A conciliação entre regulamentação ambiental e o mercado livre internacional

Resumo: O presente trabalho discorre sobre os conflitos entre a defesa do meio ambiente e a manutenção do livre comércio, com foco nas dificuldades adicionais presentes na seara internacional. A primeira parte faz uma análise das decisões de diversos casos emblemáticos no âmbito da OMC e do Mercosul para fins de se analisar a interpretação que é dada aos dispositivos ambientais presentes no GATT (General Agreement on Trades and Tariffs) e no Tratado de Assunção; bem como estuda como as decisões podem afetar a relação entre os países e até mesmos seus respectivos ordenamentos internos. A segunda parte faz uma dedução da relação entre os âmbitos regional e mundial e entre o nacional e internacional através do importante caso dos pneumáticos recauchutados do Brasil; e, em seguida, escreve-se uma conclusão quanto à importância da cooperação entre países para a compatibilização entre meio ambiente e livre comércio internacional.

Palavras-chave: Meio Ambiente. Comércio Internacional. OMC. Mercosul. Análise Casuística.

Abstract: This paper pertains to the conflicts between environmental protection and the maintenance of the free market, with special focus on the additional difficulties present in the international scene. The first part analyzes the decisions of a diversity of emblematic cases from the WTO and Mercosul to analyze the interpretation that is given to the environmental devices present in the General Agreement on Trades and Tariffs and in the Assunção Treaty; as well as studies how the decisions can affect the relation between countries and even their respective domestic laws. The second part deduces the relationship between the regional and worlwide contexts and between the national and international as well through Brazil’s important retreaded pneumatics case; and, following, it writes a conclusion about the importance of cooperation between countries for the compatibilization of environmental protection and the international free market.

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Keywords: Environment. International Commerce. WTO. Mercosul. Casuistic Analysis.

Sumário: Introdução. 1. Hermenêutica da Aplicação de Exceções Ambientais ao Livre Comércio Internacional. 1.1. OMC: Artigo XX, alíneas “b” e “g” do GATT 1.2. Mercosul: Artigo 2º, alínea “b” do Anexo I do Tradado de Assunção. 1.2. Influência das Decisões Internacionais na Postura Ambiental-Econômica dos Estados. 2.1. Reflexos no Ordenamento Interno dos Países: Fatores Positivos e Negativos. 2.2. Reflexos na Postura dos Países para Negociação e Assinatura de Tratados. 3. Brasil, o Caso dos Pneus e a Relação entre os Âmbitos Regional-Mundial e Nacional-Internacional. 3.1. Caso dos Pneus: O Perigo de uma Exceção Regional que se torna Mundial. 3.2. Caso dos Pneus: De Uma Saída Nacional para Internacional. 4. A Importância da Cooperação entre Estados para a Compatibilização entre as Defesas do Meio Ambiente e do Livre Mercado Internacional. 4.1. Solução de Conflitos entre Meio Ambiente e Comércio Internacional Através dos Preceitos da Agenda 21: Transferência de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis, Cooperação Internacional e o Caso Camarões-Tartaruga. 4.2. Importância da Multilateralidade dos Acordos Internacionais e da Harmonização de Padrões Ambientais para o Comércio no Mercosul. Conclusão. Referências.

Introdução

A primeira questão que se deve enfrentar quanto ao tema, de longa data, da compatibilização entre a proteção ambiental – que frequentemente se materializa na forma de normas restritivas – e a liberalização do comércio é sobre se a contraposição destas partes é devida.

A resposta não é simples. O mercado livre e desregulado, como símbolo máximo do capitalismo voraz, tende à autodestruição eis que seus partícipes naturalmente almejam à superação e eliminação de seus concorrentes e, por outro lado, a proteção ambiental, que trata da proteção de um bem comum, requer a atuação conjunta de sujeitos para o benefício geral e igualitário[1]. A proteção ambiental, como já mencionado, também se manifesta rotineiramente na forma de restrições normativas – assim, inevitavelmente afetando o comércio – e só recentemente vemos a mudança de foco dos defensores do meio ambiente para a utilização de instrumentos econômicos, direcionadores do comércio – o que ainda conflita com visões mais libertárias do capitalismo.

