Divórcio Unilateral: Discussão Sobre A Sua Regulamentação

Julia Janeiro Pereira[1]

Resumo: O presente trabalho pretende analisar os argumentos que embasam a regulamentação do divórcio unilateral no Brasil à luz da Constituição Federal e das normas infraconstitucionais sobre o tema. Inicialmente, será abordada a formação do vínculo conjugal, através do casamento e da união estável. Em seguida, serão estudadas as modalidades de dissolução do vínculo, expondo os tipos de divórcio regulamentados atualmente no Brasil. Serão abordadas também manifestações jurídicas em defesa dessa modalidade de dissolução do vínculo conjugal, com análise do projeto de lei que regulamenta o divórcio unilateral. Ao final, serão avaliados os requisitos formais e materiais para implementação deste procedimento. O presente trabalho se utiliza de pesquisa eminentemente doutrinária e normativa, analisando também o posicionamento jurisprudencial dos tribunais sobre este tema.

Palavras-chave: Casamento. Divórcio. Litígio. Extrajudicial. Divórcio Unilateral.

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Abstract: This paper intends to analyze the arguments that support the defense of the regulation of unilateral divorce in Brazil under the light of the Federal Constitution and the infraconstitutional rules on the subject. Initially, the formation of the conjugal bond will be addressed, through marriage and stable union. Then, the methods of dissolution of the bond will be studied, with the presentation of the types of divorce currently regulated in Brazil. Legal manifestations in defense of this modality of dissolution of the conjugal bond will also be addressed, with analysis of the bill that regulates unilateral divorce. At the end, the formal and material requirements for implementing this procedure will be evaluated. This paper uses eminently doctrinal and normative research, also analyzing the jurisprudential position of the courts on this topic.

Keywords: Marriage. Divorce. Litigation. Extrajudicial. Unilateral Divorce.

 

Sumário: Introdução. 1. Meios de formação e dissolução do vínculo conjugal­. 1.1. Da formação do vínculo conjugal. 1.2. Da dissolução do vínculo conjugal. 1.2.1. Da dissolução da união estável. 1.2.2. Tipos de divórcio. 1.2.2.1. Divórcio-conversão. 1.2.2.2. Divórcio Consensual. 1.2.2.3. Divórcio Litigioso. 2. Divórcio Impositivo Extrajudicial (Divórcio Unilateral). 2.1. Conceito do divórcio impositivo extrajudicial. 2.2. Possibilidade da sua implementação. 2.3. Requisitos para implementação. 2.4. Estudo de caso: o provimento 06/2019 da Corregedoria Geral de Pernambuco. 2.4.1 Provimento 06/2019 CGJ/PE. 2.4.2. Pedido de Providências nº 0003491-78.2019.2.00.0000 do Conselho Nacional de Justiça. 2.4.3. Recomendação 36/2019 do Conselho Nacional de Justiça. 3. Desafios do Poder Judiciário. 3.1. Índices de morosidade do poder judiciário para solução de demandas relacionadas ao divórcio em 2019. 3.2. Divórcio Extrajudicial como medida de escoamento. Conclusão. Referências bibliográficas.

 

   INTRODUÇÃO

A efetivação do divórcio no Brasil ocorreu de forma tardia, tendo sido consolidada pela  Emenda Constitucional 9/77 que alterou o texto da Constituição de 1967, vigente à época, e aboliu o princípio da indissolubilidade do matrimônio, tornando possível a dissolução do casamento após decretada a separação judicial. Até a promulgação da EC 9/77, as partes que se casavam permaneciam juridicamente vinculadas até a morte e, por mais que fisicamente  se separassem e pusessem um fim nos deveres matrimoniais e na sociedade conjungal através do pedido de “desquite” – que atualmente se equipara à separação -, era impossível a celebração de novo casamento e o gozo de todos os direitos que advêm desse instituto.

No mesmo ano de 1977, foi promulgada a Lei nº 6.515/77 regulamentando o divórcio, estabelecendo-o como instrumento de dissolução do casamento, impondo condições temporais e definindo procedimentos para efetivar a separação. A Constituição de 1988 consolidou de vez o instrumento, adotando, expressamente, a dissolução do casamento através do divórcio, conforme disposto no art. 226, §6º.

Mais recentemente, em 2010, sobreveio a Emenda Constitucional 66/2010, a qual alterou o texto constitucional de modo a facilitar o divórcio, excluindo a obrigatoriedade do prazo mínimo de um ano de separação judicial prévia, ou dois anos de separação de fato, como condicionante para o requerimento do divórcio.

Atualmente, o divórcio pode ser concedido de forma judicial ou extrajudicial. Entretanto, para que se estabeleça o procedimento extrajudicial, é necessário, entre outros requisitos, que haja consenso entre cônjuges, na forma do artigo 733 do Código de Processo Civil de 2015. Nos casos em que houver litigiosidade entre os cônjuges, o ordenamento brasileiro estabelece a necessidade de judicialização do procedimento de divórcio.

Porém, tem surgido novas correntes no Brasil que defendem a possibilidade de se estabelecer também o divórcio litigioso através do procedimento extrajudicial, a fim de dissolver o vínculo entre os cônjuges de forma mais célere e menos burocrática.

O presente trabalho tem por escopo o estudo da viabilidade de regulamentação do divórcio litigioso extrajudicial (divórcio unilateral), utilizando-se de uma pesquisa eminentemente doutrinária e normativa. A princípio serão abordados os meios de formação e dissolução do vínculo conjugal, a fim de esclarecer a natureza do divórcio e a forma como o divórcio é realizado atualmente no Brasil.

Em seguida, será abordado o conceito do divórcio unilateral, com o estudo das correntes que defendem a regulamentação deste instituto e análise do Provimento n. 06/2019 do Conselho Geral de Justiça de Pernambuco que instituía o divórcio unilateral extrajudicial.

