A desvinculação compulsória de aluno de cursos de grau médio e superior, o jubilamento, estava prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 4.024/61, que estabelecia, textualmente:
Art. 18 – Nos estabelecimentos oficiais de ensino médio e superior, será recusada a matrícula ao aluno reprovado mais de uma vez em qualquer série ou conjunto de disciplinas.
A Lei 5.540/68 manteve o mesmo princípio do sistema anterior, e o Decreto-Lei 464/69, art. 6°, com nova redação introduzida pela Lei 5.789/72, complementando o primeiro, dispunha que nas instituições oficiais de ensino superior seria recusada nova matrícula ao aluno reprovado em disciplinas que ultrapassassem, quanto às horas prescritas de trabalho escolar, um quinto (1/5) do primeiro ciclo, ou um décimo do (1/10) do curso completo.
No entanto, a Lei 9.394/96, que agora vige, revogou aquelas normas estabelecendo novas diretrizes e bases à educação nacional deixando de prever o jubilamento e instituindo, ao contrário, política de igualdade, tolerância e empenho na recuperação de alunos de menor rendimento escolar, ao dispor:
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
(…)
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;
(…)
Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
(…)
V – prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento;
Portanto, as instituições de ensino devem ter cautela no emprego de normas internas que ainda não estejam revisadas à luz das novas diretrizes e bases da educação, e que possam estar em desacordo com seus elementares princípios sociais e democráticos. Lavradas sob o auspício de valores e normas ultrapassadas elas podem não ter mais aplicação diante das novas regras implementadas no sistema jurídico de ensino brasileiro.
Nossos tribunais têm admito o jubilamento quando previsto nas normas internas da instituição. No entanto, dois aspectos são considerados como medida de justiça, um para avaliar que o processo de jubilamento somente é válido quando respeita o princípio constitucional da ampla defesa, permitindo ao discente o pleno exercício do contraditório; e outro para balizar que a negativa de matrícula está vinculada ao princípio da proporcionalidade e não se justifica diante da viabilidade de conclusão do curso em prazo curto e de ponderável justificativa da não observância do prazo previsto para conclusão do curso. Ou seja, a contrário senso, é preciso que haja motivação razoável para negar matrícula a um aluno. Nesta linha, a ementa seguinte [MS nº 2002.70.00.061453−0/PR] é exemplar:
ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. JUBILAMENTO.
O administrado tem o direito de formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente (Lei nº 9.784/99, art. 3º, III), de modo que o ato de jubilamento deve ser precedido de prévia manifestação do aluno.
Fere o princípio da proporcionalidade, por inadequação, já que não atinge os fins da norma, o jubilamento de acadêmico para o qual remanescem apenas quatro disciplinas para a conclusão do curso, e apresenta motivação razoável para a perda do prazo de conclusão.
Apelação provida.
[Acórdão publicado no DJU de 05/11/2003]
Noutra linha de fundamentação encontram-se, ainda, inúmeras decisões que consideram o jubilamento verdadeiro desperdício dos recursos públicos quando, depois de muitos anos de investimento do tesouro, castra-se a possibilidade de conclusão do curso sem que isto traga qualquer vantagem social, mas apenas óbice à formação do aluno.
A jubilação, portanto, ainda que possa ser instituída em norma interna da instituição e aceita pela autonomia que lhe é conferida no sistema de ensino brasileiro, não pode ser entendida como penalidade que se aplique a quem deva ser punido por infringir a lei, como o é a expulsão, mas uma providência de natureza mista, administrativa e pedagógica, precedida da ponderação de fatores e critérios para manutenção ou perda da vaga, como por exemplo, a atualidade dos conhecimentos já ministrados e apreendidos pelo aluno. Tanto é assim que a lei não obstava ao jubilado o reingresso, por nenhuma de suas formas, através de novo processo de disputa de vagas, e o aproveitamento de estudos.
Há que se considerar, ainda, para se decidir pelo jubilamento, a particularidade dos fatos, ou seja, os fenômenos associados a aspectos legais que lhes são afetos. A regra de jubilação, controvertida na ótica dos direitos individuais e das desigualdades sociais, pode ser justificada pelo propósito de permitir o acesso de aspirantes ao limitado quadro das instituições públicas; mas, admite como contraponto que fórmula alguma justificará a abertura de vagas na série inicial pelo simples fato de jubilar-se aluno de últimas séries, e que a insuficiência de rendimento acadêmico pode decorrer justamente da realidade social, quando se tem que optar, muitas vezes, entre o trabalho e o estudo, ou quando o desemprego e o próprio trabalho não aportam recursos à subsistência do aluno e de sua família. Aliás, se os tribunais têm sido justos cassando jubilações que ignoraram dificuldades pessoais decorrentes de enfermidade do discente ou de pessoa da sua família que necessitou de seus cuidados, não podem usar outra medida quando a causa reside num daqueles problemas sociais.
Finalmente, hoje, quando se legitimam vagas por quotas em decorrência de questões culturais e sociais, as instituições de ensino têm que desenvolver instrumentos aptos e idôneos para o ajuste que atenda ao interesse de formação do alunado, sua recuperação e adequação do tempo necessário ao término do curso, pois além dele ser a causa de sua própria existência, o ensino é direito de todo cidadão visando o seu pleno desenvolvimento, o preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho, como prevê o artigo 205 da Constituição Federal.
Informações Sobre o Autor
João Moreno Pomar
Advogado – OAB/RS nº 7.497; Professor de Direito Processual Civil da Fundação Universidade Federal de Rio Grande; Doutor em Direito Processual pela Universidad de Buenos Aires.