Resumo: O direito previdenciário, responsável por estudar as políticas públicas e os riscos que afetam diretamente aqueles envolvidos no desenvolvimento econômico de uma nação (os trabalhadores) compõe em sua grande maioria a população economicamente ativa. As situações de invalidez, morte e idade avançada são o objeto de estudo do direito previdenciário e a maneira de melhorar essas relações, tornando-as mais justas e consentâneas aos fins sociais, é um dos objetivos desse inescusável ramo do direito público.[1] A doutrina tem definido a desaposentação como sendo a possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter beneficio mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em Regime Próprio de Previdência Social, mediante a utilização de seu tempo de contribuição, o tema da desaposentação ganha contornos doutrinários sólidos e consistentes. O objetivo do presente artigo é de apresentar os atuais entendimentos a respeito do tema desaposentação (reaposentação) nas Cortes superiores (STJ/STF) assim como a jurisprudência e respeitáveis doutrinas sobre o tema
1 – DO DIREITO À APOSENTADORIA
A aposentadoria é um direito garantido a todo o trabalhador pela Constituição Federal, assim disposto:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…)
XXIV – aposentadoria;”
Como explica Sérgio Pinto Martins:
“A aposentadoria visa substituir o salário ou a renda que o trabalhador tinha quando estava trabalhando. Não pode ser um prêmio, pois exige contribuição do trabalhador (…). As aposentadorias podem ser divididas em voluntárias e compulsórias, onde as voluntárias dependem da vontade do segurado em requerer o beneficio, como a aposentadoria por tempo de contribuição, por invalidez, especial e as compulsórias ocorrem no serviço público, quando o servidor tem 70 anos e é obrigado a se aposentar.”[2]
O trabalho dignifica o homem, mas, diante do caráter efêmero da vida, o sistema do seguro social deve oportunizar direito público subjetivo em prol do trabalhador de afastar-se, em definitivo, do ambiente de trabalho sem prejuízo financeiro. Desta feita, direito social dos mais relevantes, a aposentadoria constitui direito constitucional à inatividade, ao ócio remunerado, ao afastamento do labor com a percepção de proventos.[3]
Ocorre que ao passar do tempo, há o descompasso do valor da prestação em relação aos trabalhadores da ativa, assim faz com que o jubilado retorne ao labor remunerado afim de complementar a renda familiar que ficou defasado em razão de seu benefício previdenciário não acompanhar os reajustes dos salários pagos no mercado de trabalho.
A Desaposentação (Reposentação), como vem sendo denominada pela doutrina e jurisprudência, nada mais é do que a possibilidade de obter benefício previdenciário mais vantajoso, com a renúncia da aposentadoria e mediante a utilização do tempo e contribuições vertidas após a aposentação.
As ações ajuizadas perante o Judiciário brasileiro, em sua maioria, visam à renúncia do benefício percebido pelo segurado, para que sejam computados períodos trabalhados e vertidos posteriores à aposentação, e, consequentemente, o recálculo da RMI – Renda Mensal Inicial. É de bom alvitre destacar que não se trata de revisão de benefícios, mas, sim, de transformação do benefício para outro mais vantajoso, com o aproveitamento do período laborado após a concessão da aposentadoria, incluindo, portanto, no cálculo da nova RMI as contribuições vertidas ao sistema após a aposentadoria, o que, na grande maioria dos caso, eleva o valor do beneficio.
2 – DO DIREITO A DISPONIBILIDADE DA APOSENTADORIA
Fundamentou-se o direito fundamental dos trabalhadores após o preenchimento dos requisitos legais da sua aposentadoria perante o órgão competente. Ocorre que, para a desaposentação, como o próprio nome revela, o sujeito renúncia ao antigo benefício com o objetivo de buscar outro mais vantajoso.