Por fim, serão ponderados os desafios do Poder Judiciário para atender às demandas do divórcio litigioso atualmente e serão apresentadas as considerações finais com os resultados da pesquisa.

 

  1. MEIOS DE FORMAÇÃO E DISSOLUÇÃO DO VÍNCULO CONJUGAL

Primeiramente, para melhor compreender a formação e a dissolução do vínculo conjugal, é importante ter a clareza da distinção entre o vínculo e a sociedade conjugal. Conforme preleciona Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 252-253), que

o casamento estabelece, concomitantemente, a sociedade conjugal e o vínculo matrimonial. Sociedade conjugal é o complexo de direitos e obrigações que formam a vida em comum dos cônjuges. O casamento cria a família legítima ou matrimonial, passando os cônjuges ao status de casados, como partícipes necessários e exclusivos da sociedade que então se constitui. Tal estado gera direitos e deveres, de conteúdo moral, espiritual e econômico, que se fundam não só nas leis como nas regras da moral, da religião e dos bons costumes.

 

Ou seja, a partir do casamento, são constituídos, de maneira simultânea, o vínculo e a sociedade conjugal, de forma que essa última, caracterizada pelos aspectos da vida em comum dos cônjuges, poderá ser dissolvida com a ocorrência de qualquer das hipóteses arroladas nos incisos do artigo 1.571 do Código Civil – (I) morte, (II) nulidade do casamento, (III) separação judicial ou (IV) divórcio), enquanto o vínculo conjugal, por sua vez, somente será dissolvido com a morte de um dos cônjuges ou através do divórcio, na forma do artigo 1.571 § 1º do Código Civil. Desse modo, apesar de se tratar de institutos advindos, a princípio, do mesmo fato jurídico, a extinção pode se dar de maneira diversa.

Neste sentido decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, tendo julgado que

não se deve confundir o término da sociedade conjugal com a dissolução do casamento válido, residindo a diferença substancial entre ambos no fato de que apenas a dissolução do casamento torna irreversível o matrimônio e, consequentemente, permite às partes contraírem um novo casamento.
(STJ – 3ª Turma – REsp. 1.695.148 – SP, Min. Rel. Nancy Andrighi, Julg.: 19.06.2018, DJe: 25.06.2018)

 

 

1.1. Da formação do vínculo conjugal

Conforme exposto anteriormente, o casamento é a instituição que estabelece o vínculo conjugal entre os cônjuges. De acordo com o artigo 1.535 do Código Civil de 2002, o vínculo é estabelecido no momento em que o presidente do ato declara as partes casadas.

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Sílvio de Salvo Venosa (2003, p. 41) afirma que “o casamento ato é um negócio jurídico; o casamento estado é uma instituição”. Isto quer dizer que o casamento, além de um tradicional costume da estrutura social, pode ser interpretado como um vínculo jurídico, fonte de direitos e obrigações que acompanharão as partes envolvidas até que o vínculo seja dissolvido.

Entretanto, o casamento não é o único instituto jurídico que pode gerar o vínculo conjugal. O artigo 226, §3º, da Constituição Federal de 1988, estabeleceu a equiparação da união estável ao casamento, estendendo os efeitos do casamento à união estável, seguindo o entendimento de que a união estável também é configurada como “entidade familiar”. Conforme o entendimento da Constituição, o Código Civil de 2002 apresenta nos artigos 1.723 a 1.727 disposições sobre a união estável que também a equiparam ao casamento, comprovando o vínculo entre as partes que criarão uma entidade familiar.

O Enunciado n. 99 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, preconizou que “O art. 1.565, § 2º, do Código Civil não é norma destinada apenas às pessoas casadas, mas também aos casais que vivem em companheirismo, nos termos do art. 226, §§ 3º e 7º, da Constituição Federal de 1988 e não revogou o disposto na Lei 9.236/96”.

Neste sentido, coaduna o artigo 733 do Código de Processo Civil de 2015 ao dispor que: “O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731 .”

Desse modo, fica evidente a intenção do legislador brasileiro em equiparar a união estável ao casamento, caracterizando este intituto como gerador do vínculo conjugal também.

 

1.2. Da dissolução do vínculo conjugal

Originalmente, o texto constitucional estabelecia no artigo 226,§6º que  “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”. Entretanto, com o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, o dispositivo recebeu nova redação que expressamente afastou a exigência da prévia separação e do prazo para celebração divórcio: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo Divórcio”.

Conforme disposto pelo Ministro Luiz Fux a respeito da referida alteração do texto constitucional, em decisão que reconheceu a existência de repercussão geral no RE 1.167.478, que debate exatamente a Separação judicial como requisito para o divórcio e sua subsistência como figura autônoma no ordenamento jurídico brasileiro após a promulgação da EC nº 66/2010,

a hipótese não pode ser interpretada como sendo daquelas em que cabe ao legislador ordinário disciplinar os requisitos para implementação da norma constitucional. Não há lacuna a ser preenchida; nem sequer silêncio normativo houve. A reforma quis e teve o claro intuito de exatamente suprimir as exigências até então previstas. A reforma constitucional consolidou a dissolubilidade do casamento pelo divórcio, expurgando qualquer óbice que se pudesse opor a essa diretriz. Trata-se de norma de eficácia plena e de aplicabilidade imediata, sem intermediação legislativa.[2]

 

Ou seja, conforme entendimento externado pelo Ministro, o legislador buscou facilitar o procedimento de dissolução do vínculo conjugal, excluindo os requisitos obrigatórios para celebração do divórcio, de forma que nenhuma norma infraconstitucional poderá estabelecer novas condições para que o divórcio seja efetuado.

