Responsabilidade civil pelo fato e pelo vício do produto ou serviço no Código de Defesa do Consumidor (CDC): análise técnica de suas diferenças

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Resumo: A presente pesquisa aborda as principais diferenças técnicas existentes entre a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço e a responsabilidade pelo vício do produto ou serviço, ambas adotadas pelo Código de Defesa do Consumidor, apresentando-se como meios de garantir a reparação dos prejuízos causados ao consumidor. Inicialmente, toma-se como base o estudo da responsabilidade civil em geral, apresentando uma noção sobre o tema, suas origens ao longo da história, o seu conceito, como era tratada a responsabilidade civil no Código Civil de 1916, a responsabilidade civil no Código Civil de 2002, bem como um breve estudo em relação à responsabilidade subjetiva e objetiva. Feito o estudo da responsabilidade civil em linhas gerais, passa-se a estudar a responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor apresentando as alterações e inovações trazidas por este no enfrentamento das questões relativas à quantidade, à qualidade e à segurança dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo. Na parte final, chega-se ao ponto central da pesquisa, oportunidade em que se analisa a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, prevista entre os artigos 12 e 17 do CDC, como também a responsabilidade pelo vício do produto ou serviço, prevista entre os artigos 18 e 25 do CDC, apontando-se as diferenças técnicas que envolvem esses dois modelos de responsabilização do fornecedor.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Diferenças técnicas. Fato do produto ou serviço. Vício do Produto ou serviço. 

1. INTRODUÇÃO

Nesta pesquisa, tem-se por escopo fazer um estudo das principais diferenças técnicas existentes entre a responsabilidade civil pelo fato do produto ou serviço e a responsabilidade civil pelo vício do produto ou serviço disciplinado no Código de Defesa do Consumidor.

É forçoso reconhecer que o tema em comento não se trata de novidade no campo jurídico, no entanto, a elaboração do presente estudo justifica-se pelo fato de que é notória a falta de conhecimento técnico específico para o correto manejo, por parte dos operadores do direito, das regras técnicas envolvendo cada um desses modelos de responsabilidade civil. Dessa forma, a formulação do problema está centrada no seguinte questionamento: quais são as diferenças técnicas existentes entre a “Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço” e a “Responsabilidade pelo Vício do Produto ou Serviço”?

Os fornecedores, quando disponibilizam bens e serviços no mercado de consumo, têm o dever de se preocuparem com itens como segurança, eficiência, qualidade e durabilidade. Assim, para cumprir esse dever, utilizam diversos testes e controles na sua produção para que a mesma atinja os maiores padrões de qualidade, buscando eliminar ou reduzir a entrada de produtos e serviços defeituosos ou viciados no mercado de consumo.

Mesmo assim, o que foi observado, na realidade, foi a entrada de produtos ou serviços no mercado de consumo que causam lesões à saúde, à segurança e até mesmo ao patrimônio dos consumidores. 

A legislação, através do instituto da responsabilidade civil, tratou de apontar quais seriam os responsáveis pela ocorrência de tais problemas, diferenciando o grau de responsabilidade do fornecedor em conformidade com o tipo de lesão causada ao consumidor.

Sob essa perspectiva, quando um produto ou serviço causa risco à saúde, à segurança ou à integridade física do consumidor, a situação é analisada com base na responsabilidade civil pelo fato do produto ou serviço. Por sua vez, quando um produto ou serviço apresenta vícios de qualidade ou quantidade que o torna impróprio ou inadequado ao consumo, a situação é analisada com base na responsabilidade civil pelo vício do produto ou serviço.

Para a completa compreensão do tema, discorreu-se sobre a responsabilidade civil, apontando uma noção geral, suas origens, o conceito de responsabilidade civil, como o tema era tratado nos códigos de 1916 e de 2002 e, por fim, diferenciou-se a responsabilidade civil subjetiva da objetiva.

Em seguida, tratou-se da responsabilidade civil dentro da abordagem do Código de Defesa do Consumidor, além da qualidade dos produtos e serviços.

No terceiro capítulo, começou-se a aprofundar no tema principal da pesquisa, tratando, assim, da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, com destaque para aqueles que são os responsáveis quando surge um acidente de consumo, bem como os defeitos elencados no artigo 12 do CDC e as excludentes de responsabilidade daqueles que figuram como responsáveis nos termos do referido artigo. Dando seguimento, analisou-se qual é a responsabilidade civil do comerciante e do fornecedor de serviço, as excludentes de responsabilidade dos fornecedores do serviço e a ampliação do conceito de consumidor segundo o artigo 17 do CC.

No quarto capítulo, tratou-se da responsabilidade civil pelo vício do produto ou serviço com apresentação de seu conceito, quem são os responsáveis quando surge um vício no produto ou serviço, nos termos do artigo 18 do CDC; bem como a responsabilidade pelos vícios de quantidade do produto, qual é a responsabilidade dos fornecedores de serviço. Tratou-se, ainda, dos serviços que têm por objetivo a reparação de um vício, da responsabilidade e o dever dos órgãos públicos e as disposições contidas nos artigos 23, 24 e 25 do CDC.

Na última parte, serão apresentadas as considerações finas, em que irão ser apontadas todas as diferenças técnicas existentes que norteiam as duas espécies de responsabilidades e que constituem o problema central desta pesquisa.

2. A RESPONSABILIDADE CIVIL E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

2.1 Alterações trazidas pelo CDC.

Analisando as últimas décadas, percebe-se que inúmeras foram as alterações nas relações de consumo. Porém nenhuma se fez tão importante quanto o aumento da produção, que deixou de ser arcaica e artesanal para se transformar em um modelo de produção em grande escala. Essa transformação alterou o pequeno circuito comercial, fazendo surgir uma enorme variedade de produtos e serviços com inúmeras marcas, modelos, qualidades e versões.   

Por consequência, essa produção em massa fez aumentar a potencialidade danosa dos produtos e serviços, surgindo vícios e defeitos desconhecidos e inesperados para os consumidores.

É certo que sustentar as soluções de direito comum de orientação privada, que igualava as partes nas relações civis como um todo, manifestavam-se ineficaz e errôneas, uma vez que se tornavam inadequadas e insuficientes para harmonizar relações modernas, principalmente naquelas em que já ficava notória a constatação de hipossuficiência de uma das partes. Nessa mesma linha de pensamento, descreve o doutrinador Sérgio Cavalieri Filho:

“Antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, os riscos do consumo corriam por conta do consumidor. Falava-se até na aventura do consumo, porque consumir em muitos casos era realmente uma aventura. O fornecedor se limitava a fazer a chamada oferta inocente, e o consumidor, se quisesse assumisse os riscos dos produtos consumidos. Não havia legislação eficiente para proteger os consumidores contra os riscos do consumo”. (CAVALIERI FILHO, 2012, p 512).   

