Lesões aos direitos fundamentais nas relações de trabalho nos Call Centers do Brasil

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Resumo: A ascensão do capitalismo intelectual somada à utilização do telefone como meio gerador de lucro foram circunstâncias propícias para que as empresas de Call Center ganhassem muito espaço na economia brasileira, conquistando vasto mercado consumidor e empregando milhares de trabalhadores, notadamente os operadores de Telemarketing. Porém, não obstante as conquistas econômicas, as lesões aos direitos fundamentais nas relações trabalhistas das empresas de atendimento parecem se multiplicar com a mesma velocidade da expansão do mercado. A partir desse contexto, verificou-se a necessidade de analisar, através da metodologia da pesquisa científica e empírica, a relação jurídica trabalhista em questão, com ênfase a observâncias aos direitos fundamentais.[1]

Palavras-chave: Call Centers; Direitos constitucionais do trabalhador; Danos físicos e psíquicos.

Summary: The rise of intellectual capitalism coupled with the use of the telephone as a means of generating profit were favorable circumstances for Call Center companies gained a lot of space in the Brazilian economy, conquering vast consumer market and employing thousands of workers, notably telemarketing operators. However, despite the economic achievements, injuries to the fundamental rights of labor relations service companies seem to multiply at the same rate of market expansion. Thus, using the empirical methodology, the author, who has already experienced the work of service Telemarketing, undertakes, in this paper , both a literature search of fundamental rights in the Constitution politicized homeland as the jurisprudential research on labor demands in question .

Keywords: Call Centers; Fundamental rights at work; Physical and psychological harm.

1. Introdução

Mediante o contexto do mercado intelectual, houve o surgimento de um fato socioeconômico: um novo modelo de empresa fornecendo o serviço terceirizado de atendimento ao cliente, cujo objetivo é a maximização dos lucros das empresas que as contratam – são os Call Centers. Essas empresas, na medida em que crescem economicamente, geram grandes impactos em diversos campos sociais merecendo, assim, atenção especial no que tange ao relacionamento empregado e empregador.

A vulnerabilidade do trabalhador, característica intrínseca a sua natureza, provoca de forma direta hipossuficiência deste quanto à relação empregatícia. O cenário formado a partir do processo de produção do atendimento exige, por parte da empresa, métodos que maximizem seus lucros. Dessa forma, o seguinte questionamento deve ser feito: os direitos fundamentais estão sendo lesionados nas relações trabalhistas nos Call Centers do Brasil?

Para cumprir com o desígnio acima proposto, foi estabelecido como objetivo geral analisar a natureza da atividade de telemarketing e os conflitos contemporâneos oriundos da relação trabalhista em questão, e, em específico, analisar os precedentes mais atuais, associando-os com a observância da Constituição Federal no tocante a sua força normativa e às consequências jurídicas desses fatos. As analises em torno do tema, assim como a composição do conhecimento desse texto tiveram como base a metodologia quanto à pesquisa bibliográfica da Constituição Federal; a pesquisa de precedentes judiciais e a doutrina especializada do Direito e da Psicologia. Outro aspecto abordado foi à pesquisa empírica, uma vez que as abordagens feitas nesse texto partem da premissa da experiência do autor no ambiente de Call Center, vivenciado por um ano e quatro meses de trabalho.

2. Desenvolvimento

A administração das empresas de telemarketing tem gerado uma grande demanda de reclamações trabalhistas, as quais tem como escopo a reparação civil dos danos decorrentes das lesões aos direitos dos operadores de telemarketing. A busca desenfreada por lucros, a partir da inobservância do trabalhador como ser humano, tem levado o Poder Judiciário, quando provocado, a tentar dirimir os conflitos decorrentes dessas lesões.

2.1. Da saúde do trabalhador

Inicialmente, dentre os pontos que podem ser ressaltados nesse estudo, cumpre observar a questão atinente à saúde do trabalhador. O trabalho de atendimento de telemarketing tem jornada de seis horas diárias, realizada em seis dias por semana. Durante o período, os trabalhadores desempenham sua função através de um aparelho denominado “headset, que tem contato com a boca e os ouvidos do trabalhador de forma direta. No decorrer da jornada de trabalho e em seus turnos (manhã, tarde, noite e madrugada) o mesmo aparelho de trabalho é utilizado por outros trabalhadores, periodicamente.

A utilização constante do mesmo aparelho (headset) por várias pessoas tem como consequência a transmissão de microrganismos entre aqueles que o utilizam, sendo certo que tal prática facilita a proliferação de doenças. Nesse sentido, é importante ressaltar que esta prática contraria a norma reguladora do trabalho de telemarketing – NR17 (Portaria SIT n.º 09 de 30 de março de 2007), nos termos do item 8.2:

“O empregador deve implementar um programa de vigilância epidemiológica para detecção precoce de casos de doenças relacionadas ao trabalho comprovadas ou objeto de suspeita, que inclua procedimentos de vigilância passiva (processando a demanda espontânea de trabalhadores que procurem serviços médicos) e procedimentos de vigilância ativa, por intermédio de exames médicos dirigidos que incluam, além dos exames obrigatórios por norma, coleta de dados sobre sintomas referentes aos aparelhos psíquico, osteomuscular, vocal, visual e auditivo, analisados e apresentados com a utilização de ferramentas estatísticas e epidemiológicas.”

