A desaposentação é um tema que gerou grandes expectativas entre aposentados brasileiros que continuaram a trabalhar após se aposentarem e que desejavam obter uma nova aposentadoria mais vantajosa, utilizando as contribuições feitas depois da concessão do benefício. No entanto, em decisão com repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a impossibilidade jurídica da desaposentação, afetando milhares de pessoas em todo o país. Neste artigo, explicamos em profundidade o conceito de desaposentação, a tese defendida por aposentados, a resposta da jurisprudência, a fundamentação do STF, os efeitos dessa decisão, as alternativas possíveis dentro da legislação previdenciária e o que os segurados podem fazer para melhorar sua aposentadoria em situações similares.
O que é a desaposentação
Desaposentação é o nome dado ao pedido judicial feito por um aposentado que continua trabalhando e contribuindo para o INSS, com o objetivo de renunciar à aposentadoria já recebida e obter um novo benefício mais vantajoso, considerando as novas contribuições feitas após a concessão do primeiro benefício.
Essa tese jurídica surgiu da realidade de muitos segurados que, mesmo após se aposentarem, precisavam ou queriam continuar trabalhando, o que os obrigava a contribuir mensalmente para a Previdência Social, sem receber nenhum retorno direto dessas novas contribuições. A desaposentação foi vista, portanto, como um caminho para recalcular o valor da aposentadoria e aumentar o benefício com base nas contribuições posteriores.
O processo de desaposentação não está previsto em lei, o que fez com que sua análise e eventual aceitação dependessem da interpretação dos tribunais, especialmente do STF.
Por que aposentados ingressaram com ações de desaposentação
Milhares de aposentados ingressaram com ações judiciais pleiteando a desaposentação com base em dois principais argumentos:
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Isonomia e justiça contributiva: Se o aposentado continua contribuindo para a Previdência, é justo que ele receba uma contrapartida por isso. Essas contribuições deveriam ser consideradas para a melhoria do valor do benefício.
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Proibição de enriquecimento ilícito do Estado: O INSS continuava arrecadando as contribuições dos aposentados sem oferecer qualquer tipo de retorno previdenciário, o que, segundo os autores das ações, constituía um enriquecimento sem causa da União.
Houve também muitas ações baseadas em precedentes de tribunais regionais federais que, antes da decisão do STF, chegaram a conceder o direito à desaposentação em diversas decisões favoráveis, especialmente no TRF-4 (Região Sul do Brasil).
A ausência de previsão legal da desaposentação
Um ponto central da discussão sempre foi a ausência de previsão legal da desaposentação na Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social). Segundo o INSS, a inexistência de dispositivo autorizando a renúncia ao benefício e a reaposentação configurava um impedimento legal.
A Previdência Social defendeu que a concessão de uma aposentadoria gera efeitos permanentes, inclusive com renúncia de outros direitos (como o auxílio-doença), sendo, portanto, irrevogável e irretratável, nos termos do artigo 181-B do Decreto nº 3.048/99, com base no princípio da segurança jurídica.
Com base nesse entendimento, o INSS negava administrativamente qualquer pedido de desaposentação, forçando os segurados a buscarem o Judiciário.
A decisão do STF sobre a desaposentação
Em outubro de 2016, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 661.256, com repercussão geral reconhecida, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, negou a possibilidade jurídica da desaposentação.
A tese fixada pelo STF foi clara: na ausência de lei que autorize a desaposentação, não é possível ao segurado renunciar ao benefício já concedido para obter outro mais vantajoso, considerando as contribuições posteriores à aposentadoria.
O Supremo baseou sua decisão em três fundamentos principais:
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Princípio da legalidade: No âmbito do Direito Público, só é possível exigir ou conceder direitos quando há lei autorizando expressamente. Como a legislação previdenciária não permite a desaposentação, ela não pode ser reconhecida judicialmente.
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Segurança jurídica: O STF destacou que permitir a desaposentação poderia comprometer a estabilidade do regime previdenciário e abrir brechas para insegurança nos benefícios já concedidos.
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Equilíbrio financeiro e atuarial do sistema: A Previdência é um sistema contributivo e solidário, e permitir a revisão de benefícios concedidos poderia afetar o equilíbrio atuarial e comprometer a sustentabilidade financeira do INSS.