Assim como Sérgio Cavalieri Filho, o doutrinador João Batista de Almeida relata que a legislação anterior era totalmente ineficaz e não correspondia à nova realidade social, sendo essa legislação ineficaz para os novos casos surgidos:

“A legislação anterior não, ajustada a realidade social da época, não resolvia questões novas emergentes, em razão das insuficiências legislativas que podem ser assim sumariadas:

1ª – a exigência da demonstração da culpa do fornecedor (CC de 1916, atr. 159) tornava inviável o ressarcimento de dano causado ao consumidor em virtude de colocação no mercado de produto ou serviço potencialmente danoso;

2ª – a estrutura do direito comum ligava o dano ao agente causador, a quem incumbia à responsabilidade de reparação. Nas relações de consumo, no entanto, o dano não é causado pela pessoa do fornecedor, seu empregado ou agente, e sim pelo próprio produto ou serviço. Por isso, havia a necessidade de estender-se a cadeia de responsabilidade até o fornecedor originário (fabricante, produtor, construtor e o importador), ligando-o ao defeito apresentado e estabelecendo o fundamento da reparação;

3ª – em decorrência, o consumidor não tinha ação direta contra os fornecedores em geral, podendo acionar tão somente o comerciante vendedor (CC de 1916, art. 1.101, e CCom, art 210);

4ª – os prazos curtíssimos de prescrição e decadência, contados a partir da tradição da coisa (CC de 1916, art. 178, §§ 2° e 5°, IV), também dificultavam a ação do consumidor nas reclamações por vícios redibitórios, que a seu turno, não abrangiam os serviços e só alcançavam os vícios ocultos, deixando desprotegidos os aparentes e os de fácil constatação;

5ª – na responsabilidade por vícios redibitórios só existiam as tradicionais alternativas de redibição (ex empto) e abatimento de preço (quanti minoris), evidentemente insuficientes para o interessado;

6ª – a persecução executória sobre o patrimônio do devedor era dificultada pela não adoção, na via legislativa, da teoria da desconsideração da personalidade jurídica; e, por fim,

7ª – a regra do ônus da prova (CPC, art. 331, I), que tolhia a atuação judicial do consumidor reduzindo-lhe a possibilidade de êxito”. (ALMEIDA, 2010, Ed 4ª, p 81).

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, passa-se claramente a positivar a responsabilidade civil do fornecedor de forma moderna e atualizada, traçando um caminho eficaz na defesa do consumidor.

O CDC, em seu capitulo IV, intitulado “Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos”, nas três primeiras seções, aborda os seguintes temas: a seção I trata da proteção à saúde e à segurança, em que se pode notar claramente que a visão do legislador naquele momento era demonstrar o que deve esperar o consumidor em relação à qualidade de um produto ou serviço. Já a seção II trata ‘Da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço’; e a seção III ‘Da responsabilidade por vício do produto e do serviço’. Principalmente, nas duas últimas, o legislador ocupou-se em apontar os responsáveis quando surgem as ocorrências de fato ou de vício do produto ou serviço. 

Dessa maneira, o CDC diferencia a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço da responsabilidade pelo vício do produto, conferindo tratamento, conceitos e causas próprias para cada instituto.

Diante disso, o conceito de responsabilidade civil pelo fato do produto ou serviço, e o conceito de responsabilidade civil pelo vício do produto ou serviço, interferem de forma direta na configuração do dever de indenizar, seja da empresa ou do empresário.

 Essas duas modalidades de responsabilidade objetiva possuem distinções e características próprias, bem como aplicabilidade singular. Qualquer conceituação ou delimitação feita de forma errada em relação aos dois institutos trará grandes prejuízos ao dever de indenizar do fornecedor de produtos. Dessa forma, é inegável a relevância dos supramencionados institutos nos campos de responsabilidade civil e de direito do consumidor.

Como cita Cavalieri Filho, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil, a respeito da longa trajetória em busca de responsabilizar diretamente o fornecedor:

“Percorreu-se um longo caminho para se chegar á responsabilidade direta do fornecedor perante o consumidor. Aos poucos a responsabilidade foi deslocada da conduta do autor do dano para o fato causador do dano. Identificou-se um dever de guardar pela coisa perigosa, uma cláusula de incolumidade na atividade de risco, até se chegar a um dever de segurança ou garantia de idoneidade pelo produto lançado no mercado”. (Cavalieri Filho, 2012, p 513).   

2.2 Da qualidade de produtos e serviços.

Na maioria das vezes, a principal causa de um acidente de consumo é a entrada de um produto ou serviço no mercado de consumo nocivo à saúde ou que venha comprometer a segurança dos consumidores. O CDC, visando a tutelar o bem mais importante a ser preservado – a vida – tratou de criar normas que busquem evitar ou minimizar as ocorrências de acidentes de consumo.

Na seção I, do capitulo IV do CDC, que trata da proteção à saúde e da segurança dos consumidores, encarregou-se de criar critérios que indiquem a nocividade ou periculosidade dos produtos ou serviços, além de enunciar deveres a cargo de informações dos fornecedores. Isso pode ser percebido com a simples leitura do artigo 8° do CDC. 

“Art. 8°. Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência da sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito”.

O artigo 8° do CDC apresenta, claramente, em seu texto, que os produtos e serviços não poderão acarretar riscos à saúde e à segurança daquele que os consomem. Todavia deve-se fazer a leitura desse artigo, analisando-o em duas partes. Na primeira, percebe-se a intenção do legislador em mostrar que os produtos ou serviços não acarretarão riscos à saúde e à segurança dos consumidores. Entretanto, na segunda, deve-se fazer uma leitura mais atenta, pois pode ser percebida a expressão “exceto os considerados normais e previsíveis, em decorrência da sua natureza”; obrigando, assim, os fornecedores a prestarem as informações necessárias e adequadas a respeito do produto comercializado. 

O que se deve perceber é que esse dispositivo trata daquela periculosidade que já é inerente ao produto ou serviço, não se confundindo com aquela periculosidade que venha a surgir ao longo da utilização do mesmo. Essa periculosidade inerente ao produto não quer dizer que o mesmo esteja com algum tipo de defeito, que explique a permissão da sua entrada no mercado, mas se trata apenas de uma característica peculiar do produto. Assim acontece, por exemplo, com medicamentos, fogos de artifícios, fósforos dentre outros, tudo em razão da sua natureza, que serão permitidos no mercado de consumo, uma vez que venham acompanhadas de informações explicativas e adequadas ao seu respeito.

O mesmo acontece com alguns serviços, como bem explica Zelmo Denari:

“Dentre os serviços que poderão acarretar riscos normais e possíveis à saúde, podemos lembrar os serviços de sauna e massagem, e com relação à segurança, os serviços de recauchutagem de pneus. Numa e outra hipótese, a nocividade ou periculosidade poderão se configurar na exata medida da falta de informações a respeito da respectiva fruição”. (DENARI, 2007, p. 176). 

Observa-se ainda que o parágrafo único do referido artigo impõe um dever ao fabricante de produtos industriais:

“Art. 8°. Parágrafo Único.

Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo. Através de impressos apropriados que devam acompanhar os produtos.”

Esse dever imposto pelo parágrafo único ao fabricante faz com que ele tenha obrigação de prestar as informações, através de uma linguagem escrita e impressos que deverão acompanhar o produto.

Mas se for pensado que, muitas vezes, os produtos podem ser recondicionados ou em casos de serviços, a quem cabe a responsabilidade dessas informações?

Nesses casos, aqueles que prestam os serviços ou os comerciantes de produtos recondicionados são os responsáveis por prestarem tais informações, e deverão usar de qualquer meio de informação para prestar tais esclarecimentos aos consumidores.

Enquanto o artigo 8° regula o fornecimento de produtos que, por sua natureza, possuem riscos normais e previsíveis, o artigo 9° trata de que forma devem ser prestadas as informações desses produtos potencialmente nocivos, ou perigosos, qual é a clareza dessas informações, como será observado através da leitura do próprio artigo 9° do CDC:

“Art. 9º – O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.”

O fornecedor tem o dever de informar, de forma adequada e de maneira ostensiva, com símbolos, etc., a respeito dessa nocividade ou periculosidade de um produto, possibilitando com que mesmo as pessoas com um nível mais baixo de escolaridade, ou que possuam alguma limitação física não tenham como alegar que sua ignorância ou limitação não permitiram o acesso à informação. Somente assim passa a ser considerada adequada a informação, que tem por objetivo esclarecer o modo de uso ou forma de consumo desse produto ou serviço, como ressalta (apud DENARI, 2007, p.177).

