Destruição de sítio arqueológico por ocasião das obras de construção do projeto habitacional nova cidade em Manaus

Resumo: O presente estudo abordará as repercussões jurídicas referentes à construção de habitações populares sem as autorizações, licenças e sem estudo prévio de impacto ambiental, bem como analisará as medidas reparadoras e mitigadoras dos danos ambientais causados. Sabe-se da necessidade da construção de habitações populares e da preservação de um sítio arqueológico, localizado na zona norte de Manaus, considerado um dos maiores da América Latina por arqueólogos renomados, que pode revelar um pouco mais sobre a pré-história do Amazonas, sobretudo sobre os seus primeiros habitantes. As necessidades de moradia e preservação de um patrimônio cultural são direitos garantidos pela constituição; entretanto, os princípios consagrados na Constituição brasileira foram desrespeitados, uma vez que não houve o estudo prévio de impacto ambiental e não havia a licença expedida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional – IPHAN. Destarte, o presente artigo abordará desde a reclamação feita por populares ao IPHAN, que indica a participação popular na defesa do meio ambiente até o Termo de Ajustamento de Conduta Ambiental – TACA, ainda não assinado, e que vai estabelecer as responsabilidades de cada réu no processo ajuizado pelo Ministério Público Federal, que foi subsidiado pelo IPHAN, bem como pela doutrina e legislações pertinentes ao caso apresentado.

Palavras-Chave: Sítio Arqueológico Nova Cidade; Patrimônio Cultural Amazonense; Estudo Prévio de Impacto Ambiental.

Resumen: Este estudio abordará las implicaciones legales de la construcción de vivienda asequible y sin los permisos, licencias y sin un estudio previo de impacto ambiental y análisis de las medidas correctivas y de mitigación de los daños ambientales. Sabemos de la necesidad de la construcción de viviendas asequibles y la preservación de un sitio arqueológico, ubicado en el norte de Manaus, uno de los más grandes de América Latina por los arqueólogos de renombre, que pueden revelar un poco más sobre la prehistoria de la Amazonía, sobre todo en sus primeros habitantes. Las necesidades de vivienda y la preservación de los derechos del patrimonio cultural están garantizados por la Constitución; Sin embargo, los principios consagrados en la Constitución brasileña fueron violados, ya que no había ningún estudio previo de impacto ambiental y no había licencia expedida por el Instituto de Nacional Histórico y Arquitectónico – IPHAN. Por lo tanto, este artículo se abordará desde la reclamación por el IPHAN popular, indica que la participación ciudadana en la protección del medio ambiente a la Conducta Ambiental Término de Ajuste – TACA, no firmado, y establecerá las responsabilidades de cada acusado en acción presentada por los fiscales federales, que fue subvencionado por el IPHAN, así como la doctrina y las leyes pertinentes al caso presentado

Palabras clave: Nueva Arqueológico Ciudad; Patrimonio Cultural del Amazonas; Estudio de Impacto Ambiental Preliminar.

Sumário: 1. Introdução. 2. A ação civil pública com pedido de liminar. 3. Da decisão liminar na ACP proposta pelo MPF. 4. Do termo de audiência de conciliação/sentença homologatória. 5. Elementos históricos e teóricos do direito ambiental e do meio ambiente cultural. 6. O patrimônio cultural brasileiro. 6.1. Bens Culturais. 6.2. Bens Culturais Materiais e Imateriais. 6.3. O Estudo Prévio de Impacto ambiental. 6.4 Princípios do Direito Ambiental. 7. Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Entre os flagrantes de destruição de sítios arqueológicos em função do desenvolvimento regional no Estado do Amazonas, especificamente na cidade de Manaus, apresentamos o Caso do Projeto Habitacional Nova Cidade.

Visando a construção de casas populares para aumentar a oferta de moradia, de modo ordenado e com infraestrutura, redes de água, luz, telefonia, esgoto, ruas, calçadas, meio fio, o Governo do Estado do Amazonas através de sua Superintendência de Habitação e Assuntos Fundiários – SUHAB iniciou todo o processo de licitação para a escolha do grupo de empresas, com fulcro à execução da construção das unidades habitacionais populares e as licenças ambientais decorrentes da referida obra.

As empresas vencedoras foram: BAUKRAFT Engenharia e Construções LTDA.; Construtora CAPITAL LTDA.; Construtora RAYOL LTDA.; Construtora SOAFIL LTDA.; Construtora Soma LTDA.; CONTEC Construções e Tecnologia LTDA.; ENGEPLAN Engenharia e Planejamento LTDA. e J. NASSER Engenharia LTDA.

Os documentos repassados pelo IPHAN, referentes ao processo administrativo nº 01450.001139/2004-77 oriundos do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização do IPHAN-DEPAM, não esclarece, por exemplo, quais as licenças que as empresas tinham para o início das obras, nem quais as licenças foram dadas pelo Instituo de Proteção ao Meio Ambiente do Amazonas – IPAAM e se havia alguma ressalva sobre os estudos de impacto ambiental, a necessidade do levantamento arqueológico e das licenças a serem dadas pelo IPHAN. De qualquer modo os trabalhos de terraplenagem iniciaram-se no final de 2000 e início de 2001, quando um fato chama a atenção.

No dia 08 de janeiro de 2001, o IPHAN recebeu a reclamação de moradores da vizinhança da obra sobre a destruição de material supostamente arqueológico. Constata-se a importância da participação popular que deu relevância e importância a materiais que desconheciam, mas julgaram tratar-se de vestígios arqueológicos. 

Diante deste fato notório, o IPHAN, no dia 22/01/2001, realizou vistoria no local e constatou que a obra localizada na zona norte de Manaus causou danos irreversíveis aos vestígios arqueológicos, promovidos por ações de terraplenagem que destruíram artefatos cerâmicos, urnas e revolvida a camada de terra antropogênica, contudo, a época ainda existia, pacotes de sedimento soterrados e vestígios arqueológicos não perturbados passíveis de fornecer informações para contextualizar o sítio e os vestígios destruídos.

O tratorista que fez a terraplenagem relatou aos arqueólogos que pensava estar em local de fabricação de potes tal quantidade de vasilhames que encontrava; chegou a avisar o engenheiro encarregado da obra, que lhe ordenou que prosseguisse com o trabalho.