 

1.2.1. Da dissolução da União Estável

Conforme explorado anteriormente no item 2.1 deste trabalho, o ordenamento jurídico brasileiro equipara a união estável ao casamento, à medida que reconhece a união estável como entidade familiar, prevendo a aplicação dos mesmos efeitos em relação ao vínculo conjugal, ainda que sejam institutos diferentes, com regramento próprio. Assim como o reconhecimento da união estável pode ensejar o estabelecimento do vínculo conjugal, este último, mesmo que originário de forma diversa ao casamento, pode ser extinto através do mesmo procedimento de dissolução do casamento.

Há diferentes procedimentos para executar o divórcio no Brasil, que pode ser solicitado judicialmente, extrajudicialmente ou através de conversão da separação em divórcio, para os casos em que a separação judicial tenha ocorrido anteriormente à EC nº 66/2010. O entendimento geral é de que a extinção da união estável pode seguir os mesmos procedimentos destinados à dissolução do casamento, seja pela via tradicional através do Poder Judiciário ou extrajudicialmente.

Este posicionamento foi formalizado pelo Novo Código de Processo Civil em seu artigo 733, que expressamente dispõe sobre a possibilidade de dissolução consensual da união estável por meio de escritura pública para os casais que não possuam filhos incapazes ou nascituros. Deste modo, a dissolução extrajudicial consensual da união estável restou expressamente prevista no ordenamento.

Cristiano Chaves Farias (2007, p. 44) já defendia esta possibilidade antes mesmo do advento do Novo Código de Processo Civil, com base na regra de equiparação deste instituto ao casamento, estabelecida pelo artigo 226 § 3º da Constituição Federal: “uma vez admitida a dissolução do casamento por escritura pública, fundadas razões levam à admissibilidade de utilização do procedimento administrativo simplificado também para a extinção consensual de união estável, apesar do inexplicável silêncio do legislador.”

 

1.2.2. Tipos de divórcio

Atualmente o sistema brasileiro conta com quatro modalidades de divórcio: divórcio-conversão, divórcio extrajudicial consensual, divórcio judicial consensual e divórcio judicial litigioso. Cada procedimento será adotado conforme necessidade ou não de intervenção do Poder Judiciário e verificadas as características do vínculo a ser dissolvido, levando em conta a existência de bens a serem partilhados, filhos incapazes ou eventual requerimento de pensão alimentícia.

 

1.2.2.1. Divórcio-conversão

O Código Civil de 2002, no artigo 1.562, estabelece que: “Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de separação judicial, a de divórcio direto ou a de dissolução de união estável, poderá requerer a parte, comprovando sua necessidade, a separação de corpos, que será concedida pelo juiz com a possível brevidade”. Ou seja, o legislador faculta aos cônjuges a possibilidade de dissolver a sociedade conjugal (com a separação dos corpos) antes de proceder à dissolução do vínculo conjugal.

A Constituição de 1988 estende os efeitos da separação de corpos aos companheiros em situação de união estável, ao reconhecer, em seu artigo 226,§3º, a união estável como “entidade familiar”. Com base nessa equiparação, o artigo 1.562 do Código Civil cita expressamente a possibilidade de requerer a separação de corpos previamente à dissolução da união estável.

O divórcio-conversão, previsto no artigo 1.580 do Código Civil, consiste no requerimento da conversão da decisão de separação de corpos em divórcio, com a ressalva de que a sentença que decretar a conversão não fará referência à causa do divórcio. Este dispositivo define também que qualquer dos cônjuges poderá requerer o divórcio em caso de separação de fato por período maior que dois anos.

Yussef Cahali (2002, p. 455) esclarece que

na separação provisória de corpos, como processo cautelar, a única prova a ser examinada é a da existência do casamento, revelando-se inoportuna e impertinente qualquer discussão sobre os fatos que devam ser apreciados e julgados na ação de separação judicial; a gravidade do fato que a legitima resulta, por presunção legal, do enunciado da própria ação de dissolução da sociedade conjugal que vai ser proposta (ou já foi proposta, se a medida cautelar for incidente); devidamente instruído com a prova do casamento, solicitada a separação de corpos como preliminar da ação de separação definitiva ante o natural constrangimento que daí resulta, não é dado ao juiz negá-lo, pois este não pode substituir as partes na avaliação da existência ou não do constrangimento nem julgar se é, ou não, insuportável o convívio dos futuros litigantes.

Deste modo, fica clara a intenção do legislador ao decretar expressamente que a sentença que conceder a conversão não deve acusar os motivos para o divórcio. Não há necessidade de imputação de culpa a um dos cônjuges ou justificação para que seja requerido o divórcio.

 

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1.2.2.2. Divórcio Consensual

O divórcio consensual é caracterizado pela manifestação da vontade de ambos os cônjuges em encerrarem o vínculo matrimonial. Neste caso, o casal deseja mutuamente a dissolução de seu vínculo, o que pode ocorrer facultativamente pela via judicial ou pela via extrajudicial.

O Código de Processo Civil dispõe em seus artigos 731 a 734 os procedimentos de divórcio e separação pela via judicial e extrajudicial, definindo os critérios para que seja celebrada a dissolução do vínculo matrimonial através desta modalidade de divórcio.

Conforme aduz Teresa Ancona Lopez (1988, p. 639),

a separação consensual é essencialmente um acordo entre duas partes (cônjuges) que têm por objetivo dar fim à sua sociedade conjugal. É, portanto, negócio jurídico bilateral, pois, para que esse acordo exista e seja válido, é necessária a declaração livre e consciente da vontade dessas partes. Todavia, para que o muttus dissensus tenha executoriedade ou gere os efeitos queridos pelas partes, necessita de um ato de autoridade, qual seja, a sua homologação através de sentença judicial.

Neste caso, Teresa Ancona Lopes apresenta o conceito do divórcio consensual judicial, que, conforme dispõe o Código de Processo Civil, poderá ser requerido em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão disposições sobre  partilha dos bens comuns, pensão alimentícia entre os cônjuges, o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e o valor da contribuição para criar e educar os filhos, sendo também aplicável à dissolução da União Estável.

