A liberdade religiosa nas constituições brasileiras e o desenvolvimento da Igreja Protestante

Resumo: Este artigo versa sobre o histórico das Constituições brasileiras, fazendo um enfoque na liberdade religiosa e sua interação com o desenvolvimento da Igreja protestante no Brasil.[1]

Palavras-chave: Liberdade religiosa; Constituições brasileiras; Igreja protestante.

Abstract: This article is about the history of Brazilian Constitutions, making a focus on religious freedom and its interaction with the development of the Protestant Church in Brazil.

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Keywords: Religious freedom; Brazilian Constitutions; Protestant Church.

Sumário: Introdução. Desenvolvimento. Conclusão. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Neste trabalho traçar-se-á um panorama histórico das constituições brasileiras observando em cada uma delas o quesito da liberdade religiosa, estabelecendo um diálogo com a história do protestantismo brasileiro.

DESENVOLVIMENTO

Para um melhor entendimento sobre a história da igreja protestante brasileira e seu crescimento, associado ao desenvolvimento da liberdade religiosa, faz-se necessário observar a história das diversas Constituições que vigoraram no Brasil, entendendo a constituição como manifestação no plano jurídico das mudanças históricas e ideológicas de uma nação.

Em 1822 com a independência do Brasil, tornou-se necessário a vinda de mais estrangeiros para fomentar o crescimento da economia, dentre estes vieram vários protestantes, mas até então não havia uma igreja protestante brasileira, cultos em língua portuguesa ou um brasileiro convertido.

A Constituição Imperial de 1824 foi a primeira constituição brasileira. De caráter confessional, estabelecia em seu artigo 5º a religião Católica Apostólica Romana como religião oficial do Império, e as demais religiões apenas o direito de culto doméstico, ou particular em locais com esta destinação, que não poderiam ter aparência exterior de templo. Como pode ser observado na transcrição abaixo do referido artigo (NOGUEIRA, 2001):

 “Art. 5º A religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”.

No Brasil Império a liberdade religiosa era parcial, conforme afirma José Afonso da Silva (2006, p.243): “[…] as demais religiões eram apenas toleradas […]”. Nesse período, os protestantes enfrentaram dificuldades quanto a realização do casamento civil, acesso a educação e utilização dos cemitérios, pois nos cemitérios oficiais só poderiam ser enterrados católicos.(MANDELI, 2008).

Até o ano de 1835 o protestantismo no Brasil foi de imigração, mas nos anos que se seguiram foi se desenvolvendo o protestantismo missionário junto aos brasileiros pela Igreja Congregacional, posteriormente pela Igreja Presbiteriana, Luterana, Metodista, Batista e Episcopal, chamadas de denominações históricas (MATOS, 2011).

Durante o século IX os protestantes buscaram com afinco a conquista da plena legalidade e liberdade no Brasil. A partir de 1860 cresceram as críticas sobre a união do Estado e a Igreja, culminando no Decreto 119-A de 7 de janeiro de 1890, que estabeleceu a separação entre essas instituições. Assim, sob influências liberais e positivistas, a Primeira Constituição Republicana de 1891 consagrou a separação entre a Igreja e o Estado, estabelecendo a plena liberdade de culto, o casamento civil obrigatório, a secularização dos cemitérios e da educação, sendo a religião omitida do novo currículo escolar, ficando a Igreja Católica em posição de igualdade com os demais grupos religiosos e as associações religiosas passaram a respeitar o direito comum, sendo permitido a estas adquirir bens, mas não aliená-los.  (BALEEIRO, 2001). Segue-se art. 72º, § 3º a 7º, da CF de 1891, in verbis:

“§ 3º – Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observados as disposições do direito comum.

§ 4º – A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.

§ 5º – Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis.

§ 6º – Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.

§ 7º – Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União, ou dos Estados.”

Nas primeiras décadas do século XX teve início a Era Vargas, caracterizada em seus primeiros anos como governo provisório, sem constituição. Só em 1933, após a derrota da Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo, foi eleita a Assembléia Constituinte que redigiu a nova constituição de 1934. Neste período surgiram as igrejas protestantes pentecostais a exemplo da Igreja Evangélica Assembléia de Deus que nasceu em 1911.