“A ONU – Organização das Nações Unidas tem recomendado a utilização dos símbolos para veicular as informações ao consumidor. Diversamente do que ocorre com os signos (sons lingüísticos ou não, sinais gráficos, gestual), a representação retratada nos símbolos não é arbitrária, pois substitui num determinado contexto de realidades complexas. O desenho de caveira utilizado nos frascos de medicamentos, ou para ter acessos a sítios perigosos ilustra o espírito dessa recomendação”.

No mesmo sentido Marcelo Kokke Gomes se posiciona:

“Não obstante, estes bens dos quais emergem riscos ao utente devem conter informações suficientes para reduzir o risco de sua utilização. As informações necessitam ser claras e suficientes, de modo a resguardar o consumidor do possível dano”. (GOMES, 2001, p 172).

É notório que a clareza das informações constitui um pilar fundamental para evitar danos aos consumidores, para que assim os produtos ou serviços que apresentem essas características possam ser manuseados com total segurança. Assim também complementa Marcelo Kokke Gomes, na medida em que difere o grau de nocividade e periculosidade dos produtos:

“Quanto maior a periculosidade ou nocividade, maior a obrigação do fornecedor de informar de maneira ostensiva e adequada sobre a utilização do bem, sua conservação, acondicionamento e mesmo sua destruição ou eliminação.

As informações devem corresponder ao produto especificamente, variando segundo os casos concretos e o tipo de consumidor a que se destinam.” (GOMES, 2001, p 173).

Já no artigo 10, o CDC busca a proibição da entrada, no mercado, de produtos ou serviços com alto grau de nocividade ou periculosidade. Mas, nesse sentido, há uma grande crítica por parte da doutrina, uma vez que a redação do mencionado artigo não é claro sobre o que consideraria alto grau de nocividade ou periculosidade, como descreve Zelmo Denari:

“Resta saber quando é que o produto ou serviço apresenta alto grau de nocividade ou periculosidade. A palavra alta é vaga, mais precisamente, possui um significado vago, situando-se, em termos de linguagem, na zona de penumbra das referências semânticas, sede dos signos imprecisos”. (DENARI, 2007, 9° Ed, p 179). 

Assim, no dizer desse ilustre doutrinador, percebe-se que ele quis afirmar que falta uma sintonia, uma vez que essas normas, nos termos do parágrafo 1° do art. 55 da Constituição Federal competem à União, aos Estados, ao DF e aos unicípios, dentro das respectivas atuações territoriais, o dever de fiscalizar e controlar os produtos e serviços colocados no mercado, criando as normas necessárias. Essas normas devem ser editadas por leis ordinárias, e de competência concorrente à União e aos Estados nos termos dos parágrafos 1°e 2° do artigo 24 da Constituição Federal.

Veja-se a análise do referido artigo 10 do CDC:

“Art. 10 – O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

§ 1º – O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.

§ 2º – Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, à expensas do fornecedor do produto ou serviço.

§ 3º – Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito.”

O artigo, em referência, demonstra que o fornecedor, ao colocar no mercado os produtos que apresentam alto grau de nocividade e periculosidade, com conhecimento dos fatos que, na época da inserção dos mesmos não havia, deve ter o dever de alertar os consumidores, através de anúncios publicitários, bem como deverá informar às autoridades competentes, sendo esses anúncios de inteira responsabilidade do fornecedor.

3. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO OU SERVIÇO.

3.1 Conceito

A responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, conhecido também como acidente de consumo, está prevista no CDC no capitulo IV, seção II, nos artigos 12 a 17.

O fato do produto ou serviço tem como significado dano ou potencialidade de causar um acidente ao consumidor, uma vez que esse produto ou serviço veio a provocar ou poderia ter provocado sérias lesões àqueles que o utilizavam. 

“A responsabilidade pelo fato do produto ou serviço decorre da exteriorização de um vício de qualidade, vale dizer, de um defeito capaz de frustrar a legítima expectativa do consumidor quanto a sua utilização ou fruição.” (DENARI, 2007, 9°. Ed, p. 183).   

Nesse momento, para um melhor entendimento, aproveita-se um exemplo dado por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho:

“Imagine, portanto que Caio comprou um carro ou um aparelho de TV. Ao ligar o equipamento, desencadeiam-se uma série de explosões, causadoras de queimaduras no consumidor”. (GAGLIANO E PAMPLONA, 2008, p 263).

É comum alguns doutrinadores classificarem o fato do produto ou serviço como defeito de segurança ou acidente de consumo, uma vez que esse defeito, na maioria das vezes, ocorrido pela falta de segurança é tão grave que causa ao consumidor sério dano material ou moral.

Mas o que se tem em mente é que o fato do produto ou serviço sempre virá de um acontecimento externo em que o fato gerador será decorrente de um defeito do produto, vindo a atingir a integridade física ou psicológica do consumidor, o seu patrimônio ou de terceiros.

Diante disso, não se pode deixar de mencionar o que Sérgio Cavalieri Filho descreve como sendo as principais causas de acidente de consumo:

“O fornecimento de produtos e serviços nocivos à saúde ou comprometedores da segurança do consumidor é responsável pela grande maioria dos acidentes de consumo. Ora é um defeito de fabricação ou montagem de uma máquina de lavar, numa televisão, ou em qualquer outro aparelho eletrodoméstico, que provoca incêndio e destrói a casa; ora uma deficiência no sistema de freio do veiculo que causa um acidente com graves conseqüências; ora, ainda, é um erro na formulação de medicamento ou substância alimentícia que causa dano à saúde do consumidor, como câncer, aborto, esterilidade etc”. (CAVALIERI FILHO, 2012, P 519).   

3.2 Os responsáveis

Diante da situação narrada no exemplo vivido por Caio, tem-se um caso típico de responsabilidade civil pelo fato do produto, em que se observa que as referidas explosões provocaram ou poderiam ter provocado lesões em Caio. Mas, nesse momento, depara-se com a seguinte questão: quem deve reparar o possível dano causado a Caio? Diante desse questionamento, torna-se crucial fazer uma leitura do artigo 12 do CDC, que dispõe exatamente sobre isso:

“ART. 12 – O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.”

§ 1°. O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera. Levando- se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I.  Sua apresentação;

II. O uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III. A época em que foi colocado em circulação.

§ 2°. O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.

§ 3°. O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I.Que não colocou o produto no mercado;

II. Que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III.A culpa exclusiva do consumidor ou terceiro”.

Tem-se, ainda, que observar que o artigo em menção cita o fornecedor na pretensão de abranger todos aqueles que, de alguma forma, fazem parte do ciclo produtivo-distributivo. Responsabilizando diretamente o fabricante, o produtor, o construtor, bem como o importador, verifica-se que, nesse primeiro momento, a figura do comerciante não é mencionada. A figura do comerciante será tratada em tópico especifico mais adiante.  

Doutrinariamente, os fornecedores estão definidos em três categorias, sendo considerado como fornecedor real o fabricante, o produtor e o construtor; como fornecedor presumido, o importador de produto industrializado ou in natura; e como fornecedor aparente aquele que lança a sua marca no produto final.  

Faz-se importante mencionar que, por fabricante, entende-se aquele que fabrica o produto e o coloca no mercado de consumo, e ainda também, o mero montador e o fabricante de peças que serão destinadas ao produto final.  

Ao imputar a responsabilidade a todos elencados no artigo 12, em que todos respondem independentemente de culpa, vê-se, claramente, a adoção da responsabilidade objetiva pelo CDC. Entretanto não afastando elementos subjetivos na aferição da responsabilidade, sendo por esse motivo que o dispositivo alude os danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto e fabricação. Para uma melhor compreensão, cita-se um exemplo trazido por Zelmo Denari:

“Um acidente de trânsito que da ordem civil, é apurado mediante constatação dos danos (as avarias sofridas pelo veículo) e da conduta culposa do motorista também pode ser apurado como acidente de consumo, se ficar demonstrado que os danos decorrem de um defeito no sistema de freios do veículo (defeito intrínseco, previsto no artigo 12) ou da deficiência de sinalização do trânsito (defeito extrínseco, previsto também no artigo 12 in fine). Nesta última hipótese não se cogita da investigação da culpa, pois a responsabilidade deriva do fato do produto”. (DENARI,2007, 9°. Ed, p 191).

