Resumo: O presente artigo propõe a reflexão sobre a alienação parental e o papel do assistente social para o seu enfretamento. Profissionais do direito, da psicologia e que atuam no campo sócio-jurídico, têm discutido sobre a alienação parental, que cada vez mais se faz presente nos juízos de família. No entanto, a discussão desta temática é recente, e, em termos de realidade brasileira, entende-se que os estudos e pesquisas devam ser aprofundados. No decorrer deste artigo, busca-se refletir a alienação parental a partir de conceitos psicológicos, jurídicos e sociais, bem como, o papel do serviço social diante desta questão, que tem se colocado como um desafio ao cotidiano dos assistentes sociais.
Palavras Chaves: Alienação Parental – Serviço Social – Judiciário
Abstract: This article proposes the reflection about to parental alienation and the paper of the social worker for to your fighting. Professionals in law, of psychology and workers in the social legal field, have discussed about parental alienation that increasingly is present in the family courts. However, the discussions of this topic are recent and in terms of Brazilian reality, understand that the studies and researches should be deepened. Throughout this article, search for reflection the parental alienation from psychological concepts, legal and social, as well as the paper of social work before this question, this has been placed as a challenge to the everyday social workers.
Key-words: Parental Alienation – Social Work – Legal
Sumário: Introdução; 1 – Alienação Parental nas perspectivas psicológicas, jurídica e social; 1.1 – Perspectiva Psicológica; 1.2 – Perspectiva Jurídica; 1.3 – Perspectiva Social; 2 – A Lei 12318/10: o caminho para o enfrentamento da Alienação Parental; 3 – Considerações; Referências
INTRODUÇÃO
O tema alienação parental vem sendo amplamente discutido tanto pelos operadores do direito, assim como por psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais.
No que se refere à realidade brasileira, a alienação parental (inicialmente utilizava-se o termo SAP – Síndrome da Alienação Parental) passou a ser comumente citada e discutida a partir do ano de 2006, conforme Sousa (2009), quando estudos sobre esta temática começaram a adquirir visibilidade no país.
Observou-se nas pesquisas que muitos profissionais da área do direito/infância e juventude (DIAS; FONSECA; SOUSA; SOUZA; TRINDADE; VALENTE, entre outros) têm discorrido sobre a alienação parental, entretanto, o Judiciário ainda carece de um maior aprofundamento teórico a respeito desta temática.
E a partir da experiência profissional como assistente social do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foi que surgiu o interesse em pesquisar e refletir sobre a alienação parental.
Isto porque nos casos de atuação nas Varas de Famílias, por exemplo, o assistente social é convocado a avaliar situações de disputas de guarda/modificação de guarda, avaliações para regulamentação de visitas, tutela, interdição/curatela, geralmente situações em que há litigio, ou seja, uma das partes envolvidas não concorda com o pedido que está sendo feito perante o juiz. E é justamente nestes tipos de demandas que o fenômeno alienação parental pode estar presente, e, exclusivamente nas questões relativas a guarda e visitação.
Quando convocado a atuar nas demandas de disputa de guarda, o papel do assistente social é o de avaliar “a convivência entre os pais e o menor[1], verificando as condições e a realidade social existentes, ponderando qual será o melhor para a criança ou adolescente” (Freitas e Pellizzaro, 2011:73).
E estes são alguns dos desafios impostos ao assistente social do campo sócio-jurídico.
1 – A ALIENAÇÃO PARENTAL NAS PERSPECTIVAS PSICOLÓGICA, JURÍDICA E SOCIAL
Sendo a Alienação Parental é um tema instigante, optou-se por realizar uma reflexão que englobasse as perspectivas psicológica, jurídica e social.
1.1 – Perspectiva Psicológica
As discussões preliminares sobre a alienação parental apontavam este fenômeno com sendo uma síndrome, daí falar-se em Síndrome da Alienação Parental – SAP – que acontece quando um dos genitores (geralmente aquele que detém a guarda formal ou de fato) estimula deliberadamente os filhos para que odeiem ao outro genitor.