Assim, tem-se que a proteção ambiental pode atuar, basicamente, de duas formas com relação ao mercado: regulando-o ou manipulando-o. Isto não é uma surpresa, eis que são estas exatamente as formas como o Estado utiliza-se do Direito para organizar e intervir nos mercados[2]; ainda, ao se estudar a definição de Direito Econômico[3] verifica-se que o próprio serve exatamente a este fim de implementação dos objetivos principais da sociedade, sendo, portanto, grande aliado dos interesses ambientais. Dessa forma, está a proteção ambiental “contraposta” aos interesses do livre mercado tanto quanto e na exata medida da própria política e direito econômicos de forma geral e nada mais, assim, não se diferenciando – inicialmente – da forma como se lida com os direitos sociais ou outro fim que se pretende compatibilizar dentro de uma economia de mercado livre, porém regulado.[4]

A questão da relação entre meio ambiente e livre comércio torna-se muito mais complexa, contudo, se analisada em um escopo internacional. Diferentemente da relativa homogeneidade no âmbito interno de um país quanto ao estabelecimento de níveis de proteção ambiental base, únicos, determinados em lei e do problema relativamente muito menor de diferença de acesso à tecnologia entre as partes afetadas pela legislação ambiental; na seara internacional, medidas de proteção ao meio ambiente para um país podem simbolizar medidas excessivamente protecionistas para outro devido a diferenças de opção quanto ao nível almejado de proteção ambiental ou a vastamente diferentes capacidades tecnológicas. Ainda, por vezes, convenções internacionais podem demandar restrições ambientais de seus Estados-Partes que afetem o comércio internacional com Estados que sequer participem da mesma convenção, como é o exemplo da Convenção de Basiléia de 1989[5]. Ademais, notória é a extensão da prática aberta do protecionismo no âmbito internacional[6], resultado do clamor dos povos individuais pela proteção por parte de suas respectivas nações contra seus competidores externos e do menor nível de regularização do mercado internacional[7]; o que facilita a adoção de medidas supostamente ambientalistas para fins comerciais estratégicos.

Dessa forma, a luta pela salvaguarda do meio ambiente no escopo internacional é ainda mais árdua que no nacional, há dificuldades de se manter o nível nacional de proteção contra produtos poluentes externos como se verá no caso dos pneus entre o Brasil, Mercosul e a OMC, há problemas em se detectar se medidas de proteção estão sendo utilizadas somente como estratégias de manipulação de mercado como no caso dos golfinhos entre EUA e México e mesmo se detectadas irregularidades, difícil é a tarefa de se fazer cumprir as medidas determinadas, como no caso dos produtos fitossanitários entre Brasil e Argentina.

1. Hermenêutica da Aplicação de Exceções Ambientais ao Livre Comércio Internacional

1.1. OMC: Artigo XX, alíneas “b” e “g” do GATT

O artigo XX do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) determina que: Art. XX. Desde que essas medidas não sejam aplicadas de forma a constituir quer um meio de discriminação arbitrária, ou injustificada, entre os países onde existem as mesmas condições, quer uma restrição disfarçada ao comércio internacional, disposição alguma do presente capítulo será interpretada como impedindo a adoção ou aplicação, por qualquer Parte Contratante, das medidas:b) necessárias à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais e à preservação dos vegetais;g) relativas à conservação dos recursos naturais esgotáveis, se tais medidas forem aplicadas conjuntamente com restrições à produção ou ao consumo nacionais.

Aqui nos interessa a interpretação das alíneas “b” e “g”, eis que concernentes às exceções mercatórias para fins de proteção do meio ambiente. Mostra-se de enorme importância, contudo, a análise do caput conjuntamente à das alíneas, eis que se interpretada sozinha a alínea “g” do artigo faria crer que basta a instauração de restrições ao mercado interno equivalentes às que se faz ao externo, para que se goze da proteção mencionada; todavia, faz o caput referência à necessidade de tratamento igualitário entre países de mesma condição, assim, a “contrario sensu” se presume que é necessário tratamento diferenciado para países em condições diversas[8]. Digno de nota é também a menção à expressão “recursos naturais esgotáveis”; em que, no caso dos Camarões-Tartaruga, Índia, Paquistão e Tailândia pretenderam defini-la de modo a excluir os seres vivos, por não considera-los esgotáveis, mas o Órgão de Apelação da OMC decidiu de forma diversa ao englobar seres bióticos em sua definição[9].