Desde 1925 a Igreja Católica vinha se mobilizando para recuperar o título de religião oficial dos brasileiros, bem como a permissão para educação religiosa nas escolas públicas, no entanto, enfrentaram forte oposição dos protestantes, marçons, espíritas e da imprensa. Todavia, mediante um decreto de abril de 1930, Getúlio Vargas permitiu o ensino religioso nas escolas. Por sua vez, a Constituição de 1934 atendeu as exigências católicas, sem oficializar o catolicismo, e concedeu o direito de capelania nas forças armadas, hospitais e penitenciárias, a todas as confissões religiosas, como manifestação da permissão constitucional de colaboração recíproca em prol do interesse público, o que representa uma significativa inovação na relação entre o Estado e a Igreja. (MATOS,2011).

Apesar de ter estabelecido conceitos vagos quanto a liberdade religiosa, condicionando-a ao respeito, a ordem pública e aos bons costumes, a constituição de 1934 manteve o princípio da igreja livre em Estado livre.

Em 10 de novembro de 1937, entrou em vigor a quarta constituição brasileira. Neste mesmo dia, o então presidente da república, Getúlio Vargas, para manter-se no poder, deu um golpe de estado, estabelecendo um regime conhecido como Estado Novo.

O parágrafo 4º do artigo 122 da Constituição de 1937 estabeleceu que:

“Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum, as exigências da ordem pública e dos bons costumes”.

Pode-se observar que houve uma manutenção da preservação da ordem pública e dos bons costumes, no entanto com um diferencial, a idéia de disposição de direito comum. Mas, esta mesma constituição abandonou o avanço da carta magna de 1934, quanto a colaboração recíproca entre o Estado e as entidades religiosas em prol do interesse coletivo.

Devido ao processo de redemocratização posterior a queda de Vargas, fez-se necessário uma nova ordem constitucional. Consequentemente, o Congresso Nacional, recém eleito, assumiu tarefas constituintes. É então promulgada a Constituição Federal de 1946, marcando a volta da democracia, garantindo liberdade de opinião e expressão. Voltou-se a tradição da Constituição de 1934, mantendo os preceitos da ordem pública e dos bons costumes (MANDELI, 2008).

Em 1964, aconteceu no Brasil um novo golpe militar fazendo o país regredir, principalmente pela ausência da garantia dos direitos fundamentais, mas um processo de redemocratização conduziu a elaboração da constituição de 1967, disciplinando em seu artigo 5º que: “É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e os bons costumes”.

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No período em questão, os protestantes batistas foram caracterizados por forte ênfase evangelística, tendo realizado grandes campanhas, desfrutando da liberdade de culto concedida, a exemplo da Campanha Nacional de Evangelização, uma resposta ao golpe de 1964. Seu lema foi “Cristo, a única Esperança”, indicando que soluções meramente políticas eram insuficientes (MATOS, 2011).

A Constituição de 1967 marcou a passagem do governo Castelo Branco para o Costa e Silva, contexto no qual predominavam o autoritarismo e o arbítrio político. Tal constituição foi largamente emendada em 1969, absorvendo instrumentos ditatoriais como os do AI-5 (ato institucional nº 5) de 1968.

A Carta Magna de 1969 manteve o mesmo texto da liberdade religiosa da Constituição de 1967, porém aconteceram no seu período de vigência várias perseguições a alguns setores da Igreja, todavia, a justificativa quanto a essas perseguições, foram de cunho político e não religioso (MANDELI, 2011).

Por fim, temos a Constituição Cidadã de 1988, resultante de um novo momento de redemocratização no país, conhecido como abertura. Esta reafirmou um Estado laico, neutro em matéria confessional, não adotando nenhuma religião como oficial. Contudo, nada impede que haja cooperação entre o estado e a igreja em obras sociais.

A liberdade religiosa é um direito previsto na “Lei Maior”, em seu artigo 5º, inciso VI, no qual deixa expresso que:

“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a sua liturgia, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.”

Nos incisos VII e VII, do referido artigo, está assegurado pela lei a prestação de assistência religiosa nas entidades civis, militares de internação coletiva e também o direito de escusa de consciência que se funda em reações de crenças religiosas. O que afirma a colaboração recíproca entre o Estado e a Igreja em prol do interesse público, sendo o Estado um protetor da igreja, cabendo-lhe não embaraçar seu funcionamento, nem deixar que terceiros o façam.

