A aplicação obrigatória das atenuantes na segunda fase de cálculo da pena

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Resumo: O presente artigo aborda a segunda fase de cálculo da pena, especificamente sobre as atenuantes e sua aplicação obrigatória.

Palavras-chave: Pena, Atenuantes, Aplicação, Obrigatória.

O art. 68 do Código Penal apresenta o chamado sistema trifásico de aplicação da pena com a seguinte redação:

Art. 68 – A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. 

 Parágrafo único – No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua”.

Como ensina Rogério Greco [1] “para que o juiz possa, com precisão, individualizar a pena do agente que praticou a infração penal, deverá observar o critério trifásico determinado pelo caput do art. 68 do Código Penal”.

No presente artigo será abordada a segunda fase de aplicação da pena, mais especificamente sobre a aplicação das atenuantes.

Como visto no próprio texto do art. 68 do Código penal, na segunda fase de aplicação da pena “serão consideradas as circunstâncias atenuantes”, sendo certo ainda que o art. 65 do mesmo diploma legal é claro ao dispor sobre as atenuantes que “são circunstâncias que sempre atenuam a pena”.

 O art. 65 do Código Penal demonstra claramente que as atenuantes são de aplicação obrigatória, aliás, sobre essa característica ensina Juarez Cirino dos Santos[2]:

“As circunstâncias agravantes (arts. 61 e 62, CP) e atenuantes (arts. 65 e 66, CP) previstas na parte geral, possuem duas características fundamentais: a) genéricas, porque aplicáveis a todos os fatos puníveis; b) são obrigatórias, porque devem agravar ou atenuar a pena, se verificadas concretamente – exceto se constituem, qualificam ou privilegiam o tipo de injusto, hipóteses em que o próprio legislador prevê a ampliação ou redução da pena no tipo legal do crime”.

Sendo de aplicação obrigatória, há de se concluir que existindo no caso concreto uma atenuante, o magistrado sempre deverá aplicá-la, reduzindo a pena, ainda que abaixo do mínimo legal.

Ocorre que diante da súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça firmou-se entendimento de que “a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à
redução da pena abaixo do mínimo legal”.

A referida súmula além de violar o art. 65 do Código Penal e também o art. 68 do mesmo diploma o que já representa considerável gravidade, acaba por violar princípios constitucionais extremamente caros a humanidade: o da legalidade e o da individualização da pena.

Sem dúvida alguma o entendimento fixado na súmula viola direito constitucional do réu, pois, a legalidade penal e a individualização da pena, tão caras a humanidade, demandam a aplicação das atenuantes, ainda que resulte em redução da pena abaixo do mínimo legal.

Na seara penal não há como escapar da incidência do princípio da legalidade previsto na Constituição Federal (art. 5º inciso XXXIX), Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 9º) e no Código Penal (art. 1º).

Conforme brilhante lição de Nilo Batista[3]:

“O princípio da legalidade, base estrutural do próprio estado de direito, é também a pedra angular de todo o direito penal que aspire à segurança jurídica, compreendida não apenas na acepção da previsibilidade da intervenção do poder punitivo do estado, que lhe confere Roxin, mas também na perspectiva subjetiva do sentimento de segurança jurídica que postula Zaffaroni. Além de assegurar a possibilidade do prévio conhecimento dos crimes e das penas, o princípio garante que o cidadão não será submetido a coerção penal distinta daquela predisposta na Lei.(…)

(…)A abrangência do princípio inclui a pena cominada pelo legislador, a pena aplicada pelo juiz e a pena executada pela administração, vedando-se que critérios de aplicação ou regimes de execução mais severos possam retroagir.”

Já pelo princípio da legalidade verifica-se claramente que não pode o julgador deixar de aplicar uma atenuante, pois, ignorá-la com base em entendimento de súmula, é violar de uma só vez a Constituição Federal , a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Código Penal , fulminando o princípio da legalidade.

A súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça ao violar a legalidade penal, rasga por completo norma constitucional (art. 5, inciso XXXIX, Constituição Federal), supralegal[4] (art. 9º da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos) e legal (art. 1º do Código Penal), o que não é possível admitir em um Estado Democrático de Direito.

Não se deve permitir que uma atenuante não seja aplicada em razão da referida súmula, pois, conforme lição de Cezar Roberto Bitencourt[5]:

“Deixar de aplicar uma circunstância atenuante para não trazer a pena para aquém do mínimo cominado nega vigência ao disposto no art. 65 do CP, que não condiciona a sua incidência a esse limite, violando o direito público subjetivo do condenado a pena justa, legal e individualizada Essa ilegalidade, deixando de aplicar norma de ordem pública, caracteriza uma inconstitucionalidade manifesta. Em síntese, não há lei proibindo que, em decorrência do recolhimento de circunstância atenuante, possa ficar aquém do mínimo cominado. Pelo contrário, há lei que determina (art. 65), peremptoriamente, a atenuação da pena em razão de uma atenuante, sem condicionar seu reconhecimento a nenhum limite; e, por outro lado, reconhecê-la na decisão condenatória (sentença ou acórdão), mas deixar de efetuar sua atenuação, é uma farsa, para não dizer fraude, que viola o princípio da reserva legal.”

