Rescisão indireta do contrato de trabalho: Mecanismo de defesa do empregado em face da infração empresarial

Resumo: As relações de trabalho estão presentes na sociedade desde os seus primórdios. Com o surgimento do Direito do Trabalho, dentre outros avanços, formalizou – se, no cenário jurídico, a figura do contrato de trabalho. Além disso, o legislador estabeleceu requisitos para a sua celebração e reconhecimento, bem como as formas de cessação do contrato de trabalho. No direito brasileiro, o pacto laboral pode ser rescindido por vontade das partes ou por justa causa. A justa causa pode de ser invocada em razão de falta grave cometida tanto pelo empregado, como pelo empregador. A eventual falta grave, ou infração empresarial cometida pelo empregador, poderá ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho, modalidade esta que será abordada no presente artigo.

Palavras-chaves: Direito do Trabalho. Contrato de trabalho. Justa causa. Rescisão indireta. Infrações empresariais.

Abstract: Working relationships are present in society since its beginning. With the emergence of labor law, among other advances, it was formalized, in legal scenario, the figure of the employment contract. In addition, the legislator established requirements for its celebration and recognition besides the forms of rescission of employment contract. Under Brazilian law, the labor agreement may be terminated by agreement of the parties or for just cause. The just cause can be invoked on the grounds of serious misconduct by both the employee as the employer. Any serious offense or business infringement eventually committed by the employer, may give rise to indirect termination of the employment contract, this modality that will be studied in this article.

Keywords: Labor Law . Work contract. Just cause. Indirect termination. Employer’ s infringement.

Sumário: Introdução. 1. Do Contrato de Trabalho. 1.1. Da cessação do contrato de trabalho. 1.1.1. Modalidades terminativas do contrato de trabalho. 2. Rescisão indireta por ato culposo do empregador. 2.1. Das infrações empresariais. 2.2. Do requerimento da rescisão indireta. Conclusão.

INTRODUÇÃO

O Direito do Trabalho tem como objetivo a organização e proteção das relações de trabalho. Tal organização se dá através de um conjunto de normas, instituições e princípios que visam à sua adequação às situações praticas, com o fim de garantir a dignidade do trabalhador, bem como a sua proteção.

As relações de trabalho têm sido, por muitas gerações, as principais bases para o sustento da economia, o que não é diferente no cenário atual, tendo em vista que o capitalismo, mesmo após a Revolução Industrial, continuou a depender da mão-de-obra humana, ainda que em menor número, para operar e fiscalizar o desempenho das máquinas.

A legislação trabalhista tem como principio fundante, o principio da proteção ao trabalhador, uma vez que este representa a parte hipossuficiente nas relações de trabalho, em razão do poderio econômico patronal, além da subordinação jurídica do operário.

O contrato de trabalho é bilateral, entretanto, não se pode falar em igualdade de condições entre as partes, em razão da referida hipossuficiência do empregado, motivo pelo qual não pode ser enquadrado nas normas que regem os contratos civis ordinários, o que fundamentou a necessidade de normas trabalhistas especificas que o regesse.

O ordenamento jurídico brasileiro teve como marco na regulamentação das relações trabalhista a aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho, ocorrida em 1º de maio de 1943, por meio do Decreto-Lei 5.452, entretanto, o seu ápice ocorreu em 5 de outubro de 1988, com a promulgação da atual Constituição da República Federativa do Brasil.

A Constituição Federal de 1988 representou um grande avanço nos direitos e garantias sociais do povo, inclusive, no que tange à legislação trabalhista brasileira, tendo em vista que ratificou a necessidade de proteção ao trabalhador, reconhecendo, portanto, a sua hipossuficiência na relação de trabalho.

A CLT, dentre outras medidas, regulamentou o Contrato de Trabalho, especificando as suas espécies e requisitos e, tratando, ainda, das modalidades de extinção do pacto laboral, com o objetivo de impedir que as partes, mais especificamente o empregado, sejam submetidas a condições de trabalho que comprometam sua dignidade e a justa contraprestação de interesses.

Dentre as modalidades de extinção do contrato de trabalho, representando grande avanço nas normas de proteção ao trabalhador, encontra-se a rescisão indireta do contrato de trabalho, em razão de justa causa ensejada por falta grave do empregador.

O presente artigo tem como objetivo a breve análise da modalidade supracitada de extinção do contrato de trabalho, bem como das infrações empresariais tipificadas no artigo 483 da CLT.

