Defensoria pública e tutela coletiva das vítimas de discriminação étnica

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Acaba ser sancionada pelo Senhor Presidente de República a Lei Ordinária Federal n. 12.288, de 20 de Julho de 2010, mas conhecida como Estatuto da Igualdade Racial. Tal Diploma, como sugere sua alcunha, objetiva assegurar à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos e individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas inaceitáveis de intolerância étnica.


Deveras, tal novel legislação é fruto do comprometimento de nossa República na ordem internacional com o princípio do repúdio ao racismo depositado em nossa Constituição Federal, e, também, com os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial das Nações Unidas de 1965.


O Art. 3º do Estatuto deixa claro que, juntamente com as normas constitucionais relativas aos princípios e garantias fundamentais, é adotado como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira.


Entre os meios elencados pelo Estatuto Racial para a participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País, está a promoção, de modo prioritário, da implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante ao acesso à Justiça.


Arrola o Diploma da Igualdade Racial como garantias fundamentais expressas da população negra, instituindo mecanismos de efetivação e diretrizes a serem seguidas, o direito à saúde, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à liberdade de consciência e de crença, ao livre exercício dos cultos religiosos, ao acesso à terra e à moradia digna, ao trabalho e ao acesso aos meios de comunicação. O parágrafo único, do Art. 35, do Estatuto, com habilidade, esclarecendo que o direito à moradia adequada não inclui apenas o provimento habitacional, estabelece a garantia da assistência jurídica para a construção, reforma e regularização fundiária da habitação nas áreas urbanas degradadas ou em processo de degradação, a fim de integrá-las à dinâmica urbana e promover a melhoria na qualidade de vida.


Em seu Art. 52, caput, a Lei 12.288, assegura às vítimas de discriminação étnica o acesso à Defensoria Pública para a garantia do cumprimento de seus direitos. A par da Lei 11.340/2006, conhecida como “Lei Maria da Penha”, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, o parágrafo único desse mesmo dispositivo diz que o Estado deverá assegurar atenção às mulheres negras em situação de violência, garantindo-se a assistência física, psíquica, social e jurídica.


No Art. 55 do Estatuto da Igualdade Racial propositadamente reside o acesso à tutela coletiva da população negra. Pela sua reluzente redação, a apreciação judicial das lesões e das ameaças de lesão aos interesses da população negra decorrentes de situações de desigualdade étnica, far-se-á, entre outros instrumentos, pela via da ação civil pública, disciplinada na Lei 7.347/85.


Acrescentando novo parágrafo 2º, ao Art. 13, da Lei 7.347/85, o Estatuto das Raças estabelece que havendo acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de discriminação étnica, a prestação em dinheiro reverterá diretamente a um fundo que deverá ser utilizado para ações de promoção da igualdade étnica, conforme definição do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de dano de extensão nacional, ou dos Conselhos de Promoção de Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com limite regional ou local, respectivamente.


A ação civil pública visando a tutela jurisdicional da população negra brasileira expressamente prevista na nova legislação vai, assim, ao encontro dos anseios da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que, em seu Art. 2º, letra “d”, proclama que seus países signatários devem, por todos os meios apropriados – inclusive, se as circunstâncias o exigirem, com medidas legislativas – , proibir a discriminação racial praticada por quaisquer pessoas, grupos ou organizações, pondo-lhe um fim, através de remédios processuais eficazes perante os tribunais nacionais.


Há exatos 122 anos, a Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, fazia saber a todos os súditos do então Império brasileiro que a Assembléia Geral decretava e ela sancionava Lei n. 3.353, de 13 de Maio de 1888, declarando extinta a escravidão no Brasil, nestes termos:


Art 1º É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil.


Art 2º Revogam-se as disposições em contrário”.


Passado mais de um Século, estes dois dispositivos abolicionistas não foram suficientes para fazer apagar o horror e a crueldade do holocausto de 400 anos de escravidão negra levada a efeito pelo projeto agrícola de exploração colonial portuguesa. Em muitas das comunidades remanescentes dos quilombos, nas castigadas favelas e cortiços das áreas urbanas das grandes cidades de nosso País ainda podem ser ouvidos os gemidos de dor dos açoites dos capitães-do-mato, a mando dos senhores de engenho, sob a indiferença da casa grande.


Em 28 de Agosto de 1963, Doutor King teve um sonho. Sonhava que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes dos donos de escravos poderiam se sentar junto à mesa da fraternidade.


O Estatuto da Igualdade Racial encarrega os Defensores Públicos de fazer o sino da liberdade soar, em toda moradia e em todo vilarejo, em todo o Estado e em toda a cidade.


Coragem Defensores Públicos! Não se deixem abater pelo mal, nem pelo desânimo diante de tanta injustiça. Essa a nossa sagrada e sublime missão. Nossa vocação para o bem é infinita.


Disse Mandela certa vez: “Nascemos para manifestar a glória do Universo que está dentro de nós. Não está apenas em um de nós: está em todos nós. E conforme deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo. E conforme nos libertamos do nosso medo, nossa presença, automaticamente, libera os outros”.


Tudo começará agora.



Informações Sobre o Autor

Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público do Estado do Espírito Santo


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