Dos momentos para concessão da antecipação de tutela

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Sumário1. Noções gerais. 2. Breves comentários acerca da liminar. 3. Da antecipação de tutela sem a oitiva da parte contrária. 4. Do agravo de instrumento. 4.1. Do efeito ativo do agravo. 5. Do agravo retido. 6. Tutela antecipada na sentença. 7. Antecipação em grau de recurso. 7.1. Antecipação no STJ e STF. 8. Da antecipação antes da instauração do processo.

1. Noções gerais.

De acordo com o artigo 162 do Código de Processo Civil, os atos do juiz são classificados em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. Segundo os parágrafos primeiro e segundo do referido artigo, “sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa” e “decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve a questão incidente”.[1] A doutrina pátria parece não ter dúvidas, admitindo que, na maioria dos casos, salvo exceções, a antecipação de tutela é concedida via decisão interlocutória.

No mesmo aspecto, J.E. Carreira Alvim disserta que “a antecipação da tutela é concedida (positiva) ou negada (negativa) através de decisão interlocutória”, tratando-se de autêntica decisão interlocutória de mérito (ou substancial), diversa, no conteúdo, da que resolve simples questão processual.[2] Verificada natureza da decisão que aprecia o pedido de antecipação de tutela passaremos aos momentos que comportam tal decisão.

A procura de se dar maior efetividade ao processo tem levado a doutrina, salutarmente, a estender, quanto ao momento de sua concessão, o campo da tutela antecipada, permitindo seu deferimento a qualquer tempo, inclusive nas instâncias recursais. Humberto Theodoro Júnior, por exemplo, afirma:

O que realmente quis o art. 273 do CPC foi deixar a matéria sob um regime procedimental mais livre e flexível, de sorte que não há um momento certo e preclusivo para postulação e deferimento da antecipação da tutela. Poderá tal ocorrer no despacho da inicial, mas poderá também se dar ulteriormente, conforme o desenvolvimento da marcha processual e a superveniência de condições que justifiquem a providência antecipatória [..] Mesmo após a sentença e na pendência do recurso será cabível a antecipação de tutela, caso em que medida será endereçada ao tribunal, cabendo ao relator deferi-la, se presentes os pressupostos [..] Da mesma forma, se o juiz de primeiro grau a indeferir, a parte poderá manejar o agravo de instrumento e, de plano, terá condições de obter liminar junto ao relator, se puder demonstrar a urgência de medida e a configuração de todos os seus pressupostos legais.[3]

Em qualquer momento do processo, inclusive com base em provas colhidas no seu desenvolver, desde que não produzidas com a específica finalidade antecipatória, pode a medida ser concedida, se satisfeitos os requisitos do art. 273 do CPC.[4] No mesmo compasso, Luiz Guilherme Marinoni, acerca da concessão da medida:

A tutela antecipatória pode ser concedida no curso do processo de conhecimento, constituindo-se em verdadeira arma contra os males que podem ser acarretados pelo tempo do processo, sendo viável não apenas para evitar um dano irreparável ou de difícil reparação (artigo 273, I), mas também para que o tempo do processo seja distribuído entre as partes litigantes na proporção da evidência do direito do autor e da fragilidade da defesa do réu (artigo 273, II).[5]

2. Breves comentários acerca da liminar.

Inicialmente nos parece importante tecer breve consideração sobre o termo liminar, por vezes empregado erroneamente como sinônimo de tutela antecipada ou da própria medida cautelar. Se consultarmos o vocábulo liminar em um dicionário jurídico, teremos a seguinte definição: “aquilo que está ou é feito ‘in limine’, ou seja, no limiar, no começo ou entrada. Elipse de medida liminar”.[6] No sentido processualista, liminar é aquele comando emitido in limine litis, ou seja, é a primeira ordem do juiz, após o recebimento da ação. A fim de elucidar melhor o tema podemos transcrever o conceito de liminar dado Luiz Antonio Nunes:

As medidas liminares são providências adotadas durante uma relação jurídica processual instalada e em desenvolvimento, consubstanciando-se, em face do risco de dano e de uma situação emergencial, num provimento preliminar, que pode ser emitido logo à entrada da causa em juízo, efetivando-se numa media antecipadora dos efeitos futuros do provimento final e definitivo, que é o mérito da cautelar.[7]

