Das arras confirmatórias, penitenciais e assecuratórias

Resumo: O presente estudo procura analisar de forma resumida as consequências jurídicas no direito brasileiro das arras confirmatórias, penitenciais e assecuratórias sobre as relações jurídicas contratuais, desde o momento anterior à conclusão do contrato até sua efetiva execução.

Palavras-chave: Arras. Sinal. Arras confirmatórias. Arras penitenciais. Arras assecuratórias. Direito brasileiro.

Abstract: This study examines briefly the legal consequences under Brazilian law of arrha confirmatoria, arrha poenitentialis and arrha pacto imperfecta data on contractual relations, from the time prior to conclusion of the contract until its effective execution.

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Keywords: Arrha confirmatoria. Arrha poenitentialis. Arrha pacto imperfecta data. Brazilian Law.

Sumário: Introdução. 1. Das arras confirmatórias. 1.1. Função probatória das arras confirmatórias. 1.2. Função de desconto ou antecipação das arras confirmatórias. 1.3. Função punitiva das arras confirmatórias. 2. Das arras penitenciais. 3. Das arras assecuratórias.

Introdução

Nas relações jurídicas contratuais, o patrimônio do devedor é a garantia fundamental de que o credor terá seus interesses patrimoniais satisfeitos. No entanto, por ele ser uma universalidade de bens (art. 91 CC), seu uso como garantia passa por inúmeras dificuldades práticas, desde a mensuração do valor dos bens que o compõem à determinação de quais deverão ser penhorados em uma execução judicial. Em razão de tais dificuldades, o direito permite o uso de meios adicionais para facilitar a garantia do contrato. Dentre tais meios adicionais estão as arras (arts. 417 ss. CC).

As arras são os bens patrimoniais dados em garantia à pessoa com quem se quer contratar mediante transmissão de sua posse ou propriedade, podendo ter os seguintes usos: (i) comprovação da conclusão do contrato (arras confirmatórias ou arrha confirmatoria), com ou sem antecipação do pagamento; (ii) segurança de contrato ainda não concluído, seja em razão de conveniência ou possibilidade, seja em razão de necessidade de forma solene (arras assecuratórias ou arrha pacto imperfecta data); e (iii) constituição do poder de uma ou mais partes contratuais revogar(em) o contrato por arrependimento (arras penitenciais ou arrha poenitentiales)[1].

Apesar de ser um instituto que data da Antiguidade[2], o tratamento dogmático das arras pelo direito civil tem sido uma preocupação de poucas páginas no Brasil, o que acabou por gerar enormes dificuldades práticas entre os operadores do direito, sobretudo no ramo do direito imobiliário.

1. Das arras confirmatórias

As arras confirmatórias possuem as seguintes funções: (i) função probatória, (ii) função de desconto ou antecipação, e (iii) função punitiva. A função de desconto ou antecipação de pagamento não é essencial às arras confirmatórias, diferentemente da função punitiva, que é essencial[3].

1.1. Função probatória das arras confirmatórias

As arras confirmatórias (ou arrha confirmatoria) são assim chamadas em razão da sua função de fortalecer a prova de conclusão do contrato definitivo (função probatória)[4]. O art. 1.094 do Código Civil de 1916, sem equivalente no atual Código Civil, expõe muito bem tal função: “O sinal, ou arras, dado por um dos contraentes firma a presunção de acordo final, e torna obrigatório o contrato.”.

1.2. Função de desconto ou antecipação das arras confirmatórias

A função de desconto ou antecipação de pagamento está definida no art. 417 do Código Civil: “Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.”[5]

Só haverá computação no objeto da prestação devida se os bens dados em arras forem do mesmo gênero do objeto da prestação (dinheiro por dinheiro). Se não o forem, não há adiantamento de pagamento. Não se exige que sejam da mesma espécie ou qualidade do objeto da prestação principal, mas que sejam do mesmo gênero de bens[6].

Uma vez que o devedor entregou as arras a título de antecipação de pagamento, os bens correspondentes saíram do seu patrimônio e foram definitivamente incorporados ao patrimônio do credor, sem qualquer possibilidade de devolução. As arras dadas a título de antecipação de pagamento sempre transferem a propriedade do bem ao credor[7].

 A doutrina entende que as arras não dadas em adiantamento de pagamento não transferem a propriedade, mas somente a posse. Incluir-se-iam aí as arras meramente confirmatórias e as arras penitenciais[8]. Contudo, tal entendimento parece acarretar dificuldades se as arras são constituídas por bens fungíveis, tais como dinheiro ou bens perecíveis. Nestes casos, entendo que seria o caso de aplicar analogicamente o regramento do mútuo (arts. 586 e 587 do Código Civil), com transferência da propriedade dos bens fungíveis dados em arras, desde que o contrato nada disponha sobre o assunto e desde que as circunstâncias negociais o permitam.

