A ressocialização do trabalhador escravizado à luz do Projeto Lei n°5.139/09

Resumo: Neste trabalho aborda-se a escravidão contemporânea rural e suas espécies, descrevendo as condições encontradas nas diversas regiões do Brasil. Relatam-se as atribuições dos Órgãos competentes para a erradicação do trabalho escravo, vislumbrando, preponderantemente, a forma pela qual o problema poderá ser solucionado com base nos direitos vinculados as relações de trabalho subordinado. Destaca-se, ainda, a necessidade de políticas públicas de erradicação da escravidão contemporânea para o enfrentamento da questão através da ressocialização do trabalhador, depois dele recuperar sua liberdade e voltar às suas origens, em decorrência de ação civil pública para a tutela de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Este trabalho é antes de tudo uma crítica à permanência das más condições de trabalho, pautadas pela pluralidade de interesses econômicos e políticos representados pela acumulação de meios de produção, bens e dinheiro.

Palavras chave: Trabalho Escravo Contemporâneo. Ressocialização do Trabalhador. Ação Civil Pública.

Abstract: In this paper, rural contemporary slavery and its variations are addressed, by describing conditions found in different regions of Brazil. The paper outlines the competencies of governmental agencies entrusted with fighting slave labor and highlights, especially, ways of solving this problem on the basis of rights linked to subordinated labor relations. It also highlights the need for public policies to eradicate contemporary slavery through resocialization of liberated workers that return to their origins as a result of a public civil lawsuit aimed at asserting diffuse, collective or homogeneous individual interests.This paper is above all a critique to the permanence of poor working conditions framed by a wide range of economic and political interests that converge around the accumulation of means of production.

Keywords: Contemporary slave labor. Worker resocialization.  Public civil lawsuit

1 INTRODUÇÃO

A escravidão, apesar de oficialmente abolida no Brasil há mais de um século, ainda faz parte de nossa história. As raízes do escravismo brasileiro estão subjacentes em nosso País especialmente na Zona Rural. Com certa frequência a mídia nos dá notícias de trabalhadores rurais e urbanos libertados que se encontravam em condições semelhantes às de escravos.      Esta relação de trabalho significa muito mais do que o descumprimento das leis trabalhistas, uma vez que ao trabalhador-escravo não é concedido nenhum direito à cidadania o que fere diretamente, e em essência, o Estado democrático de direito, além de representar uma das mais graves violações aos direitos humanos. A escravidão se configura uma ofensa à dignidade humana; para esses trabalhadores é negado o direito aos bens mínimos necessários, ferindo todos os princípios legais concernentes aos direitos humanos.

O Brasil é visto, hoje, no cenário internacional, como um país em franco desenvolvimento, democrático e como um exemplo no que se refere à implantação e cumprimento de leis trabalhistas que respeitam o direito do trabalhador, haja vista o que nossa Carta Magna dispõe sobre legislação do trabalho que concede garantias mínimas aos trabalhadores como salário nunca inferior ao mínimo (atualmente é de R$ 545,00), férias, repouso semanal remunerado, um ambiente de trabalho seguro e saudável, horas extras, a proibição do trabalho infantil, todavia, estes direitos nem sempre são observados por todos os empregadores e muito especialmente pelos empregadores rurais. O descumprimento dessas normas afronta os Direitos humanos e descaracteriza a nossa Constituição Federal plasmada em fundamentos dentre os quais salientamos “ a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (CF.art.1º, incisos III e IV). (BRASIL, 1988, on line)

Apesar de toda a formalidade legal, com respaldo constitucional e com amparo de leis especificas, é constrangedor constatar que existe a coerção do trabalhador que labuta de sol-a-sol, recebendo salários aquém do estipulado por lei, vivendo de forma degradante. Estas más condições configuram um novo modelo de escravidão e direcionam para o enriquecimento do empregador, fundamentando um estágio de miséria em nossa área rural. É dever do Estado promover  a dignidade humana dos trabalhadores, quer urbanos, quer rurais; garantir, sobretudo,  a justiça social e coibir toda e qualquer forma de injustiça social e de exploração do homem.

 O Brasil já iniciou um processo de ruptura contra a violação da dignidade humana do trabalhador rural e para certificá-la é preciso aprovar uma matéria de direito que poderá garantir a ressocialização deste trabalhador.