A supracitada norma, que regula a ergonomia nessa área de trabalho, está em perfeita consonância com o art. 7º, XXII, da CF/88, pois ele dispõe que as condições de trabalho devem preservar a higiene e a segurança, havendo redução dos que lhe forem inerentes.

Desde já, então, pode-se concluir que a prática em questão é totalmente desconforme com a ideologia de preservação da saúde do trabalhador, constituindo-se em grave lesão a esse direito por parte das empresas.

2.2- Da dignidade e honra do trabalhador:

Outra causa tangente às ações contra as empresas de telemarketing refere-se ao controle por parte dos supervisores para o gozo das pausas durante a jornada de trabalho, quanto das idas aos sanitários. A consolidação das leis trabalhistas em seu Art. 71 estabeleceu o descanso de 20 minutos aos trabalhadores de telemarketing, assim como norma reguladora do trabalho de telemarketing – NR17 (Portaria SIT n.º 09 de 30 de março de 2007), nos termos do item 5.4.1, b) estabeleceu mais duas pausas de 10 minutos, em consonância com a consolidação das leis trabalhistas em seu Art. 71.

Deve-se proferir destaque ao procedimento em questão, uma vez que limitar idas ao sanitário e inibir o descanso que é de direito dos trabalhadores é um procedimento administrativo que fere o fundamento da dignidade da pessoa humana, positivado no artigo 1º, III da Constituição Federal, assim como vai de encontro ao seu artigo 5º, X, que estabelece:

 “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

Como já houve a provocação do poder judiciário sobre o fato em questão, verificou-se tanto a configuração das lesões aos direitos fundamentais – notadamente a dignidade da pessoa humana, quanto a necessidade de repará-los, vejamos:

“DANO MORAL. CONTROLE DE IDA AO BANHEIRO. CONFIGURAÇÃO IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. Embora a fiscalização do ambiente de trabalho seja inerente ao direito diretivo e organizacional do empregador, deve ser exercida com parcimônia e razoabilidade, sem atingir a esfera da dignidade da pessoa do empregado, ou violar os princípios norteadores do direito do trabalho, sob pena de cometimento de abuso de direito. In casu, a incisiva fiscalização quanto às idas das trabalhadoras ao banheiro e os constrangimentos decorrentes da obrigatoriedade de autorização de ida ao toalete a ser concedida pelo superior hierárquico, caracteriza a pratica de ato ilícito na forma de abuso de direito, nos termos do art. 187 do Código Civil.” (TRT-4ª Região, 0000044-96.2013.5.04.0011, Rel. Marcelo José Ferlind D Ambroso -22/05/2014)

2.3. Do assédio moral:

A presença do assédio moral nas empresas não é um elemento contemporâneo. Entretanto, a forma com que o assédio psicológico vem evoluindo nos ambientes de Call Center chamou atenção do Judiciário.  

Para o psicólogo do trabalho LYMANN (2005, p.32), o assédio moral, conceitualmente, é definido como:

“[…] assédio moral é a deliberada degradação das condições de trabalho, por meio do estabelecimento de comunicações antiéticas (abusivas), que se caracterizam pela repetição por longo tempo de duração de um comportamento hostil que um superior ou colegas(s) desenvolve(m) contra um individuo que apresenta, com reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura.”

Pela experiência do autor a respeito do tema, é possível afirmar que os atendentes de telemarketing são diariamente pressionados para obtenção de metas que irão determinar sua permanência na empresa. Como exemplo disso é possível citar as diretrizes administrativas das empresas que consistem em práticas como a retenção de clientes que querem cancelar seus contratos, a reversão de clientes que já tiveram seus contratos cancelados, o atendimento em poucos minutos, a realização de novos contratos e a contratação de serviços adicionais – todos eles se configuram como metas diárias que, em sua maioria, são medidas em porcentagem quanto aos objetivos que devem ser atingidos.

Se o atendente de telemarketing estiver fora de qualquer meta predeterminada na empresa, é provável que ele receba um “feedback”, termo utilizado para as conversas entre superiores e o funcionário, com intuito de chamar atenção pelo não cumprimento dos objetivos preestabelecidos pela empresa.

Levando em consideração os ensinamentos de AGUIAR (2006, p.26):

“As relações interpessoais numa organização são dinâmicas, com o cotidiano notadamente marcado por conflitos, atritos, falta de entendimento entre as partes envolvidas, sendo comuns discussões entre chefes e subalternos, entre colegas da mesma posição hierárquica ou mesmo entre subalternos e seu superior”.

O problema no tocante às metas refere-se ao alto grau de dificuldade em alcançá-las, assim como à forma com que essas são exigidas dos trabalhadores pelos superiores nos famosos “feedbacks”. Muitas vezes são feitas indagações inapropriadas sobre as consequências do não cumprimento dessas, instaurando-se, assim, um ambiente de terror psicológico.

