Apontamentos sobre a filosofia atrevida de Michel Foucault

Resumo: O objetivo do presente trabalho é lançar um vislumbre sobre a obra e as ideias do filósofo francês Michel Foucault. Embora seja comumente associado às correntes pós-estruturalista e pós-modernista, o autor mantém-se fugaz diante de classificações rigorosas. O que apresenta-se, todavia, como uma constante em sua obra é certa mirada arqueológica acerta de sua elaboração, ou seja, a busca do sentido nas palavras, como pode ser visto de forma especialmente clara em sua obra “As palavras e as coisas”. Fala-se em arqueologia porque Foucault busca de forma arqueológica investigar a formação da episteme ocidental e, deste modo, o próprio nascimento e configuração das ciências humanas. Para o autor, esta arqueologia do saber presta-se, finalmente, à problematização do sujeito moderno, posto que, em seu ponto de vista, as ciências humanas constituem-se na análise histórica do objeto, portanto arqueológica e genealógica.

Palavras-chave: Foucault, arqueologia, genealogia do saber.

Abstract: The aim of this article is to glimpse the works and ideas of french philosopher Michel Foucault. Altough he is frequently associated with post-structuralist and postmodernist lines of thinking, the author remains averse to rigorous classification. What can be seen, however, as constant fator in his body of work, is a certain archaeological look about its elaboration, as the search for meaning in words, as it can be seen with particular clarity in “The Order of Things”. We refer to archaelogy because Foucault looks in na archaelogical fashion to investigate the formation of western epistemology and, this way, the very birth and configuration of humanities. For the author, this archaeology of knowing gears itself, mainly, towards the problematization of the modern subject, considering that, in his point of view, the humanities constitute themselves though the historical analysis of the object, which is, therefore archaelogical and genealogical.

Keywords: Foucault, archaeology, genealogy of knowing.

Filósofo francês (1926-1984), Foucault se propôs a elaborar uma história do pensamento desenvolvida em torno de três eixos fundamentais, quais sejam poder, saber e si. Paul-Michel Foucault nasceu em Poitiers, na França, em 1926, herdeiro de toda uma geração de médicos de sobrenome Foucault, mas se decidiu pelo caminho da filosofia durante a juventude, contrariando a tradição familiar. Assistiu ao contexto do entre-guerras e a eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Em 1946 foi admitido na École Normale Supérieure de Paris, onde conheceu Louis Althusser, Pierre Bourdieu, Jean-Paul Sartre, dentre outros. Foi aluno de Maurice Merleau-Ponty e de Jean Hyppolite. Graduou-se em Filosofia na Sorbonne em 1948 e em Psicologia em 1949, quando também concluiu seus Estudos Superiores de Filosofia, com uma tese sobre Hegel, orientado por Hyppolite.

Em meio a angústias e descaminhos que o levaram a algumas tentativas de suicídio, Foucault aderiu ao Partido Comunista Francês em 1950, do qual se desligou já em 1952, após a morte de Stalin e motivações pessoais, possivelmente em função de desavenças políticas. Sua opção sexual provocou vários conflitos ao longo de sua vida, visto que viveu num contexto que considerava a homosexualidade uma doença ou uma degeneração moral.

Em 1951, tornou-se professor de psicologia na École Normale Supérieure de Paris, onde teve como alunos Derrida e Paul Veyne, por exemplo, bem como trabalhou como psicólogo junto ao Hospital Psiquiátrico de Saint-Anne. Conforme Eizirik (2005:150), essa experiência lhe desafiou a estudar a separação historicamente estabelecida da relação humana com a loucura. No decorrer da década de 1950, prosseguiu com seus estudos na área de psicologia; com efeito, seus primeiros trabalhos, até sua tese “Loucura e desrazão. A história da Loucura na idade clássica (1961), terão fundamentos psicológicos.

Durante a década de 1960, publicou O nascimento da clínica, As palavras e as coisas e Arqueologia do Saber. Em 1970, Foucault foi nomeado para o Collège de France, para ocupar a cadeira de História dos Sistemas de Pensamento, em substituição a seu mestre, Jean Hyppolite, na qual permaneceu até sua morte. Sua aula inaugural foi a famosa A Ordem do discurso.

No decorrer da década de 1970, publicou Eu, Pierre Rivière, que matei minha mãe, minha irmã e meu irmão, Vigiar e Punir, A vontade de saber, primeiro volume de seu mais ambicioso projeto, A história da sexualidade, o qual deixou inacabado. Em 1984, ano de sua morte, publicou outros dois volumes, dos seis anunciados para sua história da sexualidade, O uso dos prazeres e O cuidado de si. Neste mesmo ano, em função de complicadores provocados pela AIDS, Foucault tem septicemia e faleceu, num tempo em que a doença era rapidamente mortal, descoberta apenas dois anos antes.