A alínea “b” do artigo XX refere-se à adoção de medidas “necessárias” para a obtenção dos fins descritos, assim, revela a necessidade de haver um nexo de causalidade entre a adoção da medida e o fim para que seja abrangida pela exceção do artigo XX; portanto, políticas instauradas com fim de proteção ambiental estarão protegidas na exata medida da necessidade das medidas que contém e qualquer aspecto que vá além do estritamente requerido para a concretização do fim referido poderá sofrer o escrutínio da análise de respeito ao GATT. [10]

1.2. Mercosul: Artigo 2º, alínea “b” do Anexo I do Tradado de Assunção

O artigo 2º, alínea “b” do Anexo I do Tratado de Assunção ao definir o que – no âmbito do Mercosul – se considera como restrições indevidas ao comércio, abre uma exceção ao afirmar que “não estão compreendidas no mencionado conceito as medidas adotadas em virtude das situações previstas no Artigo 50 do Tratado de Montevidéu de 1980”. Assim, definiu-se como restrição legítima ao comércio aquela que possua fim de proteção ambiental, eis que o caput do artigo 50 e a alínea “d” do mesmo determinam que: “Art. 50. Nenhuma disposição do presente Tratado será interpretada como impedimento à adoção e ao cumprimento de medidas destinadas à: d) Proteção da vida e saúde das pessoas, dos animais e dos vegetais”.

Devido à simplicidade de seu texto – não faz referência à expressão “necessária” e não está contida em um caput detalhado como no caso do art. XX, b, do GATT –, a aplicação de tal alínea provou-se complexa no âmbito do Mercosul. Em 2005, no Caso Pneumáticos entre Argentina e Uruguai, o TPR (Tribunal Permanente de Revisão), em seu primeiro parecer, afirmou que, de fato, não existiam critérios específicos para a aplicação da referida exceção e procedeu a cria-los fundamentando-se no caso Comissão da Comunidade Europeia versus Áustria, assunto C-320/03, do Tribunal de Justiça da Corte Europeia. Traçaram-se quatro aspectos que deveriam ser analisados para o enquadramento na alínea[11]: a) efetiva restrição ou não ao comércio; b) caráter discriminatório[12] ou não da medida; c) se a medida é justificada, ou seja, se há relação entre a adoção da mesma e o fim pretendido, no caso, de proteção ambiental (nexo de causalidade); d) respeito ao princípio da proporcionalidade, ou seja, a medida deve ser necessária, proporcional e os meios os menos restritivos ao comércio.

2. Influência das Decisões Internacionais na Postura Ambiental-Econômica dos Estados

2.1. Reflexos no Ordenamento Interno dos Países: Fatores Positivos e Negativos

Embora sejam livres para estabelecer seus próprios níveis internos – maiores ou menores – almejados de proteção ambiental[13], os ordenamentos próprios dos países são inevitavelmente afetados por decisões de organizações internacionais como o Mercosul a OMC – como já exemplificado anteriormente. Esta influência traz ambos fatores positivos e negativos.

No caso dos produtos fitossanitários entre Brasil e Argentina, no Mercosul, vemos um exemplo positivo, eis que se demandou celeridade no processo legislativo – notoriamente moroso – brasileiro para o estabelecimento do sistema de registro de produtos fitossanitários adotado no Mercosul. Ademais, no âmbito das decisões da OMC como um todo, ao contrário do que se pode pensar, Estados que não cumprem com suas obrigações ambientais são vistos negativamente como Estados que se aproveitam de vantagens econômicas indevidas[14], assim, incentiva-se os países a adotarem normas internas que respeitem ao menos níveis mínimos de preservação ambiental.

Como fator negativo, no entanto, temos que o clamor pela liberalização comercial internacional pode conter legislações ambientalmente progressivas genuínas como se verifica no famigerado caso dos Pneumáticos do Brasil no Mercosul e na OMC, em que o país pretendeu vedar a entrada e circulação interna de pneus recauchutados, eis que estes constituem um passivo ambiental preocupante no Brasil, mas foi impedido pelo Mercosul – caso em que o país não soube se defender propriamente, ao não invocar a exceção da alínea “b” do artigo 2º, Anexo I do Tratado de Assunção – e eventualmente a OMC – por ter aberto exceção aos pneumáticos remodelados do Mercosul e não aos demais membros da OMC.

2.2. Reflexos na Postura dos Países para Negociação e Assinatura de Tratados

Um caso que reflete bem o efeito positivo das decisões da OMC na postura de seus países-membros para com a abertura para diálogos e negociação com demais países e a assinatura de tratados internacionais ambientais é o já mencionado caso dos Camarões-Tartaruga.