A decisão teve efeito vinculante para todos os tribunais do país, o que significa que as instâncias inferiores devem seguir o mesmo entendimento em casos semelhantes.
O que aconteceu com os processos em andamento
Com a decisão do STF, todos os processos judiciais sobre desaposentação que estavam em andamento foram afetados pelo entendimento fixado no Recurso Extraordinário nº 661.256. Os tribunais começaram a julgar improcedentes as ações ou a reverter decisões anteriores que haviam concedido o direito à desaposentação.
Nos casos em que o aposentado já recebia a nova aposentadoria recalculada, houve, em geral, o cancelamento do novo benefício e o retorno ao valor original da aposentadoria. Contudo, o STF determinou que os segurados não seriam obrigados a devolver os valores já recebidos de boa-fé, evitando, assim, a imposição de prejuízos financeiros a quem havia recebido os valores por decisão judicial válida até então.
A devolução dos valores recebidos após desaposentação
Uma das maiores preocupações dos aposentados após a decisão do STF era o risco de terem que devolver os valores recebidos em virtude da desaposentação. Felizmente, o STF reconheceu o princípio da boa-fé e afastou a obrigatoriedade de devolução, desde que:
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Os valores tenham sido recebidos com base em decisões judiciais provisórias ou definitivas
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Não tenha havido má-fé, fraude ou erro material
Esse ponto da decisão foi considerado um alívio para milhares de aposentados, pois garantiu que não haveria necessidade de ressarcir os valores que já haviam sido pagos com base em decisões liminares ou sentenças, mesmo que posteriormente revogadas.
Alternativas à desaposentação
Com a decisão do STF, a desaposentação ficou definitivamente proibida no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, surgiram debates sobre possíveis alternativas legais, entre as quais se destacam:
Reaposentação
A reaposentação seria um modelo jurídico semelhante à desaposentação, mas com base em novos critérios ou previsão legal futura. Como atualmente não há norma que autorize esse tipo de revisão, ela também está vetada até que haja mudança legislativa expressa.
Reajuste automático de benefício
Não existe mecanismo que permita o recálculo do valor da aposentadoria apenas com base em novas contribuições. Os reajustes atuais seguem os índices fixados por lei (como o INPC), mas não levam em conta novas contribuições feitas após a concessão da aposentadoria.
Aposentadoria programada com renúncia anterior
Após a Reforma da Previdência (Emenda Constitucional nº 103/2019), houve debates sobre a possibilidade de renunciar à aposentadoria e, posteriormente, solicitar uma aposentadoria programada com base nas novas regras. Porém, a maioria dos especialistas considera que a renúncia ao benefício não produz efeitos jurídicos e não é aceita pelo INSS.
Planejamento previdenciário
Com a proibição da desaposentação, muitos segurados passaram a investir em planejamento previdenciário antecipado, antes de se aposentar pela primeira vez. O objetivo é escolher o melhor momento para pedir a aposentadoria, considerando:
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Tempo de contribuição
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Valor das contribuições
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Idade
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Modalidades disponíveis
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Impacto de futuras contribuições
Esse planejamento pode evitar que o segurado se aposente com um valor baixo e arrependa-se depois, sem possibilidade de revisão.
A desaposentação no Congresso Nacional
Desde que o STF decidiu pela impossibilidade da desaposentação, diversos projetos de lei foram apresentados no Congresso Nacional com o objetivo de autorizar expressamente a desaposentação ou criar um modelo semelhante de revisão de benefício.
Entre os projetos, destacam-se aqueles que propõem:
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Possibilidade de nova aposentadoria com base em novas contribuições
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Reajuste proporcional do benefício
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Opção de desistência do primeiro benefício mediante devolução parcial
Apesar dessas propostas, nenhum projeto foi aprovado até o momento, e não há previsão de mudança legislativa em curto prazo. A resistência do governo e do próprio INSS se baseia no risco ao equilíbrio atuarial do sistema previdenciário.
Como fica a situação do aposentado que continua contribuindo
A decisão do STF consolidou o entendimento de que o aposentado que continua trabalhando e contribuindo para o INSS não terá direito a qualquer acréscimo no benefício já concedido.
