Sim, uma discussão entre funcionários pode gerar justa causa, desde que configurada como uma conduta grave, capaz de abalar a confiança necessária à continuidade da relação de emprego. No entanto, não é toda briga ou desentendimento que leva a esse tipo de punição. Para que a justa causa seja válida, é necessário que o comportamento do trabalhador se enquadre nas hipóteses previstas no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e que a penalidade seja aplicada de forma proporcional, fundamentada e com respaldo em provas.
Este artigo traz uma análise completa e aprofundada sobre o tema, explicando o que diz a legislação, como a jurisprudência trata os casos de desentendimento entre colegas, o que caracteriza falta grave, quais os direitos do trabalhador punido e como a empresa deve proceder para evitar abusos. Também abordaremos casos comuns, os cuidados na apuração dos fatos, e responderemos às dúvidas mais frequentes sobre o assunto.
O que é justa causa no contrato de trabalho
A justa causa é a rescisão do contrato de trabalho por culpa do empregado, decorrente de ato faltoso grave, que torna insustentável a manutenção do vínculo empregatício. Ao ser demitido por justa causa, o trabalhador perde uma série de direitos, como:
Aviso prévio
Saque do FGTS
Multa de 40% sobre o FGTS
Seguro-desemprego
Férias proporcionais
Décimo terceiro proporcional
A CLT, em seu artigo 482, lista as condutas que justificam a aplicação da justa causa, tais como:
Ato de improbidade
Insubordinação ou indisciplina
Ato lesivo da honra ou boa fama
Ofensas físicas
Embriaguez habitual ou em serviço
Desídia no desempenho das funções
Condenação criminal definitiva, entre outras
O desentendimento entre colegas pode ser enquadrado em mais de um desses incisos, dependendo da gravidade da conduta, do histórico do trabalhador e da forma como a empresa conduz o caso.
Discussão no trabalho é sempre falta grave?
Nem toda discussão ou desentendimento entre colegas de trabalho é considerada falta grave a ponto de justificar uma demissão por justa causa. Em muitos casos, o episódio é pontual, provocado por estresse, pressão do ambiente, ou mesmo questões pessoais externas que afetam o comportamento dos envolvidos.
Para que a justa causa seja aplicada, é necessário que a conduta do trabalhador seja:
Intencional
Reiterada ou extremamente grave
Capaz de gerar risco, constrangimento ou dano
Comprovada por testemunhas ou documentos
Discussões leves, trocas de palavras ríspidas ou desentendimentos que não envolvam ofensas, ameaças ou agressões devem ser tratados com medidas disciplinares mais brandas, como advertência verbal ou por escrito.
Quando a discussão pode ser considerada falta grave
Uma discussão pode ser considerada falta grave e justificar a demissão por justa causa quando:
Envolve agressões físicas, mesmo que não resultem em lesões
Contém ofensas morais graves, como xingamentos, insultos ou ameaças
Acontece na presença de clientes, prejudicando a imagem da empresa
Gera tumulto no ambiente de trabalho
Envolve desrespeito à hierarquia ou tentativa de humilhação
Reitera comportamentos anteriores de indisciplina ou desrespeito
Nesses casos, a discussão deixa de ser apenas um conflito pontual e passa a caracterizar ato lesivo da honra e da boa fama (artigo 482, alínea “j”), ou até mesmo ato de indisciplina ou insubordinação (alíneas “h” e “e”).
Exemplo prático
Dois funcionários discutem no setor de atendimento ao cliente. Um deles xinga o outro com palavras de baixo calão, gesticula de forma agressiva e ameaça fisicamente o colega, sendo contido por outros funcionários. O caso é filmado pelas câmeras da empresa.
Neste caso, há provas materiais, risco ao ambiente de trabalho e à integridade física de terceiros. A depender da apuração, ambos podem ser demitidos por justa causa, ou apenas aquele que teve a conduta mais grave.
O papel da proporcionalidade e gradação da pena
Mesmo nos casos em que há conduta irregular, a empresa deve seguir o princípio da proporcionalidade e da gradação da pena disciplinar. Isso significa que a justa causa deve ser a última medida a ser aplicada, quando as demais penalidades não surtirem efeito ou forem insuficientes diante da gravidade do ato.