Neste mesmo sentido, o artigo 1.574 do Código Civil prescreve: “Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção”.

A via do divórcio consensual judicial também poderá ser utilizada pelos casais que não atenderem aos critérios de dissolução do vínculo através do divórcio extrajudicial, dispostos no artigo 733 do Código de Processo Civil:

Artigo 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731 .

  • 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
  • 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.”

Conforme apontado pelo Código de Processo Civil, a única modalidade de divórcio extrajudicial regulamentada no Brasil atualmente é a via consensual do divórcio, dos casais que sejam capazes e que não possuírem filhos incapazes ou nascituros. Além disso, o legislador estabeleceu a possibilidade de lavratura de escritura pública pelo tabelião de notas, com a assistência de um advogado às partes, retirando a obrigatoriedade da homologação judicial.

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça publicou o Provimento nº 100/2020 que dispõe sobre a prática de atos notariais eletrônicos, regulando a celebração do divórcio consensual extrajudicial de forma remota, através de videoconferência e assinatura digital das partes por meio de uma plataforma online. Este provimento representa grande avanço na descomplexificação e celeridade dos procedimentos extrajudiciais, incentivando a adesão à solução extrajudicial de demandas, uma vez que possibilita que todo o procedimento de divórcio seja realizado à distância.

 

1.2.2.3. Divórcio Litigioso

Na maioria dos casos, o divórcio ocorre por conta de um litígio existente entre as partes, de forma que a vida conjunta se torna inviável e os cônjuges não conseguem estabelecer consenso em relação à separação e as demais questões que cercam o divórcio, como a partilha dos bens, a guarda dos filhos incapazes e a pensão alimentícia.

O Código Civil, no artigo 1.572, aduz que

qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.

  • 1º a separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.
  • 2º o cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

A hipótese prevista no artigo 1.572 apresentado acima, caracteriza o divórcio litigoso, através do qual as partes podem requerer a decretação de culpa de uma das partes pela separação, resultando, por exemplo, na perda do direito a alimentos (conforme artigos 1.694, § 2º, e 1.704, parágrafo único do Código Civil) e perda do direito de conservar o sobrenome do outro (conforme artigo 1.578 do Código Civil).

Entretanto, apesar da redação do Código Civil estabelecer a imputação de culpa a um dos cônjuges, a tendência atual é o fortalecimento de correntes que consideram desnecessária e inefetiva a atribuição de culpa a um dos cônjuges, de modo que os Tribunais têm elaborado jurisprudência em direção contrária à redação do Código. Ao decretar o divórcio das partes, os Tribunais não têm responsabilizado as partes pelos atos realizados no casamento, com o intuito de aplicar sanções, mas proferido decisões que expressam a indiferença quanto aos efeitos dos atos praticados no casamento.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que

requerida a separação judicial, o juiz pode decretá-la se detectar a insuportabilidade da vida em comum, sem a necessidade de imputação de culpa a qualquer dos cônjuges, pois toda união é sustentada pela afeição e, na ausência desse pressuposto, desimporta quem motivou a separação, mesmo porque não se pode aferir o quanto cada qual, por ação ou omissão, contribuiu para a derrocada do matrimônio, caso em que a decretação da separação não implica julgamento diverso do pedido.

(STJ – 3ª Turma – Rel.ª Min.ª Nancy Andrighi – REsp. nº 466329/RS – DJ de  11.10.2004)

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul seguiu o mesmo entendimento, ao decidir que “já se encontra sedimentado o entendimento de que a caracterização da culpa na separação mostra-se descabida, porquanto seu reconhecimento não implica nenhuma sequela de ordem prática”[3].

Além da inexigibilidade da decretação de culpa nas sentenças das ações de divórcio, os tribunais têm reafirmado o caráter impositivo do divórcio em decisões recentes. Principalmente nos casos em que o divórcio se dá pela via judicial litigiosa, a concessão do divórcio unilateral por meio de decisão liminar no processo reafirma o caráter impositivo de deste instituto, que, conforme será explorado mais a frente neste estudo, possui natureza de direito potestativo, segundo entendimento majoritário da doutrina.

Com base nesta convicção, o Tribunal de Justiça de São Paulo consagrou tese que valida a decretação liminar do divórcio, reiterando a natureza de direito potestativo deste procedimento. O desembargador relator do caso, José Carlos Ferreira Alvez, votou sob o seguinte argumento:

Em que pese ao posicionamento adotado pelo i. Magistrado a quo, registro ser possível a decretação liminar de divórcio, não por meio de pedido de tutela de urgência, mas sim de tutela de evidência, prevista no inciso IV, do art. 311, do CPC, uma vez que inexiste, no caso em tela, perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (em que pese à agravante afirmar que o ‘risco’ se encontra no fato de não poder contrair novo matrimônio em curto período de tempo).

Ressalta-se, ademais, quanto ao Divórcio em se tratando de direito potestativo, não há se falar em oposição ou necessidade de contraditório.

Assim, de rigor, pois, a decretação, em sede liminar, do divórcio das partes, devendo prosseguir a ação em relação aos demais pontos (alimentos em favor da filha menor).

Diante do exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso, para o fim de decretar o divórcio das partes, nos termos da fundamentação supra.

(TJ-SP 21097082420188260000 SP 2109708-24.2018.8.26.0000, Relator: José Carlos Ferreira Alves, Data de Julgamento: 09/08/2018, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/08/2018)

Este julgado é exemplo da ampla aplicação do divórcio com caráter impositivo no Brasil. Entretanto, na forma da legislação atual, esta característica do divórcio só pode ser assegurada através do procedimento judicial, cabendo à via extrajudicial apenas o registro dos divórcios consensuais. Por conta disso, há grande discussão doutrinária a respeito da possibilidade de se garantir a impositividade do divórcio também no âmbito extrajudicial.