3.3 Dos defeitos elencados no artigo 12 do CDC.

Uma vez que a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço está diretamente ligada à ocorrência de defeitos que venham a ocasionar danos aos consumidores, conduz-se a uma perspectiva de reparação a esses danos. Mas qual seriam as hipóteses que gerariam essa obrigação de indenizar?

O artigo 12 descreve como sendo defeitos, aqueles que decorrem de projeto, de fabricação, de construção, de montagem, de fórmula, de manipulações, de apresentação ou de acondicionamento. João Batista de Almeida descreve esses defeitos em sua obra Manual de Direito do Consumidor, separando-os em três grupos.

“São elencados em três grandes modalidades os defeitos que geram a responsabilização do fornecedor:

 A) defeitos de fabricação – aqueles que decorrem de fabricação, produção, montagem, manipulação, construção ou acondicionamento dos produtos;

B) defeitos de concepção – os projetos ou fórmula;

C) defeitos de comercialização – por insuficiência ou inadequação de informações sobre sua utilização e riscos (CDC art. 12).

Os primeiros (A e B) são intrínsecos e o último (C) extrínseco”. (ALMEIDA, 2010, p 92). 

Portanto fica evidente que, quando se busca uma conceituação de defeito, compreende-se que é a anomalia que faz por comprometer a segurança que se espera de um produto ou serviço, o qual pode vir a gerar danos físicos ou patrimoniais aos consumidores.

Essa conceituação de defeito está em consonância com a opinião de Zelmo Denari, uma vez que esse legislador faz referência a defeitos de projetos, construção, fabricação, tratados no caput do artigo 12. Nesse artigo, há referência aos cuidados que todos aqueles envolvidos no ciclo produtivo devem ter com as normas técnicas, com os procedimentos e com as matérias-primas a serem utilizados na elaboração de um produto. Além disso, esses produtos devem ser produzidos visando sempre a atender os padrões mais consagrados de qualidade e segurança, para que possibilitem aos consumidores a aquisição destes que, em hipótese alguma, venham a oferecer riscos. 

O dispositivo alude a defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento dos seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

A preocupação do legislador – como se constata – foi em atrair para o campo incidental da norma, todas as técnicas de elaboração dos produtos, bem como toda a gama de procedimentos utilizados com vistas àquele objetivo”. (DENARI, 2007, p 191).

Esses defeitos podem ocorrer em qualquer fase da elaboração de um produto. Na maioria das vezes, ocorrem apenas em alguns lotes de produtos devido a uma falha em determinado momento da produção. Na prática, o que ocorre após a constatação da existência de uma falha, são diversas mensagens através de canais comunicação que visam a buscar o recolhimento desses produtos defeituosos através do conhecido recall (mecanismo utilizado para reparar defeitos, que se faz de suma importância para que não ocorram possíveis acidentes de consumo) . Vale ressaltar que essas falhas nos sistemas de produção fazem parte do chamado risco do negócio, e mesmo com todas as tecnologias disponíveis atualmente são inevitáveis.  

Assim como acontece nos meios tecnológicos, muitas vezes, uma simples falha na informação prestada ao consumidor sobre qual a real utilização daquele produto acaba por provocar um acidente de consumo. Essas falhas de informação são denominadas, pela doutrina, como defeitos extrínsecos.

 Essa falta de informação, bem como a alta tecnologia cada vez mais presente nos produtos aliada à falta de instrução e à baixa escolaridade da maioria da população, faz-se como “um cordel detonante” para a possibilidade de um acidente de consumo.  

Zelmo Denari menciona, de forma excepcional, acerca das novas tendências de áreas de livre comércio como devem constar as informações nesses produtos provenientes de outros países.

“Na atual conjuntura econômica, tendo em vista a liberação das importações e a abertura de livre comércio, por meio do Mercosul, os importadores deverão traduzir para o vernáculo as informações e instruções  constantes dos produtos importados – pelo menos aquelas relativas a sua utilização e respectivos cuidados – sobre pena de serem responsabilizados por eventuais danos nos termos do dispositivo comentado”. (DENARI, 2007, P 193). 

Nos termos do CDC, “o produto é considerado defeituoso quando não consegue oferecer a segurança que dele legitimamente se espera”. Então, o que acontece quando o consumidor compra um produto, e logo em seguida surge uma versão mais moderna desse mesmo produto com notória melhoria? O produto comprado anteriormente passa a ser considerado defeituoso? A resposta para esses questionamentos está prevista no parágrafo segundo do artigo 12, o qual, em seu texto, deixa bem explicado que, pelo simples fato de terem surgido no mercado produtos que apresentem melhor qualidade não faz daquele que surgiu anteriormente defeituoso.

3.4 Excludentes de responsabilidade daqueles que figuram como responsáveis segundo o artigo 12 do CDC.

Após análise do que foi apresentado acerca do artigo 12, surge mais um questionamento: Aqueles que estão elencados no artigo 12 serão sempre responsáveis por qualquer evento que o produto apresente e que venha a gerar dano ao consumidor?

A resposta para esse questionamento faz-se com a observação do parágrafo 3° do artigo 12 do CDC, que, em seu texto, elenca as hipóteses legais que isentam o fabricante, construtor, produtor ou importador de responsabilidade. Segundo o dispositivo legal referido, especificamente em seu inciso I, não serão esses fornecedores  responsabilizados quando conseguirem provar que não introduziram o produto no mercado de consumo, o que se dá nas hipóteses em que um produto é furtado ou roubado do fornecedor, e este é inserido no mercado por um terceiro. 

Outra hipótese é a prevista no inciso II, em que, embora o produto tenha sido colocado no mercado de consumo pelo próprio fornecedor, este consegue provar que o defeito não existia, descaracterizando a relação entre o defeito do produto ou serviço com o evento que gerou o dano; ou seja, deve existir o defeito, pois é ele que define o pressuposto da responsabilidade proveniente de danos nas relações de consumo. 

Por fim, é também hipótese de exclusão quando o fornecedor provar que a ocorrência do evento danoso deu-se única e exclusivamente por conta do consumidor, caracterizando-se a hipótese de culpa exclusiva da vitima ou de terceiros. Como já dito acima, o ônus da prova, nessas hipóteses, é exclusiva do fornecedor.

3.5 Da responsabilidade civil do comerciante.

Nessa parte, será abordada a figura do comerciante e qual seria a sua responsabilidade quando surgisse um acidente de consumo. No entanto, para isso, deve-se atentar para o que prevê o artigo 13 do CDC.

Art.13 – O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior quando:

 I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis.”

Feita uma atenta leitura, nota-se que a responsabilidade do comerciante é subsidiária, uma vez que este somente responderá pelo evento nos casos que descreve o referido artigo.

Assim, o comerciante só responderá se o consumidor ou o próprio comerciante não conseguir identificar o construtor, o produtor ou o importador para que estes respondam pelos danos provocados.

Para melhor compreensão, imagina-se o seguinte caso: Paulo, um comerciante de produtos eletrônicos, atraído pela ótima margem de lucro, compra diversos aparelhos celulares da marca X que era, até então, uma marca desconhecida no mercado e não produzida no Brasil. Paulo, então, insere os referidos aparelhos no mercado de consumo, e esses aparelhos, ao serem carregados, explodem causando queimaduras em diversos consumidores. Esses consumidores, em busca de serem reparados pelos danos sofridos, descobrem que se trata de uma fraude, e que os aparelhos entraram ilegalmente no Brasil, não tendo, assim, como identificar o fabricante, o construtor, o produtor e, muito menos, o importador que vendeu os aparelhos para Paulo.

