Resumo: O liame entre terra e homem é antigo; o tempo passou, as leis foram criadas e paulatinamente se modificaram, ampliaram seu alcance, porém o espírito humano, no que concerne ao dever de partilha não parece haver evoluído. Ainda hoje, em pleno século 21, vivendo em democracia, não raro ocorrem lamentáveis conflitos fundiários, resultantes da interminável ambição de grandes fazendeiros em detrimento de trabalhadores rurais que desejam conquistar um pedaço de chão para nele morar, trabalhar, produzir, dando ao solo sua tão necessária função social. O presente artigo visa lançar luz sobre o evolutivo caminho histórico percorrido pelo Direito Agrário, exordiando-se dos lugares e tempos mais remotos até o seu despontar em terras brasileiras. Nessa interessante viagem histórica o leitor poderá voltar no tempo e perscrutar, sem entraves, desde breves registros bíblicos de ordenamento sobre o solo, o surgimento da agricultura e pecuária durante o período neolítico, as primeiras normas reguladoras da relação entre o homem e a terra, o descobrimento do Brasil e o Tratado de Tordesilhas, a colonização do território brasileiro, e finalmente, os três períodos importantes para o vislumbre histórico do Direito Agrário em nosso país, a saber: o regime sesmarial (1531 a 1822), o período das posses (1822 a 1850), e, empós 1850, o período marcado pela Lei de Terras. Dessarte, passeando por lugares longínquos e convivendo com diversos personagens, entre eles monarcas, navegadores, papas, padres, capitães donatários, sesmeiros e posseiros, após estudar um passado distante haveremos de entender o presente patamar agrário brasileiro.
Palavras-chave: Evolução histórica, regimes, propriedade rural, legislação, terras.
Abstract: The bond between earth and man is ancient; time passed, laws were created and gradually modified, they widened their scope, but the human spirit, as far as the duty of sharing is concerned, does not seem to have evolved. Even today, in the middle of the 21st century, living in a democracy, there are often lamentable land conflicts, resulting from the endless ambition of large landowners to the detriment of rural workers who want to conquer a piece of land to live, work, produce, so necessary social function. The present article aims at shedding light on the evolutionary historical path traveled by the Agrarian Law, exordiando of the places and times more remote until its dawn in Brazilian lands. In this interesting historical journey, the reader will be able to go back in time and search, without hindrance, from brief biblical records of land management, the emergence of agriculture and livestock during the Neolithic period, the first norms regulating the relationship between man and the land, the discovery of Brazil and the Treaty of Tordesillas, the colonization of Brazilian territory, and finally, the three important periods for the historical glimpse of Agrarian Law in our country, namely the sesmarial regime (1531 to 1822), the period of the possessions (1822 to 1850), and, by 1850, the period marked by the Land Law. Thus, after traveling through distant places and living with various characters, among them monarchs, navigators, popes, priests, captains donatarios, sesmeiros and squatters, after studying a distant past we will have to understand the present Brazilian agrarian level.
Keywords: Historical development, polity, rural property, legislation, acres.
INTRODUÇÃO
Para tratar de Direito Agrário é imprescindível discorrer acerca da agricultura, do seu descobrimento, e seu significado, que é a atividade do homem no cultivo da terra; produzindo, extraindo, quer para seu próprio consumo ou com o escopo de atingir uma escala de abrangência maior.
É cediço que entre o ser humano e a terra há um vínculo antigo. Forte e monolítico não se separa, não se rompe, pelo contrário! Mesmo a duras penas resiste. Ao retumbar dos gritos, ao cair das lágrimas, ao jorrar do sangue, o homem sempre combateu em busca do seu pedaço de chão. Com o passar do tempo descobriu técnicas como agricultura e pecuária, produziu alimentos e permutou-os com seus próximos, todavia foi escravizado pelos seus semelhantes. Trabalhador vigoroso, porém nada abastado, submetido foi ao poder dos seus patrões, ambiciosos senhores de terras que, sequiosos de riquezas não pouparam a ninguém, transformando a terra em palco de desigualdades sociais. Dessarte, somando a fome de riquezas dos grandes dominadores à miséria dos dominados, consectário são as revoltas frequentes, repletas de lamentáveis ocorridos. Então, em socorro estatuem-se regras, em contínua e constante evolução, conforme a transformação lenta e progressiva da sociedade.
Assim se construiu e permanece a ser edificado o Direito Agrário, em um conjunto de normas que regulam as relações jurídicas do homem com a terra, haja vista o liame inquebrantável entre ambos.
1. GÊNESE DO DIREITO AGRÁRIO
A relação do homem com a terra é antiga. A título de curiosidade vale recordar o livro bíblico de Levítico, onde já se cuidava de questões referentes ao homem e a terra. Em seu capítulo vinte e cinco se verificam determinadas regras sobre o assunto. Confira-se, a seguir, o ordenamento constante dos versículos 23 a 28, ipsis litteris:
“23. Também não se venderá a terra em perpetuidade, porque a terra é minha; pois vós estais comigo como estrangeiros e peregrinos:
24. Portanto em toda a terra da vossa possessão concedereis que seja remida a terra.
25. Se teu irmão empobrecer e vender uma parte da sua possessão, virá o seu parente mais chegado e remirá o que seu irmão vendeu.