Ou seja:
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As contribuições feitas após a aposentadoria não são aproveitadas para recálculo
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O segurado continua pagando INSS normalmente, especialmente se for celetista ou contribuinte individual
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Não há contrapartida direta, salvo em benefícios não programáveis, como auxílio-acidente ou pensão por morte
Esse cenário reforça a necessidade de planejar a aposentadoria antes da solicitação, evitando a frustração com um valor inicial baixo.
Críticas à decisão do STF
Apesar de juridicamente fundamentada, a decisão do STF sobre a desaposentação gerou críticas entre especialistas e segurados, especialmente pelos seguintes motivos:
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Desconsideração das contribuições feitas após a aposentadoria
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Injustiça com quem continuou trabalhando e contribuindo por muitos anos
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Falta de previsão de retorno financeiro a quem ainda integra o sistema
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Desincentivo à formalização e à contribuição de aposentados ativos
Essas críticas deram origem à pressão legislativa para reformar o sistema e oferecer algum tipo de compensação às contribuições pós-aposentadoria. No entanto, a realidade financeira do sistema previdenciário tem impedido mudanças nesse sentido.
O que pode mudar no futuro
A desaposentação está proibida atualmente, mas pode haver mudanças no futuro, se:
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O Congresso aprovar uma nova lei autorizando a reaposentação
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Houver reforma do sistema que preveja a consideração de contribuições pós-aposentadoria
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Mudanças no regime previdenciário tornem financeiramente viável uma revisão de benefícios
Por ora, o segurado que deseja aumentar seu benefício precisa planejar bem antes de se aposentar ou investir em alternativas privadas de previdência complementar, como fundos de pensão, previdência privada ou investimentos autônomos.
Seção de perguntas e respostas
O que é desaposentação?
É o pedido para renunciar à aposentadoria atual e obter um novo benefício mais vantajoso com base nas contribuições feitas após a aposentadoria.
A desaposentação é permitida hoje no Brasil?
Não. O STF decidiu que a desaposentação é juridicamente impossível, por ausência de previsão legal.
O que o STF decidiu sobre a desaposentação?
Decidiu que não é possível renunciar à aposentadoria para obter outra mais vantajosa, sem que haja lei que autorize isso.
Quem já tinha conseguido a desaposentação precisa devolver o dinheiro?
Não, desde que os valores tenham sido recebidos de boa-fé e com base em decisão judicial válida.
Existe alguma alternativa à desaposentação?
Atualmente, não há previsão legal de reaposentação ou revisão com base em novas contribuições. O planejamento previdenciário é a melhor alternativa.
Posso parar de pagar o INSS depois de aposentado?
Se você continua trabalhando com carteira assinada ou é contribuinte obrigatório, não. Apenas quem não exerce atividade remunerada pode parar de contribuir.
Se eu renunciar à aposentadoria, posso pedir outra?
A renúncia à aposentadoria não produz efeitos jurídicos perante o INSS. O benefício é irrevogável.
A desaposentação pode voltar a ser permitida?
Só se o Congresso aprovar uma nova lei. Atualmente, não há previsão de mudança nesse sentido.
As novas contribuições aumentam o valor da aposentadoria?
Não. Contribuições feitas após a aposentadoria não são consideradas para recálculo do benefício.
Posso entrar na Justiça pedindo a desaposentação?
Não é recomendável, pois o STF já decidiu pela impossibilidade. Os juízes devem seguir esse entendimento.
Conclusão
A desaposentação foi, por muitos anos, uma esperança para milhares de aposentados brasileiros que continuaram contribuindo para o INSS e buscavam uma forma justa de melhorar seus benefícios. No entanto, a decisão do STF pela impossibilidade jurídica da desaposentação consolidou o entendimento de que não é possível rever a aposentadoria com base em novas contribuições, na ausência de previsão legal.
Essa realidade reforça a importância do planejamento previdenciário antecipado, com análise detalhada de tempo, valores e regras aplicáveis antes de solicitar a aposentadoria. Também evidencia a necessidade de mudanças legislativas futuras que possam reconhecer o esforço contributivo dos aposentados ativos.
Até lá, cabe aos segurados buscar orientação especializada, conhecer seus direitos e deveres, e tomar decisões previdenciárias conscientes, sabendo que, após a concessão do benefício, ele será, em regra, definitivo. A previdência privada e outras formas de complemento de renda também passam a ser alternativas relevantes para quem deseja segurança financeira na aposentadoria.