A Síndrome da Alienação Parental foi identificada no ano de 1985 pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner em 1985. Segundo Gardner (2002)[2], é resultante de uma campanha difamatória para denegrir, sem justificativa, a imagem de um dos pais:
“A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e, assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável.” (GARDNER, 2002)
Gardner (1992) apud Podevyny (2001) apontou que os filhos que vivenciavam este tipo situação familiar, eram expostos a sofrimento psíquico em função de seus pais estarem em disputa de sua guarda, ou mesmo nas brigas resultantes da divisão de partilhas de bens financeiros e imóveis (Cartwirghy, 1993[3] apud Aguilar Cuenca, 2006).
Segundo Darnall (1998), os filhos mais velhos estariam mais vulneráveis ao sofrimento emocional e psíquico, uma vez que se tornam confidentes e aliados do genitor alienador.
Aguilar Cuenca define a SAP como:
“(…) um distúrbio caracterizado pelo conjunto de sintomas resultantes do processo pelo qual um progenitor transforma a consciência dos seus filhos, mediante diferentes estratégias, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir os vínculos com o outro progenitor, até tornar contraditória em relação ao que devia esperar-se da sua condição” (2006: 33).
Segundo o autor, o que define o diagnóstico da SAP não são os impactos sofridos pela criança, mas a maneira como o alienador se utiliza para induzi-la.
1.2 – Perspectiva Jurídica
Entende-se por perspectiva jurídica aquela que, em geral, é discutida e analisada por operadores do direito.
Fonseca (2006) apresentou uma distinção entre Alienação Parental e Síndrome da Alienação Parental. Assim, alienação parental significa o afastamento do genitor alienado pelo genitor guardião. Já a síndrome estaria relacionada aos impactos psicossociais no comportamento dos filhos, que podem se estender até a fase adulta. A criança ou adolescente se recusa terminantemente a manter proximidade com o genitor alienado.
Trindade (2007) aponta que a SAP surge em separações litigiosas, mas que antes mesmo da dissolução do casamento, o processo se inicia. Conforme o referido autor:
“A Síndrome da Alienação Parental é um transtorno psicológico que se caracteriza por um conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a consciência de seus filhos, mediante diferentes formas e estratégias de atuação, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição.” (TRINDADE, 2007: 102)
Segundo Souza (s/d) a alienação parental é “a rejeição do genitor que ficou de fora pelos seus próprios filhos, fenômeno este provocado normalmente pelo guardião que detém a exclusividade da guarda sobre eles”.
Figueiredo e Alexandridis (2011) afirmam que alienação parental
“consubstancia-se na atuação inquestionável de um sujeito, denominado alienador, na prática de atos que envolvam uma forma depreciativa de lidar com um dos genitores. Trata-se, portanto, de atuação de alienador que busca turbar a formação da percepção social da criança ou do adolescente” (pg. 45/46).
O alienador na tentativa de alcançar o seu objetivo busca, de todas as formas, denegrir a imagem do alienado, inclusive se utilizando de acusações falaciosas, a ponto de a criança/adolescente tê-las como verdade absoluta, iniciando um processo de implantação de falsas memórias (Dias, s/d).
1.3 – Perspectiva Social
A perspectiva social a respeito da Alienação Parental, é entendida como aquela que apresenta uma definição mais ampla, uma vez que os impactos deste fenômeno atingem a vida social como um todo dos envolvidos neste processo de tentativa de ruptura da convivência familiar.
Fávero (2011) aponta que a alienação parental se manifesta como uma das expressões da questão social, por meio de ações judiciais, pois a alienação parental “envolve a formação, na criança, de uma imagem negativa do genitor não guardião, geralmente pelo genitor que está com a sua guarda em um processo de separação” (pg. 141).
Fazendo uma análise do ponto de vista social, Valente (2007) argumenta que nos casos extremos, é necessário que alguém de confiança e sem visão parcial, interceda a favor da criança, indicando um atendimento especializado a todos os envolvidos.
Ou seja, identificada a alienação parental, o assistente social deve realizar uma avaliação cuidadosa com as pessoas envolvidas a fim de conhecer a história de vida de cada um e como se dão as relações intrafamiliares (Fávero, 2009). Esta autora aponta que o profissional do serviço social deve ter clareza do impacto que uma sentença judicial causa na vida dos sujeitos.