26. E se alguém não tiver remidor, mas ele mesmo tiver enriquecido e achado o que basta para o seu resgate,
27. contará os anos desde a sua venda, e o que ficar do preço da venda restituirá ao homem a quem a vendeu, e tornará à sua
possessão.
28. Mas, se as suas posses não bastarem para reavê-la, aquilo que tiver vendido ficará na mão do comprador até o ano do jubileu; porém no ano do jubileu sairá da posse deste, e aquele que vendeu tornará à sua possessão.”
Interessante que, no versículo dezessete do aludido capítulo de Levítico consta plasmado o seguinte ditame: “Nenhum de vós oprimirá ao seu próximo; mas temerás o teu Deus; porque eu sou o Senhor vosso Deus”. E nos versículos dezoito e dezenove conclui: “Pelo que observareis os meus estatutos, e guardareis os meus preceitos e os cumprireis; assim habitareis seguros na terra. Ela dará o seu fruto, e comereis a fartar; e nela habitareis seguros”.
Parece-nos que o criador ou mesmo Moisés, seu porta-voz, já podia prever que o homem oprimiria seus semelhantes, e assim aconteceu. Poucos tornaram-se grandes poderosos, e muitos tornaram-se miseráveis; aqueles foram senhores, esses foram escravos; aqueles tinham terras, tinham poder, e tendo terra e poder, imperavam sobre os pequenos, que nada lhes restava senão a dura realidade de servir para o enriquecimento dos seus patrões. Eis aí o surgimento fatídico das desigualdades sociais, até hoje promotoras de desgraças.
Retomando o enfoque histórico no tocante ao desenvolvimento do Direito Agrário, conta a história que, quando as primeiras sociedades humanas formadas por caçadores de animais e coletores de raízes descobriram a técnica da agricultura e abandonaram a vida nômade para estabelecerem moradia em lugares fixos, isso é, sem mais ocorrer a mudança frequente de um local para outro, intensificou-se a produção de alimentos. Cresceu a oferta de alimentos, e tal foi a mola propulsora do sistema de trocas existente entre as pessoas; os pequenos agrupamentos humanos se tornaram tribos e civilizações; a população paulatinamente se expandiu, ampliando suas habilidades na atividade em que se empenhava, de molde a propiciar, entre si, a permuta do que cada um se dedicava a produzir.
A agricultura do período era baseada no cultivo de variados alimentos, como arroz, batata, mandioca, milho, cevada, centeio, trigo, entre outros; a pecuária, a seu turno, domesticava cavalos, porcos, bois, cabras e carneiros.
Outras inovações foram a criação da cerâmica, tecelagem, metalurgia e construção de muralhas, templos, armazéns para a conservação de alimentos, além de demais outras.
Esse período, pelos historiadores denominado Neolítico, representa o desenvolvimento exordial da criação de animais e das primeiras formas de agricultura, conforme acima aclarado, marcado pelo estilo de vida sedentário, posto que as populações ao dominarem a agricultura e a pecuária puderam fixar-se por mais tempo nas regiões.
Segundo grande parte dos historiadores o Neolítico não aconteceu em todas as partes do mundo ao mesmo tempo, mas houve diferentes períodos e regiões onde o Neolítico entrou em vigor. Os cálculos indicam que o início se deu em 8.000 a.C no Oriente Próximo, região compreendida entre a Mesopotâmia, Egito e demais áreas habitadas pelo povo hebreu; na América Central, por sua vez, o Neolítico teria iniciado-se em 2.500 a.C.
Segundo Benedito Ferreira Marques, essa é a origem do Direito Agrário. Assim leciona o referido professor:
“Remontam aos primórdios da civilização as origens do Direito Agrário. E não poderia ser outra a constatação, pois que o primeiro impulso do homem foi retirar da terra os alimentos necessários à sua sobrevivência. Depois, quando os homens se organizaram em tribos, tornou-se imprescindível a criação de normas reguladoras das relações entre eles, tendo por objeto o “agro”. Nascia, ali, com tais normas, o ordenamento jurídico agrário”. (Marques (2015, p. 1)
Marques registra que, conforme conclusão do professor Alcir Gursen de Miranda, “o Código de Hammurabi, do povo babilônico, pode ser considerado o primeiro Código Agrário da Humanidade”. (Miranda (1988 apud MARQUES, 2015, p. 2)
O supracitado Código, organizado em duzentos e oitenta parágrafos, apresentava, já em seus remotos tempos (1792 a.C.), número de sessenta e cinvo temas voltados para o conteúdo agrário. Abordava assuntos como: locação e cultivo dos fundos rústicos (Cap. V); empréstimo e locação de bois (Cap. XII); tipificação delituosa da morte humana em virtude da chifrada de um boi (Cap. XIV); regimento sobre a situação dos agricultores (Cap. XVI); e o Cap. XVII, o qual tratava dos pastores.