Para tanto, um Projeto de “Lei nº 5.139/2009” que está tramitando no Congresso Nacional, objetiva disciplinar Ações Civis Públicas de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Este projeto abrange diversas áreas jurídicas e possibilita a inserção dos trabalhadores escravos na concessão de direitos que até a presente data não lhes foram facultados.

Quem escraviza? Onde estão os escravos? Quem faz parte dessa população? Em que fase está o combate a esta escravidão? Existe ressocialização do trabalhador escravizado? São algumas das indagações que objetiva-se responder por intermédio deste trabalho científico.

2 ASPECTOS TERMINOLÓGICOS DO TRABALHO DIGNO E DAS CONDIÇÕES ANÁLOGAS A DE ESCRAVO

A Organização Internacional do Trabalho (2009) define como trabalho digno aquele “trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, sem quaisquer formas de discriminação e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivam dele”.

Muitos homens são explorados na imensidão do território brasileiro. Quando procuramos fazer um paradigma dos escravos da antiguidade e com os contemporâneos constatamos que os escravos negros, fujões, acorrentados, açoitados no tronco, comercializados, alimentados pelos seus donos e seus descendentes eram patrimônio dos coronéis.

Para Bueno (2004, p.112):

“Terá sido o pior lugar do mundo, o ventre da besta e o bojo da fera, embora para aqueles que eram responsáveis por ele, e não estavam lá, fosse o mais lucrativo dos depósitos e o mais vendável dos estoques. (…) O bojo dos navios da danação e da morte era o ventre da besta mercantilista: uma máquina de moer carne humana, funcionando incessantemente para alimentar as plantações e os engenhos, as minas e as mesas, a casa, e a cama dos senhores – e, mais do que tudo os cofres dos traficantes de homens.”

A moderna escravidão é cruel e mais nefasta do que a do antigo modelo. Hoje os trabalhadores são tratados, muitas vezes, como objetos descartáveis. Não são mais vendidos nas feiras dos mercados, entretanto, são ludibriados pelos gatos (despachantes de trabalhadores rurais) subjugados pelos patrões, considerados como objeto de consumo. Negam-lhes a cidadania, não têm acesso à educação; falta-lhes moradia, comida, água, vestiário, vivem de modo degradante. Estes são dados sociais que não interessam aos novos donos de escravos; interessa-lhes somente, sob rigorosa vigilância, mantê-los para produzir sempre mais. Percebem-se semelhanças entre os modelos de escravidão, se os primeiros escravos sofreram ameaças, violências físicas e psicológicas e, na tentativa de fuga, eram assassinados cruelmente, os atuais, experienciam a mesma realidade.

Com relação a essas semelhanças, Santos (2004, p.145) salienta que: “A descrição do trabalho escravo contemporâneo se assemelha em muito ao trabalho escravo da época colonial. Ao trocar-se a figura do senhor de engenho pela do fazendeiro e a do feitor pela do gato ou capataz, as similaridades são gritantes”

A melhor forma de conceituar as condições análogas a de escravo tem preceito legal no artigo 149 do Código Penal Brasileiro, que assim, expressamente determina:

“Reduzir alguém a condições análogas à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de divida contraída com o empregador ou preposto: Pena- reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Parágrafo 1º Nas mesmas penas incorre quem: I- cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II- mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. Parágrafo 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I-contra criança ou adolescente; II- por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”. (BRASIL, 2010, on line)

Nessa esteira, embora o Código Penal não defina categoricamente o trabalho escravo, relata-nos, porém, detalhes de condições sob as quais ele se concretiza. Para melhor compreensão desta realidade, faz-se necessário adentrar nos ambientes onde este modelo de trabalho é executado. As situações reais encontradas mostram que existe uma relação de trabalho na qual o trabalhador permanece sob domínio extremo do empregador. As características da escravidão contemporânea consistem na violação da dignidade do obreiro, exposição a jornadas exaustivas sem intervalos, inter-jornadas ultrapassando o limite legal estabelecido, com ou sem a anuência do trabalhador, causando prejuízo à sua saúde física e mental, ademais, expondo-o a condições insalubres e/ou penosas, sem uso de equipamentos de proteção e restringindo sua locomoção. Condições que ferem profundamente os ditames do artigo 149 do Código Penal Brasileiro.