1.3. Função punitiva das arras confirmatórias

A função punitiva das arras confirmatórias está definida nos arts. 418 e 419 do Código Civil. Se foi o devedor, que deu as arras, der causa ao inadimplemento contratual, o credor terá o direito de retê-las, como garantia de indenização por perdas e danos. Em contrapartida, se o credor, que recebeu as arras, der causa ao inadimplemento, terá de devolvê-las, mais o valor equivalente, como garantia de indenização por perdas e danos, junto de juros moratórios e atualização monetária, e, se houver ação ajuizada, honorários advocatícios[9].

A finalidade das arras não é esgotar a indenização por perdas e danos, mas sim facilitá-la. Nestes casos, perdas e danos serão compostos pelas arras, enquanto mínimo de indenização, e pelo restante do prejuízo, a ser provado pela parte prejudicada[10]. As arras exercem então função semelhante à cláusula penal prevista no art. 416, parágrafo único do Código Civil.

2. Das arras penitenciais

As arras são penitenciais (ou arrha poenitentiales) quando o bem patrimonial dado em garantia é acompanhado pelo direito de qualquer uma das partes revogarem o contrato por arrependimento[11]. Está prevista no Código Civil no art. 420: “Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.”.

O direito de arrependimento não é presumido. Se nada constar em contrato, as arras são tidas por confirmatórias. Se o direito de arrependimento for exercido pela parte que deu as arras, ela as perderá em favor da outra parte. No entanto, se o direito de arrependimento for exercido pela parte que recebeu as arras, ela deverá devolvê-las, mais seu equivalente[12].

Apesar de o Código Civil explicitar que as arras penitenciais têm função unicamente indenizatória, tal expressão é equívoca. Não é propriamente indenizatória, porque não decorre de ato ilícito, pressuposto da indenização (art. 186 e 927 do Código Civil), mas sim compensatória, já que apenas determina uma compensação pelo exercício de direito de arrependimento.

Conforme dispõe Pontes de Miranda, o direito de arrependimento tem de ser exercido, na dúvida, antes do cumprimento do contrato ou de seu início, sob pena de preclusão. Não obstante, como se trata de direito dispositivo, os interessados podem estabelecer prazo para o exercício do direito de arrependimento ou até permitir seu exercício depois de iniciado o cumprimento do contrato[13].

Uma vez precluso o direito de arrependimento, deve-se definir o destino das arras penitenciais. O Código Civil não dispõe sobre o assunto. Pontes de Miranda entende que o seu destino está aberto à disposição das partes: as arras poderão tanto ser imputadas ao pagamento, como ser devolvidas à parte que as deu. Não há nenhum óbice legal para isso[14].

Se o contrato nada dispuser sobre o destino das arras depois da preclusão do direito de arrependimento, entendo que as arras penitenciais deverão ser computadas à prestação devida, se do mesmo gênero da principal, ou restituídas (art. 417 do Código Civil).

3. Das arras assecuratórias

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

As arras assecuratórias (ou arrha pacto imperfecta data) são garantias utilizadas em contratos ainda não concluídos e que ainda estão na fase de contrato preliminar, seja em razão de necessidade de forma solene do contrato definitivo (por ex., compra e venda de imóveis e escritura pública), seja em razão de conveniência ou possibilidade das partes (possibilidade de outros compradores, melhores ofertas, etc.)[15]. As arras assecuratórias são a garantia de que a conclusão do contrato definitivo, ainda na fase de tratativas16], não somente é possível, mas provável.

As funções das arras assecuratórias podem ser livremente pactuadas entre as partes contratuais. Normalmente as arras assecuratórias só têm função probatória: deverão ser devolvidas à parte contratual que as deu, seja no caso de conclusão do contrato definitivo, seja no caso de não conclusão[17].

Nada impede, contudo, que tais arras assecuratórias tenham funções menos comuns, tais como (i) função punitiva, para assegurar o cumprimento do contrato preliminar e a conclusão do contrato definitivo[18]; (ii) função de desconto do pagamento do contrato definitivo, mesmo que este ainda não tenha sido concluído[19]; e (iii) função penitencial, para dar às partes a possibilidade de arrependimento do contrato preliminar antes da conclusão do contrato definitivo[20].  O regramento aplicável nestes casos será igual ao das arras confirmatórias ou ao das arras penitenciais.

4. Conclusão

O presente artigo procurou analisar de maneira breve o instituto das arras desde a gênese à conclusão do contrato. Apesar de ser um instituto de escassa análise dogmática, as arras continuam a ser intensamente utilizadas como um meio de se obter maior garantia não só em contratos civis, mas também em contratos consumeristas e empresariais. A milenar utilidade do instituto das arras é razão suficiente para ulteriores aprofundamentos.

