As multas estabelecidas nas convenções coletivas de trabalho – incidência

Resumo: Questão recorrente na prática é a aplicação da multa prevista nas convenções coletivas de trabalho, estabelecidas em caso de descumprimento dos direitos estabelecidos. A convenção coletiva é fruto de intensos debates entre as categorias profissionais, econômicas, entre trabalhadores e sindicatos e, não rara vez, há interferência do poder público. A possibilidade de categorias de empregados e empregadores construírem regras/direitos que atendam ao melhor interesse de ambos (respeitado o mínimo definido pela Legislação e Constituição Federal) é um mecanismo de grande importância, posto abranger não apenas o lado jurídico (que prevê tal possibilidade no ordenamento), mas igualmente o lado econômico e social das relações de trabalho. O resultado deste entendimento é uma convenção coletiva que prevê cláusula penal, cujo enunciado está atrelado, via de regra, a uma fórmula: tal multa “é devida por ação”. Surge, daí, a questão: como aplicar a multa?

Palavras-chave: Ação. Processo Civil. Processo do Trabalho. Convenção Coletiva de Trabalho.

Sumário: 1. Introdução. 2. Aplicação da multa. Referências.

1. Introdução

Em havendo violação de direitos previstos convencionalmente, deve ser aplicada a CCT quanto às multas nelas previstas. Eis que os direitos estabelecidos no instrumento normativo da categoria são devidos e, uma vez descumprido, há sanção convencional.

O que viria a ser a Convenção Coletiva de Trabalho?

Amauri Mascaro Nascimento ensina que “A convenção coletiva de trabalho é produzida diretamente pelos próprios interessados através de negociações que desenvolvem entre si.” Afirma ainda que a: “Convenção coletiva é anorma jurídica resultante das negociações entre os trabalhadores e os empregadores, para a autocomposição dos seus conflitos coletivos.” Ainda, o mesmo autor revela que: “tanto a lei como a convenção coletiva devem ser interpretadas à luz dos mesmos critérios gerais do direito do trabalho.”

Valentin Carrion aponta que “a distinção fundamental entre o contrato individual de trabalho e a convenção coletiva lato sensu, é que, enquanto o primeiro cria a obrigação de trabalhar e a de remunerar, a convenção coletiva prevê direitos e obrigações para os contratos individuais em vigor ou que venham a celebrar-se.”

Multas a respeito do descumprimento de cláusulas convencionais são estabelecidas em referidos instrumentos normativos.

2. Aplicação da multa

Mas como será a forma de aplicação das multas?

Para nós, cada cláusula violada implica na incidência de uma multa. Isto porque a cada ação referida na CCT (e não processo, posto que processo e ação não se confundem), incide uma multa. Vejamos.

Sendo a ação um direito de pleitear a tutela jurisdicional, a cada pedido de tutela (i.e., a cada pedido referente a um direito material violado), configura-se uma ação, quer dizer, uma pretensão. De modo que há tantas ‘ações’ quantos pedidos houverem, ainda que cumuladas num único instrumento, qual seja, o processo.

Não se pode querer entender o termo ‘ação’ em prejuízo ao trabalhador, e nem é possível, uma vez que a CCT é instituída para garantir direitos ao polo hipossuficiente, bem como a lei não permite interpretação em prejuízo ao obreiro.

Ademais, quanto à ‘ação’, Chiovenda já dizia que ação é direito autônomo. Frederico Marques referia-se à ação como um direito de pedir a tutela jurisdicional. Cintra, Dinamarco e Grinover, defendem ação como "o direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse exercício)”.

Liebman (Teoria Eclética/Instrumental/Mista da ação) definia a ação como direito público, subjetivo, instrumental e de natureza constitucional. O direito de ação existe quando o ‘juiz profere uma sentença de mérito’, favorável ou desfavorável ao autor.

Para a Teoria Pura/Teoria da asserção/Teoria da Prospettazione, defendida por Kazuo Watanabe e Barbosa Moreira, que se baseia também em Liebman, define ação como direito público, subjetivo e Instrumental. Difere daquela, contudo, por considerar que as ‘condições da ação condicionam o exercício do direito de ação’.

De modo que, seja considerando a ação quando o juiz profere uma sentença de mérito, seja considerando que as condições da ação condicionam o exercício do direito de ação (possibilidade jurídica do pedido; interesse de agir), ou ainda, como o direito ao exercício da atividade jurisdicional, a ‘ação’ acena para cada pretensão jurisdicional feita ou atendida, ou considerando a possibilidade de cada pedido na ordem jurídica, ou ainda o direito à jurisdição a cada pretensão.

De tal sorte que ‘ação’, então, sempre estará afetada, ao final, à pretensão e, sendo a pretensão (art. 189, do CC) um “direito à tutela jurídica”, e a cada direito violado nasce uma pretensão, então, a cada violação, nasce uma “ação” descrita na norma coletiva. De modo que o sentido e alcance da norma da CCT não induz a uma única multa, mas a cada direito violado, uma multa correspondente.

Por isso não se pode considerar a aplicação de apenas uma multa confundindo processo com ‘ação’.

Ainda, há quem argumente que apenas uma multa é devida ante a convenção coletiva em vigência, por terem as outras ou perdido a vigência, ou ainda por terem as convenções natureza de ‘lei’ e não haver diferença entre uma e outra convenção no tempo. Não se pode querer dar razão ao argumento. Explicamos.

A razão é que, ainda que a convenção tenha ‘perdido vigência’ pelo vencimento do prazo ou a criação de nova que a revogue, ela regula os atos jurídicos que nasceram sob sua ‘incidência’/vigência, e por criar direitos ao trabalhador, deve ser aplicada; isto da mesma forma que uma norma outra qualquer no ordenamento jurídico; tais direitos somente estarão ‘prescritos’, após transcorrido o prazo prescricional da pretensão (ou ação); a ultratividade existe também em relação à norma coletiva de trabalho.

O argumento de que tem a norma coletiva “natureza de Lei”, em nada altera o que já fora dito; as normas regulam os fatos ocorridos durante sua vigência e, provando-se os fatos no seu tempo, a ultratividade se manifesta.

Ainda que haja a reincidência de fatos violadores de direito, a cada fato nasce uma pretensão cuja norma jurídica regula, fazendo nascer a incidência da multa a cada direito não cumprido a seu tempo (não fosse assim, em uma analogia rápida ao direito penal, não poder-se-ia falar em concurso material de crimes). Apenas a guisa de exemplo, uma cláusula coletiva que preveja o pagamento de dado benefício a cada mês; não cumprido, surgirá a pretensão, a cada mês, para aplicação da norma que prevê a multa.

Assim, para nós, a cada direito não cumprido implica a incidência de uma multa, a seu tempo. De modo que o vocábulo “ação” referida nas CCT, não se refere a ‘processo’, mas a pretensão e, a cada pretensão, há direito a uma multa.

Referências
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 38. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2013.
CHIOVENDA, José. Principios de derecho procesal civil. Tomo I. Madri. Editorial Reus. 1922.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Teoria geral do processo. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual De Direito Processual Civil. 3. ed. Malheriros. São Paulo: 2005.
MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1974.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho: doutrina e prática forense, modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
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SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. 22. ed. São Paulo: LTr, 2005. 2 v.
WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.

Informações Sobre o Autor

Elvis Rossi da Silva

Advogado, pós graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela UCDB de Mato Grosso do Sul, especializando em Direito Tributário Pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários


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