Concluíram os técnicos do IPHAN que se tratava de sítio arqueológico de alta relevância científica devido à situação geográfica em terra firme, a quase 20 Km de rio de maior porte, à espessura do refugo e características culturais que permitem filá-lo, segundo o arqueólogo incumbido da ação emergencial, a pelo menos duas tradições culturais. Suas dimensões foram estimadas em 500m x 500m, com camada arqueológica de mais de 1m de espessura, sobreposta à camada arenosa.

Concluíram ainda, que se configurava a situação de destruição intencional de sítio arqueológico, declarado patrimônio cultural brasileiro pela Constituição Federal de 1988 e protegido pela Lei Federal nº 3.924/61, que impede seu aproveitamento econômico antes de devidamente pesquisado e formalmente liberado pelo IPHAN.

Por fim, concluíram que se as obras tivessem sido precedidas pelo EIA/RIMA, como determina a lei, a situação seria outra: o sítio e seu entorno não estariam completamente destruídos e seria possível obter dados mais detalhados produzidos a partir de pesquisas sistemáticas de longo prazo.

Segundo informações contidas no Ofício nº 056/2004/IPHAN/1ªSR de 09/03/2004, subscrita pela Superintendente do IPHAN à época, Sra. Maria Bernardete Mafra de Andrade, fls. 123/125 do processo administrativo do IPHAN, dirigido ao Governador do Amazonas, Senhor Eduardo Braga, informava-lhe que:

“… A referida área atingida, rica em terra preta de índio, era utilizada para agricultura, mas se encontrava na época, da terraplenagem, coberta por capoeira, semelhante a que pode ser observada em um outro platô ainda íntegro e no topo de um remanescente onde se encontra fixado marco topográfico. Cerca de 300 (trezentas) urnas funerárias destruídas, além do sedimento de terra preta, contendo sepultamento primário, material arqueológico, fogueiras e outras evidências. Esse processo testemunha a perda de um dos maiores acervos arqueológico da América Latina. Vale ressaltar que a terra preta, sendo um elemento antropogênico, torna-se um patrimônio tão valioso quanto às urnas funerárias, posto que resulta da invenção dos nossos índios, cuja tecnologia agrícola e a nossa mais autêntica gastronomia são herdeiras da sabedoria tradicional dos povos indígenas implementadas pela terra preta. é, portanto, considerada como indício de nossa nacionalidade. o crime cometido, excelência, contra o patrimônio histórico e ambiental, poderia ter sido evitado caso se observasse o prescrito nas resoluções que determinam o EIA/RIMA para empreendimentos impactantes/CONAMA Nº 001, de 23 de janeiro de 1986”…

O objeto do referido ofício dava conhecimento direto ao Governador sobre os fatos ocorridos no Projeto Habitacional Nova Cidade, solicitava providências cabíveis, entre as quais a criação de um Parque Arqueológico – Nova Cidade, como forma digna do Estado se redimir do crime cometido contra o Patrimônio Arqueológico e Ambiental, o primeiro da Amazônia.

2 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR

Os documentos do IPHAN subsidiaram a Ação Civil Pública – ACP, fls 55/91 do processo administrativo do IPHAN, com pedido de Liminar proposta pelo Ministério Público Federal, no dia 04/12/2003, cujos autos receberam o nº 2003.32.00.008189-1 (novo nº 8184-75.2003.4.01.3200), contra IPAAM; SUHAB; BAUKRAFT ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA.; CONSTRUTORA CAPITAL LTDA.; CONSTRUTORA RAYOL LTDA.; CONSTRUTORA SOAFIL LTDA.; CONSTRUTORA SOMA LTDA.; CONTEC CONSTRUÇÕES E TECNOLOGIA LTDA.; ENGEPLAN ENGENHARIA E PLANEJAMENTO LTDA. e J. NASSER ENGENHARIA LTDA, todos na pessoa de seus representantes legais, nominados na referida ACP.

Para o Ministério Público Federal a responsabilidade de cada ator foi assim definida:

DA RESPONSABILIDADE DA SUHAB – Como entidade pública gerenciadora dos trabalhos de engenharia que estavam sendo realizados no local, não poderia ter iniciado as obras sem o devido estudo prévio de impacto ambiental. Tampouco poderia ter admitido o prosseguimento dos trabalhos de terraplenagem do terreno, especialmente após já haverem sido descobertos os inúmeros, valiosos e delicados exemplares dos potes cerâmicos, muitos dos quais estavam à flor do solo. A existência desses artefatos dificultando ou atrapalhando o desenrolar das obras são a maior prova de que a destruição, na forma e na escala em que se deu, não foi meramente acidental, antes, porém, consciente e deliberada. Logo, compete-lhe, por meio de imposição do Poder Judiciário, cessar, de imediato, toda e qualquer atividade empreendida no local, bem como contribuir com a integral recuperação do local agredido.

DA RESPONSABILIDADE DO IPAAM – Como entidade pública de fiscalização ambiental, em 1999 expediu licença ambiental para o início das obras, não tendo adotado os critérios técnicos indispensáveis para a verificação prévia da presença de eventual sítio arqueológico na área.

Depois, porque não fiscalizou o desenrolar das atividades de construção, especialmente de terraplenagem, medida que, aliás, já poderia ter sido suficiente para evitar que houvesse a sistemática e intencional depredação dos artefatos arqueológicos. Segundo declarações, à época, da Diretora Técnica do órgão, Sra. Maria do Carmo dos Santos, quanto ao assoreamento dos igarapés existentes no local como conseqüência dos trabalhos das construtoras, na ocasião da vistoria para emissão da licença, os fiscais verificaram que as margens dos igarapés estavam protegidas. Assim o IPAAM omitiu-se ao não acompanhar o desenvolvimento das obras do empreendimento, conduta que ocorreu tanto para a produção de danos ao meio ambiente natural (soterramento de igarapés), quanto ao meio ambiente cultural (ofensa ao sítio arqueológico).

DA RESPONSABILIDADE DAS CONSTRUTORAS – Todas as empresas integrantes do empreendimento são co-responsáveis por todos os danos causados ao sítio arqueológico e ao meio ambiente natural. O empreendimento voltado à construção das unidades habitacionais populares (projeto habitacional Nova Cidade) consistia no gerenciamento pelo governo do Estado do Amazonas (SUHAB) de inúmeras obras que deveriam ser executadas por um consórcio de empresas de construção; desmatamento e limpeza do terreno; infraestrutura e construção das casas, de ruas e das redes de esgoto, água, eletricidade e telefonia. Dessa forma, afigura-se patente que todas as empresas participantes do consórcio concorreram, direta ou indiretamente, para a prática dos ilícitos perpetrados contra o meio ambiente natural e o meio ambiente cultural (sítio arqueológico).