2. PERCURSO HISTÓRICO DO DIREITO AGRÁRIO NO BRASIL
2.1. O Tratado de Tordesilhas
O germe do Direito Agrário no Brasil passa pelo tratado de Tordesilhas, acordo feito ao final do século XV entre os monarcas D. João II, rei de Portugal, e Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão, monarcas espanhóis, amplamente conhecidos como reis católicos.
Para se obter um claro entendimento acerca do Tratado de Tordesilhas, antes é imprescindível que se discorra sobre outros acordos prévios firmados entre as potências ibéricas, do que doravante cuidaremos.
Impendendo-nos, portanto, voltar ao passado e analisar os feitos importantes para melhor se compreender o nascimento histórico do Direito Agrário em nosso país, num breve resumo, rebobinemos a fita da história até o século XIII.
A partir do século XIII, castelhanos e portugueses disputavam entre si a exploração e domínio da costa atlântica africana, considerada essencial para garantir uma passagem para a Índia que não dependesse do Mar Mediterrâneo. Durante o século XV, a contínua expansão dos reinos ibéricos nessa direção gerou conflitos comerciais e, como consectário, rivalidade política.
Vale recordar que naqueles idos, detentora de incontestável autoridade, a igreja exercia grande poder. Nesse prisma, visando garantir a posse temporal e espiritual das terras já descobertas, bem como dos territórios a serem descobertos no Atlântico, a partir da década de 1450 reis portugueses solicitaram intervenção a sucessivos papas.
Em 1474, com escopo de apaziguar tais disputas, Portugal começou negociar o primeiro tratado (Tratado de Alcáçovas), assinado pelas duas partes em 1479, ratificado pelo papa Sisto IV em 1481. O documento convencionava a paz entre os reinos após a Guerra de Sucessão Castelhana (1475 – 1479), sendo precípuas cláusulas a renúncia de D. Afonso V ao trono de Castela e um futuro casamento entre os filhos dos soberanos. Ademais, o tratado demarcava as zonas de influência de cada lado no Oceano Atlântico ao estabelecer o domínio dos Reis Católicos (Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão) nas Ilhas Canárias, ficando garantida, de outra banda, aos portugueses a exploração de todas as terras ao sul.
Em 1492 ocorreram as primeiras descobertas por Cristóvão Colombo, navegador e explorador genovês. Apoiado pelos reis católicos, Colombo foi o primeiro europeu a por os pés nas terras do continente americano, chamado de Novo Mundo.
Tal fato alterou inteiramente a situação diplomática estabelecida alhures. Após a chegada do navegador à Espanha, em 1493, não tardou e o casal real procurou garantir o apoio do papa espanhol Alexandre VI. De acordo, o papa expediu uma bula (Bula Inter Coetera), publicada em maio de 1493, determinando a demarcação de uma linha imaginária que se localizaria cem léguas (cerca de oitocentos e oitenta e cinco quilômetros) a oeste de Cabo Verde. As expedições portuguesas deveriam manter-se a leste dessa linha, haja vista que todas as terras descobertas e ainda por descobrir a oeste do marco seriam possessão exclusiva dos Reis Católicos, os quais, em troca, teriam a incumbência de difundir o cristianismo no Novo Mundo.
D. João II, insatisfeito argumentou que os direitos de Portugal no Novo Mundo não haviam sido suficientemente afirmados, e além disso, os navegantes portugueses não teriam espaço suficiente no mar para suas viagens à África. Julgando que a decisão do pontífice contradizia o Tratado de Alcáçoças assinado alguns anos antes, procurou Isabel I e Fernando II para negociações colaterais.
O problema interno estava instaurado; dele não se podia buscar subterfúgio, e no intento de evitar a inimizade do reino vizinho, os monarcas espanhóis concordaram com a proposta.
Para solucionar tal conflito, embaixadores espanhóis e portugueses se encontraram na vila de Tordesilhas, na Espanha, em 1494. Um novo acordo foi assinado e a linha foi movida, passando a localizar-se trezentos e setenta léguas (aproximadamente mil e novecentos quilômetros) a oeste de Cabo Verde.
Esse foi o Tratado de Tordesilhas; um acordo por meio do qual as duas forças hegemônicas da época pactuaram que as terras eventualmente descobertas no mundo seriam conferidas ao domínio de quem as houvesse descoberto, conforme avençada estipulação prévia. Assim fora permitido a Portugal tomar posse da região litorânea onde Pedro Álvares Cabral aportou em 1500, que posteriormente veio a se tornar o Brasil.
Lecionando sobre o Tratado de Tordesilhas, nos seguintes termos são as palavras de Marques, 2015, P. 22, ipsis litteris:
“Esse documento merece ser encarado por sua importância jurídica na formação do sistema fundiário brasileiro, na medida em que, sendo o Brasil descoberto por Pedro Álvares Cabral, de Portugal, adquiriu este o domínio sobre as terras, embora o seu apossamento tenha sido apenas simbólico. O direito de propriedade decorrera de um Tratado, cuja validade jurídica passara pela homologação do Papa Júlio II, através da Bula Ea quae. A propósito, há quem diga que tal homologação papal fora dada por Alexandre VI, e não por Júlio II. Controvérsia à parte, o que importa para este trabalho é o valor jurídico que foi atribuído àquele documento, mercê da bênção papal”.