Atualmente, alguns empregados rurais são expostos a condições degradantes de trabalho, fato constatado por Relatórios de auditorias do Ministério do Trabalho e Emprego: 1)falta de água potável, muitas vezes, a água utilizada para lavar animais e imprópria para o sumo, é também utilizada pelo trabalhador tanto para tomar banho como para beber; 2) alimentação sem a qualidade e os nutrientes necessários; alimentação sem controle sanitário algum, há ocorrência de uso de animais mortos acidentalmente para alimentá-los; 3)utilizam a vegetação como instalações sanitárias; 4) cabanas desprovidas de qualquer segurança e conforto servem de dormitórios; 5) rigor e humilhação fazem parte da rotina destes empregados. Estas ocorrências relevam situações indignas a que alguns empregadores submetem os trabalhadores rurais.

No que se refere aos direitos trabalhistas e aos previdenciários constata-se que são constantemente violados: os trabalhadores não recebem salários, se os recebem são, geralmente, muito abaixo do estipulado por Lei. Contraem dívidas. Tudo lhes é vendido. Compram o feijão, a farinha, a mistura, o sabão e o óleo queimado para a lamparina acima do preço de mercado, ao final do mês ainda estão devendo. Esta prática é uma forma que o empregador utiliza para manter o empregado no trabalho escravo por contrair divida, é a escravidão pela dívida, uma afronta aos Direitos Humanos. Quando estes trabalhadores retornam ao seio familiar, as condições humanas e sociais apresentam-se piores do que as anteriores: sofridos, maltratados, maltrapilhos, desiludidos. O sonho de uma melhor qualidade de vida para si e para sua família, acabou. O que lhes resta? Vergonha, fome, doença e falta de esperança.

O Brasil é signatário das Convenções da Organização Internacional do Trabalho (doravante OIT) de nº 29 (1932) e 105 (1959), que tratam do trabalho forçado ou obrigatório e postulam a abolição do trabalho forçado. O Governo Federal tem implantado reformas sociais firmando parcerias com órgãos dos Governo com a finalidade de excluir da realidade brasileira toda e qualquer espécie de trabalho escravo, através do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. 

A Organização Internacional do Trabalho em seu Relatório Global demonstra a sua preocupação com a principal causa que leva ao trabalho forçado e descreve:

“Em termos gerais, os incentivos ao tráfico de pessoas entre países mais pobres e países mais ricos podem ser assim descritos. Em termos de oferta, muitas vezes como conseqüência dupla do declínio de oportunidades de emprego e crescentes aspirações de consumo, têm aumentado os incentivos para a migração não só das zonas rurais para centros urbanos, mas também de países menos ricos para os mais ricos. Nos países mais ricos, parece constante a demanda de mão de obra disposta a aceitar empregos inseguros e mal pagos, muitas vezes de natureza sazonal. As pessoas naturais de países mais ricos recusam-se, compreensivelmente, a aceitar empregos difíceis, degradantes e perigosos. Mas, como os países mais ricos levantam cada vez mais barreiras à migração legal e regular, elementos criminosos aproveitam da oportunidade para ter mais lucros. Alguns intermediários cobram pesadas somas de candidatos a migração para viabilizar ilegalmente a travessia de fronteiras, e outros usam práticas coercitivas e falazes para ganhar ainda mais no local de destino. Em suma, o tráfico de pessoas é uma reação oportunista a tensões entre a necessidade de migrar e as restrições de natureza política para permitir o mesmo”.(UMA ALIANÇA…,2005,on line)

Segundo Audi (2005, p. 224 – 231) muitos são os esforços empreendidos pelo Governo Brasileiro em conjunto com a (OIT) para implementar o “Combate ao Trabalho Escravo no Brasil”. Com este intuito já foi utilizado um valor na ordem de US$ 1.700.000,00, direcionados ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), para a elaboração de banco de dados, sobre o trabalho escravo, objetivando identificar as regiões, os responsáveis e as atividades econômicas envolvidas, entre outros dados. Para alcançar os objetivos propostos foram realizadas campanhas, em âmbito nacional, visando o esclarecimento da população quanto ao trabalho escravo e elaborando estratégias de prevenção, capacitação e fortalecimento dos Entes Públicos, sindicatos e ONGs e a previsão de programas para Reinserção Social.