Verifica-se, primeiro, um incentivo à manutenção de relações de diálogo constante entre países quando se apontou que pecaram os EUA por não terem comunicado e discutido com os demais países a adoção da medida interna de maior rigor ambiental; ressaltando, portanto, a importância da discussão externa, inclusive de medidas internas, quando considerada a abrangência das consequências. Segundo, no mesmo caso, o Órgão de Solução de Controvérsias e o Órgão de Apelação da OMC clamaram por consistência na atuação dos americanos, que alegavam o fim de proteção dos golfinhos, mas se recusavam a assinar e incorporar convenções como a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar ou a Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias Pertencentes à Fauna Selvagem.

3. Brasil, o Caso dos Pneus e a Relação entre os Âmbitos Regional-Mundial e Nacional-Internacional

3.1. Caso dos Pneus: O Perigo de uma Exceção Regional que se torna Mundial

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O caso notório dos pneumáticos recauchutados do Brasil demonstra perfeitamente um grande problema que pode ocorrer quando os diferentes níveis de organização do comércio internacional se ignoram, especialmente quando tratam da proteção do meio ambiente. Como supra explicitado, o Mercosul determinou ao país que abrisse exceção em seu bloqueio de entrada de pneumáticos remodelados a seus países-membros; após isso, em 2005, o Grupo Especial e o Órgão de Soluções de Controvérsias da OMC, acionados pela União Europeia, determinaram que as exceções concedidas aos países do Mercosul e pelas liminares judiciais a nível nacional, não poderiam caracterizar uma discriminação injustificável pelo motivo de que elas teriam fraco impacto quantitativo se comparadas ao número de pneus importados da Comunidade Europeia. Ademais, determinaram que as medidas eram necessárias e não excessivas. Ainda, o Grupo Especial deu uma nova interpretação à noção de discriminação arbitrária, estimando que as exceções concedidas em virtude da necessidade de cumprimento de uma decisão judiciária não poderiam ser consideradas como “fortuitas” nem “fantasiosas”. No entanto, posteriormente, o Órgão de Solução de Controvérsias deu decisão desfavorável ao Brasil, com simples menção ao artigo XX do GATT e à ideia de que a discriminação do Brasil seria arbitrária por tratar de forma diferenciada países em mesmas condições.

O problema aqui tratado possui duas faces, embora ocasionadas pelo mesmo motivo. Ambas as decisões – no Mercosul e na OMC – pecaram por desconsiderar uma à outra. No Mercosul, deveria se ter decidido com a consciência de que a exceção exigida poderia ser “ampliada” pela OMC, como ocorreu, de modo que o que se pretendia como uma relativamente pequena exceção passou a ser tão grande que se descaracterizou como mera exceção. Da mesma forma, a OMC, embora primeiramente tenha considerado a opção mais correta, decidiu por praticamente ignorar o fato de que a exceção do Brasil para o comércio de pneus recauchutados no Mercosul, foi proveniente de decisão judicial e, devido a isto, inegavelmente não arbitrária; afinal, a exceção foi concedida contra a própria vontade do Brasil, assim, contra seu próprio arbítrio. Assim, o problema ambiental, já em nível preocupante devido à decisão do Mercosul, se agravou ainda mais no âmbito da OMC.

3.2. Caso dos Pneus: De Uma Saída Nacional para Internacional

Como já ilustrado, apesar da vigência do conceito, em ambas OMC e Mercosul, de que os países possuem independência para estabelecer o nível de proteção ambiental que julgarem necessário, o Brasil não teve sucesso na manutenção de sua regulamentação de não permitir a entrada ou circulação de pneumáticos recauchutados no país. Após ter sido vencido em casos no Mercosul e na OMC parece não haver saída para a contenção desse problema ambiental no país.

Deste episódio deve-se tirar uma lição importante: cada vez mais o ordenamento nacional – especialmente na seara comercial – se encontra afetada por forças internacionais. Assim, deve-se trabalhar com esta nova realidade e adotar uma abordagem mais integradora.

Quando tratadas questões ambientais já se possui uma tendência à integração, na medida em que problemas deste cunho tendem a não se restringir a apenas uma região e há desde a declaração de Estocolmo de 1972 sempre ao menos uma mínima medida de espírito de cooperação.

Desse modo, ressalta-se aqui que, se ambos os setores ambiental e comercial passaram a demandar uma visão mais internacional e, considerando-se que o Brasil não é sequer o único país do Mercosul a que interessa a restrição ao comércio dos pneumáticos remodelados[15], peca o Brasil por não pressionar os demais países para a assinatura de um documento multilateral[16] para este fim, de modo que a medida não se dê por parte de um único país e, assim, não seja avulsa aos preceitos do comércio internacional e também promova a melhoria do meio ambiente inclusive para além de suas fronteiras. Afinal, parece ser esta a única opção remanescente para que o país consiga obter o que quer neste tema.