No que se tange ao sujeito aposentado, existe no mundo jurídico a presunção de que este pretende continuar aposentado enquanto lhe seja possível, ou seja, a sua condição de aposentado deve ser mantida sem necessidade de o aposentado renovar a sua vontade periodicamente e, a referida presunção só poderá ser afastada caso o segurado queira, deve expressar tal desiderato de forma autônoma, consciente e livre. Nestes casos, quem expressa sua vontade em renunciar a aposentadoria assim o faz, buscando melhor condições financeiras.
Na verdade é o principal objetivo da desaposentação, nos dizeres IBHAHIM:
“A desaposentação, portanto, como conhecida no meio previdenciário, traduz-se na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter beneficio mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em Regime Próprio de Previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição. Ela é utilizada colimando a melhoria do status financeiro do aposentado”.[4]
A desaposentação, sendo um ato de desistência por assentimento (vontade) do próprio beneficiário, consiste no instituto da renúncia, mas não a renúncia do direito a aposentadoria, pois esta é um direito fundamental e irrenunciável, mas sim das prestações pecuniárias a que esta percebendo o beneficiário da seguridade.
Maria Helena Diniz define renúncia como:
“Desistência de algum direito. Ato voluntário pelo qual alguém abre mão de alguma coisa ou direito próprio. Perda voluntária de um bem ou direito”.[5]
Assim, pode-se conceituar renúncia como ato unilateral do agente, consistente no abandono voluntário de um direito ou de seu exercício; é ato de caráter do possuidor do direito, eminentemente voluntário e unilateral, através do qual alguém abandona ou abre mão de um direito já incorporado ao seu patrimônio.
Neste diapasão, os tribunais superiores pátrios entendem que:
“STJ: 5ª e 6ª Turmas da 3ª Seção.
– ADMITE RENÚNCIA AO BENEFÍCIO;
– NÃO PRECISA DEVOLVER OS VALORES RECEBIDOS;
– O TEMPO PODE SER UTILIZADO, INCLUSIVE, PARA OUTRO REGIME DE PREVIDÊNCIA”.
O Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento firmado. Vejamos, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. 1. A renúncia à aposentadoria, para fins de aproveitamento do tempo de contribuição e concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não importa em devolução dos valores percebidos, "pois enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos" (REsp 692.628/DF, Sexta Turma, Relator o Ministro Nilson Naves, DJU de 5.9.2005). Precedentes de ambas as Turmas componentes da Terceira Seção. 2. Recurso especial provido.” (RESP 200900646187; RESP – RECURSO ESPECIAL – 1113682; NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, DJE DATA: 26/04/2010 RDDP VOL.:00089 PG:00152, maioria).
Já o Pretório Excelso não tem entendimento consolidado, haja vista o RE 381367 de relatoria do e. Min. Marco Aurélio, pedir vista, pendendo, pois, de julgamento, contudo o nobre Min. já antecipou seu entendimento, dando provimento ao recurso.
Consignou, de início, a premissa segundo a qual o trabalhador aposentado, ao voltar à atividade, seria segurado obrigatório e estaria compelido por lei a contribuir para o custeio da seguridade social. Salientou, no ponto, que o sistema constitucional em vigor viabilizaria o retorno do prestador de serviço aposentado à atividade.
Em seguida, ao aduzir que a previdência social estaria organizada sob o ângulo contributivo e com filiação obrigatória (CF, art. 201, caput), assentou a constitucionalidade do § 3º do art. 11 da Lei 8.213/91, com a redação conferida pelo art. 3º da Lei n. 9.032/95 (“§ 3º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata a Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da Seguridade Social.”). Assinalou que essa disposição extinguira o denominado pecúlio, o qual possibilitava a devolução das contribuições implementadas após a aposentadoria. Enfatizou que o segurado teria em patrimônio o direito à satisfação da aposentadoria tal como calculada no ato de jubilação e, ao retornar ao trabalho, voltaria a estar filiado e a contribuir sem que pudesse cogitar de restrição sob o ângulo de benefícios. Reputou, dessa forma, que não se coadunaria com o disposto no art. 201 da CF a limitação do § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91 que, em última análise, implicaria desequilíbrio na equação ditada pela Constituição. Realçou que uma coisa seria concluir-se pela inexistência da dupla aposentadoria. Outra seria proclamar-se, conforme se verifica no preceito impugnado, que, mesmo havendo a contribuição — como se fosse primeiro vínculo com a previdência —, o fenômeno apenas acarretaria o direito ao salário-família e à reabilitação profissional. Reiterou que, além de o texto do examinado dispositivo ensejar restrição ao que estabelecido na Constituição, abalaria a feição sinalagmática e comutativa decorrente da contribuição obrigatória.