Analisar-se-á, ainda, as divergências de entendimento em relação à necessidade do empregado afastar-se das prestações de serviço no curso da respectiva reclamação trabalhista de rescisão indireta do contrato de trabalho, bem como os conflitos entre a presunção de continuidade da relação de emprego, no decorrer da ação, em detrimento ao perdão tácito.

1. DO CONTRATO DE TRABALHO

O Contrato de trabalho é um acordo bilateral que ajusta os termos de uma relação de emprego, os direitos e obrigações recíprocas das partes envolvidas, empregado e empregador, o qual pode ser pactuado de forma tácita ou expressa.

Mauricio Godinho Delgado declara acerca do contrato de trabalho:

“Essa figura jurídica, embora não tenha sido desconhecida em experiências históricas antigas e medievais, tornou-se, no período contemporâneo, um dos pilares mais significativos de caracterização da cultura sociojuridica do mundo ocidental.” (DELGADO, 2014, p. 520)

A preocupação do direito em prever e conceituar o contrato de trabalho, especificando, ainda, as suas formas e requisitos, represente grande avanço social, uma vez que reconhece os direitos e obrigações estabelecidas entre as partes, a fim de evitar situações que levassem a abusos por parte do poderio econômico, bem como vincular o empregado às atividades avençadas. Permitindo, portanto, maior segurança jurídica nas relações de emprego.

Nesta esteira, a CLT (2012) dispõe em seu artigo 442: “Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”.

Contudo, na opinião de Délio Maranhão, citado por Delgado (2014, p. 522), o legislador não utilizou a melhor técnica para definição do contrato de trabalho no artigo supracitado. Vejamos:

“O texto da CLT não observa, como se nota, a melhor técnica de construção de definições: em primeiro lugar, não desvela os elementos integrantes do contrato empregatício; em segundo lugar, estabelece uma relação incorreta entre seus termos (é que em vez de o contrato corresponder à relação de emprego, na verdade ele propicia o surgimento daquela relação); finalmente, em terceiro lugar, o referido enunciado legal produz um verdadeiro circulo vicioso de afirmações (contrato/relação de emprego; relação de emprego/contrato)”. (MARANHÃO apud DELGADO, 2014, p. 522)

Dispõe, ainda, a CLT (2012), em seu artigo 443: “O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado”.

A legislação trabalhista trouxe, ainda, alguns requisitos para o reconhecimento de uma relação de emprego e, consequentemente, do contrato de trabalho, tais como: a prestação de serviços por pessoa física; a pessoalidade; a habitualidade; a subordinação ao empregador; e, por fim, a onerosidade, uma vez que a prestação de serviços deve ser realizada mediante a contraprestação financeira.

Entretanto, o contrato de trabalho não é um instrumento solene, conforme menciona Martins:

“Não é o contrato de trabalho um pacto solene, pois independe de quaisquer formalidades, podendo ser ajustado verbalmente ou por escrito (art. 443 da CLT). Havendo consenso entre as partes, mesmo verbalmente, o contrato de trabalho estará acordado. […]” (MARTINS, 2010, p.100)

Ao que se vislumbra o legislador objetivou a proteção da relação de emprego, valorizando a verdade dos fatos em detrimento ao instrumento formal de contrato, tendo em vista que esta é reconhecida ainda que celebrada de maneira informal e até mesmo tácita.

É sabido que no Brasil, ainda hoje, a maioria das relações empregatícias se concretizam de maneira informal, e perduram sem o devido registro e longe da fiscalização dos órgãos competentes de proteção ao trabalhador, por esta razão, foi da preocupação do legislador que os contratos de trabalho fossem reconhecidos independente de formas, necessitando, somente, que a prestação de serviços preencha os requisitos estabelecidos por lei, pra que esta seja protegida pelo Direito do Trabalho.

1.1 DA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

Antes da Constituição Federal de 1988, a extinção do contrato de trabalho estava sujeita à livre manifestação do poderio da empresarial, uma vez que havia margem à dispensa meramente arbitraria.

A Carta Magna, em seu artigo 7°, inciso I, prescreve:

“Art. 7° São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; […].”

O supracitado artigo trouxe aplicação ao principio da continuidade da relação de emprego, principio este que tem como fundamento preservar a relação de emprego, bem como constitui presunção favorável ao empregado no término desta.