O Novo Código Civil de 2002, que entrou em vigência em janeiro de 2003, estabeleceu para as igrejas a natureza jurídica de associação, entendendo que, pelo fato destas serem constituídas como pessoas jurídicas sem finalidade econômica ou lucrativa, seriam juridicamente definidas, pelo objeto social das mesmas, como associações, estando equiparadas a qualquer outra do gênero, a exemplo das associações de moradores e clubes desportivos.

Todavia, como nos relata Ricardo Mariano (2006) a alteração da natureza jurídica da igreja não foi aceita pacificamente pela comunidade protestante, que de forma organizada propôs alterações na legislação civil pátria, encaminhando uma proposta de Ação de Inconstitucionalidade e duas Medidas Provisórias ao Governo Federal, argumentando que, ao submeter a igreja ao regime de associação, esta perde a liberdade para administração interna de forma independente, sem interferência estatal, contrariando assim a garantia constitucional de liberdade ao exercício do culto.

Frente à nítida inconstitucionalidade, pondo fim a controvérsia, em 23 de dezembro de 2003 foi publicada a Lei Federal 10.825, que alterou o Código Civil em seu artigo 44º, acrescentando a organização religiosa como mais uma modalidade entre as pessoas jurídicas de direito privado, isentando as igrejas do cumprimento do prazo estabelecido para reforma e adequação de seus estatutos para o regime de associação civil.

Desde a década de 60 do século XX o Brasil tem sido cenário de um fenômeno social e histórico de grande crescimento de denominações de confissão protestante, ou evangélica. Tais instituições, pessoas jurídicas de direito privado, denominadas organizações religiosas, têm se desenvolvido tendo o Estado como seu protetor, no que tange o exercício da liberdade religiosa em seus três aspectos; a liberdade de consciência, liberdade de crença e liberdade de culto, conforme garantia constitucional.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, percebe-se que, com o advento da separação do Estado da Igreja na constituição de 1981, destituindo o catolicismo da posição de religião oficial e concedendo plena liberdade de culto a todas as confissões religiosas, estabeleceu-se um ambiente propício para o crescimento do protestantismo no Brasil, que a partir de então, poderia estabelecer os seus templos, logrando assim maior visibilidade, ampliando a perspectiva de conquista de novos adeptos. A Igreja Protestante foi igualada a Igreja Católica no aspecto jurídico.

As demais constituições que se seguiram, a saber, a de 1934, 1937, 1946, 1967 e de 1988 reafirmam o princípio da separação do Estado da Igreja, não podendo o Estado intervir em qualquer que seja a confissão religiosa, mas sim protege-la, garantindo que perturbações de terceiros não impedirão o pleno exercício da liberdade religiosa, seja ela de consciência, crença ou de culto.

 

Referências Bibliográficas
BALEEIRO, Aliomar. Constituições Brasileiras: 1891. – v.2 – Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001.
MAFRA, Clara. Os Evangélicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
MANDELI, Maíra de Lima. Liberdade Religiosa. Intertemas, São Paulo, vol.16, n. 16, 2008. Disponível em <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php /Juridica/article/view/688/706>. Acesso em: 02 fev. 2012.
MARIANO, Ricardo. A reação dos Evangélicos ao Novo Código Civil. Civitas –Revista de Ciências Sociais, v.6,n.2, jul. –dez. 2006. Disponível em:<  http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/viewFile/57/57> Acesso em: 12 de fev. 2012.
MATOS, Alderi Souza de. Breve História do Protestantismo no Brasil. Vox Faifae, Goiás, v.3, n.2, 2011. Disponível em: <http://www.faifa.edu.br/revista/ index.php/voxfaifae/article /view/27l>. Acesso em : 14 jan. 2012.
NOGUEIRA, Octaciano. Constituições Brasileiras: 1824. – v.1 – Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
 
Notas
 
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Agenor S. S. Sampaio Neto, Mestre em Direito na Universidade Estadual de Feira de Santana.


Informações Sobre o Autor

Francilu São Leão Azevedo Ferreira

Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Feira de Santana


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