Ainda que tenhamos vários doutrinadores que tratam do conceito de liminares, não há como se estudar essa matéria sem a citação do gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício. Para o autor:

Rigorosamente, liminar é só o provimento que se emite inaudita altera parte, antes de qualquer manifestação do demandado e até mesmo antes de sua citação. Não é outra a constatação que se extrai dos próprios textos legais, que em numerosas passagens autorizam o juiz a decidir liminarmente ou após justificação.[8]

Na mesma senda, não é demais lembrar que o indeferimento da petição inicial, a ordem de citação, enfim, tudo aquilo que ocorre no “frontispício” do processo é considerado liminar. Significa dizer, que não apenas a antecipação dos efeitos da tutela pretendida ou o acautelamento, deferidos antes da oitiva da parte adversa são considerados liminares.

O que identifica a liminar não é o conteúdo do comando, mas sim o momento na linha de tempo, de sua prolação. Também não importa o procedimento ou o tipo de processo, pode ser no processo de conhecimento, cautelar ou execução, pois, como já se estudou em todos está presente a cognição. O critério é exclusivamente topológico.[9]

Em síntese, a expressão liminar significa antecipação verificada de plano, no início do processo. Indica apenas o momento procedimental em que determinada medida é adotada.[10]

3. Da antecipação de tutela sem a oitiva da parte contrária.

Não existe óbice na lei para concessão da tutela antecipada antes da oitiva do réu. No caso da antecipação de tutela o que se deseja é antecipar alguns efeitos pretendidos na inicial preservando-se a eficácia da futura sentença, por muitas vezes a oitiva da parte contrária pode comprometer a realização da tutela antecipada. Na lição de Luiz Guilherme Marinoni:

“(…) o direito à tutela antecipatória é corolário do direito do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, e esse, evidentemente, não pode ser restringido por lei infraconstitucional. Por isso, a tutela antecipatória deve ser concedida – obviamente que mediante a devida justificativa – quando as circunstâncias do caso concreto demonstrarem sua necessidade antes da ouvida do réu.”[11]

No exemplo supra citado não há que se falar em ofensa ao princípio do contraditório, como sustentava Sérgio Bermudes[12] em 1996, sendo imperiosa citação de Nelson Nery Júnior acerca do tema:

Quando a citação do réu puder tornar ineficaz a medida, ou, também, quando a urgência indicar a necessidade de concessão imediata da tutela, o juiz poderá fazê-lo ‘inaudita altera pars’, que não constitui ofensa, mas sim limitação imanente do contraditório, que fica diferido para o momento posterior do procedimento. [13]

A jurisprudência já se manifestou positivamente na possibilidade de antecipação de tutela antecipada sem que haja ofensa ao princípio do contraditório, conforme ementa do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná infra:

Tutela antecipada – Provimento ante a presença dos requisitos exigidos no art.273 do Código de Processo Civil – Concessão liminar sem oitiva da parte contrária – Possibilidade – Faculdade reservada ao julgador – Possibilidade, na espécie, frente ao iminente risco de frustração do objetivo visado na medida – Inexistência de afronta ap princípio do contraditório[14].

Necessário lembrar que a antecipação da tutela sem a oitiva da parte contrária é possível apenas em casos excepcionais[15], como bem ensina José Roberto dos Santos Bedaque, “embora admissível a antecipação antes de o réu integrar o contraditório, tal solução mostra-se absolutamente excepcional, pois o juiz terá, como elementos de informação, apenas a visão unilateral do fenômeno apresentada pelo autor.”[16]

4. Do agravo de instrumento.

É pacifico entendimento que a natureza da decisão que antecipa os efeitos da tutela é a decisão interlocutória, nessa senda leciona Luiz Rodrigues Wambier “a antecipação dos efeitos da tutela é, de regra, salvo casos excepcionais, concedida por meio de decisão interlocutória, passível de ser impugnada por agravo de instrumento.”[17] Se a forma de concessão da tutela antecipada é através de decisão interlocutória, logo o recurso cabível, em caso de negativa ou positiva, é o agravo de instrumento. Reza o art. 522 do CPC: “das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, retido nos autos ou por instrumento”.

