Resumo: O artigo em questão , trata do reconhecimento e ressarcimento do dano ambiental extra patrimonial coletivo, seus efeitos e consequências na esfera civil e patrimonial.
Sumário: 1. Ponderações acerca dos fundamentos e da conceituação. 2. Previsões no nosso ordenamento jurídico. 3. Notas Finais
1. Ponderações Acerca dos Fundamentos E da Conceituação
1. Para entrarmos na temática jurídica do reconhecimento e ressarcimento do dano ambiental extra patrimonial coletivo, faz-se necessária uma análise de pontos que interferem, interagem e irradiam efeitos e conseqüências através da complexidade do problema.
A dimensão do dano ambiental extra patrimonial engloba tudo o que diz respeito à sensação de dor experimentada, o conceito é amplo, abrange todo o prejuízo não patrimonial ocasionado à sociedade ou ao individuo, em virtude da lesão do meio ambiente que afete valores de ordem espiritual, ideal ou moral. É um dano cujo prejuízo vai alem da ordem meramente econômica, se inserem na categoria de lesões a direitos de personalidade, como é o caso das lesões do direito á saúde ou a qualidade de vida.
Analisando desta forma, o dano ambiental extra patrimonial ou moral, inclui apenas os interesses pessoais juridicamente tutelados, contudo a possibilidade de reparação deve estender-se aos danos extra patrimoniais coletivos, passando a tutelar não só interesses na esfera individual, mas também uma conotação mais ampla. Pressupõe um direito de personalidade de caráter difuso, onde o traço marcante é a união indeterminada de sujeitos, com comunhão de interesses, onde o dano em questão atinge a coletividade de forma indiscriminada.
A possibilidade de reparação do dano moral coletivo fundamenta-se no fato de que a coletividade como aglomerado de pessoas que vivem em um determinado local, estão unidas por fatores comuns e norteada de valores culturais, éticos e morais. Resultando numa ampliação dos valores individuais, para uma ordem de valores coletivos, independentemente dos indivíduos que a compõe, conferindo um caráter indivisível, pois quando o meio ambiente é lesado em sua concepção difusa, atinge concomitantemente a pessoa em seu status individual, como também a toda a coletividade.
A tutela moral coletiva relacionada aos danos ambientais, visa à proteção das dimensões éticas, morais e culturais de um determinado grupo ou coletividade. O bem tutelado com a imposição da reparação da lesão de caráter moral decorrente do dano ambiental é a proteção dos direitos fundamentais inerentes aos indivíduos, como o de desfrutar de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Constatado um dano ambiental autônomo, que afete os componentes ambientais naturais ou humanos, este nem sempre consistirá apenas na lesão deste componente, mas refletirá em outros valores precípuos da coletividade a ele relacionados, tais como, qualidade de vida, sossego, valores históricos, culturais, paisagísticos. Constatando tal hipótese, um direito difuso da sociedade esta sendo lesado, se materializando desta forma, o caráter imaterial ou extra patrimonial do dano ambiental, Em decorrência existirá um dano moral ambiental de natureza moral coletiva a ser indenizado. Quando a situação de fato representar um decréscimo na saúde, tranqüilidade, qualidade de vida e bem – estar da coletividade, para se ter uma reparação integral, mesmo reparado a materialidade do dano, faz-se necessário considerar a dimensão imaterial do mesmo.
Para compreender o dano ambiental de ordem moral ou coletiva é necessário reconhecer sua reparabilidade nas situações de dor psíquica que serviu de alicerce a teoria individual e por extensão ampara o dano coletivo na medida em que gera um sentimento de desaprovação de toda a coletividade. O sentimento de desapreço e a intranqüilidade gerada afetam toda a coletividade, e por serem sentimentos que não se podem mensurar, são indivisíveis, acarretam lesão moral a ser reparada coletivamente.
Esse é o entendimento de acordo com Leite[1] :
“Quando afirma que “a dor, em sua acepção coletiva, é ligada a um valor equiparado ao sentimento moral individual, mas não propriamente este, posto que concerne a um bem ambiental, indivisível, de interesse comum, solidário e relativo a um direito fundamental de toda coletividade. Trata-se de uma lesão que traz desvalorização imaterial ao meio ambiente ecologicamente e concomitantemente a outros valores inter-relacionados como a saúde e a qualidade de vida”. (grifo nosso)
O dano extra patrimonial de ordem coletiva é predominantemente objetivo, pois o objeto de tutela é o bem ambiental em si mesmo e não um interesse particular. Em razão de dificuldade em caracterizá-lo sua existência é presumida, leva-se em conta a gravidade da lesão ocorrida ao meio ambiente e seus reflexos na esfera coletiva.
