A ilegalidade cometida pelas seguradoras no reajuste dos contratos coletivos de saúde por adesão, em afronta ao limite estabelecido pela ANS

Resumo: Embora a ANS não regule expressamente os contratos de saúde coletivos por adesão tem-se que cabe ao Poder Judiciário obstar a pretensão de aumento abusivo das mensalidades destes contratos equiparando-os aos demais contratos de seguro regulados pela ANS.

Palavras-chave:Consumidor; contratos de plano de saúde; aumento abusivo; ilegalidade; revisão de cláusulas contratuais

Os contratos de seguro de saúde são regidos pelas regras de defesa do consumidor, tal como previsto no parágrafo 2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”):

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“Art. 3° – Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (…)

§ 2°- Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”.

Nestes contratos, a lei prevê a proteção do consumidor contra práticas e cláusulas abusivas, nos termos do artigo 6º, inciso VI, do CDC:

“Art. 6º- São direitos básicos do consumidor: (…)

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e  cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; (…).”.

Uma das práticas abusivas mais comuns é o reajuste exagerado da mensalidade do contrato (denominado “premio”), especialmente nos contratos de seguro de saúde coletivo na modalidade “adesão”, ou seja, nos contratos em que os segurados integram um grupo de caráter profissional, classista ou setorial, como sindicatos, conselhos, associações profissionais, etc.

Com efeito, as seguradoras defendem que as regras da ANS que determinam o limite máximo de reajuste anual dos contratos de seguro de saúde não seriam aplicáveis a este tipo de contrato coletivo por adesão, uma vez que as cláusulas seriam livremente pactuadas entre as partes e, por esse motivo, o valor do prêmio poderia ser reajustado livremente no caso de aumento das despesas médico-hospitalares, administrativas e do próprio índice de sinistralidade dos consumidores.

Fato é que, diante da abusividade deste reajuste, cabe ao Poder Judiciário analisar a questão e revisar esta cláusula contratual, consoante autoriza o artigo 51, inciso IV, x, do CDC:

“Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…)

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com (…)

X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; (…).”.

O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre a ilegalidade deste tipo de reajuste anual, conforme se depreende do julgado Agravo Regimental no Agravo nº 1131324/MG, da lavra do Ministro Sidnei Beneti:

“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. PLANO DE SAÚDE. INCIDÊNCIA DO CDC. POSSIBILIDADE. REAJUSTE ABUSIVO CONFIGURADO. MATÉRIA JÁ PACIFICADA NESTA CORTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83. I – A variação unilateral de mensalidades, pela transferência dos valores de aumento de custos, enseja o enriquecimento sem causa da empresa prestadora de serviços de saúde, criando uma situação de desequilíbrio na relação contratual, ferindo o princípio da igualdade entre partes. O reajuste da contribuição mensal do plano de saúde em percentual exorbitante e sem respaldo contratual, deixado ao arbítrio exclusivo da parte hipersuficiente, merece ser taxado de abusivo e ilegal. Incidência da Súmula 83/STJ. Agravo improvido.”. (STJ, AgRg no Ag 1131324/MG, Rel. Ministro SIDNEI  BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 03/06/2009).

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em recente julgado, já declarou entendimento sobre a necessidade de anulação da cláusula de reajuste que não observa os índices estipulados pela a ANS:

“PLANO DE SAÚDE. Mudança de faixa etária e aumento da sinistralidade. Incidência do Estatuto do Idoso e Código de Defesa do Consumidor. Impedimento ao reajuste, em razão disso, em se tratando de pessoa maior de sessenta anos.

Majoração em 90% por mudança de faixa etária e pelo aumento do índice de sinistralidade. Inadmissibilidade. Ausência de prova nesse sentido. Incidência apenas dos índices oficiais autorizados pela ANS para o reajuste anual. Sentença mantida. Apelo improvido” (TJSP, AP. nº 0107522-44.2009.8.26.0011, Rel. Des. Luiz Ambra, J. 26.09.2012).

Da análise do inteiro teor de referido aresto, observa-se a fundamentação exarada pelo i. Relator Luiz Ambra, no sentido de que: (a) a cláusula contratual que prevê esse tipo de aumento é abusiva e deve ser declarada nula; (b) que a majoração do valor da mensalidade deve respeitar os limites previstos pela ANS, mesmo se tratando de contrato de saúde coletivo por adesão; e (c) que eventual aumento por sinistralidade ou aumento de despesas médicas e administrativas deve trazer, de forma específica, as bases deste cálculo, de modo a permitir que o consumidor verifique a legalidade do aumento:

“(…)Trata-se de apelação contra sentença (a fls. 268/269), que julgou parcialmente procedente ação declaratória de nulidade de cláusulas contratuais com pedido de tutela antecipada cumulada com restituição de valores, para declarar a abusividade e a nulidade das cláusulas 13.2 e 13.3, por estas não especificarem os percentuais de reajuste a permitir variação unilateral do preço; reconhecer o aumento excessivo praticado a alterar o equilíbrio econômico do contrato; determinar a restituição dos valores pagos a maior sem a incidência da regra do artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor; manter os reajustes legais anuais autorizados pela ANS. Condenou a ré no pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) do valor atualizados da condenação. (…)

Cláusulas dessa ordem, o STJ tem reputado írritas, verdadeiramente afrontosas ao Código do Consumidor. que as reputa nulas de pleno direito (artigo 51, IV), por restabelecerem ‘obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade’.