Segundo Fávero (2011), o assistente social deve compreender a alienação parental no âmbito das transformações socioculturais.
2 – A LEI 12318/10: O CAMINHO PARA O ENFRENTAMENTO DA ALIENAÇÃO PARENTAL
A partir do destaque que o tema Alienação Parental ganhou paulatinamente, houve o reconhecimento por parte das autoridades. Em 26 de agosto de 2010 foi aprovada a Lei 12318[4] que dispõe sobre a Alienação Parental. Conforme esta mesma Lei:
“Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.” (Art. 2°)
Está claro que a alienação prejudica o direito da criança/adolescente à convivência familiar e comunitária, conforme preconizado no Art. 19° do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e que são inerentes ao seu desenvolvimento biopsicossocial saudável.
Conforme o Art. 5°, o juiz avaliará e determinará a realização da perícia psicológica ou biopsicossocial. Ainda no § 2° deste artigo, consta que a perícia será realizada por equipe multidisciplinar habilitada, devendo ser comprovada aptidão para diagnosticar a alienação parental, seja por histórico profissional ou acadêmico.
Sobre a atuação da equipe multidisciplinar, à Martinelli (1995), afirma que:
“Trata-se de uma exigência absolutamente fundamental e diretamente relacionada à concepção de saber como espaço do múltiplo, do encontro dos signos, além de alimentada também por uma nova concepção de profissionais. Nossas formações profissionais básicas não devem nos dividir, mas, pelo contrário, nos proporcionar os fundamentos para a construção do saber coletivo.” (Pg. 149)
3 – CONSIDERAÇÕES
A alienação parental é um tema antigo quando pensado na realidade internacional, mas recente na realidade brasileira.
É fato que a alienação parental ocorre quase que exclusivamente em situações de litigio em que um genitor “programa” os filhos para odiarem ao outro genitor sem justificativa (aliás, não há argumento para que um genitor incentive os filhos a cultivar tais sentimentos pelo outro, assim como em relação aos demais familiares).
Na medida em que profissionais da área da psicologia, do direito e do campo sócio-jurídico foram identificando este quadro, estudando e pesquisando temas relacionados, e associações de pais se organizando para combater a alienação parental, o fenômeno ganhou visibilidade, chamando a atenção das autoridades, bem como o reconhecimento de que medidas fossem tomadas para coibir este tipo de violência e impedir (ou pelo menos tentar) que o quadro de alienação parental persista.
Embora muitos profissionais de diversas áreas tenham se debruçado em discutir a alienação parental, o tema ainda merece ser mais bem explorado, uma vez que agora existe a Lei e os estudos deverão ser aprofundados no sentido de se verificar a sua eficácia e efetividade, bem como o papel dos profissionais que lidam com este fenômeno.
No caso do serviço social, especialmente no campo sócio-jurídico, a alienação parental se coloca como um desafio. Ainda que seja papel do assistente social conhecer a história de vida, a dinâmica familiar, como as pessoas se relacionam e no que este emaranhando de informações contribuiu para a situação de litigio se instalasse, culminando na alienação parental, o desafio é sensibilizar as pessoas envolvidas quanto aos prejuízos acarretados pela alienação, já que muitas delas não reconhecem tais atitudes e o quão elas são prejudiciais ao desenvolvimento biopsicossocial das crianças/adolescentes.
No entanto, o Serviço Social Sócio-Jurídico, com o acúmulo de experiência e produção de conhecimento nesta área pode contribuir significativamente para o enfrentamento da alienação parental.
Na prática diária, verificou-se que os estudos realizados pelos técnicos, em muitos casos, sensibilizam os magistrados em suas decisões, e, por isso, as sugestões devem ser objetivas e rápidas, mas sem prejuízo de uma avaliação profunda e criteriosa. Assim, a discussão técnica dos profissionais com o juiz se torna um instrumento importante na tomada de decisões que venham a atender o melhor interesse das crianças e adolescentes expostos à alienação parental.
Informações Sobre o Autor
Edna Fernandes da Rocha Lima
Assistente Social Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP. Doutoranda e Mestre em Serviço Social pela PUC/SP Especialista em Serviço Social na Saúde HCFMUSP e em Violência Doméstica contra a Criança e o Adolescente USP