Esteve na Tunísia, Suécia, Polônia, no Canadá e nos Estados Unidos, também no Japão, na Alemanha e até mesmo no Brasil, buscando “despreender-se de si mesmo”, conforme nos esclarece Eizirik (2005:151). Vindo de uma formação intelectual bastante heteróclita, discutido e estudado por várias áreas do saber, Foucault é um pensador “atrevido” que, preocupado com o presente em que se encontrava inserido, construiu uma forma de pensar que desloca conceitos, territórios e saberes. [1]

A obra de Foucault é comumente dividida em temáticas e períodos, sem no entanto encerrá-los em si mesmos, mas antes considerando suas interconexões e recorrências. Seguimos a divisão apresenta por Marisa Faermann Eizirik, elencando somente as obras mais conhecidas, conforme segue:

“a) Arqueologia, período voltado à articulação dos saberes:

– A História da Loucura na Idade Clássica (1961);

– O nascimento da clínica (1963);

– As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas (1966);

– A arqueologia do saber (1969);

– A ordem do discurso (aula inaugural no Collège de France) (1971);

b) Genealogia, centrado nos dispositivos de poder:

– Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha Irma e meu irmão… um caso de parrícidio no século XIX (1973);

– Vigiar e punir: o nascimento da prisão (1975);

– História da sexualidade I: a vontade de saber (1976);

c) Ética, trata das questões relativas à conduta individual:

– A desordem das famílias (1983);

– História da sexualidade II: o uso dos prazeres (1984);

– História da sexualidade III: o cuidado de si (1984).”

Por uma epistemologia arqueogenealógica: apontamentos sobre a trajetória intelectual de Michel Foucault

Localizar ou inscrever Michel Foucault em uma escola de pensamento, algo como um molde, é uma tarefa muito difícil. Durante toda a sua trajetória, o filósofo se insurgiu contra categorizações, rótulos, simplificações, de certo modo, impulsionado pela sua própria luta pelo direito de mudança e de olharmos para a história, as práticas sociais, as redes de poder e saber, a partir de perspectivas novas e criativas, conforme argumenta Eizirik (2005:21).

Com efeito, o trabalho de Foucault é comumente associado à pós-modernidade ou aos movimentos estruturalista e pós-estruturalista. Porém, para o próprio autor tais rotulações eram inapropriadas, pois não entendia seu trabalho conformado a concepções formalistas. Nesse sentido, Nalli argumenta que, além da vinculação de Foucault ao estruturalismo, quando jovem, ele também foi influenciado pela fenomenologia bastante enviesada através de Merleau-Ponty, sem falar do seu envolvimento com a epistemologia francesa, desde Bachelard até Camguilher, bem como de sua leitura de Nietzsche, por causa de seu interesse inicial por Heidegger. (NALLI, 2006: 265-6) Posto que sua formação é bastante heteróclita, também é a sua produção intelectual, como já referido.

O que é certo apontar é como suas teorias arqueológicas, sobre o saber, genealógicas, inferindo acerca das relações de poder e éticas, nas quais o enfoque se volta ao sujeito, romperam com as concepções modernas destes termos. Isso leva a suposição de Foucault como um pós-moderno. Todavia, isso nos parece um contrasenso, dentro das próprias proposições foucaultianas. Conforme Eizirik (2005:19-20), Foucault, enquanto pensador, defende o levantamento e desdobramento de questões, deslocamentos, movimentos, mudanças no e para o pensamento. Ou seja, construir-se na própria ordem do discurso e das práticas, sem rotulações.

No que tange ao viés arqueológico em sua produção, vê-se que em sua obra “As palavras e as coisas”, conforme Japiassu (1977:113), Foucault pretende “encontrar” o espaço epistemológico das ciências humanas no que chama de “triedro dos saberes”. Trata-se de um espaço epistemológico de três dimensões, que se define a partir de três eixos principais da racionalidade organizadora do saber, quais sejam:

“a. Eixo das Matemáticas e Psicomatemáticas;

b. Eixo das Ciências da Vida, da Produção e da Linguagem;

c. Eixo da Reflexão Filosófica.”

