano em discussão, é inadequado o procedimento previsto na Lei 9099/95 que é norteado pela celeridade, informalidade e simplicidade. Quando a causa está a exigir exame pericial, cujo rito está previsto nos arts. 420 e seguintes do CPC, a incompetência do JEC é absoluta e deve ser declarada de ofício pelo juiz, com base nos arts. 3º e 51, II, da Lei 9099/95. Sentença confirmada.” (1ª Turma Recursal / Divinópolis – Rec. 0223.06.200.842-8 – Rel. José Maria dos Reis).

Todavia, é mister destacar que os Juizados Especiais Federais há muito têm se valido do instituto objeto deste estudo que, inclusive, é regulamentado em sua lei instituidora (Lei 10.259/01) em seu artigo 12:

"Art. 12. Para efetuar o exame técnico necessário à conciliação ou ao julgamento da causa, o Juiz nomeará pessoa habilitada, que apresentará o laudo até cinco dias antes da audiência, independentemente de intimação das partes.

§ 1o Os honorários do técnico serão antecipados à conta de verba orçamentária do respectivo Tribunal e, quando vencida na causa a entidade pública, seu valor será incluído na ordem de pagamento a ser feita em favor do Tribunal.

§ 2o Nas ações previdenciárias e relativas à assistência social, havendo designação de exame, serão as partes intimadas para, em dez dias, apresentar quesitos e indicar assistentes."

Dessarte, não há que se falar em incompatibilidade ou inadequabilidade do exame pericial com o procedimento sumaríssimo haja vista que unidade jurisdicional equivalente aos Juizados Especiais Cíveis, também valendo-se do procedimento sumaríssimo, realiza o exame pericial, levando-nos assim a concluir que este é perfeitamente aliável ao procedimento em questão.

Ademais, é inadmissível o argumento de que a realização da prova pericial não se coaduna com os princípios dos Juizados Especiais: simplicidade, oralidade, celeridade e economia processual. Longe de ser apenas um princípio norteador dos Juizados Especiais, a celeridade processual também é um direito de todos que acionam o Poder Judiciário para satisfazer suas pretensões. A CF/88, em seu Art. 5, inc. LXXVIII, dispõe que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)".

A necessidade de uma apuração mais detalhada não constitui critério para que a causa seja afastada da apreciação dos Juizados Especiais. Os princípios da oralidade e simplicidade são meros orientadores para a realização de um procedimento mais célere e não condição de admissibilidade da causa em Juízo. Não há fundamentação legal para que se afaste da apreciação dos Juizados Especiais as diligências que não são consideradas “simples”.

 A exposição de motivos da Lei 9.099/95 versa que "A celeridade acompanha a oralidade, pela desburocratização e simplificação da Justiça. Ademais, um procedimento sumaríssimo, que não sacrifique as garantias processuais das partes e da jurisdição, é o que melhor se coaduna com causas de menor complexidade",deixando evidente que os princípios da oralidade e simplicidade não são um fim em si mesmos, mas meros acessórios destinados a promover celeridade ao trâmite processual e uma prestação jurisdicional em tempo razoável.

Ratifica essa ideia o professor Otônio Ribeiro Furtado, que embora verse sobre os Juizados Especiais Criminais pode ser perfeitamente adaptado ao presente estudo pois ambas as unidades adotam os mesmo princípios para combater a morosidade que assola o Judiciário. Afirma ele que a Lei Dos Juízados Especiais Cíveis e Criminais “Orientando-se pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, a nova Lei impõe rapidez nas decisões da Justiça” (MANUAL DE PRÁTICA PROCESSUAL PENAL, P. 191, EDITORA DEL REY 1996).

Ademais, reiterando o disposto no Art. 5, inc. LXXVIII da Constituição Federal,o Novo CPC, no art. 4º, enuncia que"As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa."

Nesse sentido, argumenta RONALDO BRETAS DE CARVALHO: "[…] O povo tem não só o direito fundamental à jurisdição, como, também, o direito a que esse serviço público lhe seja prestado dentro de um prazo razoável". (PROCESSO CONSTITUCIONAL E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO- 3ª EDIÇÃO, 2015, P. 207).