4. A Importância da Cooperação entre Estados para a Compatibilização entre as Defesas do Meio Ambiente e do Livre Mercado Internacional

4.1. Solução de Conflitos entre Meio Ambiente e Comércio Internacional Através dos Preceitos da Agenda 21: Transferência de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis, Cooperação Internacional e o Caso Camarões-Tartaruga

A decisão na OMC do já mencionado caso Camarões-Tartaruga determinou aos EUA que não realizasse exigências de utilização de tecnologias demasiadamente avançadas – ignorando-se, aqui, o fato de que seriam também inúteis aos demais países afetados pela inexistência do animal que se pretendia proteger em suas respectivas regiões – para países menos desenvolvidos, embora poderiam ser melhores para o meio ambiente. Embora correta, a decisão perdeu uma oportunidade interessante de ressaltar não só a importância da assinatura de tratados internacionais de proteção ao meio ambiente – como o fez –, mas também de seu cumprimento.

Quando se discutiu a questão de requerimento de utilização de tecnologia ambientalmente saudável que se mostrava indisponível em outros países, poderiam ter os julgadores feito menção ao tão esquecido capítulo 34 da Agenda 21. Nesta parte, o documento refere-se à importância da transferência de tecnologia ambientalmente saudável, cooperação e fortalecimento institucional e dentre os muitos objetivos que poderiam ser citados encontram-se, no parágrafo 14, a necessidade de: “(a) Ajudar a garantir o acesso, em particular dos países em desenvolvimento, à informação científica e tecnológica, inclusive à informação sobre as tecnologias mais modernas” e “(e) Promover parcerias tecnológicas de longa duração entre os proprietários de tecnologias ambientalmente saudáveis e possíveis usuários”.

Assim, em decisões deste cunho a opção ideal é não pelo foco no abandono da exigência ambiental – se esta for, de fato, justa – e sim pelo clamor pelo diálogo – como mencionou rapidamente a decisão estudada – e a cooperação para que todos os afetados possam se adequar ao novo padrão ambiental, com a formulação de políticas de cooperação e transferência de conhecimento de técnicas e tecnologia; para que, inclusive, se concretize o assinado em acordo internacional de tão grande importância.

4.2. Importância da Multilateralidade dos Acordos Internacionais e da Harmonização de Padrões Ambientais para o Comércio no Mercosul

Por fim, ressalta-se a importância da prevalência da multilateralidade na realização de acordos internacionais, eis que acordos multilaterais são, por sua própria essência, infinitamente mais protegidos contra qualquer forma de protecionismo do que acordos unilaterais[17]. É importante esta noção eis, embora haja progresso, é este ainda um dos grandes problemas presentes em matéria ambiental no âmbito do Mercosul[18].

Ademais a adoção de acordos multilaterais facilita a adoção de padrões mais uniformes de proteção ambiental e, embora não possam ser demasiadamente rígidos, a opção pela definição de alguns padrões mínimos muito facilitaria o comércio entre estes países, eis que as diferenças entre certificações – significativas para os países do Mercosul, devido à sua falta de representatividade em organizações internacionais de grande porte como a ISO[19] –, selos, registros – como no caso do registro dos produtos fitossanitários entre Brasil e Argentina, em que o primeiro não se mobiliza para adequar sua legislação interna, apesar de assinar acordo internacional se comprometendo a isso – e proibições diferenciadas de produtos muito dificultam a transição do comércio de uma empresa para outro país.

Conclusão:

     A conclusão que se faz é que no âmbito internacional, apesar de não haver tribunais internacionais ambientais ou qualquer órgão que lhe cumpra o papel oficialmente, encontram-se surpreendentemente bem reguladas as disciplinas ambientais pelos órgãos de comércio. Ademais, verifica-se grande valia no estudo dos casos emblemáticos, que muitas vezes trazem consigo mais lições de hermenêutica ao Direito Ambiental Econômico Internacional do que se imagina em um primeiro momento; demonstrando o grande preparo dos intérpretes das referidas instituições econômicas internacionais, bem como a ampla instrumentalidade das suas decisões para o interesse da defesa do meio ambiente na seara internacional.