Para Foucault, segundo Japiassu, tais eixos se encontram inter-relacionados – tomados dois a dois, estabelecem três planos:

“a. o Plano comum ao eixo das Matemáticas e ao das Ciências da Vida, da Produção e da Linguagem seria o das Matemáticas Aplicadas;

b. o Plano comum ao eixo das Matemáticas e ao da Reflexão Filosófica seria o da Formalização do Pensamento;

c. o Plano comum ao eixo das Ciências da Vida, da Produção e da Linguagem e ao da Reflexão Filosófica, seria o das Ontologias Regionais e das diversas filosofias da vida, do homem alienado e das formas simbólicas.”

Isto posto, as Ciências Humanas não se enquadram em nenhum dos eixos ou planos epistemológicos, são excluídas do Triedro Epistemológico. Todavia, para Foucault, estas Ciências participam do Triedro no interstício desse saber, ou seja, no volume definido pelas demais dimensões. Conforme Japiassu:

“Formam uma espécie de nuvem de disciplinas representáveis, no interior do triedro, e participando mais ou menos, de modo diversificado, de suas três dimensões. Elas aparecem, em primeiro lugar, em conexão com as ciências da Vida, da Produção e da Linguagem. A cada uma destas disciplinas, correspondem “regiões epistemológicas”, congregando um grupo de ciências humanas com características comuns e certos modelos de organização do saber. A primeira região é a das ciências Psicológicas: tomam de empréstimo à Biologia um modelo que se equilibra em torno dos conceitos de “função” e “norma”. A segunda é a das ciências Sociológicas: tomam de empréstimo à Economia política um modelo girando em torno dos conceitos de “conflitos” e de “regras”. A terceira, é a das ciências Lingüísticas e Culturais: tomam de empréstimo à ciência da linguagem um modelo organizado em função das idéias de “sentido” e de “sistema”.” (JAPIASSU, 1977: 115)

Portanto, através do volume provocado pela interseção entre os eixos e os planos epistemológicos, as Ciências Humanas formam “regiões epistemológicas”. Todavia, Japiassu esclarece que, muito embora haja aparente simplicidade neste sistema, para Foucault as regiões epistemológicas somente poderão ser compreendidas a partir da sua historicidade própria. Além disso, cada região é abalada por algo que pode ser entendido como uma contraciência, que quebra a aparente estabilidade, o equilíbrio – trata-se de uma dialética epistemológica. Se não vejamos. Japiassu esclarece que após a proposição epistemológica positiva, o fenômeno de uma dialética epistemológica perpassa e arruína a solidez sugerida pelas regiões, através de um permanente processo de inquietação, questionamento, crítica e contestação do “saber adquirido” (1977:116).

Tal sistema epistemológico é para Foucault resultado e não um ponto de partida. O que o filósofo pretende, com “As palavras e as Coisas”, é a própria análise da episteme ocidental. O subtítulo da obra é “uma arqueologia das ciências humanas”. Arqueologia porque Foucault busca de forma arqueológica investigar a formação da episteme ocidental e, deste modo, o próprio nascimento e configuração das ciências humanas, que resulta no “Triedro Epistemológico”, conforme exposto.

Para Foucault, é possível identificar três momentos da Episteme Ocidental:

“- A Época da Renascença – Século XVI;

– A Época Clássica ou da Ciência das Luzes – Séculos XVII e XVIII;

– Inicio do Século XIX até os dias atuais.”

O que faz Foucault na obra é problematizar o sujeito moderno, a partir de uma arqueologia do saber. De acordo com Candiotto, a episteme designa as condições históricas a partir das quais filosofias e saberes empíricos, científicos ou não, são apreensíveis ao conhecimento. Trata-se da rede na qual as múltiplas discursividades se relacionam entre si. No renascimento a episteme é a Semelhança entre coisas e palavras que permite a ambas serem conhecidas; a idade clássica é marcada pela episteme da Representação e a modernidade é definida pela episteme da História.

Não nos ocuparemos em resenhar a obra foucaultiana, mas tão somente pontuar algumas questões. Como mencionado, a episteme clássica é marcada pela “representação”. Para Japiassu, a representação é aqui tomada não apenas como um fato mental, mas como um registro epistemológico específico.