 

  1. DIVÓRCIO IMPOSITIVO EXTRAJUDICIAL (DIVÓRCIO UNILATERAL)

Apesar da legislação atual conferir a via extrajudicial para os casos de divórcio consensual, há surgido a necessidade de se ampliar o acesso à solução extrajudicial de demandas, inclusive para os casos em que não há consenso entre os cônjuges sobre as questões da separação. São casos em que um dos cônjuges possui a necessidade de romper o vínculo conjugal, ainda que a outra parte se negue a celebrar o divórcio.

A princípio, a situação apresentada deveria seguir a via judicial para concessão do divórcio. Mas correntes contemporâneas[4] defendem a possibilidade de se regulamentar o “divórcio impositivo extrajudicial”. Uma modalidade de divórcio extrajudicial a ser celebrada somente pelo cônjuge requerente, a fim de encerrar o vínculo conjugal, mesmo sem a anuência da outra parte.

Flávio Tartuce é um dos maiores defensores da regulamentação deste procedimento, sob o argumento de que o instituto do casamento equivale ao instituto dos contratos, de modo que os cônjuges se unem pela manifestação de suas vontades e criam entre si direitos e obrigações da vida conjugal. E, seguindo esta lógica, o divórcio impositivo se assemelharia à resilição unilateral deste “contrato”. Tartuce sugere ainda nomenclatura que considera mais adequada ao instituto do divórcio impositivo extrajudicial. Ele comenta que prefere “falar doutrinariamente em divórcio unilateral, havendo certa correspondência à resilição unilateral prevista para os contratos em geral e tratada pelo art. 473, caput, do Código Civil”[5].

A nomenclatura “divórcio unilateral” traça diretamente a correspondência entre o divórcio impositivo e a resilição unilateral dos contratos estabelecida pelo autor, reforçando o ideal de rompimento do acordo de vontade entre as partes.

 

2.1. Conceito do divórcio impositivo extrajudicial

O divórcio impositivo extrajudicial ou divórcio “unilateral”, como denomina Tartuce, se apresenta como uma nova modalidade de divórcio extrajudicial, a ser realizado ainda que haja dissenso entre as partes. O Projeto de Lei nº 3.457/2019, de autoria do senador Rodrigo Pacheco, dispõe sobre os procedimentos para instituição desta prática, definindo que este tipo de divórcio deverá ser postulado diretamente ao Registro Civil das Pessoas Naturais, por qualquer dos cônjuges.

A finalidade deste instituto é de simplificar e desburocratizar o procedimento para dissolução do vínculo conjugal, nos casos em que não há consenso entre os cônjuges, ou não se consegue contatar uma das partes, seja porque esta se encontra em local incerto, porque há separação de fato há muitos anos ou até mesmo devido a um histórico de violência doméstica, de modo que a parte requerente tem a necessidade de dissolver o vínculo para firmar outros negócios jurídicos. São diversas as hipóteses em que o divórcio litigioso judicial pode ser ineficaz para solucionar este tipo de demanda, mantendo as partes conectadas pelo vínculo conjugal durante todo o período do curso do processo.

 

2.2. Possibilidade da sua implementação

A Emenda Constitucional 66/2010 trouxe inovação para a natureza jurídica do divórcio, ao suprimir do texto constitucional uma série de condicionantes para a dissolução do casamento. A partir deste momento, o divórcio passou a ser considerado um direito potestativo, passível de imposição perante à outra parte, independente de concordância.

Flávio Tartuce adere a esse entendimento e esclarece:

Além dessa possibilidade de alteração do nome, nenhuma outra pretensão poderá ser cumulada ao pedido de divórcio unilateral, especialmente as relativas aos alimentos familiares, ao arrolamento e à partilha de bens, ou mesmo relacionadas a medidas protetivas, que serão tratados pelo juízo competente, ou seja, somente no âmbito do Poder Judiciário. Concretiza-se, assim, a ideia doutrinária segundo a qual o pedido único e isolado de divórcio passou a ser um direito potestativo do cônjuge, notadamente se não estiver cumulado com outros pleitos de natureza subjetiva. Em havendo direito potestativo, não há como haver resistência da outra parte, que se encontra em estado de sujeição.[6]

Neste mesmo viés, o presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), Mário Delgado, afirma:

Requerida judicialmente a dissolução ou desconstituição do vínculo por um dos cônjuges, o outro não pode se opor ou contestar, mas, somente, se sujeitar. O direito de pedir o divórcio não pode ser violado, pouco importam as razões do inconformismo do outro cônjuge. Por isso, não faz sentido que um simples pedido de divórcio, que não é passível de ‘contestação’, fique a depender da chancela judicial somente porque um dos cônjuges, por qualquer razão, não se dispõe a comparecer perante o Tabelião de Notas.[7]

Na mesma linha, os professores José Fernando Simão e Mário Luiz Delgado advogam pela normatização do divórcio unilateral sem a intervenção do Poder Judiciário, alegando que

Se não se exige prévia intervenção judicial para o casamento, por que razão haver-se-ia de exigir tal intervenção para dissolução do vínculo conjugal. Tanto a constituição do vínculo como o seu desfazimento são atos de autonomia privada e como tal devem ser respeitados, reservando-se a tutela estatal apenas para hipóteses excepcionais.[8]

Tais correntes defendem e justificam a regulamentação do divórcio unilateral, sob o ponto de vista de atualização dos institutos. O texto constitucional vem sendo atualizado para atender às novas dinâmicas sociais e, no caso tratado no presente trabalho, a novos entendimentos sobre a natureza do divórcio. Faz-se necessária também, frente aos novos avanços, a revisão do texto do Código de Processo Civil para acolher as transformações mais recentes neste assunto, como, por exemplo, a permissão da celebração de divórcio unilateral. O ordenamento jurídico tem caminhado em direção à desburocratização e simplificação dos procedimentos, nada mais lógico, neste momento, que esses princípios passem a ser aplicados aos procedimentos judiciais, visando a extrajudicialização das demandas e o desafogamento do sistema judiciário, conforme será tratado mais a frente no presente trabalho.