DA RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL – O princípio da responsabilidade objetiva, no que respeita aos danos contra o meio ambiente, está consubstanciado em diversos textos legais e na própria Constituição Federal de 1988, em seu Art. 225, § 3º, “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados.”.

No mesmo sentido a Lei nº 6.938/81, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, a qual, no seu artigo 14, caput, e no seu § 1º, determina: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.”.

Logo, para se estabelecer a responsabilidade objetiva, basta se comprovarem a ocorrência dos atos e omissões dos demandados, os danos causados ao meio ambiente e ao patrimônio público e, finalmente o nexo causal, isto é, a comprovação de que condutas foram causas necessária e suficiente para que esses danos fossem provocados.

3 DA DECISÃO LIMINAR NA ACP PROPOSTA PELO MPF.

A magistrada federal plantonista, em 22/12/2003, verificando a presença do fumus boni júris com base no Art. 20, X, (bens da União os sítios arqueológicos) c/c artigos 2º, “c” (consideram-se sítios arqueológicos – cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de aldeamento “estações” e “cerâmios” nos quais encontram vestígios humanos de interesse arqueológico) e 3º (são proibidos em todo território nacional, a destruição ou mutilação das jazidas arqueológicas… antes de serem devidamente pesquisadas…) da Lei 3.924/61 e do periculum in mora pela descrição dos danos causados pela realização da obra, concedeu a liminar determinando:

1) Cessação das obras na área do sítio e de seu entorno pelos réus. As únicas ações sejam aquelas determinadas pelo Juízo; 2) Que os réus cerquem, no prazo de 30 dias, toda a área do sítio arqueológico e de seu entorno, retirando o muro de concreto do local, consultado o IPHAN que acompanhará e fiscalizará toda a execução e o resultado das tarefas; 3) Os réus providenciarão vigilância permanente na área do sítio e seu entorno, impedindo o acesso e o trânsito de pessoas não autorizadas na área, em conformidade com as exigências do IPHAN e da Polícia Federal; 4) Que os réus providenciem e afixem sinalização ampla e visível nos limites do sítio e entorno, com anuência do IPHAN; 5) Os réus custearão, na integralidade, todas as medidas necessárias para conter o avançado processo de erosão, do sítio e entorno, cumprindo exigência do IPHAN e IBAMA para recuperação da área, somente aquelas urgentes e indispensáveis ao agravamento do dano ocasionado, que poderão ser melhor discriminadas no curso da ação; 6) Os réus deverão custear as providências indispensáveis ao salvamento emergencial das peças arqueológicas ainda existentes no sítio e na área de entorno, cumprindo os requisitos do IPHAN; 7) Os réus e o IPHAN deverão apresentar ao MPF e a Justiça Federal relatórios a cada 30 dias, com fotos e videotape sobre a evolução do cumprimento das determinações judiciais e por fim 8) Os réus estão cientes que o não atendimento ou mau-cumprimento de qualquer das determinações judiciais, implicará e multas cominatórias no valor de R$ 50.000,00, sem afastar as sanções penais, administrativas e civis aplicadas à espécie. 

Além desses pontos determinou a intimação dos requeridos da referida decisão e a citação dos demandados, conforme a petição inicial, além determinar as intimações do IPHAN e do DNPM para se manifestarem sobre o interesse de interagir no pólo ativo do feito, com cópia da citada decisão. Por fim, determinou que fosse oficiado ao IBAMA para a adoção de providências a seu cargo, com ênfase ao item 5).

No dia 11/02/2004, as fls. 49/50 do processo administrativo do IPHAN constataram-se o descumprimento pelo IPAAM, pela SUHAB e demais réus de pontos dos termos da Liminar concedida. Tomadas as providências cabíveis os réus cumpriram a referida medida.

4 DO TERMO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO/SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA

Em 6 de novembro de 2013, o Juízo Federal da 7ª Vara Especializada em Matéria Ambiental e Agrária do Estado do Amazonas fizeram audiência na qual as partes manifestaram interesse na realização da conciliação. A MM Juíza do feito proferiu decisão determinando que ficasse o IPHAN intimado para em 30 dias, apresente um laudo técnico da situação atual da área objeto do processo, o que se faz necessário para regularização da área, com o recolhimento do patrimônio arqueológico, bem como o valor que entenda adequado à título de compensação pelo patrimônio arqueológico degradado. Após a apresentação da documentação pelo IPHAN, determinou que fossem os autos suspensos pelo prazo de 60 dias, a fim de que as partes buscassem uma composição acerca do objeto do processo.

A minuta do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta Ambiental sugeria entre outras medidas compensatórias:

a) Que IPAAM, SUHAB e construtoras fiquem obrigados a custearem a contratação de uma equipe multidisciplinar, composta por arqueólogos, pedagogos e historiadores, para elaborar e executar um amplo Programa de Educação Patrimonial, sob a supervisão do IPHAN, com período de 5 anos, junto as escolas públicas e particulares do Estado do Amazonas, além de espaços públicos em geral sobre a importância da preservação do patrimônio cultural;

b) Que o Estado do Amazonas, através da SUHAB, seja obrigado a colocar painel de aço que deverá permanecer por um ano em lugar bem visível a qualquer do povo, à frente do terreno do sítio arqueológico em que ocorreram os danos ambientais.

Entre outras medidas o IPAAM, por sua omissão em sua função fiscalizadora, face ao assoreamento dos igarapés e o grave processo erosivo, por conta das obras, deverá apresentar um Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD que será submetido ao IBAMA.

A SUHAB e as construtoras deverão, solidariamente, providenciar a integração do sítio arqueológico Nova Cidade e seu entorno, a socialização do espaço, a implantação de um projeto que alie a preservação e contemplação informativa do patrimônio arqueológico, expondo in loco os artefatos que ainda estão presentes no local, aliados a prática de exercícios físicos, tudo isso sob a fiscalização do IPHAN.

Entre as responsabilidades em caso de inadimplemento, multa pessoal dos envolvidos de R$ 1.000,00 até o trigésimo dia, a partir daí multa de R$ 2.000,00. Os valores a título de multa serão recolhidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos definido pelo Art. 13 da Lei 7.347/85.