Nesse caso, ficariam os consumidores sem o ressarcimento pelo dano sofrido? Não, diante dos fatos narrados nesse caso hipotético, Paulo é responsável pelos diversos acidentes de consumo que os aparelhos provocaram, devendo reparar todos os danos provocados.  

Outra hipótese a que o comerciante responde diretamente é nos casos em que o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; ou ainda nos casos em que o comerciante não tenha armazenado, de forma adequada, produtos perecíveis.

Cavalieri Filho menciona acerca da responsabilidade do comerciante brilhantemente nos seguintes termos:

“Convém ressaltar que a inclusão do comerciante como responsável subsidiário foi para favorecer e reforçar a posição do consumidor, não para enfraquecê-lo. Importa dizer que a inclusão do comerciante não exclui o fornecedor; mas aumenta a cadeia de coobrigados, não a diminui. Mesmo no caso de produto impróprio, por sua má conservação entendemos, com a vênia dos respeitáveis entendimentos em contrário, que o fabricante ou produtor não fica excluído de indenizar”. (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 525).         

Deve-se salientar que, no acidente de consumo, aqueles elencados no artigo 12 do CDC têm direito de regresso uns contra os outros, quando identificados quem foi realmente que deu causa ao evento danoso. No caso do comerciante uma vez que este efetue o pagamento pelo dano sofrido, poderá também exercer direito de regresso contra os mesmos, como prevê o parágrafo único do artigo 13 do CDC.

“Art. 13. Parágrafo único – Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação no evento danoso”.

3.6 Da responsabilidade civil do fornecedor de serviço.

Para que se possa identificar a responsabilidade do fornecedor de serviço, atenta-se para a leitura do caput do artigo 14 do CDC, que dispõe:

“Art. 14. – O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pela reparação aos danos causados aos consumidores por defeitos relativos á prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

Nota-se que, assim como aqueles elencados no artigo 12 do CDC, os fornecedores de serviços respondem pelos danos que porventura os seus serviços vierem a causar, independentemente de culpa. No entanto percebe-se que o artigo menciona apenas a figura do fornecedor de serviço. Isso ocorre tendo em vista que o fornecedor de serviço é aquela pessoa física ou jurídica que presta o serviço diretamente. Sobre o assunto, cita Antônio Herman V. Benjamin:

“Observa-se que o dever de indenizar estatuído pelo Código é integral. Logo, as hipóteses de responsabilidade civil tarifadas, em sede de acidente de consumo ou não, previstas para certos serviços (o transporte aéreo, por exemplo), queda-se totalmente afastadas pelo novo texto, exceto quando se esteja diante de pura relação jurídica comercial.” (BENJAMIN, 2007, p. 136)

O parágrafo primeiro do artigo 14 do CDC faz a descrição de quando um serviço é considerado defeituoso. Esse produto enquadra-se como defeituoso quando não tem a capacidade de fornecer a segurança que o consumidor espera. É ainda defeituoso quando não apresenta considerações relevantes quanto ao modo como o serviço é fornecido; os resultados e riscos que dele se espera e a época do seu fornecimento. Na visão de Antônio Benjamin Herman, acerca do parágrafo primeiro do artigo 14 do CDC é a seguinte:

O defeito do serviço pode ser de prestação, de concepção ou de comercialização.

O defeito de prestação, que se contrapõe ao defeito de fabricação no caso de produtos, manifesta-se no ato da prestação do serviço. É um desvio de um padrão de qualidade fixado antecipadamente. Em tudo o mais segue as características do defeito de fabricação.

O defeito de concepção surge na própria formulação do serviço, na escolha dos seus métodos e ma fixação de seu conteúdo. É semelhante aos defeitos de concepção de produtos.

O defeito de comercialização nos serviços, finalmente, decorre de “informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e risco.” A ele se aplica o já dito sobre os defeitos de comercialização de produtos”. (BENJAMIN, 2007, p. 136).

Assim, como nos casos da fabricação de produtos, em que o surgimento de outro mais moderno não faz com que o produto anterior seja considerado defeituoso; bem como no caso de aparecimento de técnica mais moderna para realização de um mesmo serviço não faz com que o serviço prestado anteriormente seja considerado defeituoso, como prevê o parágrafo segundo do artigo 14 do CDC.

Vale destacar, também, que a responsabilidade dos profissionais liberais por acidente de consumo, como prevê o parágrafo 4° do artigo 14 do CDC, é apurada mediante a verificação da sua culpa.

Em um primeiro momento, pode parecer um retrocesso essa forma de apurar a responsabilidade dos profissionais liberais, uma vez que, na responsabilidade civil objetiva, a responsabilidade existe independentemente de culpa. Mas, após a leitura da explicação de Antônio Herman V. Benjamin, percebe-se que este é um caso de exceção:

“O código, em todo o seu sistema, prevê uma única exceção ao princípio da responsabilização objetiva para os acidentes de consumo: os serviços prestados por profissionais liberais. Não se introduz sua irresponsabilidade, limitando-se o dispositivo legal a afirmar que a apuração da responsabilidade far-se-á com base no sistema tradicional baseado na culpa. Só nisso são eles beneficiados. No mais, submetem-se, integralmente, ao traçado do Código”. (BENJAMIN, 2007, p 137). 

As excludentes de responsabilidade dos fornecedores de serviços têm o mesmo sentido das excludentes dos fornecedores de produtos. Todavia, nos casos de fornecimento de serviços, esta se apresenta em duas formas. A primeira delas é a inexistência do defeito no serviço; e a segunda na culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Nota-se que o dispositivo legal (art. 14 Parágrafo 3° do CDC) também conota o termo “quando provar”, para que se possa ocorrer à excludente.

Outra diferença é que, no caso de fornecimento de serviço, ao contrário do fornecimento de produtos, existe a presença do caso fortuito e da força maior como causa de exoneração da responsabilidade civil. Veja-se, então, o que está previsto no parágrafo terceiro do artigo 14 do CDC.

“Art.14. parágrafo 3°. – O fornecedor de serviço só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço o defeito inexiste.

II – a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

4. RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO OU SERVIÇO.

4.1 Conceito.

A partir desse capítulo, será tratada a responsabilidade civil pelo vício do produto ou serviço, disposto na seção III do capitulo IV do CDC.

Essa forma de responsabilidade ocorre quando um produto ou serviço apresenta uma anomalia que afeta a sua funcionalidade ou mesmo o seu valor econômico. Esse modelo de responsabilidade tutela a esfera econômica do consumidor. O doutrinador João Batista de Almeida conceitua a responsabilidade por vício do produto ou serviço da seguinte forma:

“Aquela atribuída ao fornecedor por anormalidades que, sem causarem riscos à saúde, à segurança do consumidor, afetam a funcionalidade do produto ou serviço nos aspectos qualidade e quantidade, tornando-os impróprios ou inadequados ao consumo ou lhes diminuindo o valor, bem como aquelas decorrentes da divergência do conteúdo com as indicações constantes no recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária”. (ALMEIDA, 2010, p.95). 

Faz-se importante mencionar uma observação feita pelos doutrinadores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho acerca da maior abrangência no sistema reparatório adotado pelo CDC em relação ao que foi adotado pelo Código Civil. Isso porque o CDC não faz distinção de vícios ocultos e de vícios aparentes.

“Vale lembrar, ainda, que o sistema reparatório inaugurado pela Lei do Consumidor é mais abrangente do que o consagrado pelo Código Civil, não distinguindo, ademais, os vícios ocultos (redibitórios) dos aparentes, para efeito de proteção do consumidor.” (STOLZE E PAMPLONA, 2008, p.273).