Ressalte-se que mesmo com a alteração trazida pela Lei 11.187/05, que tornou o agravo de instrumento exceção, tendo como regra o agravo retido; quando a situação envolver antecipação de tutela, portanto, urgência, será excepcionalmente atacada por agravo de instrumento.

Concluindo o tema Teori Albino Zavascki afirma “da decisão do juiz, que, antes da sentença, julga o pedido de antecipação da tutela, deferindo-o ou não, o recurso cabível será o de agravo, eis que se trata de decisão interlocutória”.[18]

4.1 “Efeito ativo” do agravo.

Depois de algumas discussões entre os juristas, tornou-se sedimentada a jurisprudência, após a alteração feita no art. 527, III, do CPC, com a Lei nº 10.352/01, no sentido de que o relator tem não só o poder de suspender os efeitos da decisão agravada, como ainda o de conceder, ele próprio, a medida urgente que o juiz inferior haja negado. A possibilidade do relator, monocraticamente, deferir em antecipação de tutela a pretensão recursal tem sido chamada pela doutrina de “efeito ativo”. Para Luiz Guilherme Marinoni, no entanto, o que tem efeito é a própria decisão do relator que defere a tutela antecipada, não se podendo falar em efeito ativo de decisão do juiz de primeiro grau que negou a tutela antecipada, conforme disserta:

Quando o magistrado de segundo grau de jurisdição decide reformar a decisão, ele pode cassar seus efeitos – no caso em que a decisão de primeiro grau tiver deferido a tutela – ou conferir efeitos à sua própria decisão – quando a decisão recorrida não concedeu a tutela. Não há como o magistrado de segundo grau atribuir efeitos à decisão que não concedeu a tutela, pois essa não tem eficácia alguma, e, portanto, não tem efeito obstaculizado que possa ser ativado. É por esta razão que a nova disposição do art. 527 fala em “antecipação da tutela”, e não “efeito ativo”.[19]

Salienta-se que a redação do art. 527, III do CPC é clara ao permitir que se defira em antecipação de tutela, a pretensão recursal do agravante, não ficando jungida apenas as antecipações dispostas nos artigos 273 e § 3º do 461 ambos do CPC. Na lição de Cândido Rangel Dinamarco:

“(…)‘deferir, em antecipação de tutela, a pretensão recursal’ não significa que somente as antecipações de tutela regidas pelo art. 273 e pelo § 3º do art. 461 possam ser concedias pelo relator. (…)Antecipar a pretensão recursal é conceder, em decisão monocrática, aquilo que o agravante veio a pedir ao tribunal e que, não fora a interceptação feita pelo relator, só poderia ser concedido depois, pelo órgão colegiado competente.”[20]

Salienta-se que da decisão monocrática do relator, que agregou ou não efeito ativo ao agravo inexiste em nossa legislação recurso previsto. Nessa esteira encontra-se decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa segue in verbis:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO CONTRA DECISÃO QUE DISPÕE SOBRE OS EFEITOS DA DECISÃO AGRAVADA. NÃO-CONHECIMENTO. Não se conhece de agravo regimental interposto contra a decisão que não agregou o efeito ativo pretendido. Recurso não previsto em lei. Não conheceram.[21]

5. Do agravo retido.

No que concerne a possibilidade de agravo retido, leciona Luiz Rodrigues Wambier “para o manejo do agravo sob o regime da retenção, carecerá a parte de interesse, já que, quando do seu julgamento, o pronunciamento do tribunal não terá mais utilidade”.[22] De igual compreensão, Teori Albino Zavascki, anota:

E, pela própria natureza da medida pleiteada, o agravo adequado será o de instrumento, e não o retido. Efetivamente, considerando que o agravo retido é apreciado quando o tribunal julga a apelação, de escassa utilidade seria o seu exame para deferir ou não o pedido de tutela antecipatória, já que: (a) se a apelação confirmar a procedência do pedido, a ‘antecipação da tutela’ poderá ser obtida mediante execução provisória do próprio acórdão, cujos meios de impugnação, em geral, não terão efeito suspensivo (esse efeito existirá apenas no caso de decisão por maioria sujeita a embargos infringentes, e mesmo assim nas restritas hipóteses em que também a apelação esteve sujeita ao referido efeito); e (b) se, ao julgar a apelação, o tribunal concluir pela improcedência da demanda, obviamente não terá razão nem fundamento para, na mesma oportunidade, deferir a medida antecipatória.[23]

Cumpre ser elucidado que concedida ou negada antecipação de tutela pelo juiz, tudo é provisório e só se resolverá, de forma definitiva, na sentença, que pressupõe um processo em condições de recebê-la. A tutela antecipada é deferida através de cognição sumária, diferentemente da cognição total e exauriente, em sede de sentença.