2. Previsões no nosso ordenamento jurídico
2. No nosso ordenamento jurídico, encontra previsão na Constituição Federal, onde o direito a indenização por dano material e moral ou a imagem, não restringindo a possibilidade de lesão ao patrimônio moral do individuo isoladamente. Da mesma forma a legislação infraconstitucional assegura a reparação dos danos patrimoniais e morais, por sua vez a súmula 37, do STF admite a cumulação com base no principio da reparação integral, dos danos patrimoniais e morais. A Lei 8.884/94 por sua vez, introduziu a previsão legal do dano moral ambiental coletivo, não restando, desta forma, qualquer duvida quanto à possibilidade jurídica de seu reconhecimento.
No tocante a indenização, deve ser com base em critérios de razoabilidade e prudência, a legislação e a jurisprudência vem gradativamente acolhendo o dano moral extra patrimonial, na esfera individual e coletiva.
Especial destaque deve ser dado àquela que pode ser considerada, até o momento, a mais significativa decisão judicial reconhecendo a existência do dano ambiental extra patrimonial difuso. Trata-se de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em 07/08/2002, nos autos do processo referente à Apelação Cível 2001.001.14586.[2] O Município do Rio de Janeiro propôs ação civil pública objetivando a reparação de danos ambientais materiais e extras patrimoniais, decorrentes do corte de árvores, supressão de sub-bosque e início de construção não licenciada em terreno próximo ao Parque Estadual da Pedra Branca. Pelo juízo singular foram acolhidos os pedidos de condenação na obrigação de desfazer as obras irregularmente executadas e de plantar 2.800 mudas de árvores de espécies nativas, com o objetivo de promover a recuperação da área degradada, ou seja, reparar os danos ambientais materiais.
Com vistas a garantir a compensação pelos danos extras patrimoniais suportados pela coletividade, o Município do Rio de Janeiro apelou, tendo a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformado a sentença para admitir a ocorrência de danos morais coletivos decorrentes da ação danosa perpetrada contra o meio ambiente e condenando o apelado ao pagamento do equivalente a 200 salários mínimos. Nos termos do acórdão em comento:
A condenação imposta com o objetivo de restituir o meio ambiente ao estado anterior não impede o reconhecimento de reparação do dano moral ambiental. (…)
Uma coisa é o dano material consistente na poda de árvores e na retirada de sub-bosque cuja reparação foi determinada com o plantio de 2.800 árvores.
Outra é o dano moral consistente na perda de valores ambientais pela coletividade.
3. Notas Finais
3. Resta ao poder judiciário acolher e mensurar as pretensões ressarci tórias fundamentadas na lesão moral individual e estender a coletividade, na medida em que os danos ao meio ambiente são de esfera globa A coletividade, por sua vez, deve exercer o direito a cidadania, utilizando os instrumentos de tutela jurisdicional para assegurar e preservar seus direitos.
Na sociedade de risco em que estamos inseridos, repleta de incertezas com relação ao futuro da humanidade e do meio ambiente ao qual se insere, a vida torna-se frágil diante de interferência humana no curso natural das coisas. A deficiência no controle dos acontecimentos presentes nos leva a uma imprevisibilidade assustadora em relação aos fatos futuros. Há uma necessidade emergente de alterar, ampliar os paradigmas e fundamentos éticos ambientais em que a sociedade se encontra alicerçada, a fim de assegurar a efetiva dignidade da pessoa humana, garantir seu pleno desenvolvimento e assegurar um meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Faz-se necessário ampliar o olhar reducionista e tecnicista, o qual serviu de rumo para a decadência do equilíbrio ambiental e ampliar os horizontes, utilizando uma visão multidisciplinar menos tecnicista e mais sociológica, a fim de adequar a proteção ambiental a novas tendências, onde o meio ambiente e visto e entendido numa perspectiva sistêmica, não se restringindo apenas a elementos corpóreos, mas a um conjunto complexo de interações, cuja degradação viola não apenas interesses individuais, mas também difusos de natureza não patrimonial relacionados à manutenção e preservação da qualidade de vida, em busca de uma nova cidadania ambiental.
Informações Sobre o Autor
Flávia Gomes de Freitas
Bacharel em Direito. Especialista em Formação Pedagógica. Pós-Graduanda em Direito Ambiental