 

2.3. Requisitos para implementação

O Projeto de Lei 3.457/2019 sugere uma promissora regulamentação do divórcio unilateral por meio da alteração do artigo 733 do Código de Processo Civil. A redação do projeto de lei inclui um artigo “733-A” ao Código, instituindo, em síntese, que na falta de anuência de um dos cônjuges, o outro poderá solicitar a averbação do divórcio no mesmo Cartório de Registro Civil em que foi registrado o casamento. Importante ressaltar que o procedimento pelo qual o legislador optou, já obedece a norma condizente com as regras do notariado, uma vez que o registro em Cartório de Registro Civil não necessita da presença de ambos os cônjuges, característica que possibilita a execução do divórcio unilateral, conforme proposto.

Entretanto, o projeto define que só poderão aderir a esse procedimento, os casais que não possuírem filhos incapazes ou nascituros.

O projeto de lei também estabelece novos parágrafos para o eventual artigo 733-A do Código de Processo Civil, nos quais se formaliza a necessidade de subscrição pelo interessado e pelo advogado ou defensor público, assim como obriga a notificação do cônjuge não anuente previamente à averbação do divórcio. Ademais, estabelece-se também que nenhum pedido poderá ser cumulado com o pedido de divórcio, excetuando-se o pedido de alteração do nome do cônjuge requerente, a fim de retornar ao nome de solteiro.

As demais questões relacionadas ao casamento, como alimentos, guarda dos filhos e partilha dos bens não influenciam na decretação do divórcio e, por isso, podem ser discutidas em momento posterior através dos meios adequados. Para estas questões, serão aplicadas as regras já dispostas no Código Civil, o qual define expressamente a possibilidade de ser concedido o divórcio sem a prévia partilha de bens em seu artigo 1.581. Em acordo com esta disposição, está a Súmula nº 197 do Superior Tribunal de Justiça, que determina: “O divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens”.

A valorosa lição de José Fernando Simão e Mário Luiz Delgado esclarece que:

o pedido de divórcio direto por averbação fica restrito, exclusivamente, à dissolução do vínculo, sem possibilidade de cumulação de qualquer outra providência. Outras questões, como alimentos, partilha de bens, medidas protetivas etc., devem ser judicializadas e tratadas no juízo competente, porém com a situação jurídica das partes já estabilizada e reconhecida como de pessoas divorciadas. Ou seja, a averbação do divórcio não repercute em nenhum outro direito patrimonial ou existencial. Só evita que a pessoa se veja compelida a postular uma providência judicial que não tem qualquer outra função senão a de dissolver o vínculo. [9]

Deste modo, o procedimento fica restrito à dissolução do vínculo conjugal, sem afetar qualquer outra questão correlata ao casamento que seja passível de discordância pelo cônjuge.

 

2.4. Estudo de caso: o provimento 06/2019 da Corregedoria Geral de Pernambuco

2.4.1 Provimento 06/2019 CGJ/PE

No ano de 2019, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Pernambuco editou o Provimento nº 06/2019 que versa sobre o divórcio unilateral. Este ato buscou regulamentar o procedimento de averbação do divórcio unilateral (ou divórcio impositivo) no serviço de registro civil de casamentos, com base no princípio da autonomia da vontade, na necessidade de se estabelecer medidas desburocratizantes para os registros civis e na Emenda 66/2010 que alterou a redação do artigo 226 § 6º da Constituição Federal, conferindo a natureza de direito potestativo ao divórcio.

O Provimento resolvia:

Art. 1o. Indicar que qualquer dos cônjuges poderá requerer, perante o Registro Civil, em cartório onde lançado o assento do seu casamento, a averbação do seu divórcio, à margem do respectivo assento, tomando-se o pedido como simples exercício de um direito potestativo do requerente.
Parágrafo 1o. Esse requerimento, adotando-se o formulário anexo, é facultado somente àqueles que não tenham filhos ou não havendo nascituro ou filhos de menor idade ou incapazes e por ser unilateral entende-se que o requerente optou em partilhar os bens, se houverem, a posteriori.
Parágrafo 2o. O interessado deverá ser assistido por advogado ou defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do pedido e da averbação levada a efeito.

Art. 2o. O requerimento independe da presença ou da anuência do outro cônjuge, cabendo-lhe unicamente ser notificado, para fins de prévio conhecimento da averbação pretendida, vindo o Oficial do Registro, após efetivada a notificação pessoal, proceder, em cinco dias, com a devida averbação do divórcio impositivo.
Parágrafo Único. Na hipótese de não encontrado o cônjuge intimando, proceder-se-á com a sua notificação editalícia, após insuficientes as buscas de endereço nas bases de dados disponibilizadas ao sistema judiciário.

Art. 3o. Em havendo no pedido de averbação o divórcio impositivo, cláusula relativa à alteração do nome do cônjuge requerente, em retomada do uso do seu nome de solteiro, o Oficial de Registro que averbar o ato no assento de casamento, também anotará a alteração no respectivo assento de nascimento, se de sua unidade, ou, se de outra, comunicará ao Oficial competente para a necessária anotação em consonância com art. 41 da Resolução n. 35 do Conselho Nacional de Justiça.

Art. 4o. Qualquer questão relevante de direito a se decidir, no atinente a tutelas específicas, alimentos, arrolamento e partilha de bens, medidas protetivas e de outros exercícios de direito, deverá ser tratada em juízo competente, com a situação jurídica das partes já estabilizada e reconhecida como pessoas divorciadas.

Parágrafo único – As referidas questões ulteriores, poderão ser objeto de escritura pública, nos termos da Lei no 11.441, de 04.01.2007, em havendo consenso das partes divorciadas, evitando-se a judicialização das eventuais questões pendentes.