2.2. A Colonização do Brasil e a Distribuição de Terras
Recém chegados no Brasil, os portugueses não sabiam exatamente qual procedimento adotar na administração da região recentemente por eles conhecida. Ante o colossal território que lhes escapava à ciência do quantum acerca da sua real extensão, algumas dificuldades iniciais despontavam.
Nos primeiros trinta anos de colonização, período compreendido entre 1500 a 1530, os portugueses realizaram pouquíssimos empreendimentos; algumas expedições chegaram trazendo como precípuas realizações nomear algumas localidades no litoral, confirmar a existência do Pau-Brasil e construir algumas feitorias. Pode se dizer que, durante essas três décadas, a única atividade desenvolvida consistiu na extração do Pau-Brasil, cuja utilidade foi a extração de uma tintura vermelha, a qual contava com alto valor comercial na Europa.
É fato que até 1530 a ocupação portuguesa era bastante inibida no território brasileiro. Conta-se que, em 1516 Dom Manuel I, rei de Portugal, enviou navios ao novo território almejando efetivar o povoamento e a exploração; instalaram-se em Porto Seguro, todavia logo foram expulsos pelos indígenas.
Ora. A Coroa portuguesa era titular do domínio sobre o novo território, e experimentando alguns dissabores no que tange às tentativas frustradas de ocupação, paulatinamente percebeu que era preciso explorar as terras de modo diferente, mais racional, tornando assim mais efetiva a presença de Portugal em sua nova colônia. Nessa perspectiva, em 1530 exordiou-se um projeto de colonização e distribuição de terras, baliza que dividiu a ocupação do Brasil em três períodos, a saber: regime Sesmarial (primeiro período), regime das posses (segundo período), por fim, o advento da Lei n. 601 de 1850, que marca o terceiro período da ocupação, regulamentando a questão fundiária.
A seguir é abordado cada um desses períodos que juntos marcaram a ocupação do Brasil, relacionando-se intimamente com a evolução histórica do Direito Agrário em nosso país.
3. REGIME SESMARIAL
O instituto das sesmarias fora criado em Portugal por uma lei de D. Fernando I, datada de 1375. Na época, ante o declínio da população rural dizimada pela peste negra ou reduzida em virtude do êxodo rumo aos centros urbanos, seu propósito era sanar a perniciosa crise de abastecimento que acometia o reino. Nesse enfoque, o rei determinou o cultivo obrigatório de todas “as herdades. Caso o proprietário não pudesse ou não quisesse cultivar diretamente o solo, a terra deveria ser dada em arrendamento a quem estivesse disposto a assumir a tarefa, sob pena de confisco, hipótese em que a terra seria devolvida ao soberano, derivando daí a conhecida expressão “terras devolutas”.
Como se pode verificar, a estratégia do rei era compelir os donos de terra a cultivarem sua gleba sob pena da concessão ser revogada, acarretando a devolução da terra para a Coroa, que a doaria a quem se comprometesse a cultivá-la em tempo pré-fixado por lei.
As Ordenações Filipinas em seu Livro Quarto, Título XLIII (final do século XVI), conceituaram as sesmarias como sendo “as dadas de terras, casais[1] ou pardieiros[2], que foram ou são de alguns Senhorios e que já em outro tempo foram lavradas e aproveitadas e agora o não são”.
Esse instituto foi aplicado com sucesso na colonização das ilhas atlânticas, bem como no próprio território português, no povoamento de regiões fronteiriças durante a guerra com Castela, e perante a necessidade de colonizar as terras brasileiras, eis que não tardou e a Coroa Portuguesa decidiu valer-se do já utilizado mecanismo. Foi assim que, decorridos cento e cinquenta e cinco anos da codificação da Lei das Sesmarias, o referido instituto foi transplantado para o Brasil em 1530.
Por meio da carta de poderes concedida a Martim Afonso de Sousa, enviado no comando de uma expedição colonizadora pelo monarca português D. João III, o instituto transplantou-se para o território brasileiro, representando a pretensão da Coroa em lançar mão das sesmarias para promover a colonização do território, ainda intacto.
Em 1534 foi criado por D. João III um sistema de administração territorial denominado capitanias hereditárias, sistema que dividia o vasto território brasileiro em grandes faixas de terra, entregando a administração para particulares, mormente nobres, burocratas ou comerciantes influentes dentro da Corte lusitana. Tratava-se de um meio de fomentar a ocupação da terra sem onerar a Coroa que, naqueles idos, não contava com recursos suficientes para investir na colonização. Com o sistema de capitanias todos os gastos ficavam a cargo do donatário, ponto positivo para a Coroa, que assim poderia colonizar o novo território, frisa-se, isenta de despesas.