“Para Foucault, a representação deverá ser entendida a partir da compreensão da função do signo. (…) A antiga economia do signo era ao mesmo tempo unitária e tríplice, comportando três elementos distintos: o que era marcado pelo signo, o que nele era marcante, e o que permitia ver nisto a marca daquilo. Esse sistema unitário e tríplice desapareceu ao mesmo tempo que o “pensamento por semelhança”. Ele foi substituído por uma organização estritamente binária, por um sistema igual ao da representação por um quadro: de um lado, aquilo que é representado; de outro, o quadro representante. (…) esse quadro é investido de representatividade clara e distinta: par significante-significado funcionando indissociavelmente graças à natureza da representação.” (JAPIASSU, 1977:119-0)

Entre o cálculo das igualdades e a gênese das representações, há o espaço da empiricidade, no espaço do quadro – trata-se da quebra da quarta barreira. Há que se acrescentar que para Foucault, o homem é uma invenção. Segundo Araújo, Foucault parte da concepção nietzscheana de história, com a hipótese de que nela se realizam formas diferentes de relação entre o saber de uma dada época e os respectivos exercícios de poder. “Ao invés de localizar o poder em alguma esfera que comanda e ao mesmo tempo dissimula esse comando, Foucault irá inverter a análise do poder.” (ARAÚJO, 1998:209) Isto posto, o filósofo não busca pelo poder soberano que se alimenta de regras e legislações, mas busca o poder entre os súditos – “um poder cujas relações são múltiplas, heterogêneas, e que se localiza ora num, ora noutro ponto estratégico da sociedade disciplinar.” (ARAÚJO, 1998:209)

Neste sentido, Foucault considera o uso do conceito de ideologia inadequado, porque está atrelado ao mesmo a noção de sujeito racional cartesiano. Para Foucault, ao supor que a ideologia deforma e ilude, que distorce a verdade, supõe-se também que há um sujeito que pode conhecer a verdade e distingui-la do que é falso. Porém, não há um único sujeito conhecedor.

“Sujeito”, portanto, é uma categoria que possui diferentes funções, em conformidade com os diferentes discursos e em ordens diferentes de saber. Nos enunciados do discurso o sujeito do conhecimento é um lugar vazio a ser preenchido conforme quem tenha acesso regulamentado socialmente para ocupá-lo. Por exemplo, no discurso sobre a loucura, o lugar do sujeito no enunciado só pode ser ocupado pelo médico. Ou seja, não há que se falar em postular um único sujeito do conhecimento que esteja atrás de todos os discursos, saberes e domínios.

Além disso, o conceito de ideologia não é suficiente para exprimir a enorme “produção de verdade” feita especialmente pela ciência, ou em seu nome. Conforme Araújo, toda sociedade possui um regime de verdade, ou seja, modos institucionalizados e efetivos de circulação de discursos que produzem “efeitos de verdade” em discursos que não são em si mesmos nem verdadeiros nem falsos – basta que um discurso tenha estatuto de cientificidade para produzir efeitos de poder. (ARAÚJO, 1998:209)

Japiassu aponta que enquanto epistemologia, a arqueologia foucaultiana, sua teoria epistêmica, é a teoria de um sistema. “Não se trata de uma teoria do método cientifico, mas de uma teoria do dispositivo que funda o sistema das ciências, seu campo epistemológico, sua estrutura e sua história.” (JAPIASSU, 1977:125) A arqueologia de Foucault busca o fundamento das ciências humanas.

Araújo observa que as ciências humanas, na confluência entre as demais ciências, não conseguiram sair do terreno da representação, isto é, não atingiram propriamente um “objeto”, que seria o homem, como o era na biologia, porque não conseguiram evitar a pergunta ontológica pelo ser do homem Vê-se: “(…) o problema epistemológico das ciências humanas não reside na complexidade do objeto de estudo e nem na impossibilidade de se estatuírem cientificamente (…) por ser resultado da ocupação dos interstícios destes saberes, não são propriamente uma ciência.” (ARAÚJO, 1998:213) Em Foucault, o homem nasceu para o saber somente a partir do século XVIII, com as ciências da vida, do trabalho e da linguagem, como aquele ser que vive, trabalha e fala. Porém, para as ciências humanas não se sabe se o homem existe, de certa forma. O homem é o modelo lingüístico formal? Ou o que é o ser do homem? Restringe-se à representação?

O campo epistemológico ou o domínio onde ela se situa, não é a ciência, mas o solo sobre o qual se constrói a ciência. Trata-se de um sistema orientador das ciências, constituindo para elas um a priori de historicidade. Não são as coisas que constituem problemas, ou seja, toda a problemática é determinada pela disposição epistemológica do momento histórico. “Para a epistemologia, o importante não é o objeto tratado por uma ciência, mas o lugar que esta ou aquela ciência ocupa no espaço do saber.” (JAPIASSU, 1977:125)

Para Foucault, a ciência é um veículo e produtora de saber, como todo discurso e por isso mesmo, é veículo e produtora de poder, ao ser considerada como lugar privilegiado da verdade. “Nossa vontade de verdade deseja enunciados neutros, objetivos, testados.” (ARAÚJO, 1998:211) A verdade não é objeto de suspeita. Porém, para Foucault, conforme nos esclarece Araújo, a verdade é um discurso produzido, acontecimento estabelecido em uma luta.