Para HUSPEL (2010, p.22)

“A nova ordem neoliberal reflete negativamente nas relações de trabalho como também nas relações humanas, pois quando se impõe uma filosofia de potencializar a produção a qualquer custo, consequentemente um quadro de competição será instaurado nesse meio e quando se manifesta de forma exacerbada pode acarretar no surgimento de sentimentos negativos […]”

A exigência em excesso quanto às metas objetivadas tende a agredir a saúde psicológica do trabalhador assim como sua dignidade, já que as metas em questão são, muitas vezes, impossíveis de ser atingidas. Junte-se a isso o fato de o trabalhador depender dos parâmetros exigidos para manter-se na situação de empregado, proporciona maior pressão psicológica no cenário trabalhista.

Percebe-se, pois, nesse contexto, uma clara violação da dignidade humana, fundamento basilar do Estado Democrático de Direito e centro axiológico da atual Constituição republicana. Estabelece a Carta Magna em seu Art.1º, III:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[…] III – a dignidade da pessoa humana;”

Existindo a provocação do poder judiciário quanto ao tema, o mesmo não se omite e tem agido em duas vertentes: preservando os direitos do trabalhador e reparando as lesões decorrentes de sua violação.

Vejamos, então, como é abordado o assédio moral dos Call Centers no âmbito processual trabalhista:

“EMENTA: DANOS MORAIS”. ASSÉDIO MORAL CONFIGURADO. DEVIDA INDENIZAÇÃO REPARATÓRIA. O “terror psicológico” é determinado por ofensa psicológica ao decoro profissional, submetendo o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, de forma intensa e insistente, cabalmente demonstrada, com repercussão geradora do dano psíquico e marginalização no ambiente de trabalho. Para o de ferimento de indenização por dano moral, mister se faz estarem presentes os requisitos seguintes: comprovação da materialidade do ato do empregador, prejuízo manifesto por parte do empregado e nexo de causalidade entre o ato e o dano sofrido. No caso vertente, a meu ver, participar de reuniões onde um chefe chama a todos de ladrões, ser ameaçada de demissão e ainda ser “condenada” a ressarcir prejuízo que não deu causa, afigura-se como um terror psicológico capaz de ensejar a ocorrência de dano moral. Recurso a que se nega provimento. (TRT 13ª REGIÃO. Rel. Juiz Arnaldo José Duarte do Amaral. RO 00402.2008.022.13.00-6. 2ª Turma. DJ: 13/2/2009)

3. Conclusão:

A atuação das empresas de telemarketing ressaltou as vantagens oriundas do desenvolvimento econômico com base no capitalismo intelectual. A realização de um atendimento através do telefone, de fato, é uma evolução que gera celeridade na prestação de serviços, satisfazendo tanto à necessidade dos clientes quanto a das empresas, que sempre visa a maximização dos lucros. Norteadas por resultados positivos, as empresas de telemarketing agem de forma desrespeitosa com relação aos seus trabalhadores e acabam inobservado os direitos da Carta Magna, fato que se constitui com grande impacto negativo para a sociedade. Diante desse cenário, o Judiciário tem sido um grande receptor de pleitos trabalhistas.

Diante do exposto, percebe-se a necessidade de atuação mais ríspida do Poder Judiciário ao ser provocado, visto que as sentenças proferidas e as demais decisões além da tutela reparatória, também provocam a correção das condutas inaceitáveis que as empresas de atendimento de telemarketing vêm tendo com seus empregados.

Referências:
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Vademecum. Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicolette, 14ª edição. São Paulo 2012.
LEYMANN, Heiz. The definition of mobbinf at workplaces. 2005, p.32.
BRASIL. Ministério do Trabalho. Portaria n. 9, de 30 de março de 2007- NR 17. TRABALHO EM TELEATENDIMENTO/TELEMARKETING. DOU de 02/04/07  Disponível em: http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BE914E6012BF7DEEC41687A/p_20070330_09.pdf
Tribunal do Trabalho Regional do Rio Grande do Sul. Processo nº 0000044-96.2013.5.04.0011.  Disponível em: Http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/TRT-4/attachments/TRT4_RO_00000449620135040011_68884.pdf?Signature=qZiQmKJJxUpfUVAIWQIzNtUccMg%3D&Expires=1414611712&AWSAccessKeyId=AKIAIPM2XEMZACAXCMBA&response-content-type=application/pdf&x-amz-meta-md5-hash=60e32664813aabd0081cdf62316b2b3f
Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba. Rel. Juiz Arnaldo José Duarte do Amaral. RO 00402.2008.022.13.00-6 . 2ª Turma. DJ: 13/2/2009.
 
Nota:
[1] Trabalho orientado pela  Profa. Dra. Cynara de Barros Costa (UEPB)


Informações Sobre o Autor

Petrúcio Araújo Reges

Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba 2017. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário 2017. Pesquisador CNPQ por meio de Projetos de Iniciação Científica. Servidor Público Federal


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