Segundo informações do IPHAN a minuta passou pelo crivo do Procurador do órgão em Brasília, pela Procuradoria do Estado do Amazonas e pelo Ministério Público Federal e ainda não foi homologada.

Por fim, após a assinatura da minuta pelas partes e a homologação judicial as partes solicitarão a suspensão do processo nº 2003.32.00.008189-1, nos termos do Art. 265, II e § 3º do CPC e se encerrará um processo que já tem mais de uma década.

5 ELEMENTOS HISTÓRICOS E TÉORICOS DO DIREITO AMBIENTAL E DO MEIO AMBIENTE CULTURAL.

Bechara (2009, p. 4-6) de modo resumido nos mostra que desde 1960 já havia uma dinâmica entre os Estados visando uma regulamentação global do meio ambiente, algo que se materializou apenas em 1972 na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia, que resultou na Declaração sobre o Meio Ambiente Humano e inspirou mais tarde a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA. Passados 20 anos, ou seja, em junho de 1992, no Rio de Janeiro, com a presença de 170 países realizou-se a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Da conferência do Rio 92 surgiram diversas Convenções, como a Convenção sobre a Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento e a Agenda 21.

Ressalte-se que tais declarações internacionais não têm força legal e não obrigam o cumprimento de seus termos aos seus signatários, como tem as convenções e tratados ratificados internamente, todavia ajudam na elaboração e aplicação de normas ambientais. Quanto a Agenda 21, são propostas de diretrizes, políticas e medidas a serem realizadas pelos Estados no século XXI em prol do desenvolvimento sustentável.

A partir de Estocolmo, tanto no Brasil, como nos demais países, visando proteger o meio ambiente, as normas ambientais tornaram-se mais rigorosas, e trouxeram avanços por conta de ações, abstenções e cautelas praticadas em decorrência da aplicação destas leis.

Um dos marcos legais no Brasil para o Direito Ambiental é a Lei 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, incorporando uma série de princípios reconhecidos na Declaração de Estocolmo; muito embora existam leis precedentes que remontam a segunda metade dos anos 60, tais como o Código Florestal, Lei 4.771/1965 e a Lei de Proteção à Fauna nº 5.197/1967 e outra que precedeu a lei considerada como marco a Lei do Zoneamento Industrial nº 6.803/1980.

Outro marco que vai influenciar todo o Sistema Jurídico Brasileiro é a Carta Constitucional de 1988, que inaugura e trata o Meio Ambiente como direito fundamental, essencial à sadia qualidade de vida e que deve ser mantido devidamente equilibrado, para as gerações presentes e futuras (art. 225). Além disso, Art. 216, caput, incisos e parágrafos da Constituição irão tratar sobre o Patrimônio Cultural Brasileiro e da responsabilidade da sua proteção contra danos e ameaças, neles incluídos como parte desse rico patrimônio, os sítios arqueológicos (art. 216, V da CF/88).

Para Silva (2007, p. 28) a ação humana destruidora do meio ambiente natural manifesta-se de várias maneiras entre as quais cita: a) o desmatamento; b) a poluição; c) a degradação do solo e d) o poluidor e poluente. Contudo, na contramão desses eventos, fez-se despertar uma consciência ecológica ou ambientalista por toda a parte, às vezes até com certo exagero, nascendo assim à necessidade da proteção jurídica do meio ambiente, visando equilíbrio e a tentativa de se compatibilizar o desenvolvimento econômico e a sadia qualidade de vida de uma maneira que não haja uma modificação importante dos elementos básicos da Natureza, nela inclusa, quase imperceptível, os bens e elementos culturais.

Silva não inclui expressamente que o desenvolvimento de uma região, com suas obras de infraestrutura seja elemento de destruição do meio ambiente. Sabemos que toda obra deveria passar por um processo de Licenciamento Ambiental e ter o seu Estudo Prévio de Impacto Ambiental e o seu Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) nos termos da Constituição.

Contradições entre a preservação cultural ou natural e o chamado desenvolvimento econômico geram situações que têm afetado com especial ênfase os bens ambientais naturais. É claro que o interesse coletivo, comunitário, fica dividido entre a necessidade de preservação e a possibilidade de melhoria do nível econômico, quando este se torna uma promessa de muitas vantagens, nem sempre realizáveis, e, na maioria das vezes, apenas estimulada por interesses econômicos individuais e inconfessáveis.

Baseados nas lições de autores clássicos da Ciência do Direito, em especial do Direito Ambiental como José Afonso da Silva e Paulo Affonso Leme Machado, que em suas obras, de maneira didática, estabelecem a divisão do meio ambiente em quatro pontos, que são: 1) o meio ambiente natural; 2) o meio ambiente artificial; 3) o meio ambiente cultural e por fim 4) o meio ambiente do trabalho. Este artigo tratará do item 3) sobre o meio ambiente cultural.

Sabemos que o ser humano faz parte do meio em que vive, por isso, a tutela jurídica do meio ambiente está interligada à vida humana, desde seu bem-estar individual e coletivo, passando pela qualidade de sua vida e da estrutura que a envolve, aspectos culturais até sua própria sobrevivência, por isso foi criado um sistema jurídico protetivo deste bem tão precioso. Tal sistema está envolto em princípios do direito ambiental tendo como um dos mais importantes deste trabalho o da fraternidade intergeracional que é o de garantir elementos para a revelação de nossa história amazônica, através, por exemplo, da proteção e dos estudos de nossos sítios arqueológicos.

6 O PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO

Segundo a Declaração de Caracas de 1992 – “O Patrimônio Cultural de uma nação, de uma região ou de uma comunidade é composto de todas as expressões materiais e espirituais que lhe constituem, incluindo o meio ambiente natural.".

Patrimônio CulturalÉ o conjunto de bens materiais e/ou imateriais, que contam a história de um povo através de seus costumes, comidas típicas, religiões, lendas, cantos, danças, linguagem superstições, rituais, festas. Uma das principais fontes de patrimônio cultural está nos sítios arqueológicos que revelam a história de civilizações antiquíssimas. Através do patrimônio cultural é possível conscientizar os indivíduos, proporcionando aos mesmos a aquisição de conhecimentos para a compreensão da história local, adequando-os à sua própria história. Daí a sua importância. Um exemplo de patrimônio cultural é o chamado “Ruínas de São Francisco”, em Curitiba-PR. Trata-se de uma igreja originalmente dedicada a São Francisco, mas que ficou inacabada. Anos depois, foi erguida em local próximo, no que é hoje chamado Largo da Ordem de São Francisco das Chagas, no centro da cidade.