Assim, o entendimento é de que o vício do produto ou serviço é um acontecimento que, de alguma forma, venha frustrar o que o consumidor esperava desse produto, devido ao não funcionamento adequado ou a insuficiência na sua quantidade, gerando prejuízo financeiro ao consumidor e se tornando impróprio ou inadequado ao consumo.

Nessa seção, no artigo 18 (que trata do vicio do produto) e no artigo 20 (que trata do vicio do serviço), não se vê nenhuma menção à expressão ‘independentemente de culpa’. No entanto, observa Sergio Cavalieri Filho que, ainda sim, nos casos de vício de produto ou serviço, trata-se da adoção de responsabilidade objetiva.

“Conquanto a lei não tenha repetido nos artigos 18 e 20 a locução independentemente da existência de culpa, inseridas nos artigos 12 e 14, não há dúvida de que se trata de responsabilidade objetiva. Tendo em vista que o texto dos citados artigos 18 e 20 não fazem referência à culpa (negligencia ou imprudência), necessária para a caracterização da responsabilidade subjetiva.” (CAVALIERI FILHO, 2012, p.544).  

4.2 Dos responsáveis quando surge um vício do produto (Art. 18 do CDC).   

Uma vez conceituado o vicio do produto ou serviço, o que se deve pensar agora é quando houver uma ocorrência desses vícios, quem são os responsáveis? Essa questão torna-se clara após se fazer uma atenta leitura do caput do artigo 18 do CDC, que dispõe sobre o assunto da seguinte forma:

“ART.18 – os fornecedores de produtos de consumo duráveis e não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminua o valor, assim como aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária respeitada às variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.”

Assim, observa-se, nos termos do artigo em questão, que, ao surgir um vicio no produto, figuram no pólo passivo dessa responsabilização todas as espécies de fornecedores de produtos duráveis (aqueles que por sua estrutura têm durabilidade longa) e não duráveis (aqueles mais fáceis de perecimento). Esse vício no produto consiste uma responsabilidade solidaria por parte do fornecedor, ou seja, o consumidor pode buscar o seu ressarcimento demandando contra todos ou contra qualquer um do ciclo produtivo-distributivo, ficando à escolha do consumidor.

Zelmo Denari dispõe sobre o assunto da seguinte forma:

“Prevalecem, in casu, as regras da solidariedade passiva, e, por isso, a escolha não induz concentração do débito: se o escolhido não ressarcir integralmente os danos, o consumidor poderá voltar-se contra os demais conjunta ou isoladamente. Por um critério de comodidade e conveniência o consumidor, certamente, dirigirá sua pretensão contra o fornecedor imediato, quer se trate de industrial, produtor, comerciante ou simples prestador de serviço”. (DENARI, 2007, p.215). 

Os vícios elencados no artigo 18 caput do CDC podem ser aparentes, (aqueles de fácil identificação), ou podem ser vícios ocultos (com uma maior complexidade para sua identificação). Essas avarias é que fazem com que esses produtos venham a se tornar impróprio ou inadequado ao consumo e, consequentemente, diminua o seu valor, causando, assim, prejuízos aos consumidores.

Esses vícios, muitas vezes, podem ocorrer na seguinte hipótese: uma embalagem de uma determinada marca Y de um detergente apresenta, em seu rótulo, a informação que contém como quantidade 350 ml de detergente, mas, na verdade, a embalagem contém apenas 200 ml do produto; ou ainda pode ocorrer, por força de uma campanha publicitária, que leve uma informação errada ao consumidor sobre um produto.

Mas o artigo 18 caput do CDC faz uma ressalva acerca das variações decorrentes da própria natureza do produto, já que o consumidor pode exigir que as partes que apresentem vícios sejam substituídas.

No parágrafo primeiro do mesmo dispositivo, o legislador concede ao fornecedor a oportunidade de reparação do vício através da garantia. Esta não pode ultrapassar o prazo de 30 dias, sem resolução definitiva do defeito apresentado.

Assim faz-se importante a observação de Zelmo Denari:

“E bom frisar, que nesse tópico, o código concedeu ao fornecedor de bens o direito de proceder ao saneamento de vícios capazes de afetar a qualidade do produto, no prazo de trinta dias, contados da sua aquisição. Esse prazo legal de garantia de saneamento, no entanto, somente deve ser observado em se tratando de produtos industrializados agregados, vale dizer que permitam a dissociação dos seus componentes, como eletrodoméstico, veículos de transporte, computadores, armários de cozinha, copa ou dormitório. Se os mesmos vícios afetarem os produtos industrializados essências, que não permitem a dissociação dos seus elementos – v.g., vestimentas, calçados, utensílios domésticos, medicamentos, bebidas do gênero -, não se oferece a oportunidade de saneamento”. (DENARI, 2007, p.216). 

Uma vez que o vício não venha a ser sanado no prazo de 30 dias, o consumidor passa a ter a prerrogativa de exigir, à sua escolha, uma das opções elencadas no parágrafo primeiro do artigo 18 do CDC. Com a atenta leitura do artigo em comento, percebe-se que a ideia do legislador não é a de conferir ao consumidor o direito de troca imediata do produto, e sim apenas nos casos em que o vício não seja sanado.

“Parágrafo 1°. Não sendo o vicio no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir alternativamente e à sua escolha:

 I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III – o abatimento proporcional do preço.”

Todavia esse prazo de trinta dias estabelecido no parágrafo primeiro do artigo 18, poderá ser objeto de convenção entre as partes, conforme disposto no parágrafo segundo do artigo em comento, não podendo ser o mesmo inferior a sete dias e nem ultrapassar cento e oitenta dias. No entanto esse prazo não poderá ser convencionado quando se tratar de produtos considerados como essências, ou que a substituição das partes viciadas comprometa a qualidade ou a característica, prejudicando, assim, o seu valor econômico, como dispõe o parágrafo terceiro do mesmo artigo.

Quanto a esse artigo, faz-se notória uma critica feita por Claudia Lima Marques, que o comenta da seguinte forma:

“É evidente que se trata de disposição, no mínimo, estranha, vez que incongruente em relação à própria concepção protetiva do CDC. As críticas doutrinárias se formam inevitáveis, ora exigindo interpretação absolutamente restritiva, ora sustentando tratar-se de prazo que pode ser elidido por vontade do consumidor.” (MARQUES, 2007, p.153).      

O prazo de trinta dias não incidirá quando se tratar de vícios que advenham de disparidade com a oferta, publicidade ou ainda nos casos de vício de quantidade como também menciona Claudia Lima Marques:

“Inicialmente, recorda-se que, além das primeiras hipóteses previstas no § 3° do art.18, de afastamento do prazo, há duas outras. A primeira é quando se trata de vício decorrente de disparidade com a oferta. O consumidor pode principalmente com fundamento no art. 35 do CDC, exigir o cumprimento imediato da oferta, produto equivalente, resolução do contrato e devolução dos valores pagos. A segunda hipótese refere-se ao vício de quantidade, vez que o art. 19 não faz remissão ou qualquer referência ao prazo de 30 dias, previsto no § 1° do art. 18”. (MARQUES, 2007, p.154).

Essa possibilidade de correção no prazo de trinta dias só favorece o fornecedor apenas uma única vez, pois, se depois de sanado o vício, este venha a ressurgir, poderá o consumidor exigir, imediatamente, os seus direitos previstos no parágrafo primeiro do artigo 18 do CDC.

Imagine que, em um caso hipotético, um consumidor tenha comprado um aparelho de DVD da marca X, e, por sua vez, o comerciante já não dispõe mais do produto em seu estoque. Assim, poderá o consumidor apenas demandar somente diretamente contra o fabricante do produto? Não, nesses casos, será aplicado o que está disposto no parágrafo quarto do artigo 18 do CDC, que permite ao consumidor optar pela substituição do produto por outro da mesma espécie em perfeitas condições de uso.