 

A redação do provimento preconiza que qualquer dos cônjuges poderá requerer a averbação do divórcio perante o registro civil, tendo em vista a natureza de direito potestativo do divórcio. Além disso, previu-se que esse procedimento não poderia ser adotado pelos casais com filhos incapazes e seria necessária a assistência de advogado ou defensor público ao requerente.

Por fim, um ponto crucial do provimento editado foi a disposição expressa de que o procedimento independeria da manifestação do cônjuge não anuente, com a ressalva do resguardo ao direito de ser notificado previamente e que não poderão ser discutidas questões correlatas ao divórcio.

Cerca de um mês após a publicação do Provimento nº 06/2019, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Pernambuco publicou novo provimento (Provimento CGJ/PE nº 08/2019) revogando o provimento anterior, nº 06/2019, à pedido do Conselho Nacional de Justiça.

Na ocasião, o CNJ instaurou Pedido de Providências com finalidade de decretar a revogação do Provimento CGJ/PE nº 06/2019, principalmente sob o argumento de que não há amparo legal para que o divórcio litigioso seja realizado pela via extrajudicial.

 

2.4.2. Pedido de Providências nº 0003491-78.2019.2.00.0000 do Conselho Nacional de Justiça

No Pedido de Providências nº 0003491-78.2019.2.00.0000, restou determinada a revogação do Provimento CGJ/PE nº 06/2019, após análise que resultou na conclusão de inviabilidade da execução do divórcio litigioso pela via extrajudicial, por conta dos aspectos formais que cercam o divórcio unilateral.

O primeiro ponto apresentado pelo Conselho Nacional de Justiça foi a falta de legislação que regulamentasse essa modalidade de divórcio. Tanto o Código Civil quanto o Código de Processo Civil não apresentam nenhuma redação neste sentido, sendo, inclusive, expressos quanto à necessidade de adesão à via judicial nos casos litigiosos.

O segunto ponto levantado no Pedido de Providências, está relacionado à competência para legislar sobre a matéria em debate. Conforme artigo 22, incisos I e XXV da Constituição Federal de 1988, os temas relacionados ao Direito Civil, Processual e aos Registros Públicos são de competência privativa da União, de modo a ser resguardado o princípio da isonomia. Ou seja, a regulamentação do divórcio unilateral, caso fosse feita, deveria abranger todo o território nacional.

Por estes motivos, o Pedido de Providências do Conselho Nacional de Justiça determinou a revogação do Provimento CGJ/PE nº 06/2019, a fim de extinguir a previsão acerca do divórcio unilateral em Pernambuco.

 

2.4.3. Recomendação 36/2019 do Conselho Nacional de Justiça

Sob os mesmos argumentos do Pedido de Providências nº 0003491-78.2019.2.00.0000, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Recomendação 36/2019 que aconselha aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal que:

I – se abstenham de editar atos regulamentando a averbação de divórcio extrajudicial por declaração unilateral emanada de um dos cônjuges (divórcio impositivo), salvo nas hipóteses de divórcio consensual, separação consensual e extinção de união estável, previstas no art. 733 do Código de Processo Civil;

II – havendo a edição de atos em sentido contrário ao disposto no inciso anterior, providenciem a sua imediata revogação.

Essa recomendação foi publicada a fim de evitar a edição de novos atos que regulamentassem o divórcio unilateral pelos Tribunais de Justiça Estaduais, tendo em vista a necessidade de regulamentação do tema através de Lei Federal que estabeleça a uniformização do procedimento em todo o território do país.

 

  1. DESAFIOS DO PODER JUDICIÁRIO

O XIII Encontro Nacional do Poder Judiciário definiu uma série de metas nacionais[10] a serem cumpridas pelo Poder Judiciário Brasileiro no ano de 2020. Dentre elas, estão o julgamento de processos mais antigos, julgamento de mais processos que os distribuídos, estímulo à adesão aos métodos alternativos de solução de demandas e prioridade do julgamento de processos relacionados à violência doméstica. Todas as metas visando o aumento da celeridade e efetividade na operação do Poder Judiciário.

Em geral, as metas indicam que a via judicial no Brasil tem operado com morosidade e não tem conseguido atender às necessidades dos postulantes, sendo necessário grande empenho para que esta via possa se mostrar eficaz no atendimento às demandas. Por isso, se faz necessária a promoção de vias extrajudiciais que colaborem com a desobstrução dos canais do judiciário.

 

3.1. Índices de morosidade do poder judiciário para solução de demandas relacionadas ao divórcio em 2019

Todos os anos, o Conselho Nacional de Justiça elabora o relatório “Justiça em Números” que é uma publicação na qual são consolidados os índices de quantidade, valores e ritmo do andamento dos processos que tramitam no Sistema Judiciário naquele determinado ano, o que possibilita averiguar a carga de trabalho e a eficiência dos Tribunais. Ao mesmo tempo, o site do CNJ possui uma plataforma interativa, o “Painel CNJ” que possibilita a extração de informações mais específicas sobre os números da Justiça em um determinado período.

Acessando esses relatórios, utilizando como base o ano de 2019[11], tem-se a informação de que foram ingressados, somente no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, 22.039 casos de divórcio litigioso e, no Brasil como um todo, os Tribunais Estaduais somaram 235.599 demandas relacionadas ao divórcio litigioso (que não comporta execução pela via extrajudicial).

Também é possível aferir que o tempo médio de duração dos processos até a sua baixa na Justiça Estadual em geral é de três anos e sete meses[12], prazo que comprova a morosidade do sistema judiciário em atender as demandas. Além disso, o relatório “Justiça em Números” possui indicador que mede o percentual de casos que permaneceram pendentes de solução ao final do ano, em comparação com a quantidade total que tramitou no Tribunal. Esse indicador aponta uma taxa de congestionamento de 73,9%[13] dos processos dos Tribunais da Justiça Estadual. Ou seja,  apenas 26,1% dos processos totais chegaram a uma solução.