Não é outra a posição de Luiz Flavio Gomes[6]:

“O art. 65 do CP dispõe que as atenuantes sempre atenuarão a pena(não significa dizer que a eliminarão. Atenuar não é eliminar. Em síntese, depois de propugnarmos tanto por juízes criativos, que adotem interpretação conforme à Constituição, que sejam guardiões dos seus princípios, regras e valores, na questão ora em debate, de tudo quanto necessitamos é de um juiz conservador, que seja la bouche de la loi e cumpra a legalidade (estrita) e nada mais, admitindo-se pena aquém do mínimo legal, quando diante de circunstância atenuante (que justifique, no caso concreto, impor pena aquém do mínimo).”

Não bastasse a violação a legalidade penal, claramente a súmula rasga por completo a individualização da pena (art. 5º, inciso XLVI, Constituição Federal), pois, como ensina Rogério Greco[7]:

“O juiz, no caso concreto, considerando a importância do bem já ditada anteriormente pela lei, deverá, mediante um trabalho consciente e fundamentado de individualização, encontrar a pena justa para o caso concreto, não podendo, contudo, jamais fugir às orientações legais a que está submetido”.

Se o magistrado não pode fugir às orientações legais no processo de individualização da pena, não há dúvida em afirmar que deve sempre analisar as atenuantes do caso concreto, aplicando a redução da pena, ainda que resulte em conduzi-la abaixo do mínimo legal.

Trata-se de mera aplicação lei, uma vez que a determinação legal é no sentido de sempre considerar as atenuantes (art. 68 do Código Penal) e que essas, se presentes, sempre atenuam obrigatoriamente a pena (art. 65 do Código Penal).

Imprescindível registrar que a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 68120-MG reconheceu a violação a individualização da pena pela não aplicação de atenuante:

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“RESP – PENAL – PENA – INDIVIDUALIZAÇÃO – ATENUANTE – FIXAÇÃO ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL – O princípio da individualização da pena (Constituição, art. 5º, XLVI) materialmente, significa que a sanção deve corresponder às características do fato, do agente e da vítima, enfim, considerar todas as circunstâncias do delito. A cominação, estabelecendo o grau mínimo e grau máximo, visa a esse fim, conferindo ao juiz, conforme o critério do art. 68, CP, fixar a pena in concreto. A Lei trabalha com o gênero. Da espécie, cuida o magistrado. Só assim, ter-se-á Direito dinâmico e sensível à realidade, impossível de, formalmente, ser descrita em todos os pormenores. Imposição ainda da justiça do caso concreto, buscando realizar o direito justo. Na espécie sub judice, a pena-base foi fixada no mínimo legal. Reconhecida, ainda, a atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, d). Todavia, desconsiderada porque não poderá ser reduzida. Essa conclusão significaria desprezar a circunstância. Em outros termos, não repercutir na sanção aplicada. Ofensa ao princípio e ao disposto no art. 59, CP, que determina ponderar todas as circunstâncias do crime”. (REsp 68120-MG. Sexta Turma. Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Data do Julgamento 16/09/1996).

O mesmo entendimento foi adotado pela Sexta Turma por ocasião do julgamento do Recurso Especial 151837-MG.

Por força da estrita legalidade (art.5º, XXXIX, CF , art. 9º da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e o art. 1º do Código Penal), da individualização da pena (art. 5º, XLVI, Constituição Federal), e dos comandos dos arts. 65 e 68 Código Penal, o julgador, ao analisar o caso concreto, constatando a presença de atenuante, deve reconhecê-la e aplicá-la, reduzindo, assim a pena.

Não há como concluir pela incidência da súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, quando do outro lado dessa balança há a Constituição Federal, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Código Penal em favor do réu.

Diante da Constituição Federal, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e o Código Penal, constata-se claramente que não há fundamento para a existência da súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, sendo de imensurável importância o seu cancelamento.

Jamais o operador do Direito deve olvidar da célebre frase atribuída a Edmund Burke “ para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada”.

A súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça há de ser cancelada por representar inequívoca ofensa ao princípio da estrita legalidade, a individualização da pena e a obrigatoriedade da aplicação das atenuantes.

A redação do art. 65 do Código Penal deixa claro o caráter obrigatório das atenuantes, logo, constatando-se a presença de atenuante no caso concreto, cabe ao magistrado aplicar a redução da pena, sendo irrelevante para essa operação se essa redução irá conduzir a pena abaixo do mínimo legal.

 

Bibliografia
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 9.ed. Rio de Janeiro: Revan
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 13.ed.São Paulo: Saraiva, 2008, v.I.
GOMES, Luiz Flávio Gomes; MOLINA, Antonio García- Pablos de. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v.II.
GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio. 4.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
 
Notas:
[1] GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio. 4.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 94.

[2] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p.569.

[3] BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 9.ed. Rio de Janeiro: Revan,2004, p.67/68.

[4] Embora seja esse o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (vide informativo 531), partilho do entendimento que Tratados Internacionais Sobre Direitos Humanos subscritos pelo Brasil, possuem Status Constitucional. Sobre o tema, convido o leitor a acessar meu artigo “Tratados Internacionais Sobre Direitos Humanos”, disponível em http://jusvi.com/artigos/39808.

[5] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 13.ed.São Paulo: Saraiva, 2008, v.I, p. 602/603.

[6] GOMES, Luiz Flávio Gomes; MOLINA, Antonio García- Pablos de. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v.II, p. 733/734.

[7] GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio. 4.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 93.


Informações Sobre o Autor

Luiz Carlos Furquim Vieira Segundo

Advogado e Professor Universitário. Pós-graduado em Função Social do Direito (UNISUL/LFG).


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