Da mesma forma, se, por algum motivo, for impossível a possibilidade dessa substituição, o produto defeituoso deverá ser substituído por outro de qualquer outra marca, modelo e espécie distinta, mediante o pagamento da diferença se mais caro; ou devolução da diferença se esse vier a ser mais barato.

Essas disposições não impedirão que o consumidor ainda faça a opção pela restituição imediata da quantia paga, ou mesmo o abatimento proporcional no preço.

Em se tratando de produto in natura (são aqueles agrícolas ou pastoris que não sofreram intervenção industrial na sua composição), quem responde diretamente pelos vícios de qualidade desses produtos é o fornecedor imediato. Sua responsabilidade imediata só fica excluída apenas quando se consegue identificar, de forma clara, quem é o seu produtor. Observa Zelmo Denari, em relação aos produtos in natura:

“Nessa hipótese, além de ser difícil ou impossível a identificação do produtor, corre risco de se deteriorar nas prateleiras do comerciante. Por essa razão é que a responsabilidade por eventuais vícios de qualidade foi atribuída exclusivamente ao fornecedor imediato.

O dispositivo ressalva, in fine, a responsabilidade do produtor, rectius produtor rural, quando ele puder ser identificado, mas essa ressalva só prevalece quando o fornecedor imediato demonstrar que o produtor é que deu causa ao perecimento do produto”. (DENARI, 2007, p.219). 

Na ótica do parágrafo sexto do artigo 18 do CDC, um produto torna-se impróprio para o uso ou para o consumo, quando ele se apresenta fora das suas características habituais ou fora dos padrões de qualidade. Assim, com a leitura do referido parágrafo, pode ser demonstrada claramente quais são essas peculiaridades que os tornam impróprios.

“Parágrafo 6° do art. 18 CDC – São impróprios ao consumo e uso:

 I – os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;

II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

 III – os produtos que por, qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.”

4.3 Da responsabilidade pelos vícios de quantidade do produto. 

Lembrando-se do exemplo dado no tópico anterior sobre o detergente da marca Y, que apresentava, em seu rótulo, uma divergência entre a quantidade de produto constante na informação do rótulo e o que realmente o produto continha, é pertinente perguntar: “Quem são os responsáveis por esse vício do produto?”

 A previsão legal que responde a essa questão está contida no caput do artigo 19 do CDC. Assim como acontece nos casos de vício de qualidade, quando surge um vício de quantidade, todos os fornecedores respondem solidariamente pelo evento.

No caput do artigo 19 do CDC, pode-se observar a seguinte expressão, “sempre que respeitada as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente”. Sobre essa expressão, Zelmo Denari faz a seguinte crítica ao legislador:

“O artigo 19 restringe, inaceitavelmente, o conceito de vício de quantidade ao referi-lo somente as disparidades do conteúdo líquido dos produtos colocados no mercado de consumo. Se o consumidor adquire 1000 unidades e recebe somente 800, a relação de consumo estará afetada, da mesma sorte, por vício de quantidade, sem qualquer disparidade de “conteúdo líquido”. (DENARI, 2007, p. 220).

Nos casos de vício de quantidade, o CDC coloca à disposição do consumidor quatro alternativas para que sejam sanados esses vícios. A primeira delas é um abatimento proporcional no valor do preço do produto; a segunda é que seja complementado o peso ou medida que deveria estar no produto; a terceira é a substituição do produto por outro do mesmo que não contenha o vício; e a quarta alternativa trata-se da devolução imediata do valor pago pelo produto, podendo, ainda, o consumidor exigir perdas e danos.

Nos casos de vício de quantidade, aplica-se também o disposto no parágrafo quarto do artigo 18 do CDC. Esse artigo prevê que o consumidor pode optar por um produto da mesma espécie, ou de marca diferente complementando ou não a diferença do valor. Caso não seja possível essa substituição, tal opção não obsta o direito do consumidor de ainda vir a exigir a restituição do valor pago, além das eventuais perdas e danos, ou ainda um abatimento proporcional ao preço.

E, por fim, esse dispositivo legal aborda, em seu parágrafo segundo, que a responsabilidade passa a ser exclusiva do comerciante naqueles casos em que venham a ser realizadas medição ou pesagem de seus produtos. Além disso, prevê que os aparelhos para a realização dessas pesagens ou medidas estejam de acordo com as normas regulamentares.

4.4 Da responsabilidade do fornecedor de serviço.   

O artigo 20 do CDC disciplina sobre a responsabilidade dos fornecedores de serviço sobre dois aspectos. O primeiro deles gera a responsabilidade do fornecedor de serviço quando os danos causados são decorrentes de vícios de qualidade que torne o seu serviço impróprio para o consumo; ou que, por ventura, venha diminuir o seu valor econômico.

Já, no segundo caso, a responsabilidade do fornecedor de serviço é apurada com a disparidade entre as indicações de ofertas ou mensagens publicitárias e o serviço efetivamente prestado. Nessa segunda forma de apuração da responsabilidade do fornecedor, Zelmo Denari faz uma importante observação:

“Nos termos do art. 20, o serviço prestado também é defeituoso quando houver disparidade com as indicações constantes de oferta ou mensagem publicitária. Ainda que sem denominá-los, o dispositivo alude aos vícios de quantidade dos serviços prestados. Assim, se uma escola oferece um curso com determinado conteúdo programático, o descumprimento do programa autoriza o aluno a pleitear a completitude da matéria, o que significa a reexecução dos serviços educativos prestados”. (DENARI, 2007, p.222).

Nos casos de vício do serviço, fica facultado ao consumidor escolher alternativamente pela re-execução do serviço, quando for cabível, sem ter o mesmo que arcar com nenhuma despesa adicional. Essa re-execução pode ainda ser confiada a terceiro com maior capacidade para prestar o serviço, com custos e riscos para o fornecedor. Sobre essa re-execução a ser feita por terceiros, Sergio Cavalieri Filho faz importante observação:

“A reexecução dos serviços por terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor, é outra medida permitida pelo parágrafo primeiro do mesmo artigo, media esta que tem se revelado eficiente em inúmeros casos em que a capacidade técnica do fornecedor revelou-se insatisfatória. Seria pura perda de tempo exigir a reexecução do serviço pelo fornecedor se já ficou evidenciado não ter ele capacidade técnica para executá-lo de modo adequado”. (CAVALIERI FILHO, 2012, p.551). 

A responsabilidade dos fornecedores de serviços é também solidária, mas o interessante a ressaltar é que não se vê essa expressão descrita no artigo 20. Todavia deve-se fazer interpretação do que diz o artigo terceiro do CDC em que o termo fornecedor abrange todos aqueles que se prestam a desenvolver uma atividade no mercado de consumo. Assim, pode o consumidor, ao contratar um serviço, acionar qualquer um daqueles que estejam envolvidos na sua execução. Para um melhor entendimento, faça-se uma leitura do artigo terceiro do CDC:

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividades de produção, montagens, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

4.5  Dos serviços que visem à reparação de um vício.

No artigo 21 do CDC, está previsto que, quando o objeto da prestação de serviço for a reparação de um vício, aquele que vier a prestar o serviço tem a obrigação legal de utilizar componentes novos, originais e que atendam as especificações técnicas do fabricante.

Caso esse prestador de serviço resolva, por sua conta, utilizar de componentes que não estejam em consonância com o que está descrito no artigo 21 do CDC, a sua prestação de serviço passa a ser considerada imprópria. Isso só não ocorrerá se, por uma questão de economia, o consumidor vier a autoriza, de forma expressa, a utilização de peças recondicionadas ou fora das especificações do fabricante. Assim, essa hipótese afasta qualquer incidência dessa norma.