Pois bem. A avença em questão vigora sob a égide da lei 9656/98, a contratação ocorrida já sob a sua vigência. Primeira observação a formular é exatamente essa. A de que o contrato das autoras é regido pela lei 9656/98 e pelo Estatuto do Idoso, não havendo que, eventualmente, se falar em plano acessório ao plano coletivo principal, não regulamentado. Há que obrigatoriamente se reger pelas referidas leis, já que estas contêm disposições de ordem pública acerca da matéria em questão, sendo as respectivas disposições de cunho obrigatório. Assim, é evidente que os aumentos devem respeitar os limites estabelecidos pela

agência reguladora. (…).

No caso, irrelevante o argumento da seguradora de que, na avença firmada entre as partes, existe cláusula específica autorizando o reajuste das mensalidades em função da sinistralidade havida no período, vez que não explicitado quais seriam os critérios e as bases do aumento a ensejar o percentual aplicado.

Tal omissão violaria os princípios da boa-fé, da lealdade e da transparência, inerentes aos contratos, e que devem reger as relações de consumo. (…).

Além disso, a seguradora limitou-se a comunicar ao contratante quando do aumento do prêmio, anunciando a aplicação de reajuste abusivo, com a respectiva cobrança já programada para o próximo boleto com vencimento para o mês subsequente. Contudo, desacompanhado de demonstrativo contendo o índice adotado para a feitura do cálculo, o que inviabiliza a aferição e qualquer discussão acerca do novo valor imposto.

O reajuste cobrado não é o oficial indicado, revelando- se nitidamente abusivo e excessivamente oneroso para o consumidor, gerando desequilíbrio contratual em desfavor da parte notadamente mais vulnerável da relação existente.

Medida restringida à mera comunicação do acréscimo no valor da mensalidade. (…).

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Ademais, nula a cláusula que favoreça o fornecedor, direta ou indiretamente, pela variação de valores de maneira unilateral (art. 51, inciso X, do Código de Defesa do Consumidor), bem como estabeleça obrigação considerada abusiva ou que coloque o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, inc. IV). (…).

Nada obstante as Resoluções da ANS que impuseram limites aos reajustes refiram-se a contratos individuais, nota-se que nada impede que tais índices sejam vistos como parâmetros também para os contratos coletivos, uma vez que estes somente são celebrados pelas Operadoras de Plano de Saúde por lhes proporcionarem vantagens, não parecendo razoável que, somente pelo fato de serem coletivos, se sujeitem a reajustes várias vezes superiores aos permitidos para os individuais, ainda mais quando não há índice expressamente previsto no contrato. (…)

Bem por isso, não se deve admitir que as relações de consumo sofram imposições decorrentes de afirmações aleatórias de elevação de custo com base em cálculos atuariais desconhecidos, por resultar em grave prejuízo ao segurado consumidor, a par de ferir o princípio da transparência na execução dos contratos. A apelante, em última análise, cobrando um plus pelo que lhe toca custear como decorrência do contrato, a repassar, indiretamente, o risco antes assumido ao próprio beneficiário.

portanto, inadmissível o reajuste unilateral praticado em percentual muito superior aos praticados e divulgados pelos órgãos oficiais à época, baseado unicamente em mudança de faixa etária e/ou suposto aumento do índice de sinistralidade, por violar frontalmente o disposto no art. 51, incisos ix e xi, do código de defesa do consumidor, além de provocar o desequilíbrio na relação contratual estabelecida entre as partes, contrariando abusivamente a natureza do instrumento firmado. (…)” (grifou-se).

Assim, pela análise da recente jurisprudência, ora exemplificada no julgado acima, conclui-se que o fato de a ANS não haver fixado índice de reajuste para contratos coletivos na modalidade adesão não significa que para os mesmos devam ocorrer reajustes desproporcionais.

Portanto, embora a ANS não regule expressamente os contratos de saúde coletivo por adesão, tem-se que cabe ao Poder Judiciário obstar a pretensão de aumento abusivo das mensalidades destes contratos.


Informações Sobre o Autor

Maria Izabel Penteado

Advogada formada pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Especialista em Processo Civil pela PUC-SP. Atuante nas áreas de direito do consumidor direito empresarial e direito de família


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