Um patrimônio pode ser MATERIAL ou IMATERIAL. Podemos dizer que patrimônio material são os aspectos mais concretos da vida humana, e que fornecem informações sobre as pessoas. Cultura material é o mesmo que objeto ou artefato. Patrimônio material é o conjunto de manifestações populares de um povo, transmitidos oral ou gestualmente, recriados e modificados ao longo do tempo. Os locais dotados de expressivos valores para a História, assim como as paisagens, também são representações do patrimônio imaterial. A escolha desse tipo de patrimônio acontece de 2 em 2 anos, através de um júri internacional.

Quando analisamos de maneira geral o Patrimônio Cultural do Brasil, temos que levar em consideração a influência Européia com predominância portuguesa, mas com influências holandesa, francesa, espanhola etc. que está presente na arquitetura (igrejas, fortes, pontes, casas e prédios), religião, comidas, costumes etc.; sua influência africana trazida pelos escravos que nos trouxeram sua força de trabalho, religião, comidas, costumes, danças etc. e por fim a influência indígena com seus valores, hábitos, comidas etc., que está presente e todo o Estado do Amazonas.

6.1 Bens Culturais

Segundo a Constituição da República do Brasil de 1988 no seu Art. 216, caput e incisos, temos de maneira clara a definição de Patrimônio Cultural como sendo constituído pelos bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras objetos, documentos edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais e V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Segundo a especialista Catarina Eleonora Ferreira da Silva, o sítio arqueológico em comento é de grande relevância, devido a sua localização geográfica em terra firme (20 km do rio Negro), pois até então só haviam sido descobertos cemitérios indígenas deste porte próximo a confluência de grandes rios na Amazônia Central. O tamanho do sítio arqueológico foi estimado em 250 mil metros quadrados, com camada arqueológica de mais de um metro de espessura. O Ministério Público Federal considera o IPAAM um dos maiores responsáveis, ao lado da SUHAB, por todas as agressões causadas ao sítio arqueológico encontrado no Projeto Habitacional Nova Cidade. Para os procuradores, o órgão não adotou os critérios técnicos indispensáveis e previstos em lei para a verificação prévia da presença de uma eventual área com artefatos arqueológicos. Também pesa sobre o instituto a acusação de não fiscalizar a execução das obras, especialmente de terraplenagem, que causaram danos tanto ao patrimônio histórico e cultual quanto ao meio ambiente. No caso do Projeto Habitacional Nova Cidade, a legislação obriga o órgão ou empresa responsável (no caso a SUHAB) a realizar um Estudo Prévio de Impacto Ambiental, semelhante ao elaborado no caso do gasoduto Coari/Manaus, pois a área impactada supera 100 hectares. No entanto, a SUHAB, simplesmente ignorou a lei e deu início às construções em 1999, sem qualquer tipo de preocupação com licenciamentos ambientais

Carlos Marés, em sua obra Bens culturais e sua proteção jurídica, nos ensina ainda que a preservação desses bens naturais ou culturais não deve ser global, pois sem modificação da natureza se mantém estático o processo cultural. A individualização de bens do meio ambiente natural e cultural é feita pela individualização de bens que, de uma forma ou de outra, tornam-se imprescindíveis para a manutenção do equilíbrio ambiental, ou quem sabe, representativos, evocativos ou identificadores da história da sociedade humana e da cultura de um modo geral.

6.2 Bens Culturais Materiais e Imateriais

Bens Culturais MateriaisA preocupação com os bens materiais advém de um contexto de necessidades econômicas e interesses sociais, que se mostravam necessários a sobrevivência dos meios urbano e rural.

Apesar de constar no texto constitucional desde a década de 30, através do instrumento de sua proteção (o tombamento), até hoje a tutela desses bens carece de efetividade, devido aos instrumentos protetivos pouco rígidos e eficazes, assim como se mostram os mecanismos de proteção. Nesse sentido, critica a autora Inês Virgínia ao acrescentar um problema na efetividade na proteção desses bens na enumeração constitucional dos bens materiais inclusos no rol de bens do patrimônio cultural, que não fornece clara indicação da vinculação destes bens à identidade, à ação ou à memória dos grupos formadores da sociedade brasileira, de importância evidente, uma vez que a referência é condição para indicação dos bens que merecem tutela.

Bens Culturais ImateriaisOs bens culturais imateriais integram o patrimônio intangível, são aqueles responsáveis por uma compreensão mais ampla e completa de patrimônio cultural, uma vez que não basta o suporte material, tendo que haver o sentido, ou seja, o valor que caracteriza justamente o bem como cultural.

É por esse motivo que o bem imaterial está ligado aos direitos culturais que possuem esses valores que fazem referência à identidade, à memória, e a formação da sociedade brasileira. Valor este intertemporal e unificador uma vez que penetrados no cotidiano daquela sociedade merecem proteção por incluírem elementos qualificados para sua fruição e compreensão da via humana.

6.3 O Estudo Prévio de Impacto ambiental

O licenciamento ambiental é um dos mais importantes instrumentos para a consecução da Política Nacional do Meio Ambiente, listado no inciso IV, do artigo 9º, da Lei nº 6.938/81, sendo corolário da determinação constitucional direcionada ao Poder Público para controlar a poluição (artigo 225, § 1º, V) e uma manifestação do poder de polícia ambiental.

Por sua vez, prevê o caput do artigo 10, da Lei 6.938/81, que ”a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidoras, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis”, sendo, portanto, prévia condição para o exercício das atividades econômicas poluidoras, realizando a exceção insculpida no parágrafo único, do artigo 170, da Constituição.

A Portaria IPHAN 230/02 é instrumento que efetivamente pode minimizar os danos arqueológicos decorrentes das obras e serviços potencialmente lesivos. Essa Portaria tem por finalidade compatibilizar as fases de obtenção de licenças ambientais com os estudos preventivos de arqueologia. Para isso, estabelece os procedimentos necessários nas fases de licença prévia (LP), licença de instalação (LI) e licença de operação (LO).

Dos artigos 1º ao 4º estão estabelecidos os trabalhos arqueológicos a serem adotados para a composição do EIA/RIMA, e a conseqüente obtenção da Licença Prévia. Entre a finalização do EIA/RIMA e a expedição da Licença Prévia há o momento da audiência pública, no qual todos os estudos ambientais, dentre os quais estão os estudos arqueológicos, serão apresentados e debatidos com a sociedade. Por isso, desde esse momento é cabível a tratativa da questão da educação patrimonial, a ser trabalhada junto como Poder Público local, a comunidade leiga e a comunidade arqueológica, num projeto que deve ser financiado, por força legal, pelo empreendedor.