Quando da criação de tal sistema, o monarca português determinou que cada donatário recebesse como de sua exclusiva propriedade uma faixa de dez léguas, contada a partir da linha litorânea, devendo comprometer-se a distribuir, a título de sesmarias, o restante do território sob seu comando a quaisquer pessoas, de qualquer condição, desde que fossem cristãos. Nesses termos, a terra continuava sendo patrimônio de Portugal; os donatários possuíam o direito de desfrutar da propriedade, mas não tinham direitos como se donos fossem, ficando, dessarte, submetidos à monarquia absoluta. Os capitães-donatários detinham somente vinte por cento da sua respectiva capitania, devendo distribuir obrigatoriamente os oitenta por cento restantes a título de sesmarias, clarifica-se, sem conservar direitos sobre o solo distribuído, o que não gerava dependência pessoal em tais relações.
Os primeiros registros de terras surgiram no Brasil com as doações de sesmarias, isso é, empós o estabelecimento das capitanias hereditárias, datados de 1534. São registros que informavam o local onde as pessoas viviam, suas informações pessoais e familiares; sobre a propriedade, se fora herdada, doada ou ocupada, quais os seus limites, como se constituía a mão-de-obra, se ali havia trabalhadores ou não, etc. Assim foi que todas as posses e sesmarias formadas foram legitimadas em registros públicos realizados junto às paróquias locais, posto que nesse período a igreja era unida oficialmente ao Estado, sendo mister dos vigários ou párocos das igrejas fazer os registros das terras ou certidões, como a de nascimento, casamento, etc.
Importa clarificar que, as terras distribuídas apresentavam exigências rotuladas como cláusula resolúvel, que tinham de ser atendidas obrigatoriamente, sob pena de o sesmeiro perder o domínio útil da terra recebida. Nesse passo, o sesmeiro (indivíduo beneficiário da concessão), obrigatoriamente devia colonizar a terra, consolidar nela a sua morada habitual e permanente cultura, demarcar os limites da sua respectiva área, devendo, ademais, pagar os tributos exigidos. Caso não cumprisse tais obrigações caía em comisso (infração de dever), sobrevindo a devolução da área para a Coroa a fim de ser redistribuída a outros interessados.
Percebe-se, portanto, que no brasil o regime sesmarial teve natureza diversa daquela utilizada alhures; enquanto que em Portugal o regime sesmarial tinha natureza de confisco das terras improdutivas, em nosso país, diferentemente, sua natureza jurídica foi de enfiteuse (Direito Civil) ou, como é denominado no Direito Administrativo, aforamento, mecanismo pelo qual a Coroa Portuguesa entregava o domínio útil da terra ao interessado sem haver alienação.
Inobstante teoricamente o regime das Sesmarias pareça um sistema bem organizado, capaz de produzir efeitos salutares, a história agrária brasileira comprovou que a maioria, parte esmagadora (segundo alguns estudos, noventa e nove por cento) das cartas de Sesmarias não foram bem sucedidas.
Em tese o regime sesmarial era um sistema, pode se dizer, bem planeado, eficaz em outras partes do mundo, mas no Brasil a realidade era outra, bastante distinta da já vivenciada pela corte lusitana noutros períodos, em outras regiões.
O novo território, a saber, o Brasil, era um território bastante amplo; necessitava ser colonizado, contudo algumas dificuldades impossibilitaram o êxito do regime sesmarial.
Conforme já relatado, o território brasileiro era demasiadamente extenso; as cartas entregavam enormes áreas de terra, e ainda mais funesto para o sistema de capitanias foi o fato da Coroa portuguesa não conferir a prossecução do plano, se de fato os ditames estabelecidos vinham sendo cumpridos.
Vale recordar que os capitães donatários moravam em Portugal. Em sua grande maioria pertenciam à pequena nobreza lusitana, e apesar do título nobiliário, não contavam com recursos financeiros. Ora. É incontestável que, para se tornarem produtivas a médio ou longo prazo, as capitanias necessitavam de consideráveis investimentos, o que não foi feito por falta de capital para investir ou mesmo de interesse dos capitães donatários em retorno de lucro. A situação era de tal modo grave que, por falta de recurso financeiro muitos capitães donatários nem se quer chegaram a tomar posse de suas terras, abandonando, por conseguinte, suas obrigações.
Outro problema que constituiu-se em entrave para o triunfo do regime de capitanias no Brasil foi a Falta de colonos. À época do descobrimento Portugal tinha pouco mais de 1,2 milhão de habitantes, e uma inveterada carência de mão de obra em seu território. Não era viável que um número de colonos suficiente viesse para o território brasileiro ocupar a terra, razão pela qual a colônia permaneceu subpovoada e, obviamente, mal-aproveitada durante o sistema de capitanias.
Ainda outro embaraço a ser listado é concernente à obrigatoriedade do cultivo. Tal exigência estimulou a formação de um novo grupo entre os sesmeiros, qual seja, o grupo dos posseiros, indivíduos que preenchiam um requisito básico da colonização, o cultivo, todavia não possuíam aquiescência do rei alusiva às sesmarias, pois adquiriram a terra por um meio ilegal, em muitos casos, inclusive, pagando pelo solo, o que não era permitido durante o regime sesmarial. E assim formou-se o conflito. Muitos sesmeiros, Ante as obrigações que lhes eram impostas preferiram arrendar suas áreas de terra a pequenos lavradores, o que dificultou o controle de verificação do cumprimento da exigência sobre o cultivo e a demarcação, obstando também o controle da Coroa portuguesa sobre o sistema de distribuição de terras, de molde a suscitar o crescente número de posseiros.