 

Referências:
BARACAT, Fabiano Augusto P.. A OMC e o Meio Ambiente. Campinas: Millenium: 2012
BARRAL, Welber O.. O Comércio Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2007
BIANCHI, Patrícia N. L.. Meio Ambiente: Certificações Ambientais e Comércio Internacional. Curitiba: Juruá, 2008
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico, 3. ed.. São Paulo: Saraiva, 2008
PLAZA, 2009, p. 88 apud BARACAT, Fabiano Augusto P.. A OMC e o Meio Ambiente. Campinas: Millenium: 2012
REICH, Norbert. Mercado y Derecho. Tradução de Antoni Font. Barcelona: Ariel, 1985, p. 29 apud DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico, 3. ed.. São Paulo: Saraiva, 2008
VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey: 2003
 
Notas:
 
[1] Relacionado ao tema do individualismo intrínseco do mercado e sua tendência de incompatibilidade com os fins da coletividade, Derani: “Não se pode exigir que o mercado tenha uma visão social, pois a sua visão é preponderantemente de vantagem individual própria (lucro).” In DERANI, 2008, p. 44.

[2] REICH, 1985, p. 29 apud DERANI, 2008, p. 179.

[3]  “Direito Econômico pode ser compreendido como instrumento de política econômica e como um direito político, quando se reconhece como política o esforço na realização efetiva da totalidade das relações sociais e, com isto, do conjunto das relações econômicas. Em suma, o direito econômico deixa-se definir como aquela parte da ordem jurídica que não se satisfaz em combater os problemas e infrações advindos da prática da ordem econômica existente, porém, muito mais, procura ele realizar aquela ordem econômica, especificamente visando à implementação dos objetivos de uma sociedade e a uma efetiva justiça, com isto afastando motivos de contenda” In DERANI, 2008, p. 41.

[4]  Vale notar, ainda, que esta compatibilização é especialmente importante, inclusive para o próprio mercado, ao se considerar a preservação dos recursos naturais, ou seja, a necessidade do não esgotamento dos insumos para produção e eventual comércio.

[5] Artigo 4º, 5, da Convenção de Basiléia – “Nenhuma Parte permitirá que resíduos perigosos ou outros resíduos sejam exportados para um Estado que não seja Parte, ou importados de um Estado que não seja Parte”.

[6] [O protecionismo] “elimina muitas das vantagens prometidas para países em desenvolvimento, que sofrem com barreiras justamente naqueles produtos para os quais teriam maiores vantagens comparativas – o setor agrícola é o exemplo mais óbvio e escandaloso.” In BARRAL, 2007, p. 20.

[7]  “(…)o protecionismo não é, como se pensa comumente, uma antítese do livre comércio; o protecionismo é uma consequência lógica da liberalização comercial”. In BARRAL, 2007, p. 32.

[8] No exemplo do famoso caso Camarões-Tartaruga entre Índia, Malásia, Paquistão e Tailândia versus EUA foi exigido pela OMC o tratamento diferenciado, eis que a legislação americana pretendeu demandar a mesma adequação tecnológica – avançada e, inclusive, desnecessária na região daqueles países, que não possuem a espécie – desses países menos desenvolvidos que exige das suas empresas.

[9]  OMC: WT/DS58/AB/R, parágrafo 128.

[10] VARELLA, 2003, p. 262.

[11] Discriminação direta ou indireta, definidas, respectivamente, segundo o TPR: “Según reiterada jurispudencia, una discriminación solo puede consistir en la aplicación de normas distintas a situaciones comparables o en la aplicación de la misma norma a situaciones diferentes” In Laudo 01/2005 do TPR do Mercosul, pp. 7.

[12]  Laudo 01/2005 do TPR do Mercosul, pp. 6-9.

[13] VARELLA, 2003, p. 262.

[14] PLAZA, 2009, p. 88 apud BARACAT, 2012, p. 53.

[15] Vide o caso entre Argentina versus Uruguai sobre a questão, por exemplo, em que Argentina defende a restrição.

[16] O que, veremos mais à frente, é sempre uma opção melhor do que uma saída unilateral.

[17] BARACAT, 2012, p. 73.

[18] Idem, p. 88.

[19] BIANCHI, 2008, pp. 242-244.


Informações Sobre o Autor

Renato Traldi Dias

Advogado, mestrando na área de Direitos Difusos e Coletivos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e especializando no curso de Direito Ambiental e Gestão Estratégica da Sustentabilidade da mesma instituição


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