As etapas normalmente observadas são:
Advertência verbal
Advertência por escrito
Suspensão disciplinar
Demissão por justa causa
Se a discussão for leve ou moderada, e não houver histórico de conflitos anteriores, a empresa pode aplicar uma advertência ou suspensão. A justa causa só deve ser utilizada se a conduta for claramente incompatível com a continuidade do contrato.
A importância da apuração dos fatos
A empresa que pretende aplicar justa causa a um trabalhador envolvido em discussão deve, obrigatoriamente, investigar os fatos de forma justa, imparcial e documentada. Isso porque, em eventual ação judicial, o empregador terá o ônus da prova, ou seja, deverá comprovar que:
O empregado cometeu falta grave
A empresa agiu com proporcionalidade
Houve respeito ao contraditório e à ampla defesa
A medida foi tomada sem discriminação ou abuso
Durante a apuração, é recomendável:
Ouvir todos os envolvidos
Reunir testemunhas imparciais
Verificar câmeras de segurança (se houver)
Registrar a versão dos fatos por escrito
Após a conclusão da apuração, a empresa poderá aplicar a medida disciplinar que considerar adequada, com base nas evidências reunidas.
Apenas um dos envolvidos pode ser demitido por justa causa?
Sim. Nem sempre todos os envolvidos em uma discussão têm o mesmo grau de responsabilidade. Um pode ter sido ofendido e apenas reagido de forma contida, enquanto o outro pode ter iniciado o conflito com xingamentos, ameaças ou agressões.
A empresa deve avaliar o comportamento de cada um individualmente. Se a apuração demonstrar que um dos empregados agiu com maior gravidade ou provocou o conflito, é possível que somente ele seja punido com a demissão por justa causa, enquanto o outro receba apenas advertência ou nenhuma penalidade.
Essa distinção é essencial para garantir justiça e legalidade na aplicação das sanções.
E se a discussão evoluir para agressão física?
Quando a discussão extrapola o verbal e se transforma em agressão física, a justa causa é ainda mais evidente, pois a CLT prevê como motivo para essa penalidade o ato de agressão contra qualquer pessoa no ambiente de trabalho (exceto em legítima defesa).
A alínea “k” do artigo 482 da CLT menciona: “ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, salvo em caso de legítima defesa”.
Portanto, em casos de agressão física, a empresa pode aplicar a justa causa imediatamente, desde que os fatos sejam devidamente comprovados.
Além da demissão, a agressão pode gerar:
Processo criminal por lesão corporal
Ação de indenização por danos morais ou materiais
Restrição de acesso ao ambiente da empresa
Discussão fora do ambiente de trabalho pode gerar justa causa?
Em regra, o contrato de trabalho produz efeitos dentro do ambiente de trabalho ou durante o exercício das funções. No entanto, se a discussão ou briga ocorrer fora do local de trabalho, mas tiver relação com o ambiente profissional, ela também pode justificar punição.
Exemplos:
Discussão em grupo de WhatsApp da empresa
Agressões verbais em confraternização promovida pela empresa
Ofensas públicas em redes sociais a colegas de trabalho
Nesses casos, a conduta extrapola o espaço físico da empresa, mas interfere diretamente no ambiente organizacional, na imagem da empresa ou na integridade de colegas. A jurisprudência já reconheceu situações em que o comportamento fora do trabalho teve reflexo suficiente para justificar sanção disciplinar.
O que diz a jurisprudência
A jurisprudência trabalhista tem considerado válida a aplicação de justa causa quando comprovada a ocorrência de brigas, ofensas ou agressões no ambiente de trabalho. Os tribunais analisam os seguintes aspectos:
Existência de provas (filmagens, testemunhas, documentos)
Proporcionalidade da medida aplicada
Conduta individual de cada empregado
Reincidência e histórico disciplinar
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já decidiu que:
“Configura justa causa a agressão física praticada por empregado no ambiente de trabalho, ainda que sob o pretexto de estar defendendo-se de provocações.”