Além da grande distância entre as capitanias e de sua titânica área, além da falta de colonos, da carência de recurso financeiro ou interesse dos capitães donatários, do aparecimento e expansão dos posseiros, os constantes ataques dos índios revoltados com a escravidão, os ataques dos franceses, bem como a imperdoável falta de fiscalização da distribuição fundiária pela Coroa lusitana, sem dúvida foram problemas que, numa atmosfera pestilenta da história agrária brasileira, contribuíram em conjunto para o fim do sistema de capitanias em nosso país.
O regime das sesmarias foi extinto oficialmente em 1822, ante a existente promessa de regularização da posse.
4. REGIME DE POSSES (1822-1850)
O regime de posses ou regime extralegal se tornou o instituto competente a substituir o término do regime das sesmarias ou sesmarial. Criado em razão da ausência de normas regulamentadoras, tal regime perpetuou-se no território brasileiro durante vinte e oito anos, caracterizado pela ocupação direta dos terrenos sem a presença de regulamentação legal, foi responsável pela “marginalização das terras”.
A apropriação durante o regime de posses procedia-se através da ocupação real sobre o terreno almejado, desencadeando um grande processo de invasão e usurpação por particulares, com utilização de meios fraudulentos na conquista de “terras de ninguém”, sem a presença de consulta e solicitação às autoridades administrativas responsáveis por aqueles que haviam interesse.
Caracterizado pela efetivação de latifúndios e distribuição de terras pelas mãos daqueles que estavam no poder, o regime sesmarial se desmonta no momento do novo regime, ou seja, o de posses, que devido à ausência de grandes obstáculos para o acesso à terra, tinha como atributo o fácil acesso aos pequenos colonos.
“A sesmaria é o latifúndio, inacessível ao lavrador sem recursos. A posse é, pelo contrário – ao menos nos seus primórdios, – a pequena propriedade agrícola, criada pela necessidade, na ausência de providência administrativa sobre a sorte do colono livre, e vitoriosamente firmada pela ocupação”. (PEREIRA, José Edgar Penna Amorim, 2003, p. 25
Apesar da maior facilidade na obtenção das terras em comparação à fase anterior, no regime de posses, o pequeno proprietário para exercer a tutela possessória devia se atentar a sua função social, como denota-se de PINHEIRO FILHO, 2016 “nessa fase, também conhecida como de ocupação, ao pequeno lavrador só era exigido que ele fizesse da terra sua morada habitual e a cultivasse com o próprio trabalho e o de sua família”.
4.1. Tutela Possessória
Encontra-se na doutrina duas grandes vertentes significativas até os dias atuais responsáveis pela melhor compreensão dessa fase e o real conceito de posse.
A primeira teoria conhecida como teoria subjetiva conceituou a posse como a união de dois elementos: corpus e animus.
“O corpus constitui a apreensão física da coisa, enquanto o animus a intenção de exercer o direito de propriedade. Para a configuração da posse esses dois elementos são indissociáveis. O corpus sem o animus não é suficiente para garantir a alguém a proteção possessória, pois, não há posse sem a vontade de ter a coisa como sua, mas mera detenção. O animus, portanto, é o elemento que diferencia a posse da detenção” (AMORIM, Karolynne Silva. A legitimação da posse sobre terras devolutas,2010)
O respeitado e influente jurista alemão do século XIX responsável pelo surgimento da teoria subjetiva, Friedrich Carl von Savigny, entendia que a posse se personificava quando houvesse a apreensão física da coisa (corpus) mais a vontade de tê-la como própria (animus domini), sendo os dois elementos indissociáveis para a caracterização.
“Justo porque Savigny carrega no elemento intencional, somente reconhecendo posse onde há animus domini, sua teoria é qualificada de subjetiva. As maiores críticas que lhe são dirigidas visam precisamente ao seu exagerado subjetivismo, que faz depender a posse de um estado íntimo difícil de ser precisado concretamente”. (GOMES, 2007, p. 33)
Rudolf von Ihering, outro jurista alemão, em contraposição a Savigny, criou a teoria objetiva que indicava que a posse se configura simplesmente com a conduta do dono, ou seja, não importa a apreensão física da coisa e a vontade de ser o dono basta somente tê-la consigo mesmo sem ter a intenção de possuí-la.
Ainda que bastante distintas, as duas teorias influenciaram e influenciam os ordenamentos jurídicos de diversos países, o que contribuiu significativamente para seu desenvolvimento e aperfeiçoamento, ambas deram significado e função ao conceito de posse. A teoria criada por Friedrich Carl von Savigny deu autonomia a posse, já teoria Rudolf von Ihering por sua vez ampliou seu conceito.
Posteriormente, a teoria de Ihering, seria adotada pela legislação brasileira em seu Código Civil de 2002.
4.2. Função Social da Posse
Conforme a enciclopédia jurídica Soibelman, função é a “atividade de um órgão ou serviço” que agregada a sociedade, pode-se inferir que que “função social” poderia ser definida como “um conjunto de atividades realizadas por uma determinada instituição de forma a beneficiar a sociedade ou coletividade”.