6. Tutela antecipada na sentença.

Se por um lado, há uniformidade no sentido de que a antecipação de tutela deferida antes da sentença, deve ser combatida por agravo de instrumento, de outro, no caso da antecipação de tutela em sentença, existe ainda, em nossa doutrina, opiniões diversas.

Mister se faz trazer a lição de J.E. Carreira Alvim, na diferenciação da tutela antecipada antes da sentença e tutela antecipada na sentença.

Existe uma diferença, pouco percebida pela doutrina, entre, a antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial – a verdadeira tutela antecipada -, e a antecipação dos efeitos da sentença, estando a primeira disciplinada pelo art. 273, enquanto a segunda tem residência no art. 518 (‘Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder’). À primeira, denomina-se, simplesmente, ‘tutela antecipada liminar’, e à segunda, vem-se denominado ‘tutela antecipada na sentença’.[24]

Para o mesmo autor a “diferença está na natureza do próprio juízo formulado pelo julgador, porquanto, na primeira hipótese, a decisão se funda num juízo de verossimilhança (probabilidade), enquanto, na segunda, funda-se num juízo de certeza”.[25]

Tem-se indagado se a tutela antecipada pode ser concedida na própria sentença. Luiz Guilherme Marinoni entende que o juiz, finda a instrução, pode conceder a tutela antecipada no próprio instrumento em que é proferida a sentença, em capítulo à parte certamente, nunca na própria sentença, já que o recurso de apelação frustraria sua própria finalidade.[26] Entendimento diverso possui Araken de Assis, sustentando que, na hipótese de antecipação de tutela em sentença, a tutela deixaria de ser “antecipada”, cabendo ao juiz, isto sim, proferir a sentença que dará ao autor, se for o caso, a satisfação de seu afirmado direito; entende que se o juiz deferir a antecipação de tutela pouco antes da sentença, “em ato apenas formalmente autônomo”, incorrerá em “reprovável burla a lei”.[27]

José Roberto dos Santos Bedaque admite a antecipação de tutela na própria sentença, tendo “como conseqüência exatamente retirar o efeito suspensivo da apelação”.[28] Oportunamente, Nelson Nery Júnior indica que a concessão da antecipação da tutela imediatamente antes ou por ocasião da sentença equivale a, praticamente, atribuir eficácia imediata à sentença, obtendo-se o recebimento da eventual apelação no efeito apenas devolutivo.[29]

Cândido Rangel Dinamarco, em recentíssimo estudo afirma de forma cabal, que o juiz pode deferir a antecipação de tutela na própria sentença de mérito, como um de seus capítulos, não sendo correto desdobrar o ato judicial como se contivesse uma sentença e uma decisão interlocutória; e essa premissa conceitual “repercute na determinação do recurso cabível contra a concessão de tutela cautelar no mesmo ato que julga a causa, o qual será somente a apelação e jamais o agravo”.[30] Em tempo, ensina Teori Albino Zavascki, acerca do recurso utilizável no caso de antecipação da tutela em sentença:

Não parece haver dúvida de que, em tal hipótese, o recurso cabível é o de apelação. Embora tenha o relator poderes para, também nesses casos, ‘suspender o cumprimento da decisão’ apelada (parágrafo único do art. 520), aqui há particularidade de que, ao contrário do agravo de instrumento, o processamento da apelação se dá perante o juízo de primeiro grau. Ou seja, pelas vias ordinárias, haverá razoável demanda de tempo entre a prolação da sentença e a distribuição do recurso a um relator que possa apreciar eventual pedido de antecipação.[31]

Compatível com esse entendimento segue ementa do Recurso Especial decidido pelo Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NA SENTENÇA. APELAÇÃO. RECURSO CABÍVEL.