A importância, para a proteção do patrimônio arqueológico, dos estudos arqueológicos serem sincronizados com as expedições de licenças, especialmente da Licença Prévia, assume maior destaque na consideração da decisão acerca da alternativa locacional e, dependendo do tipo de obra, nas discussões sobre as mudanças de traçado com a finalidade de melhor se atender à tutela dos bens arqueológicos.

Nessa fase inicial, vale destacar ainda a relevância do detalhamento do Termo de Referência para elaboração do Estudo de Impacto Ambiental. A menção genérica que deve ser feita por levantamento do potencial histórico, cultural e arqueológico deve ser substituída por termos mais precisos e detalhados que sejam aplicáveis ao caso concreto e que atendam à proteção do patrimônio arqueológico. Quanto mais claro, objetivo e detalhado o Termo de Referência, maiores serão as chances de sucesso na utilização dos instrumentos judiciais (tutela antecipada ou ação civil pública, por exemplo) e extrajudiciais (assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta).

Os artigos 5º e 6º da Portaria 230/02 apresentam os procedimentos a serem adotados nas fases antecedentes às licenças de instalação (LI) e de operação (LO). A indicação do art. 5º é de que o Programa de Prospecção preveja também prospecções intensivas nos locais que sofrerão impactos indiretos potencialmente lesivos ao patrimônio arqueológico, tais como as áreas de reassentamento de população, expansão urbana o agrícola, serviços e obras de infraestrutura.

Os artigos 7º e 8º abordam a temática da educação patrimonial, imputando ao empreendedor a obrigação de arcar com os custos financeiros de programas destinados à gestão do material arqueológico resgatado. Esses artigos apresentam um diferencial em relação às diretrizes internas utilizadas pelo IPHAN.

A portaria IPHAN nº 28/03 apresenta novidades que contribuem para a tutela efetiva do patrimônio arqueológico atingido por grandes obras. Nesse sentido, com o objetivo de minimizar os efeitos dos empreendimentos licenciados, os quais não contemplaram patrimônio, o artigo 1º estabelece que os empreendimentos hidrelétricos de qualquer tamanho ou dimensão dentro do território nacional, deverão ser estudados, resgatados e salvos, quando da renovação da licença ambiental de operação.

O IPHAN tem competência para exigir, a qualquer tempo, os estudos arqueológicos que não foram feitos durante o licenciamento, já que a responsabilidade do empreendedor é objetiva e não está elidida pela omissão do órgão licenciador ou por quaisquer outros motivos que tenham suscitado a omissão injustificada da tutela dos bens arqueológicos.

6.4 Princípios do Direito Ambiental

No Direito Ambiental os princípios não possuem uma uniformidade doutrinária na sua identificação e nem no conteúdo jurídico de muitos deles, estão consagrados na Constituição nacional ou em leis, resoluções, declarações extravagantes. Diante disso, iremos elencar e descrever de maneira sucinta alguns princípios que devem ser utilizados na proteção dos sítios arqueológicos.

Princípio da Prevenção – princípio implícito no art. 225 da Constituição Federal, em resoluções do CONAMA, exemplo disso é a resolução nº 306/2002, no Preâmbulo da Convenção da Diversidade Biológica que diz “é vital prever, prevenir e combater na origem as causas da sensível redução ou perda da diversidade biológica” e em outros diplomas legais. Nestes casos já se tem base científica para prever os impactos ambientais negativos decorrentes de determinada atividade lesiva ao meio ambiente, devendo-se impor aos empreendedores condicionantes no licenciamento ambiental para reduzir ou suprimir os prejuízos.

Utiliza-se este princípio nas atividades em que já se tem vasto conhecimento, isto é, nos casos em que o risco é sabido, conhecido ou concreto, em que se sabe a extensão e a natureza dos males ambientais, em que se tenha uma boa margem de segurança para o trabalho.

Em regra, busca-se sempre a prevenção dos danos ambientais, pois na grande maioria das vezes não é possível remediar os impactos desses danos, face sua condição de irreversibilidade. Um ótimo exemplo é a exigência de estudo de impacto ambiental para que seja concedido o licenciamento da atividade, de modo mitigar ou elidir danos ambientais.

Como exemplos concretos deste princípio, descrevemos duas obras na Região Metropolitana de Manaus – o gasoduto Coari-Manaus (que passou pelas cidades de Manacapuru e Iranduba) e a Cidade Universitária (Iranduba), em que antes das obras se iniciarem foi necessário que um grupo de arqueólogos contratados pelas empresas que conduziam estes empreendimentos, fizessem uma varredura na área, de modo a identificar previamente possíveis sítios arqueológicos, antecipando as escavações para colocação dos tubos de gás e das fundações dos prédios da UEA, isso sem contar com outros estudos de impacto ambiental.

Poluidor-pagador ou responsabilidade – Por este princípio, deve o poluidor responder pelos custos sociais da degradação causada por sua atividade impactante (internalização dos prejuízos ambientais) devendo-se agregar esse valor no custo produtivo da atividade, para evitar que se privatizem os lucros e se socializem os prejuízos ambientais, voltando-se principalmente aos grandes poluidores.

O citado princípio está incluído na Declaração do Rio/1992, no princípio 16:

“Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais”.

Tal princípio inspirou o § 1º, do artigo 14 da Lei nº 6.938/81 que prevê que “é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados pela atividade.”.

Desenvolvimento Sustentável – Com previsão implícita na combinação dos Art. 225 e 170, IV, ambos da Constituição e expressamente contido no Princípio 04 da Declaração do Rio de Janeiro que diz:

“Para se alcançar um desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada separadamente, tendo sido plantada a sua semente mundial na Conferência de Estocolmo de 1972”.

Por esse princípio buscamos um equilíbrio entre desenvolvimento e preservação, uma vez que é sabido que toda obra gera impactos, seu objetivo é otimizar o desenvolvimento e minimizar o degradação do meio ambiente.

O tema deste trabalho reflete de maneira clara este princípio. Sabe-se da necessidade de buscarmos o crescimento econômico de nossa região, ao mesmo tempo sabe-se da necessidade urgente de preservação de nossa sociobiodiversidade.