De mesmo modo, acrescenta-se Davi Farizel, que a função social seria nada mais do que, “tudo!”, isto é, “tudo aquilo que existe cumpre à uma determinada função, ainda que algo possa ser destinado à mais de uma finalidade, há que se destacar uma finalidade precípua”.
Adam Smith, em sua obra “A Riqueza das Nações”, publicada em 1776, esclarece, ao citar Hutcheson, que:
“[…] Quando a população era rarefeita, o País era fértil e o clima ameno, não havia muita necessidade de se aperfeiçoarem regras sobre a propriedade, mas na situação de hoje “o trabalho de todos é claramente necessário para manter a humanidade”, e os homens devem ser motivados ao trabalho pelo interesse próprio e pelo amor à família. Se não lhes forem assegurados os frutos do trabalho humano, “não se tem nenhuma outra motivação para trabalhar senão o amor genérico à espécie, o qual geralmente é muito mais fraco do que as afeições mais íntimas que dedicamos aos nossos amigos e parentes, para não mencionar a oposição que, nesse caso, seria apresentada pela maioria dos indivíduos egoístas”. Numa sociedade comunista não se trabalha de boa vontade”.
Torna-se perceptível a preocupação, naquele período, com o trabalho em conjunto (com destaque no campo) para o benefício de todos, ou seja, da sociedade, deixando claro a preocupação com objetivo social do trabalho e da propriedade, o qual chamamos atualmente de “função social”.
Nessa mesma linha de raciocínio consagrou-se o regime de posse, apregoando que o possuidor deveria ser tutelado não por exercer um dos poderes inerentes a propriedade (não somente por ocupa-la), mas pela pratica da “função social” empregado ao bem.
O proprietário, não deveria ser caracterizado tão somente pela defesa de vossas terras mas deveria ser visto como uma pessoa que apesar de não ter garantia da propriedade, direito administrativo e nem ao menos título, utilizaria o bem como o meio de assegurar o mínimo suficiente para a base e desenvolvimento de uma vida digna.
4.3. Do apossamento
Com o surgimento de tal regime, tornou –se aberta a distribuição de terras. De fato seria, divisão ocular, isto é, até onde pudesse ser visto, ou também por distribuição natural. Córregos, riachos, florestas poderiam delimitar as terras entre os posseiros, que desse modo, desencadeou o apossamento irregular de terras.
Conforme Rui Costa Lima (Pequena história territorial do Brasil…, p. 4), essa prática veio a ser, com o correr dos anos, “modo legítimo de aquisição do domínio”, todavia, para a aquisição os posseiros demonstravam claramente o cumprimento de certos “requisitos” exercer da posse.
A lei que implantou o apossamento como costume obtendo aceitação jurídica, a Lei da Boa Razão, (implantada em 18 de agosto de 1769), serviu como base a serem cumpridas por aqueles que pretendiam ocupar as terras como a “racionalidade, o cultivo e a antiguidade” (LIMA, R. C. Pequena história territorial do Brasil…, p. 51-59).
Apesar dos poucos registros administrativos, há registros paroquiais que demonstram a preocupação dos posseiros em esclarecer que as terras adquiridas foram de tal forma pacífica, portanto, sem nem um conflito ou obstáculo, expressamente com intuito de serem adquiridas para o cumprimento da função social, isto é, o próprio sustento e a abastecimento das cidades.
Portanto, ainda que, parcela dos posseiros detinham de “boa vontade” com as terras, o regime de posses ficou conhecido entre doutrinadores como um regime conturbado, quase caótico, onde o princípio adotado era ocupação, mesmo que pacífica que veio posteriormente a ser substituída pela Lei de Terras de 1850.
5. O REGIME DA LEI DE TERRAS (1850)
O Estatuto das Terras Devolutas, como foi chamada também a Lei n. 601/1850, foi a lei responsável por encerrar o caos que havia surgido com o regime de posses, assim, com objetivo de evitar o apossamento de qualquer área, seja pública ou privada, sem qualquer regulamentação, foi criada a Lei de Terras de 1850.
A Lei de Terras, após sua criação, conforme Germano de Rezende Forster, “determinou parâmetros e normas sobre a posse, manutenção, uso e comercialização de terras no período do Segundo Reinado”, surgindo a regulamentação necessária a época após extinção do regime de posses.
“[…] No Brasil, os sesmeiros e posseiros realizavam a apropriação de terras aproveitando de brechas legais que não definiam bem o critério de posse das terras. Depois da independência, alguns projetos de lei tentaram regulamentar essa questão dando critérios mais claros sobre a questão. No entanto, somente em 1850, a chamada Lei 601 ou Lei de Terras, de 1850, apresentou novos critérios com relação aos direitos e deveres dos proprietários de terra”. (SOUSA, Rainer Gonçalves. "Lei de Terras de 1850"; Brasil Escola.)
5.1. Aspectos históricos
Ainda que tenha sido elaborada na tentativa de extinguir os conflitos e as ilegalidades surgidas durante o período de 1822 a 1850, a Lei n. 601 foi criada em meio a uma disputa de grandes forças.