De acordo com o princípio da singularidade recursal, tem-se que a sentença é apelável, a decisão interlocutória agravável e os despachos de mero expediente são irrecorríveis. Logo, o recurso cabível contra sentença em que foi concedida a antecipação de tutela é a apelação.

Recurso especial não conhecido.[32]

De outra banda, Paulo Afonso Brum Vaz sustenta que deferida a antecipação de tutela no corpo da sentença, deve o vencido interpor agravo de instrumento contra a antecipação de tutela e apelação relativamente ao “provimento definitivo”.[33] No mesmo compasso segue decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cujo relator foi o Juiz Edgard Lippmann Junior:

DIREITO PROCESSUAL. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA EM SENTENÇA. POSSIBILIDADE. RECURSO CABÍVEL. PROVOCAÇÃO DA PARTE.

A antecipação dos efeitos da sentença pode ser concedida previamente, inclusive em sentença, sendo o recurso cabível contra tal decisão o agravo de instrumento. É extra-petita a decisão judicial que concede antecipação de tutela sem o prévio requerimento da parte.

Agravo de instrumento provido.[34]

Exposta a possibilidade de concessão de tutela antecipada em sentença, analisaremos outros momentos processuais, os quais são passíveis os deferimentos da tutela.

7. Antecipação em grau de recurso.

A antecipação de tutela pode ser requerida e deferida estando o processo em grau de recurso, sendo então o pedido (mais freqüentemente pela incidência do art. 273, II), formulado ao relator. A urgência pode inclusive caracterizar-se, em nível recursal, pela previsível demora decorrente do acúmulo de processos, ou resultar da necessidade de remessa dos autos – máxime nos tribunais superiores – para parecer do Ministério Público.[35]

Tendo o juiz de primeiro grau, proferido sentença, esgota-se sua atividade, não podendo mais inovar no processo. A questão é, como levar o pedido ao tribunal se os autos ainda não chegaram lá? Para superar tal dificuldade Teori Albino Zavascki[36], traz a possibilidade, em caráter excepcional, a via autônoma do mandado de segurança contra ato judicial. Outra possibilidade seria a apresentada por José Roberto dos Santos Bedaque: “interposta apelação e antes da remessa dos autos ao tribunal, pode surgir a necessidade da antecipação dos efeitos da tutela final. Deverá a parte pleitear a tutela correspondente pela via autônoma.”[37]

O Superior Tribunal de Justiça admitiu, também a possibilidade de concessão da medida, em embargos declaratórios, conforme ementa do Recurso Especial, nº 279251, que segue:

TUTELA ANTECIPADA. Sentença. Embargos de declaração.

A tutela antecipada pode ser concedida na sentença ou, se omitida a questão anteriormente proposta, nos embargos de declaração. Art. 273 do CPC.

Recurso conhecido e provido.[38]

7.1. Antecipação de tutela no STJ e STF.

Possível ainda, seria a interposição de recurso especial contra acórdão que concede ou denega a antecipação de tutela. Necessário se faz esclarecer, como bem lembra Athos Gusmão Carneiro, “embora a decisão seja interlocutória, a regra do art. 542, § 3º[39], não irá incidir, ou seja, o recurso especial não será retido”.[40] Nesse sentido decidiu o Relator Ministro Castro Filho, no agravo de instrumento nº 463.984, cujo trecho segue:

Consoante precedentes jurisprudenciais desta Corte, a regra do art. 542, § 3º, do CPC, que determina a retenção do recurso especial, não se aplica à decisão interlocutória concessiva de tutela antecipada, sob pena de se tornar inócua a ulterior apreciação da questão pelo Superior Tribunal de Justiça.[41]

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal não tem aceito, em casos tais, o recurso extraordinário, como se verifica pela ementa do Recurso Extraordinário, nº 315.052, Relator Min. Moreira Alves, julgado em 28/05/2002:

Recurso extraordinário. Seu não-cabimento. – Esta Primeira Turma, ao julgar o RE 232.387, decidiu que não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere liminar por entender que ocorrem os requisitos do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”, porquanto o que o aresto afirmou, com referência ao primeiro desses requisitos, foi que os fundamentos jurídicos alegados (no caso, constitucionais) eram relevantes, e isso, evidentemente, não é manifestação conclusiva da procedência deles para ocorrer à hipótese de cabimento do recurso extraordinário pela letra “a” do inciso III do artigo 102 da Constituição, que exige, necessariamente, decisão que haja desrespeitado dispositivo constitucional, por negar-lhe vigência ou por tê-lo interpretado erroneamente ao aplicá-lo ou ao deixar de aplicá-lo. – A mesma fundamentação serve para não se conhecer de recurso extraordinário contra acórdão que dá provimento a agravo de instrumento, para reformar, por entender, em última análise, que há verossimilhança – e não manifestação conclusiva de procedência – da alegação para a obtenção da tutela antecipada, indeferida por decisão interlocutória de primeira instância. Recurso extraordinário não conhecido.[42]

Após vários julgados inadmitindo o cabimento de recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar, o Supremo Tribunal Federal, editou súmula 735, já citada em seus acórdãos recentes, como o exemplo que se segue:

Tutela antecipada: recurso extraordinário: inviabilidade: decisão recorrida de natureza não definitiva. Precedente – RE 263.038, 1ª T., Pertence, DJ 28.04.2000; Súmula 735.[43]

8. Da antecipação antes da instauração do processo.

Deixamos para o fim a análise da antecipação antes da instauração do processo, em virtude de ser uma situação ainda pouco utilizada na prática forense. Na doutrina encontraremos grande controvérsia sobre a possibilidade de deferimento de antecipação da tutela na forma preparatória, anteriormente a distribuição do processo. Segundo reza o art. 273 do CPC, a medida antecipatória fica adstrita aos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, levando a crer que tal pedido já tenha sido formulado em juízo. Nessa mesma linha temos a previsão das cautelares, nos termos dos artigos 796 e seguintes do CPC.

Já citamos uma possibilidade de requerimento autônomo de tutela antecipada trazida a baila por José Roberto dos Santos Bedaque, no caso de recebida apelação pelo Juiz singular e não distribuído o recurso no tribunal. Athos Gusmão Carneiro, permite a antecipação de tutela preparatória fazendo analogia ao regime das cautelares:

Assim, sob o pressuposto da ocorrência de fatos que legalmente a justifiquem (art.273), a antecipação de tutela poderá ser requerida no juízo que será o competente para conhecer da ação a ser proposta (art.800), por petição que obedecerá, mutatis mutandis, ao disposto no art. 801, e com sujeição ao procedimento previsto no art. 802. A ação, os efeitos de cuja (provável) sentença se quer antecipar, deverá ser ajuizada no prazo de 30 dias (art.806), sob pena de retorno à situação anterior (art. 808, I).[44]

Na mesma esteira se manifestou Cândido Rangel Dinamarco em seu artigo “O Regime Jurídico das Medidas Urgentes”.[45]

Imperioso ressaltar a necessidade do pedido por parte do requerente da medida. Como bem adverte José Joaquim Calmon de Passos “a tutela antecipada jamais poderá ser concedida de ofício”.[46] Segundo o mesmo autor o princípio da inércia ou da ação é um dos pilares do processo jurisdicional de produção do Direito. Compartilha da mesma opinião Nelson Nery Júnior lecionando que é vedado ao juiz “conceder ex officio a antecipação da tutela, como decorre do texto expresso do CPC 273 caput. Somente diante do pedido expresso do autor é que pode o juiz conceder a medida”.[47]

 

Referências bibliográficas.
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14.  ________________________.A Antecipação da Tutela, 8ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
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16.  NERY JUNIOR, Nélson. Art. in coletânea Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997.
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19.   NUNES, Luiz Antonio. Cognição judicial nas tutelas de urgência. São Paulo: Saraiva, 2000.
20.  PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 2004.
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23.  THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Tutela antecipada e tutela cautelar”. Revista Forense, v. 342.
24.  THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2002.
25.  VAZ, Paulo Afonso Brum. Antecipação da tutela na sentença e adequação processual. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 1, nº 1. Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=159> Acesso em: 12 mai. 2005
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27.  ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997.
 