 

3.2. Divórcio Extrajudicial como medida de escoamento

A legalização do divórcio impositivo extrajudicial no Brasil seria medida de grande impacto no sistema judiciário, ao passo que subtrairia grande quantidade das demandas de divórcio litigioso, uma vez que atendidas pela via extrajudicial. Essa modalidade de dissolução do vínculo conjugal está alinhada aos princípios de eficiência e efetividade do processo, dispostos nos artigos 4 e 8 do Código de Processo Civil, assim como no artigo 37 da Constituição Federal.

O célebre doutrinador Fredie Didier Jr. (2013, p. 433) ressalta que:

o processo, para ser devido, há de ser eficiente. O princípio da eficiência, aplicado ao processo, é um dos corolários da cláusula geral do devido processo legal. Realmente, é difícil conceber um devido processo legal ineficiente. Mas não é só. Ele resulta, ainda, da incidência do art. 37, caput, da CF/88. Esse dispositivo também se dirige ao Poder Judiciário.

Nessa mesma direção está a interpretação de que o divórcio impositivo extrajudicial coopera com o princípio da economia processual, restringindo a atividade jurisdicional às demandas realmente necessárias, objetivando resultados positivos com a economia de tempo e gastos da máquina judiciária. Sobre este tema, afirma Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2009, p. 26): “deve-se buscar os melhores resultados possíveis com o menor dispêndio de recursos e esforços”, máxima que se aplica ao uso da via extrajudicial para dissolução do vínculo conjugal, se considerada a economia dos recursos do judiciário e a rápida e simplificada execução do procedimento pelo cônjuge requerente.

 

CONCLUSÃO

A regulamentação do divórcio unilateral tem muito a contribuir para a efetividade na solução das demandas do judiciário, reduzindo prazos, custos e quantidade de demandas, e, sobretudo, simplificando o procedimento do divórcio. O reconhecimento do divórcio como direito potestativo, passível de representação pela via extrajudicial, é um dos caminhos para incentivar a desburocratização do Sistema Judiciário brasileiro.

Entretanto, não se pode ignorar os requisitos formais para instauração desta nova modalidade de divórcio, respeitando a competência privativa da União para legislar sobre o assunto. A promulgação de lei federal que altere o Código de Processo Civil, a fim de criar o embasamento legal para este instituto, afasta os óbices apresentados pelas correntes contrárias ao divórcio unilateral e garante o cumprimento dos requisitos formais para a execução desta modalidade de divórcio.

Porém, é necessário que a referida lei federal crie também um ambiente de legalidade material, alterando a realidade fática dos procedimentos de registro em cartório. Para isso, é preciso ajustar a redação da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) e da Lei dos Cartórios (Lei nº 8.935/94) com a finalidade de se estabelecer a competência dos Cartórios de Registro Civil para averbação desta modalidade de divórcio.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Julia Janeiro Pereira é bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense, UFF; Formada no Minor de Inovação e Empreendedorismo da Universidade Federal Fluminense, UFF. E-mail: [email protected]

[2] Trecho retirado do voto do Ministro Relator Luiz Fux na decisão do RE 1.167.478

[3] TJRS – 7ª CC – AC 70021725817 – Rel.ª Des.ª Maria Berenice Dias – julg. Em 23.04.2008.

[4] Diversos autores têm se posicionado publicamente à favor da regulamentação do divórcio impositivo extrajudicial, como Flávio Tartuce, Mário Luiz Delgado, Jones Figueirêdo Alves e José Fernando Simão. O Instituto Brasileiro de Direito de Família inclusive participou da elaboração do texto do Projeto de Lei 3.457/19 do Senador Rodrigo Pacheco que visa regulamentar o divórcio impositivo extrajudicial.

[7] Trecho retirado da publicação “IBDFAM apoia PL que permite o Divórcio Impositivo”, disponível no site https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/noticias/794587620/ibdfam-apoia-o-projeto-de-lei-que-trata-do-divorcio-unilateral. Acesso em 27 de junho de 2020.

[8] Trecho retirado do artigo “Impedir a declaração unilateral de divórcio é negar a natureza das coisas”, disponível no site https://www.conjur.com.br/2019-mai-19/processo-familiar-barrar-declaracao-unilateral-divorcio-negar-natureza-coisas. Acesso em 12 de julho de 2020.

[9] Trecho retirado do artigo “Impedir a declaração unilateral de divórcio é negar a natureza das coisas”, disponível no site https://www.conjur.com.br/2019-mai-19/processo-familiar-barrar-declaracao-unilateral-divorcio-negar-natureza-coisas. Acesso em 12 de julho de 2020.

[10] Durante o XIII Encontro Nacional do Poder Judiciário, representantes dos tribunais do país se reuniram em Maceió/AL, para discutir e aprovar metas nacionais para o desenvolvimento do Poder Judiciário no ano de 2020. As metas podem ser consultadas no site do Conselho Nacional de Justiça:  https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/01/Metas-Nacionais-aprovadas-no-XIII-ENPJ.pdf. Acesso em 12 de julho de 2020.

[11] Foi utilizado o ano base de 2019, assim como foram aplicados os filtros de “assunto” selecionando a opção “divórcio litigioso” e o filtro “tribunal” selecionando o TJ-RJ e em seguida todos os tribunais estaduais. O painel está disponível em: https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shResumoDespFT . Acesso em 12 de julho de 2020.

[12] Informação apresentada no relatório Justiça em Números 2019, página 39. O relatório está disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf. Acesso em 12 de julho de 2020.

[13] Informação apresentada no relatório Justiça em Números 2019, página 95. O relatório está disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf. Acesso em 12 de julho de 2020.

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