Os conservadores (constituídos por fazendeiros) e os liberais (novos posseiros, fruto do regime anterior), ambos tinham interesse em defender as terras que haviam conquistados sem o menor resquício de que abririam mão de seu patrimônio.
Não era de muita dificuldade perceber a discrepância entre os desejos de ambas as partes. Os liberais, por serem constituídos pelos posseiros, difundiam pela ideia da posse ilegal, resultado do regime anterior; os conservadores, por sua vez, defendiam a reforma fundiária.
Em 1843 os conservadores foram os responsáveis por apresentar o primeiro projeto de Lei n. 601, todavia, com a presença dos Deputados do Partido Liberal, o projeto foi cessado. Os posseiros alegavam que tal projeto beneficiavam apenas os cafeicultores.
Enfim, após longos conflitos, os liberais conseguiram o que buscavam após cessar o regime anterior, isto é, a legitimação de suas posses sem avaliação ou controle jurídico e a redução das taxas de registros.
5.2. Medidas da Lei de Terras
Em relação as medidas propostas podemos citar a legitimação das posses abdicadas pelos liberais e a revalidação das sesmarias irregulares, dentre outras medidas como por exemplo:
“(Artigo 1° e 2°) A proibição da concessão gratuita de terras, exceto as situadas nos limites com países estrangeiros, em uma faixa de 10 léguas e a proibição de apossamento de novas terras, extinguindo totalmente os rastros do regime anterior.
(Artigo 3°) Conceituação do que seria terras devolutas.
(Artigo 4°) Possibilidade de revalidação das sesmarias concedidas irregularmente desde que preenchidos os requisitos da morada habitual e cultivo da terra.
A usucapião nas sesmarias ou outras concessões do governo.
(Artigo 11) A obrigação dos posseiros tirarem títulos de vossos terrenos”.
A Lei de Terras transformou a terra em mercadoria ao mesmo tempo em que garantiu a posse aos antigos posseiros, latifundiário, cafeicultores e outros do gênero.
Consequentemente não se pode negar que há explicitamente nas cláusulas da Lei n. 601 que beneficiariam os capitalistas, os grandes proprietários. Os camponeses posseiros seriam vistos, como sempre, “intrusos” das terras.
“Os grandes posseiros já haviam aprovado no congresso que suas “posses mansas e pacíficas” seriam reconhecidas e sua extensão respeitada. Além disso, eles tinham seu pequeno exército particular para se defenderem dos “intrusos”. Nesse esquema, que chance teriam esses camponeses senão a de continuar trabalhando para o grande fazendeiro ou sendo moradores de favor”? (DA SILVA, Maria Aparecida Daniel,2000)
Importante destacar que apesar das críticas, a mencionada lei, independentemente de qual influencia tenha vindo a sofrer, se dos conservadores ou dos liberais, há de ser reconhecida sua relevante mudança na concepção de propriedade da terra. Salienta-se, todavia, que até surtir o efeito desejado no campo houve um certo lapso de tempo, o qual ficou conhecido como apenas mais uma “letra morta”.
Portanto, com sua nova concepção difundida e aplicada aos poucos durante o tempo, dando nova forma a apropriação, a Lei de Terras se tornou um marco no tempo e história agrária do Brasil, haja vista que, diferente de considerar a terra apenas como um privilégio, a valorizou como mercadoria que geraria lucros e obrigações.
CONCLUSÃO
O presente trabalho se propôs a realizar um estudo sobre os principais aspectos histórico-jurídicos que contribuíram para a formação do Direito Agrário brasileiro. Conclui-se que apesar de teoricamente parecer um sistema bem organizado, capaz de produzir efeitos salutares e influenciar fortemente o destino das terras brasileiras, o regime das sesmarias não foi bem sucedido no país, ineficaz se comparado a seus efeitos em outros países. Acrescenta-se que tal regime, conforme jus-agraristas, se tornou o maior e principal propulsor responsável pela formação da concentração latifundiária e todas as desigualdades sociais dela decorrentes.
Seguidamente, como visto, após falhas tentativas de reparação surgiram novos regimes como o de posse, que ao contrário do regime sesmarial, contribuiu para o surgimento de minifúndios, favorecendo a marginalização das terras, cooperando novamente pela desigualdade agrária brasileira.
O regime de terras, apesar de declínio ao favorecimento dos conservadores se revelou, após um período de tempo, parcialmente eficaz ao objetivo que fora desempenhado, demonstrando assim sua tentativa de equilíbrio entre os grandes fazendeiros e os posseiros.
Portanto, o período aqui estudado é de suma importância para a compreensão da questão agrária no país, pois ocorre, sobretudo, que ao decorrer das décadas o Brasil ainda se encontra em recuperação das falhas dos antigos regimes, todavia, ainda se vislumbra que nos próximos anos, décadas ou milênios, a estrutura agrária brasileira possa mudar, realidade que no entanto só pesquisas e estudos terão condições de avaliar.
Informações Sobre o Autor
Hebert Mendes de Araújo Schütz
Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás analista judiciário do Tribunal de Justiça de Goiás e professor da FAR – Faculdade Almeida Rodrigues em Rio Verde-GO