Referências:
Bdine Jr., Hamid Charaf. Código Civil comentado, 8ª ed. Ministro Cesar Peluso (Coord.). São Paulo: Manole, 2014.
Gomes, Orlando, Contratos, 12ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1993.
Konder, CARLOS NELSON, Arras e cláusula penal nos contratos imobiliários, Revista dos Tribunais Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 2, n. 4-5, p. 83-104, mar.-abr./maio-jun, 2014.
Lôbo, Paulo, Direito civil – Obrigações, 3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.
Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti, Tratado de direito privado – Parte especial – Direito das coisas – Tomo XIII, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012.
Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti, Tratado de direito privado – Parte especial – Direito das obrigações – Tomo XXIV, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012.
Santos Sombra, Thiago Luís, Arras e a cláusula penal no Código Civil de 2002, Rio de Janeiro, Revista dos Tribunais, v. 101, n. 917, p. 75-90, mar., 2012.
Serpa Lopes, Miguel Maria de, Curso de direito civil – Dos contratos em geral, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1954.
Venosa, Sílvio de Salvo, Direito civil – Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos – Vol. 2, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2003.
 
Notas:
[1] F.C. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado – Parte especial – Direito das coisas – Tomo XIII, São Paulo, RT, 2012, p. 381.

[2] “A palavra arras é de origem semítica. De tal forma de contratar se utilizaram os fenícios, hebreus e cartagineses. Os gregos importaram essa prática, a partir do século IV, antes de Cristo, como é referido por numerosos escritores.” Cf. M. Maria de Serpa Lopes, Curso de direito civil – Dos contratos em geral, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1954, p. 183.

[3] M. Maria de Serpa Lopes, Curso cit. (nota 2 supra), p. 185-188 e F.C. Pontes de Miranda, Tratado cit. (nota 1 supra), pp. 392-394.

[4] A função confirmatória das arras apenas tem servido para se distinguirem as arras que aludem a contrato já concluído (arrha contractu perfecto data) ou fazem supor-se essa conclusão das arras que se referem a contrato por se concluir (arrha pacto imperfecta data ou arras assecuratórias). Hoje em dia a função confirmatória das arras é de menor importância. Cf F.C. Pontes de Miranda, Tratado cit. (nota 1 supra), p. 393 e M. Maria de Serpa Lopes, Curso cit. (nota 2 supra), p. 185.

[5] O Código Civil de 2002 expandiu a função de desconto aos bens de mesmo gênero do objeto da prestação principal, e não apenas a dinheiro, como fazia o Código Civil de 1916 (art. 1.096).

[6] Por exemplo, deu-se como arras um automóvel para a aquisição de um terreno, cujo restante do preço será pago em parcelas. A prestação das arras difere da prestação em dinheiro das parcelas quanto à espécie e à qualidade, mas ambas têm objeto do mesmo gênero, a saber, bem móvel. Cf. P. Lôbo, Direito civil – Obrigações, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 2013, p. 261.

[7] P. Lôbo, Direito cit. (nota 6 supra), pp. 261-262.

[8] P. Lôbo, Direito cit. (nota 6 supra), p. 261-262 e F.C. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado –  Parte especial – Direito das obrigações – Tomo XXIV, São Paulo, RT, 2012, p. 240.

[9] P. Lôbo, Direito cit. (nota 6 supra), p. 262.

[10] P. Lôbo, Direito cit. (nota 6 supra), p. 262.

[11] Não se trata de resolução, porque não decorre de inadimplemento contratual ou mora. Não se trata de condição resolutiva, porque condições puramente potestativas são ilícitas (art. 122 do Código Civil). Trata-se de direito de revogação. Cf. F.C. Pontes de Miranda, Tratado cit. (nota 1 supra), p. 382.

[12] P. Lôbo, Direito cit. (nota 6 supra), p. 263.

[13] F.C. Pontes de Miranda, Tratado cit. (nota 8 supra), p. 258.

[14] F.C. Pontes de Miranda, Tratado cit. (nota 8 supra), p. 253.

[15] F.C. Pontes de Miranda, Tratado cit. (nota 1 supra), p. 381.

[16] Orlando Gomes, Contratos, 12ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 109 e S.S. Venosa, Direito civil – Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos – Volume 2, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 535.

[17] S.S. Venosa, Direito cit. (nota 16 supra), p. 535.

[18] Orlando Gomes, Contratos (nota 16 supra), p. 109 e S.S. Venosa, Direito cit. (nota 16 supra), p. 535.

[19] F.C. Pontes de Miranda, Tratado cit. (nota 1 supra), p. 391.

[20] F.C. Pontes de Miranda, Tratado cit. (nota 8 supra), p. 247.


Informações Sobre o Autor

Pedro Henrique Quitete Barreto

Advogado, Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo 2013


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
logo Âmbito Jurídico