Os sítios arqueológicos podem representar pistas para desvelarmos a história dos nossos antepassados, mas também podem representar um potencial turístico importante, contudo sem o devido cuidado e pressa pela realização de obras de desenvolvimento podemos destruir essa riqueza ou sepultá-la de modo definitivo.

Fomos informados pela Arqueóloga do IPHAM/AM, Sra. Ellen Caroline de Carvalho Barros, que existem processos judiciais contra entes públicos que destruíram sítios arqueológicos e consequentemente o patrimônio cultural, pela execução de obras.

Solidariedade Intergeracional ou equidade geracional – Este princípio inspirou a parte final do art. 225, caput, da Constituição da República, quando impõe que as presentes gerações devem preservar o meio ambiente e adotar políticas ambientais, utilizando os recursos ambientais de maneira racional evitando assim privar os seus descendentes de desfrutá-los.

O princípio 03, da Declaração do Rio expressa o entendimento apresentado:

“O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente às necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras”.

Relaciona-se a este o princípio do Desenvolvimento Sustentável que busca justamente isto, a preservação para as demais gerações. Segundo Amado (2011, p. 44), há um pacto tácito, fictício entre a presente e as futuras gerações, visando a preservação e o acesso aos recursos ambientais, a uma vida digna e sadia, razão pela qual as nações devem proteger com intensidade os animais e vegetais que estão ameaçados de extinção.

Os bens arqueológicos portam os elementos que permitem conhecer, eleger e interpretar as referências identificadoras da formação da sociedade brasileira e constituem o legado das gerações passadas às gerações futuras. Assim, destruí-los significa subtrair a herança de seus legítimos herdeiros.

Pelo princípio da equidade geracional, o Estado tem a obrigação de manutenção de um determinado número de sítios arqueológicos, de diversas épocas, intactos, total ou parcialmente, para que sua exploração possa ser beneficiada pelos progressos da técnica e pelo avanço dos conhecimentos arqueológicos, de acordo como processo decisório que envolva o contexto de seleção da geração futura.

Esse princípio é um princípio ambiental já fortemente desenvolvido, mas pela estreita ligação que guarda com os princípios arqueológicos da Conservação in situ e da Matriz Finita será analisado sob o enfoque do patrimônio arqueológico. Se o estoque patrimonial não comporta renovação e pode simplesmente desaparecer no tempo presente, o acesso das gerações futuras aos bens arqueológicos somente será garantido pelo Poder Público atuar no sentido de possibilitar que todos os elementos necessários à pesquisa arqueológica e à realização de interpretações estejam seguros. Desse modo, a aplicação do princípio da conservação in situ.

O princípio arqueológico da equidade geracional direciona a atuação do Estado e da sociedade no sentido de reserva parte do patrimônio arqueológico já identificado para a geração futura, que exercerá sobre este, parcela decisória acerca de sua destinação, podendo, inclusive, decidir novamente pela reserva para as vindouras gerações. É, nesse enfoque, um princípio indica um caminho de resguardo para a humanidade da memória materializada.

A transtemporariedade está intrinsecamente ligada com as características dos bens arqueológicos, especialmente com a de ter uma base de dados finita e não renovável, a de depender da produção de conhecimentos de diversas disciplinas, a de ter a metodologia arqueológica com método principal de investigação (metodologia esta que se modifica a partir das construções doutrinárias sobre a matéria) e a de portar um valor social (essencialmente dinâmico e mutante), o qual justifica sua investigação, preservação e desfrute.

Os dados para a ponderação acerca da reserva do material arqueológico, seja pela conservação in situ, seja pela guarda adequada do material em laboratório sem a descontextualização de seu conjunto, para uma fruição futura (produção científica, utilização com finalidades sociais, dentre outros) são fornecidos pela Constitucional tanto pela previsão de garantia do acesso às fontes da cultura nacional (art. 215), bem como entendimento expresso em vários dispositivos de que a produção do saber cultural, o desenvolvimento científico e a capacitação tecnológica ainda estão em construção em nosso país, em um processo de evolução contínua, que depende do Poder Público, da sociedade e do fortalecimento dos processos decisórios públicos e participativos.

Para Paulo Affonso Leme Machado:

"Sem dúvida, será sábio que, na era da precaução, as comunidades científicas cheguem a estruturar ou a reforçar instância coletivas de expertise, situadas a uma distância suficiente, tanto das administrações públicas como dos meios industriais e financeiros ou de organizações militantes. Ao mesmo tempo, certos papéis, como aqueles que tocam à definição dos problemas e das soluções aceitáveis, abrem-se, principalmente, ao cidadão através do debate público. É da interação entre o especialista e o cidadão, que se poderá esperar a formulação mais razoável das normas de comportamento face aos riscos, aos quais se pretende aplicar o princípio da precaução."

Cabe ao Estado proporcionar previsão de lei para estabelecer incentivos para a produção e conhecimento de bens e valores culturais (§3º do art. 216), promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica (art. 218, caput), dar tratamento prioritário à pesquisa científica básica, nesta incluída a pesquisa com metodologia arqueológica (§3º do art. 218), apoiar a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia e conceder aos que dela se ocupem, meios e condições especiais de trabalho (§3º do art. 218).

O conhecimento e a interpretação do patrimônio arqueológico, com questionamentos e interpretações pela próxima geração deve, ao mesmo tempo, possibilitar a produção e utilização dos dados colhidos de acordo com os fatores políticos, sociais, econômicos, culturais e tecnológicos disponíveis e importantes para o momento e a ponderação acerca da decisão de reservar, integral ou parcialmente, o estoque arqueológico pronto para ser explorado ou adiar o próprio processo decisório sobre tal exploração para o futuro:

"A democracia ambiental insere assim na teoria constitucional contemporânea, em caráter inovador, a participação de interesses não atuais como elemento pertinente e relevante a se considerado e efetivamente integrante dos processos de decisão. A democracia ambiental deve permitir que também os interesses e direitos das gerações futuras não sejam lesados, não apenas através da fiscalização da idoneidade da representação de seus interesses, mas, sobretudo, mediante a reserva da decisão à participação de seus legítimos interessados. Essa reserva de decisão mostra-se possível graças à proteção de condições e garantias de que, sempre que se identifique potencial referência a seus interesses, o processo democrático atual deve limitar sua atuação, reservando tais problemas pontuais para a apreciação futura e pertinente de seus interessados, protegendo em um novo sentido republicano a participação de titulares não atuais, e, sobretudo a autonomia política desses titulares (…)".