Em arremate, afirmou que ao trabalhador que, aposentado, retorna à atividade caberia o ônus alusivo à contribuição, devendo-se a ele a contrapartida, os benefícios próprios, mais precisamente a consideração das novas contribuições para, voltando ao ócio com dignidade, calcular-se, ante o retorno e as novas contribuições e presentes os requisitos legais, o valor a que tem jus sob o ângulo da aposentadoria. Registrou, por fim, que essa conclusão não resultaria na necessidade de se declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91, mas de lhe emprestar alcance consentâneo com a Constituição, ou seja, no sentido de afastar a duplicidade de beneficio, porém não o novo cálculo de parcela previdenciária que deva ser satisfeita. Após, pediu vista o Min. Dias Toffoli. RE 381367/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 16.9.2010. (RE-381367.
3. DA DESAPOSENTAÇÃO (REAPOSENTAÇÃO)
Sobre o significado da desaposentação o ilustre doutrinador Fábio Zambitte Ibrahim, citando Wladimir Novaes Martinez, dispõe:
“[…] A desaposentação então, como conhecida no meio previdenciário, traduz na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no regime geral de previdência social ou em regime próprio de previdência, mediante a utilização do seu tempo de contribuição”.[6].
Nesse sentido, Hermes Arrais Alencar apud Ivani Contini Bramante acentua que desaposentação compreende-se: “o desfazimento do ato administrativo concessivo do beneficio previdenciário, no regime de origem, de modo a tornar possível a contagem de tempo de serviço em outro regime”.[7]
Deve-se ter em mente ainda que a desaposentação não se confunde com a anulação ou revogação do ato administrativo do jubilamento, que pode ocorrer por iniciativa do INSS, motivada por ilegalidade na concessão.
O objetivo principal da Desaposentação é possibilitar a aquisição de benefícios mais vantajosos no mesmo ou em outro regime previdenciário.[8]
Isso acontece pela continuidade laborativa do segurado aposentado que, em virtude das contribuições vertidas após a aposentação, pretende obter novo beneficio em condições melhores, em função do novo tempo contributivo.
Não se trata, portanto de tentativa de cumulação de benefícios, mas sim do cancelamento de uma aposentadoria e o posterior início de outra. Traduz-se, assim, na possibilidade de o segurado, depois de aposentado, renunciar ao benefício para postular uma outra aposentadoria futuramente.
Na renúncia, o segurado abdica de seu benefício e, conseqüentemente, do direito de utilizar o tempo de serviço que ensejou sua concessão, mas não precisa restituir o que já recebeu a título de aposentadoria. Ou seja, opera efeitos ex nunc. Na desaposentação, o segurado também abdica do seu direito ao benefício, mas não do direito ao aproveitamento, em outro benefício, do tempo de serviço que serviu de base para o primeiro. Para tanto, faz-se necessário o desfazimento do ato de concessão, restituindo-se as partes, segurado e INSS, ao status quo ante e, o que se discute atualmente é o dever de o segurado ex- aposentado devolver todos os valores que recebeu em razão de sua aposentadoria, sendo que isso está superado, conforme se extraiu dos entendimentos dos tribunais superiores como já demonstrado. Logo, a desaposentação nada mais é do que uma renúncia com efeitos ex tunc.[9]
4-CONCLUSÃO
Não restam dúvidas, portanto, quanto ao direito dos beneficiários de renunciarem a suas aposentadorias, expressando assim a sua vontade e fazendo uso do instituto da desaposentação.