Em síntese, a intuição inicial de Foucault é a raridade: os fatos humanos são raros, arbitrários e datados, não racionalizados. Ou seja, a história não se repete. Por isso, conforme Veyne, é preciso desviar os olhos dos objetos naturais para perceber a prática datada, que os objetivou sob um aspecto também datado como ela. A prática leva a objetivação que conduz às atitudes, não é uma instancia misteriosa, um subsolo da história, um motor oculto: é o que fazem os homens.

A prática determina os objetos, sendo que o objeto ao qual a prática se aplica só é objeto através da relação, que determina o objeto, e só existe o que é determinado. O objeto não é senão o correlato da prática; não existe, antes dela. Uma noção que não se traduz em nada efetivo, não passa de uma palavra, que só tem existência ideológica, ou antes, idealista.

Para Foucault, o método consiste em compreender que as coisas não passam das objetivações de práticas determinadas, cujas determinações devem ser expostas à luz, já que a consciência não as concebe. Porque cada prática engendra o objeto que lhe é correspondente. Assim, não há objetos naturais e não há coisas. Os objetos são os correlatos das práticas, sendo que a ilusão dos objetos naturais dissimula o caráter heterogêneo das práticas e cria a impressão de unidade: as práticas sucessivas parecem reações a um mesmo objeto, material ou racional, dado inicialmente.

Veyne discute, em resumo, que a prática lança as objetivações que lhe são correspondentes e se fundamenta nas objetivações das práticas vizinhas. Se estas mudam, a prática também muda. As práticas dependem umas das outras. Tudo é histórico e tudo depende de nós, nada é inerte, indeterminado ou inexplicável. A negação do objeto natural confere a obra de Foucault o seu estatuto filosófico. Por exemplo, a loucura não existe como objeto, a não ser dentro de e mediante uma prática, que também não é propriamente a loucura. Existe porque é autorizada pelo poder exercido pelo sujeito do conhecimento que detém o saber do que é objetivado como loucura. Ainda que a história fosse explicável cientificamente, o ponto importante é que as supostas ciências humanas não podem ser uma racionalização dos objetos naturais, mas que suponham uma análise histórica do objeto, ou seja, uma genealogia.

Referências
Espaço Michel Foucault. Disponível em: www.filoesco.unb.br/foucault ; acesso em 01/06/2010.
Grupo de Estudos e de Investigação Acadêmica nos “Referenciais Foucaultianos” (GEIARF). Disponível em: http://www.propp.ufms.br/psgrd/grupo-mf/index2.html ; acesso em 01/06/2010.
ARAÚJO, Inês Lacerda. O enfoque arquegenealógico de Foucault. In: Introdução à filosofia da ciência. Curitiba: Ed. da UFPR, 1998.
EIZIRIK, Marisa Faermann. Michel Foucault. Um pensador do presente. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 2007.
GROS, Frédéric. Foucault: a coragem da verdade. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
JAPIASSU, Hilton Ferreira. A epistemologia “arqueológica” de Michel Foucault. In: Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.
NALLI, Marcos. Foucault: um fenomenólogo malgré lui? In: SCAVONE, Lucila; ALVAREZ, Marcos Cesar & MISKOLCI, Richard (orgs.). O legado de Foucault. São Paulo: Editora da UNESP, 2006.
VEYNE, Paul. Foucault revoluciona a historia. -//-
 
Notas:
[1] Para a construção deste esboço biográfico, além da obra de Marisa Faermann Eizirik (Michel Foucault. Um pensador do presente) nos utilizamos das informações disponibilizadas pelo Espaço Michel Foucault e pelo Grupo de Estudos e de Investigação Acadêmica nos “Referenciais Foucaultianos” (GEIARF), da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Para consultar os websites correspondentes, vide referências ao final do trabalho.


Informações Sobre os Autores

Maristela Carneiro

Doutoranda em História pela Universidade Federal de Goiás; Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa; licenciada em História e Filosofia

Vilson André Moreira Gonçalves

Mestre em Comunicação e Linguagens – UTP PR/ Professor de Ensino Médio – SEED-PR


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