A Declaração sobre as Responsabilidades das Gerações Atuais para as Gerações Futuras, Paris, UNESCO, 1997, estabelece que a liberdade de escolha deve se equânime entre as gerações e que é importante que sejam tomadas todas as providências necessárias para que as gerações presentes e futuras possam preservar sua diversidade cultural. Nesse sentido, vale trazer uma outra vertente igualmente importante do princípio a equidade intergeracional, que é o direcionamento das políticas públicas e das ações afirmativas para valorização dos grupos formadores da sociedade brasileira menos favorecida: as comunidades indígenas e as remanescentes de quilombos.

Natureza Pública ou obrigatoriedade da Proteção Ambiental – Este princípio inspirou certa parcela do art. 225, caput, da Constituição da República, pois nos diz que é dever irrenunciável do Poder Público promover a proteção do meio ambiente, por ser bem difuso, indispensável à sadia vida humana e da coletividade.

O Estado deve agir como agente normativo e regulador da Ordem Econômica Ambiental, editando normas jurídicas e fiscalizando de maneira eficaz o seu cumprimento.

Participação Comunitária (ou participação cidadã/popular) – Segundo Didier (2010, p. 13) na Roma antiga já existia uma concepção de responsabilidade e cuidado do cidadão em relação à República que dizia:

“Ao cidadão era atribuído o poder de agir em defesa da coisa pública em razão do sentimento, do forte vínculo natural que o ligava aos bens públicos lato sensu, não só em razão da relação cidadão/bem público, mas também pela profunda noção de que a República pertencia ao cidadão romano, era seu dever defendê-la. Daí o brocardo “Reipublicae interest quan plurimus ad defendam suam causa” (interessa à República que sejam muitos os defensores de sua causa)”.

Todavia, para Mancuso (1998, p. 97-41), tal concepção tem origem grega e foi adotada pelos romanos.

Quanto ao princípio ambiental, ele nos indica que toda e qualquer pessoa, tem o direito de participar ativamente das decisões políticas ambientais, em decorrência do sistema democrático, uma vez que os danos ambientais são transindividuais, estando implicitamente consagrado no art. 225 da Constituição da República.

Exemplo deste princípio é a necessidade da realização de Audiências Públicas em licenciamentos ambientais mais complexos (EIA-RIMA), nas hipóteses previstas pela Resolução do CONAMA 09/1987; na qual esta exigência e imprescindível na criação de Unidades de Conservação (consulta popular); na legitimação para propositura de ação popular ou mesmo no tradicional direito fundamental de petição ao Poder Público.

A declaração do Rio/92 seguiu essa tendência ao cristalizá-lo no Princípio 10:

“A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada individuo deve ter acesso adequado as informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de danos”.

O início do processo analisado deu-se por manifestação popular que identificando todo o desrespeito ao nosso patrimônio cultural não se silenciou e agiu de maneira democrática e participativa. Não se pode proteger aquilo que não se conhece.

Função socioambiental da propriedade – É comum hoje abordar o tema da função socioambiental da propriedade, uma vez que um dos requisitos para que a propriedade rural alcance a sua função social é o respeito à legislação ambiental (art. 186, II, da CF/88), assim como a propriedade urbana, haja vista, que o plano diretor deverá necessariamente considerar a prevenção ambiental, a exemplo da instituição de áreas verdes.

Um ponto importante previsto no art. 1.228, § 1º do Código Civil, um caso de norma ambiental transversal inserida neste diploma legal e que permeia todos os ramos do Direito, “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

7 CONCLUSÃO

Os direitos discutidos (moradia x patrimônio cultural) possuem avaliação diferenciada, pois, no ritmo de nossos tempos, o gestor público preocupa-se com o que entende por imediato (casas populares no nosso caso), com uma preocupação menor em relação aos elementos culturais imateriais e a busca pela nossa identidade cultural com traços indígenas.

Esta situação também é marcada pela participação popular, quando cidadãos comuns procuraram o órgão adequado, IPHAN, e fizeram sua reclamação, e a partir dela trouxe a tona toda uma situação de desrespeito e ignorância jurídica e cultural.

Uma hipótese dessa situação talvez seja a novidade do direito ambiental e a sua importância para a vida de todos nós, uma vez que órgãos públicos como a SUHAB e o IPAAM omitiram-se na fiscalização e ante a imprudência das construtoras, que não têm a sensibilidade histórica percebida por um simples tratorista e ignorada por um engenheiro responsável.

Passados mais de dez anos, ainda não se chegou a bom termo quanto os objetos do processo que continua na fase de composição, pela assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta Ambiental, ainda em construção, mesmo tratando-se, segundo especialistas, de um dos sítios arqueológicos mais importantes da América Latina.

 

Referências
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DIDIER JUNIOR, Fredie. ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil: processo coletivo. vol. , 5ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2010, p.23.
FEITOZA, Paulo Fernando de Britto. Patrimônio Cultural: proteção e responsabilidade objetiva, Valer, Manaus, 2012.
FONSECA, Ozório J. M. Pensando a Amazônia. Manaus. Editora Valer, 2011.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Popular: Proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente. 3ed. São Paulo: RT, 1998, cap.2, p. 37-41.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional, 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2007;
SOARES, Inês Virgínia Prado. Proteção jurídica do patrimônio arqueológico no Brasil: fundamentos para efetividade da tutela em face de obras e atividades impactantes. Erechim: Habilis, 2007.
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e sua proteção jurídica. 3ª ed. ampl. e atual. 2005, 6ª reimpressão. Curitiba, Juruá, 2011.
Disponível em: <http://www.patrimoniocultural.pr.gov.br>. Acesso em; 15 de nov. 2013.
Disponível em: <http://www.suaspesquisas.com.br>. Acesso em; 12 de dez. 2013.
Disponível em: <http://www.pt.shvoong.com>. Acesso em; 15 de jan. 2014.

Informações Sobre os Autores

Marcela Matos Fernandes de Oliveira

Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Mestranda em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Membro do Centro de Estudos em Direito Ambiental do Amazonas – CEDAM. Advogada. Procuradora-Geral Adjunta da Câmara Municipal de Manaus – CMM

Marcio Augusto Ferreira Monteiro

Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Mestrando em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Membro do Centro de Estudos em Direito Ambiental do Amazonas – CEDAM. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Amazonas


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