É importante esclarecer a posição da OIT que apenas se refere ao trabalho forçado como forma de cerceamento da liberdade do trabalhador, contudo, no Brasil, a definição engloba outras espécies de condições análogas a de escravos constantes no art.149 do Código Penal Brasileiro.

3 AS ATIVIDADES E ESTADOS ENVOLVIDOS

Nesse contexto, é possível identificar as principais atividades nas quais se configura o trabalho escravo. Dados relatam que a pecuária é líder no resgate de trabalhadores escravos, seguida pela agricultura. Neste ramo, a mão-de-obra utilizada na cultura do algodão, da soja, da cana de açúcar, do café, da pimenta do reino e do carvão vegetal respondem por 20% do trabalho escravo encontrado no Brasil; à pecuária cabe o total de 80%.

Os grupos econômicos se utilizam da natureza, do chamado “arco do desmatamento” na Floresta Amazônica e tombam milhares de árvores para dar lugar a pastagens, a lavouras de soja e a carvoarias e arrebatando a dignidade da pessoa humana por meio de degradantes condições de trabalho. Segundo dados colhidos na Comissão Pastoral da Terra, no ano de 2010, nos Estados do Acre, de Alagoas, do Amazonas, da Bahia, do Espírito Santo, de Goiás, do Maranhão, de Mato Grosso, de Mato Grosso do Sul, de Minas Gerais, do Pará, da Paraíba, do Paraná, do Piauí, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul, de Rondônia, de Santa Catarina, de São Paulo e de Tocantins foram encontrados e resgatados trabalhadores escravos, inclusive menores.

Dados do Ministério do Trabalho e Emprego relatam que desde o ano de 1995 até o de 2010 foram resgatados 39.180 trabalhadores. Conforme quadro das operações de fiscalização para erradicação do trabalho escravo – SIT/SRTE – 2010, abaixo transcrita.

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E também a lista dos Estados envolvidos com as condições análogas a de escravo no ano de 2010 – SIT/SRTE – 2010, abaixo transcrita.

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O Governo Brasileiro tomando como base as ações do Grupo Móvel de combate à escravidão contemporânea, com fins de responder à sociedade brasileira e à comunidade internacional, publicou a Portaria de nº 540/04 – MTE, conhecida como “lista suja do trabalho escravo” na qual são registradas as propriedades e os proprietários flagrados com a adoção de trabalho escravo. Considerando esta situação lhes foi impingida a penalidade de não contraírem empréstimos do sistema financeiro brasileiro público por dois anos ou enquanto permanecer nessa situação.

4 DENÚNCIA E ÓRGÃOS COMPETENTES (MTE E MPT)

A ação que visa à erradicação do trabalho escravo ocorre por intermédio de denúncias aos órgãos competentes, contendo prática de exploração de trabalhadores nas diversas regiões do país. Essas denúncias são encaminhadas por Entidades de Direitos Humanos, por Organizações Não Governamentais, pela Comissão Pastoral da Terra, pela Polícia Rodoviária Federal e pela Polícia Federal. O Grupo Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego destinado para esse fim promovem as auditorias fiscais, nos locais denunciados, através de oitivas com os empregados que subsidiam os trabalhos a serem realizados, identificam o empregador ou preposto para tomarem as medidas cabíveis. Dando prosseguimento às suas ações, investigam a existência de trabalhadores doentes, crianças ou adolescentes com o intuito de resgatá-los de imediato; emitem Carteira do Trabalho e Previdência Social; registram todos os empregados em situação irregular; fazem as devidas anotações na CTPS; exigem de imediato os pagamentos das verbas rescisórias; realizam todos os procedimentos para a concessão do seguro desemprego e, como garantia, solicitam o título de proprietário da terra e outros documentos. Após a auditoria em toda a propriedade, lavram-se os autos de infração referentes às irregularidades no que couber a legislação trabalhista pertinente. 