Notas:
[1] MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação da Tutela, 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 165.
[2] ALVIM, J.E. Carreira. Código de Processo Civil Reformado, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 121.
[3] THEODOR JUNIOR, Humberto. “Tutela antecipada e tutela cautelar”. Revista Forense, v. 342, p.116.
[4] SANTOS, Ernane Fidelis dos. Novíssimos perfis do processo civil brasileiro, Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 1999. p. 31.
[5] MARINONI, Luiz Guilherme, Novas linhas do processo civil, 4ª ed., São Paulo: Malheiros editores, 2000, p. 124.
[6] CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Dicionário compacto do direito. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 159.
[7] NUNES, Luiz Antonio. Cognição judicial nas tutelas de urgência. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 47.
[8] FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Ensaios de direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 2003., p. 195.
[9] Idem: Ibidem, p. 195.
[10] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. op. cit., p. 295.
[11]MARINONI, Luiz Guilherme, A Antecipação da Tutela, 8ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.188.
[12] BERMUDES, Sérgio. A reforma do CPC, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p.29.
[13] NERY JUNIOR, Nelson. Atualidades sobre o Processo Civil, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p.75-76.
[14] TJPR, 1ª C.Cível: (AI 49.155-8 – Rel. Ulysses Lopes – j. 6.8.1996).
[15] Nesse sentido MARINONI, Luiz Guilherme, A Antecipação da Tutela, 8ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.187.
[16] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 346.
[17] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 1, São Paulo : Rev. dos Tribunais, 1998. p.352.
[18] ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela., São Paulo: Ed. Saraiva, 1997, p.108.
[19] MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação da Tutela. 8ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.196.
[20] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p.191.
[21] TJRS, 19ª C.Cível: (AR 70010913333– Rel. Heleno Tregnago Saraiva – j. 22/03/2005).
[22] WAMBIER, Luiz Rodrigues, Curso Avançado de Processo Civil, op. cit. p.352.
[23] ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela, op. cit., p.109.
[24] ALVIM, J.E. Carreira, Código de Processo Civil Reformado, op. cit., p. 132.
[25] Idem: Ibidem , p. 133.
[26] MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação da Tutela. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p.134.
[27] ASSIS, Araken de. Art. in coletânea Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 29.
[28] BEDAQUE, José Roberto. Art. in coletânea Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 234.
[29] NERY JUNIOR, Nélson. Art. in coletânea Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 407.
[30] DINAMARCO, Cândido Rangel. “Tutela de Urgência”, in Rev. Jurídica, vol. 286, p.18, agosto, 2001.
[31] ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela, op. cit., p.112.
[32] STJ, 6ª Turma: (Resp 524017/MG – Rel. Paulo Medina – julgado em 16.09.2003).
[33] VAZ, Paulo Afonso Brum. Antecipação da tutela na sentença e adequação processual. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 1, nº 1. Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=159> Acesso em: 12 mai. 2005.
[34] TRF4, 6ª Turma: (AI 199804010475373/PR – Rel. Edgard A Lippmann Junior – j. 16.03.1999).
[35] CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela, Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 94.
[36] ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela, op. cit., p.81.
[37] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 291.
[38] STJ, 4ª Turma: (Resp 279251 / SP – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – julgado em 15/02/01).
[39] Art. 542, § 3º – O recurso extraordinário, ou recurso especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra decisão final, ou para as contra-razões.
[40] CARNEIRO, Athos Gusmão, Da antecipação de tutela, op. cit., p. 96.
[41] STJ, 3ª Turma: (Ag. Inst. 463.984/SP – Rel. Min. Castro Filho– julgado em 28.03.2003).
[42] STF, 1ª Turma: (RE 315.052 / SP – Rel. Min. Moreira Alves – julgado em 28/05/02).
[43] STF, 1ª Turma: (AI-AgR 581322 / DF – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – julgado em 20/06/06).
[44] CARNEIRO, Athos Gusmão, Da antecipação de tutela, op. cit., p. 89.
[45] DINAMARCO, Cândido Rangel. “O Regime Jurídico das Medidas Urgentes”, Rev. Ajuris, vol. 82-I, p.271, 2001.
[46] PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 32.
[47] NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. 8ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004, p. 718.

 


 

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Leandro Antonio Pamplona