O que se pretende demonstrar é que os princípios orientadores dos Juizados Especiais são acessórios na prática de um procedimento célere, que é devido a qualquer cidadão independente do rito adotado ou das diligências solicitadas. No âmbito dos Juizados Especiais eles devem ser preferencialmente observados, porém não devem ser perseguidos a qualquer custo, a ponto de ensejar a extinção do processo sem resolução de mérito quando o procedimento se afastar dele.

Diante do exposto, soa demasiadamente paradoxal o argumento que acompanha as decisões supramencionadas, uma vez que, longe de garantir uma razoável duração do processo, tais procedimentos apenas contribuem para a morosidade da Justiça e retardam a satisfação da pretensão do autor, que é obrigado a se direcionar à Justiça Comum e reiniciar todo o procedimento. Um órgão instituído e impulsionado pelos movimentos de desburocratização da Justiça possui o dever de se esquivar de posicionamentos que retardem o pronunciamento de mérito, quando possível fazê-lo sem sacrifício de outros direitos ou garantias fundamentais.

Conclusão: Necessidade de realização de perícia para melhor prestação jurisdicional

Por fim, concluímos que o procedimento adotado nos Juizados Especiais Cíveis necessita ser imediatamente alterado no que tange à realização de perícia. Conforme foi demonstrando, não há que se falar em incompetência destes para processar tais causas, e muito menos em incompatibilidade da prova demandada para com o procedimento sumaríssimo. O Direito Constitucional da razoável duração do processo tem sido injustificadamente agredido mediante tais decisões, que ainda persistem mesmo após o pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça, posto que ele apenas se efetiva com a solução integral do mérito, que é protelada por essa postura. Compartilhamos o posicionamento de FelippeBorring da Rocha:

“parece-nos que a prova pericial precisa, urgentemente ser mais bem estruturada na Lei º 9.099/95, para viabilizar a sua realização de forma mais efetiva. Nesse sentido, nos parece que a melhor solução foi a adotada pelos Juizados Especiais Federais. Neles, a perícia é feita por escrito e apresentada até 5 dias antes da audiência. Os honorários periciais, por sua vez, são pagos pelo Tribunal Regional Federal, que somente cobrará da parte ré se a causa for julgada procedente ou da parte autora, no caso de litigância de má-fé” (MANUAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS ESTADUAS TEORIA E PRÁTICA, 7ª EDIÇÃO, EDITORA ATLAS, P. 181)

A negativa dos Juizados Especiais Cíveis em realizar o exame pericial aparentemente decorre sobretudo de uma indisposição e desorganização do que propriamente de previsão legal. Tal medida constitui grande óbice ao pleno exercício dos direitos conferidos pelo Art. 4º do CPC/2015 e pelo Art. 5, inc. LXXVIII da CF/88 e necessita ser imediatamente revisada para que se combata a morosidade da Justiça brasileira. Diante do longo lapso temporal existente entre as audiências de conciliação e as audiências de instrução e julgamento, há tempo hábil, razoável e suficiente para que se providencie o exame pericial sem prejuízo de tempo.

Referências:
JÚNIOR, Humberto Theodoro. CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, volume 1, 55ª edição, editora Forense
JÚNIOR, Antônio Pereira Gaio. O PROCESSO NOS JUÍZADOS ESPECIAIS CÍVEIS, EDITORA DEL REY, 2010
CARVALHO, Ronaldo Brêtas de. PROCESSO CONSTITUCIONAL E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO- 3ª EDIÇÃO, 2015.
ROCHA, FelippeBorring da. MANUAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS ESTADUAS TEORIA E PRÁTICA, 7ª EDIÇÃO, EDITORA ATLAS.
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
Código de processo civil, Lei 5868, de 11 de janeiro de 1973.
LEI Nº 9.099, DE 26 DE SETEMBRO DE 1995.
LEI Nº 10.259, DE 12 DE JULHO DE 2001.
 
Nota:
[1]Trabalho orientado pelo Prof. Marco Antônio Lopes de Almeida, Procurador de Justiça do estado de Minas Gerais, com especialização em Direito Civil pela UFMG.


Informações Sobre o Autor

Pedro Francisco da Silva Almeida

Acadêmico em Direito pela PUC-MG


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