O Ministério Público do Trabalho atua, no primeiro momento, como órgão interveniente e agente em conformidade com a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Ministério Público da União. No assunto em questão, este Ministério atua como órgão agente, instaurando inquéritos civis e propondo Ações Civis Públicas e outras ações; na Justiça do Trabalho defende a ordem jurídica dos direitos e interesses sociais dos trabalhadores, menores, incapazes e indígenas. As Procuradorias Regionais têm sua atuação nas Coordenadorias da Defesa dos interesses Individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos – CODIM-, por meio delas recebem as denúncias que serão analisadas pelo Coordenador, sendo distribuída como Representação. Após a análise o Procurador do Trabalho instaura o inquérito civil para proceder às investigações necessárias.

O Procurador do Trabalho poderá firmar Termo de Ajuste de Conduta (Lei nº 7.347/85), com a anuência do empregador, caso não seja aceito, será proposta uma ação judicial perante a Justiça do Trabalho. No Termo de Ajuste de Conduta constam as correções, as irregularidades trabalhistas encontradas, elencadas pela Auditoria Fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego e impõe valores monetários pelo descumprimento das infrações.

Os valores monetários arrecadados em função dos autos de infração lavrados pela Auditaria Fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego vão para a Fazenda Pública Nacional e os dos Termos de Ajustes de Conduta vão para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Este Fundo possui natureza contábil e financeira e é destinado ao custeio do Programa de Seguro Desemprego voltado para a qualificação social e profissional, abono salarial e financiamento de programas de desenvolvimento econômicos custeados pelo BNDES. Uma das principais ações financiadas pelos recursos do FAT é o Programa de Geração de Emprego e Renda que destina a maioria dos recursos recebidos para micro e pequenos empresários, para cooperativas, setor informal da economia, que associam crédito e capacitação para geraão de emprego e de renda.

Neste sentido, cumpre transcrever ementas proferidas pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, in verbis:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO – DANO MORAL COLETIVO – Na lição de Francisco Milton Araújo Júnior, "o dano moral pode afetar o indivíduo e, concomitantemente, a coletividade, haja vista que os valores éticos do indivíduo podem ser amplificados para a órbita coletiva. Xisto Tiago de Medeiros Neto comenta que 'não apenas o indivíduo, isoladamente, é dotado de determinado padrão ético, mas também o são os grupos sociais, ou seja, as coletividades, titulares de direitos transindividuais. (…)'. Nessa perspectiva, verifica-se que o trabalho em condições análogas à de escravo afeta individualmente os valores do obreiro e propicia negativas repercussões psicológicas em cada uma das vítimas, como também, concomitantemente, afeta valores difusos, a teor do art. 81, parágrafo único, inciso I, da Lei 8.078/90, haja vista que o trabalho em condição análoga à de escravo atinge objeto indivisível e sujeitos indeterminados, na medida em que viola os preceitos constitucionais, como os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, IV), de modo que não se pode declinar ou quantificar o número de pessoas que sentirá o abalo psicológico, a sensação de angústia, desprezo, infelicidade ou impotência em razão da violação das garantias constitucionais causada pela barbárie do trabalho escravo" (BRASIL,2008,on line)

Decisão tomada pela terceira turma do Tribunal Regional do Trabalho vem ratificar a competência do Ministério Público do Trabalho para pleitear Ação Civil Pública de interesses individuais, coletivos e transindividuais no que cabe aos valores éticos de cada indivíduo, podendo também ser aplicados para a coletividade. As condições análogas à de escravo violam a dignidade e o psíquica do obreiro, pois além de tratar o trabalhador como indigno, descumprem os preceitos e garantias fundamentais previsto na Constituição Federal. Diante deste quadro, com Ação Civil Pública vislumbram-se outras atitudes que poderão ser adotadas pela União. 

5 PROJETO DE LEI

O Brasil não possui programas de ressocialização do trabalhador escravo contemporâneo, para implantá-los e desencadear ações que objetivem acabar com as desigualdades sociais que possibilitem melhores condições de vida aos mais fracos, que oportunizem a ressocialização de crianças, de mulheres e de homens trabalhadores rurais e que garantam suas prerrogativas de cidadãos brasileiros, é necessário, primeiramente, tomarmos conhecimento desta realidade e reconhecer os direitos sociais destes trabalhadores, direitos inseridos na classe dos direitos fundamentais do homem e reconhecidos por nossa Constituição Federal, direitos que tendem a realizar a igualação de situações sociais desiguais. Com estes pressupostos foi elaborado o Projeto de Lei nº 5.139/09, sobre o qual esclarecemos:

“Encontra-se em tramitação, no Congresso Nacional, desde o ano de 2009 um Projeto de Lei do Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG), por intermédio do seu Presidente, Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Leonardo Azevedo Bandarra, vem na presença de Vossa Excelência apresentar Parecer ao Projeto de Lei nº 5.139/2009, que disciplina a ação civil pública para a tutela de direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, e dá outras providências, conforme razões de fato e de direito que abaixo seguem:

1. OBJETO DO PARECER

Versa o presente Parecer, elaborado com a assessoria do Procurador de Justiça Jarbas Soares Júnior e dos Promotores de Justiça Gregório Assagra de Almeida, Ricardo de Barros Leonel e Robson Renault Godinho, sobre o Projeto Lei nº 5.139/2009, que disciplina a ação civil pública para a tutela de direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, de autoria da Presidência da República, enviado ao Congresso Nacional mediante prévio consenso entre os Presidentes da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do conjunto de propostas destinadas ao aprimoramento do funcionamento da Justiça brasileira, no assim denominado II Pacto Republicano de Estado por uma Justiça mais acessível, ágil e eficiente”.  (BANDARRA, 2009, on line)

O Projeto de “Lei nº 5.139/09” dá prerrogativa ao Ministério Público do Trabalho para pleitear ação civil pública em prol da tutela dos interesses difusos ou coletivos dos trabalhadores. Com respaldo neste projeto, poderão ser criadas indenizações por danos irreparáveis ou de difícil reparação para os trabalhadores escravizados, conforme o artigo 27 do projeto in verbis: “Em razão da gravidade do dano coletivo e da relevância do bem jurídico tutelado e havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ainda que tenha havido o depósito das multas e prestação de caução, poderá o juiz determinar a adoção imediata, no todo ou em parte, das providências contidas no compromisso de ajustamento de conduta ou na sentença.”

Com previsão legal no Artigo 47 “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante a fixação de deveres e obrigações, com as respectivas multas devidas no caso do descumprimento”(BRASIL, 2009, on line). Para executá-lo pode utilizar de todos os meios cabíveis e até intervir na empresa quando necessário.

 O Projeto de Lei acima citado também se refere a multas administrativas conforme o Artigo 66:

“As multas administrativas originárias de violações dos direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos reverterão a fundo gerido por conselho federal ou por conselhos estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da sociedade civil, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados e a projetos destinados à prevenção ou à reparação dos danos”. Com a aprovação do Projeto de “Lei nº 5.139/09” (BRASIL, 2009, on line).

As Ações Civis Públicas que versem sobre o trabalho degradante e pleiteadas pelo Ministério Público do Trabalho que tinham prerrogativa de destinar os valores monetários arrecadados pelos Termos de Ajustamento de Conduta ao Fundo de Amparo ao Trabalhador deverão ser utilizados em fundo e/ou programa, se necessário decisão judicial, para os interesses difusos e coletivos, destinado à ressocialização do trabalhador rural que foi escravizado.

6 CONCLUSÃO

A prática de escravizar é tão antiga quanto a própria história da humanidade. No Brasil, independente da liberdade formal, a vida dos descendentes dos escravos pouco mudou nos anos que se sucederam e, ainda, que passados quase 120 anos da entrada em vigor da lei abolicionista, são comuns notícias de trabalhadores libertados após a constatação de condições análogas às de escravos.

O trabalho escravo, infelizmente, ainda é uma realidade no Brasil. Os fundamentos ideológicos do escravismo brasileiro, impregnados na cultura dos empregadores rurais, não foram totalmente superados em nossa sociedade tecnológica. Apesar da garantia formal de igualdade de direitos entre trabalhadores urbanos e rurais firmada e promulgada em nossa Constituição Federal de 1988, na prática, constata-se o grande afastamento entre direito formal e relações de trabalho especialmente no campo e nas zonas de desmatamento da Amazônia Legal. Órgãos Públicos, Organizações Internacionais, Sindicatos e diversas Instituições Civis e Religiosas assim como a sociedade civil têm se empenhado para romper a barreira de ideologia excludente: empregador e empregado, promovendo campanhas para sensibilizar os empregadores quanto aos direitos dos trabalhadores rurais, contudo, até agora, campanhas articuladas, ações desencadeadas e leis estabelecidas têm se revelado inoperantes para excluir definitivamente das relações de trabalho atitudes de violação dos direitos do trabalhador rural.