Encontra fundamento doutrinário, jurisprudencial e legal (permissiva omissiva), além de uma expectativa de fundamento legal, tudo a respaldar o direito de renúncia à aposentadoria para a desaposentação e o consequente direito de aproveitamento do tempo de serviço que tenha dado origem ao benefício para efeitos de nova jubilação.
No tocante a permissão legal, a ausência de impedimento expresso, no presente caso, deve ser interpretado de forma a permitir a desaposentação, pois o que não está excluído está incluído.
O maior problema para a instrumentalização da desaposentação nos parece a necessidade ou não de devolução dos valores recebidos a título da aposentadoria que se vai renunciar.
Desta forma, ainda que reste comprovado o direito dos aposentados que continuarem contribuindo a optar pela desaposentação visando um aumento de seus benefícios, a análise deve ser cuidadosa de forma a prever as modificações legais que poderão afetar o valor final desse novo benefício – principalmente se estivermos considerando a hipótese, ainda não excluída totalmente, da devolução dos valores recebidos a título da aposentadoria renunciada.[10]
Referências bibliográficas
ALENCAR, Hermes Arrais. Desaposentação e o instituto da transformação de benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social. São Paulo, Conceito Editorial, 2011.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. Saraiva, 198, p. 36
MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. 25 ed., São Paulo: Atlas, 2008.
SALES, Marciel Antonio de. O instituto da desaposentação. JusNavigandi, Teresina, ano16, n.3000, 18 set. 2011.Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19906>. Acesso em: 14 jun. 2012
Turma Recursal dos Juizados Especiais de Santa Catarina. Proc. 2004.92.95.003417-4, Relator Juiz Ivori Luis da Silva Scheffer, Sessão de 5.8.2004
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação. Niterói, RJ: Impetus, 2005. p. 35-36.
______. Curso de direito previdenciário. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.
KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos. Desaposentação. Fundamentos jurídicos, posição dos tribunais e análise das propostas legislativas. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1622, 10 dez. 2007 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10741>. Acesso em: 13 jun. 2012.
[1]SALES, Marciel Antonio de. O instituto da desaposentação. JusNavigandi, Teresina, ano16, n.3000, 18 set. 2011.Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19906>. Acesso em: 14 jun. 2012
[2] MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social. 25 ed., São Paulo: Atlas, 2008.
[3] ALENCAR, Hermes Arrais. Desaposentação e o instituto da transformação de benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social. São Paulo, Conceito Editorial, 2011.
[4] IBHAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 12. ed.Rio de Janeiro: Impetus, 2008.
[5] DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. Saraiva, 198, p. 36
[6] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação. Niterói, RJ: Impetus, 2005. p. 35-36.
[7] ALENCAR, Hermes Arrais. Desaposentação e o instituto da transformação de benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social. São Paulo, Conceito Editorial, 2011.
[8] KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos. Desaposentação. Fundamentos jurídicos, posição dos tribunais e análise das propostas legislativas. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1622, 10 dez. 2007 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10741>. Acesso em: 13 jun. 2012
[9] Turma Recursal dos Juizados Especiais de Santa Catarina. Proc. 2004.92.95.003417-4, Relator Juiz Ivori Luis da Silva Scheffer, Sessão de 5.8.2004
[10] KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos. Desaposentação. Fundamentos jurídicos, posição dos tribunais e análise das propostas legislativas. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1622, 10 dez. 2007 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/10741>. Acesso em: 13 jun. 2012.
Informações Sobre os Autores
Andre Luis Rufino
Acadêmico do curso de Direito da Universidade de Cuiabá. Pós-Graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/RJ
Thays Machado
Bacharel em Direito pela Universidade de Cuiabá/MT (2001), especialização em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes/RJ (2004), especialização em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Católica Dom Bosco/MS (2006), mestre em Direitos Humanos e Educação Ambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso/UFMT (2010).