(RR – 1113-16.2012.5.15.0024)
Outra decisão:
“A ofensa física entre empregados, em razão de desentendimentos pessoais ocorridos no ambiente de trabalho, é falta grave suficiente a justificar a dispensa por justa causa, independentemente da iniciativa do agressor.”
(TRT-4ª Região)
Essas decisões mostram que a Justiça do Trabalho tem sido rigorosa na análise de casos envolvendo conflitos entre funcionários, principalmente quando há risco à segurança ou quebra de disciplina.
Cuidados que a empresa deve tomar
Antes de aplicar uma demissão por justa causa motivada por discussão entre funcionários, a empresa deve:
Agir com imparcialidade e isenção
Documentar todos os passos do processo
Respeitar o direito de defesa dos envolvidos
Evitar julgamentos precipitados
Aplicar a penalidade com proporcionalidade
O empregador deve lembrar que a justa causa pode ser revertida na Justiça do Trabalho se for considerada desproporcional, sem prova suficiente ou discriminatória. Isso pode acarretar condenações à empresa, com pagamento de verbas rescisórias e indenizações.
Direitos do trabalhador demitido por justa causa
Ao ser dispensado por justa causa, o trabalhador perde o direito a várias verbas rescisórias. Ele terá direito apenas a:
Saldo de salário dos dias trabalhados
Férias vencidas, se houver, com adicional de 1/3
Não terá direito a:
Aviso prévio
Férias proporcionais
13º salário proporcional
Multa de 40% sobre o FGTS
Saque do FGTS
Seguro-desemprego
Se o empregado discordar da demissão por justa causa, ele pode ajuizar ação trabalhista para discutir a validade da penalidade.
Seção de perguntas e respostas
Toda discussão entre colegas pode levar à justa causa?
Não. Apenas discussões que envolvem agressões verbais graves, ameaças, desrespeito ou violência física podem configurar justa causa, desde que comprovadas.
A empresa pode demitir os dois funcionários envolvidos na briga?
Sim, desde que ambos tenham tido condutas graves. No entanto, é possível que apenas um seja demitido, se a apuração demonstrar que o outro agiu em legítima defesa ou de forma menos ofensiva.
Se a discussão aconteceu no WhatsApp da empresa, pode haver justa causa?
Sim. Mesmo fora do ambiente físico, se a conversa ocorrer em canais corporativos ou tiver reflexos no ambiente de trabalho, pode justificar penalidade.
Precisa ter testemunha para demitir por justa causa?
É recomendável. A empresa precisa comprovar a falta grave. Testemunhas, vídeos ou registros ajudam a legitimar a demissão.
Posso processar a empresa se achar a justa causa injusta?
Sim. O trabalhador pode ingressar com ação trabalhista solicitando a reversão da justa causa e o pagamento das verbas rescisórias.
Discussões fora do horário de trabalho também contam?
Podem contar, se tiverem reflexo direto na relação de trabalho ou no ambiente interno da empresa.
A advertência deve ser dada antes da justa causa?
Sim, exceto em casos de extrema gravidade. O ideal é seguir a gradação da pena, partindo de advertência, suspensão e, por fim, justa causa.
O que é desídia e como se relaciona com discussões?
Desídia é negligência ou má vontade no trabalho. Discussões frequentes, causadas por falta de comprometimento, podem compor um histórico de desídia.
Conclusão
A discussão entre funcionários pode sim levar à demissão por justa causa, mas é necessário que a conduta seja devidamente apurada, comprovada e que se enquadre nas hipóteses legais. O empregador deve agir com prudência, imparcialidade e proporcionalidade ao aplicar penalidades, garantindo o direito de defesa e evitando abusos.
Já o trabalhador deve manter uma postura profissional, mesmo diante de conflitos, evitando atitudes impulsivas que possam comprometer seu emprego e seus direitos. O diálogo, o respeito mútuo e o bom senso são as melhores ferramentas para a convivência no ambiente de trabalho.
Em casos de dúvida, tanto o empregador quanto o empregado devem buscar orientação jurídica para assegurar a legalidade e a justiça em qualquer medida adotada. Afinal, a justa causa é uma sanção extrema e deve ser tratada com seriedade e responsabilidade.