Os abundantes dados disponíveis sobre quem escraviza quem é escravizado e em que circunstâncias se realiza a escravidão do trabalhador rural dependem de tratamento prático para se transformarem em instrumentos de monitoramento e avaliação deste modo de trabalho. Para consecução do Plano de Ressocialização do Trabalhador Escravizado – PRTE- e para empreender a melhoria da gestão deste Plano é preciso monitorar sistematicamente o trabalho no campo, estabelecer objetivos e metas para uma profícua utilização dos valores monetários arrecadados do Termo de Ajustamento de Conduta advindos das Ações Civis Públicas de interesses difusos e coletivos.

Com o PRTE -que objetiva fomentar a ressocialização do trabalhador- deve se instalar escolas, postos de saúde etc., nos interiores mais longínquos onde não chegam os veículos de informação, de educação formal, prevalecendo a pobreza e a ignorância. No campo, a educação formal deve ser voltada à profissionalização do trabalhador rural, pois “em se plantando nessa terra tudo dá” desde que trabalhada de maneira adequada e atentando para preservação do ecossistema. Estes homens e mulheres ao adquirem técnicas modernas de trabalho que os capacitem para trabalharem no campo, terão condições de permanecerem condignamente em suas comunidades e aos poucos os elos do sistema escravista vão se desfazendo. Deste modo, poderão ser incluídos no mercado de trabalho no meio rural de forma legal e sob outras condições sócio-econômicas.

É constitucional tratar os desiguais de forma justa e digna com este pressuposto legal, o Estado tem respaldo para cumprir e fazer cumprir o princípio da Igualdade. No que se refere ao trabalhador rural que foi submetido a condições degradantes de trabalho, e está em fase de ressocialização, consignando ações concretas como liberar o acesso a crédito diferenciado, implantar programas que lhes possibilitem melhores condições de vida e garantam subsistência para eles e para suas famílias, condicionando-lhes a inserção social.

O Poder Público tem força e competência para determinar a adoção imediata, no todo ou em parte, das providências contidas no compromisso de ajustamento de conduta ou na sentença, exigindo que o empregador escravista construa e mantenha escolas profissionalizantes nas cidades de origem dos trabalhadores, arrebatados pelos gatos, para a sua propriedade com a sua anuência. As escolas deverão ser mantidas por um período mínimo de dez anos sob controle da sociedade civil e entidades sindicais, favorecendo ao trabalhador profissionalização e posterior inserção no mercado de trabalho.

O Governo, com apoio das Forças Armadas ao realizarem funções humanitárias, poderá difundir, nas regiões onde os meios e sistemas de comunicação não chegam ou são deficitários, informações sobre suas campanhas e programas e, ao mesmo tempo, acolher denúncias sobre o trabalho escravo. Na certeza de que somente com vontade política e a conjugação de esforços dos atores sociais pode-se garantir a dignidade e a igualdade entre os homens.

Um trabalho decente se configura quando o Estado se conscientiza da necessidade de investir na formação do trabalhador por meio de políticas públicas educacionais e sociais para salvaguardar o respeito aos direitos humanos e aos direitos fundamentais promulgados em nossa Carta Magna e requeridos pelos cidadãos brasileiros. A observância destes preceitos impedirá a prática criminosa da submissão de trabalhadores à condição de escravos.

 

Referencias
AUDI, Patrícia. OIT e os esforços brasileiros no combate ao trabalho escravo. In: PEIXOTO, Francisco Alberto da Motta Giordani; MARTINS, Melchíades Rodrigues; VIDOTTI, Tarcio José (Coord.). Direito do trabalho rural. 2.ed. São Paulo. LTr, 2005, p. 224 – 231.
BANDARRA, Leonardo Azevedo. Parecer do Projeto de Lei nº 5.139/2009. Brasília
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BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (3ª Região). Ação civil pública: condições  degradantes de trabalho – dano moral coletivo. Disponível em:< http://as1.trt3.jus
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SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Trabalho escravo. São Paulo. LTr, 2008.

Informações Sobre o Autor

Carmen de Almeida Simões

Bacharel em Direito


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