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve como objetivo compreender as diferenças técnicas existentes entre os dois modelos de responsabilidade civil objetiva, disciplinados pelo CDC.

Em relação aos itens da pesquisa que tratam da responsabilidade civil, pôde ser percebido claramente que a evolução desta, ao longo da história da conduta humana, faz sair de tempos remotos quando se buscava a reparação ao mal sofrido através da vingança.

Assim, tendo como base diversos conceitos de grandes doutrinadores a respeito do que seria a responsabilidade civil, criou-se um conceito sobre o assunto, que definia a responsabilidade civil como sendo uma obrigação de reparar um dano provocado a outrem, por parte daquele que de alguma forma o provocou.

Estudou-se, também, como era tratada a responsabilidade civil à luz do Código Civil de 1916, com a percepção de que este tinha forte influência do Código Napoleônico. Então, pôde-se constatar que esse código continha poucos dispositivos que tratavam da responsabilidade civil.

Quando houve evolução nos estudos para a abordagem da responsabilidade civil no Novo Código Civil Brasileiro, de 2002, constatou-se que, como regra, esse código mantinha a responsabilidade civil subjetiva; e que, em casos expressamente previstos, este adotava a responsabilidade civil objetiva, como é o caso do seu artigo 927.

Viu-se, ainda, que, enquanto na responsabilidade civil subjetiva faz-se primordial a presença do elemento culpa para que se alcance a obrigação de reparar um dano; na responsabilidade civil objetiva, observa-se que o elemento culpa pode nem mesmo ter existido, ou seja, existe a responsabilidade do agente independentemente de culpa, pois esse modelo baseia-se na teoria do risco.

Demonstrou-se, também em casos concretos, a aplicação dessas duas modalidades de responsabilidade civil objetiva, através do estudo de casos julgados pelo Tribunal de justiça de Minas Gerais.

Começou-se, dessa maneira, a adentrar na seara consumerista, ao tratar-se da responsabilidade civil e o Código de Defesa do Consumidor, em que se verificou que uma das principais inovações trazidas pelo CDC foi a respeito do que ocorria antes da sua entrada em vigor. Isso porque o risco da relação de consumo corria por conta do consumidor; e, depois do advento do CDC, passou-se a ter de forma clara e moderna a responsabilidade civil do fornecedor. Assim, o CDC passou a nortear as relações de consumo entre fornecedor e consumidor.

Avançando na seara consumerista, destacou-se o que pode ser esperado da qualidade de produtos ou serviços, já que o CDC dispõe que, para produtos ou serviços serem inseridos no mercado de consumo, eles não poderão pôr em risco a saúde ou a segurança do consumidor. Ressalvados aqueles que seus riscos são considerados normais em decorrência de característica própria, mas, para esses produtos, o CDC obriga o seu fornecedor a prestar totais informações.

Ressaltou-se, também, a critica de alguns doutrinadores em relação à redação do artigo 10 do CDC, que proíbe a entrada de produtos e serviços com alto grau de nocividade ou periculosidade. Isso porque parte da doutrina alega que o legislador é omisso em não especificar o que seria alto grau de nocividade ou periculosidade. Houve, então, total discordância dessa visão doutrinária, pois entendeu-se que essa especificação não constitui dever do legislador e sim da União, DF, Estados e Municípios como prevê o artigo 55, parágrafo primeiro da Constituição Federal, cabendo às suas agências reguladoras o dever de fiscalizar esses produtos ou serviços.

Prosseguindo com o estudo, tratou-se, a exemplo do CDC, da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço e da responsabilidade pelo vício do produto ou serviço em capítulos distintos. Pôde ser constatado que a falta de domínio sobre os conceitos envolvendo a ‘responsabilidade civil pelo fato do produto’ e a ‘responsabilidade civil pelo vício do produto ou serviço’ interferem, de forma direta, na configuração do dever de indenizar, pois essas espécies de responsabilidade possuem diferenças técnicas e características próprias, bem como aplicabilidade singular.

A primeira característica que distingue esses dois modelos de responsabilidade é o tipo de problema apresentado.

Na responsabilidade pelo fato do produto, que pode também ser chamada de acidente de consumo, o defeito aparece de forma tão grave que provoca um acidente capaz de atingir o consumidor ou terceiros. Isso porque provoca dano material ou moral, relacionado com a segurança que esse produto ou serviço deveria oferecer.

Já na responsabilidade pelo vício do produto ou serviço, o problema não apresenta gravidade em relação a sua segurança, mas interfere diretamente na sua economicidade, sendo chamado vício de adequação, pois prejudicada o seu funcionamento ou valor.

Assim, quando foi dado o exemplo do comerciante Paulo, página 39, considerou-se que os aparelhos explodiram causando risco ao consumidor, houve um fato do produto. Todavia se esse apenas não tivesse funcionado, tratar-se-ia de vício do produto.

Outra diferença técnica é que o fato do produto ou serviço decorre de um defeito que vem a externar-se; enquanto, no vício do produto, o problema é inerente ou intrínseco.

Outra diferença técnica é que, no caso do fato do produto ou serviço, este decorre da sua fabricação, construção, montagem, fórmula, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. Enquanto, no vício do produto ou serviço, os vícios decorrem da falta de qualidade, quantidade, disparidade com indicações contidas nos recipientes, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária.      

Observou-se, também, que, nos casos de responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, o CDC destacou a responsabilidade daqueles que estão no rol do artigo 12 como sendo exclusiva, deixando a figura do comerciante com uma responsabilidade subsidiária. Enquanto, no vício do produto ou serviço, o artigo 18 não descreve cada um da cadeia do ciclo produtivo-distributivo, simplesmente emprega a expressão os fornecedores. Assim, todos os que fazem parte dessa cadeia são responsáveis solidariamente, ou seja, alenca também o comerciante, podendo, dessa forma, o consumidor demandar diretamente contra qualquer um deles.

Nos casos de vício do produto ou serviço, pode o consumidor exigir a substituição do produto ou das partes viciadas por outra, ou mesmo que o serviço seja prestado por outro profissional mais capacitado. Já, nos casos de fato do produto ou serviço, essas alternativas não existem devido a sua gravidade.

E, por fim, nos casos de fato de produto ou serviço, o parágrafo quarto do artigo 14 do CDC prevê que a responsabilidade dos profissionais liberais é apurada mediante a verificação da sua culpa. Já, no vício do produto, inexiste qualquer disposição que trate de apuração da responsabilidade mediante culpa.

Assim, como foi mencionado, se não observadas essas diferenças técnicas, os profissionais do direito incidirão fatalmente em erro quando da análise e aplicabilidade desses modelos de responsabilidade objetiva em um caso concreto, podendo causar prejuízos aos sujeitos da relação de consumo.   

 

Referências bibliográficas.
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Informações Sobre os Autores

Alan de Matos Jorge

Advogado. Mestre em Direito pela Universidade de Itaúna/MG – Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva/MG – Professor de Direito do Consumidor, Direito Processual Civil, Direito Civil e Direito Empresarial em Cursos de Graduação e Pós-graduação no Estado de Minas Gerais – Coordenador do Curso de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC – Unidade Mariana/MG – Professor de Direito do Consumidor, Direito Civil e Direito Empresarial no Curso de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC – Unidade Mariana/MG – Professor de Direito Processual Civil II e III na Universidade Católica de Minas Gerais – PUC MINAS – Núcleo Universitário Betim – Professor Convidado da Universidade Estadual de Montes Claros/MG – UNIMONTES (Pós-Graduação) – Professor de Direito Civil e Direito do Consumidor na Faculdade da Cidade de Santa Luzia/MG – FACSAL. Professor da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG.

Cristiano Maciel Pena

Advogado – Bacharel em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos de Mariana – UNIPAC Mariana


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