Ademais, o desemprego não é de interesse da sociedade como um todo, uma vez que traz impactos econômicos e sociais. A respeito, dispõe Delgado:

“A leitura que o princípio da continuidade da relação de emprego faz da ordem jurídica é que a extinção contratual transcende o mero interesse individual das partes, em vista de seus impactos comunitários mais amplos. Nessa direção, o Direito do Trabalho, por seus institutos e normas, tende a privilegiar a permanência da relação de empregatícia, contingenciando as modalidades de ruptura do contrato de trabalho que não se fundem em causa jurídica tida como relevante”. (DELGADO, 2014, p. 1164).

A este respeito, escreve, ainda, Delgado:

“De todo modo, independentemente da eficácia que se atribua à Constituição de 1988 neste tema, está claro que o Texto Máximo abriu uma fase de transição jurídica no que concerne ao tratamento deferido à ruptura contratual no Direito brasileiro. E, nesta transição, a ótica estritamente individualista e antissocial, que prega a viabilidade jurídica da dispensa como direito potestativo empresarial, portanto, é que se coloca em franco questionamento e desgaste jurídicos.” (DELGADO, 2014, p. 1183).

1.1.1 MODALIDADES TERMINATIVAS DO CONTRATO DE TRABALHO

O contrato de trabalho pode ser resilido por vontade de uma das partes ou de ambas, sendo mais comum, neste caso, a dispensa unilateral do pacto laboral, por meio do pedido de demissão ou dispensa sem justa causa.

Segundo Alice Monteiro de Barros:

“A resilição do contrato implica a sua terminação, sem que as partes tenham cometido falta. Situam-se entre as hipóteses de resilição a despedida sem justa causa, a qual a jurisprudência atribui a natureza de um direito potestativo; a demissão ou saída espontânea do empregado, a aposentadoria por tempo de serviço ou por idade, requerida pelo empregado, o acordo firmado pelas partes, o encerramento das atividades da empresa ou o fechamento de um dos estabelecimentos, voluntariamente.” (BARROS, 2011, p. 753).

É possível, ainda, o término natural do contrato de trabalho, quando se trata de contrato por tempo determinado, quando este é naturalmente extinto no prazo expressamente avençado ou por circunstâncias alheias à vontade das partes.

Além disso, a legislação trabalhista elencou casos em que o contrato pode ser rescindido por justa causa, podendo esta se dar por ato do empregado ou do empregador, bem como por culpa recíproca.

O contrato de trabalho pode ser rescindido por justa causa do empregado quando este comete falta grave, dentro das modalidades tipificadas no artigo 482 da CLT, as quais não serão abordadas no presente artigo.

Nesta modalidade, o empregado perde o direito às verbas rescisórias, ficando a cargo do empregado apenas o procedimento rescisório de “baixa” na CTPS do obreiro, bem como a entrega do respectivo Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho. (DELGADO, 2014, p. 1200).

A lei prevê, ainda, a rescisão indireta do contrato de trabalho pela justa causa do empregador que cometer infração empresarial, tipificada no artigo 483 da CLT, bem como descumprir os termos do pacto laboral. Modalidade esta que será apreciada em momento oportuno, no tópico especifico.

E, por fim, a rescisão do contrato de trabalho por culpa recíproca, na qual está presente a concorrência de culpa das partes nos fatos que deram causa à extinção da relação de emprego e, consequentemente, a divisão equilibrada do ônus financeiro referente às verbas rescisórias.

2 RESCISÃO INDIRETA POR ATO CULPOSO DO EMPREGADOR

A subordinação, bem como a sujeição do empregado ao poder diretivo do empregador são requisitos do contrato de trabalho, como já foi mencionado no presente artigo.

É característica intrínseca da relação de emprego, a subordinação do empregado em relação ao empregador, uma vez que é deste o dever jurídico de suportar os riscos do negócio jurídico praticado, bem como zelar pela manutenção da atividade empresarial.

Entretanto, a lei cuidou de limitar o poder diretivo, organizador e disciplinar do empregador, a fim de evitar que este incorra em atos que comprometam a dignidade e os direitos do empregado, bem como ultrapassem os limites do pacto laboral.

Conforme disposto no artigo 2° da CLT, é dever do empregador assumir os riscos da atividade econômica, bem como dirigir a prestação pessoal de serviços.

Além disso, é seu dever proporcionar um ambiente de trabalho seguro, salubre, digno e respeitoso aos empregados, bem como zelar pela boa convivência e respeito entre os trabalhadores e prepostos.

Deste modo, quando o empregador descumpre suas obrigações contratuais ou legais, na constância da relação empregatícia, a lei garante ao empregado o direito de requerer o fim do vinculo de emprego.

A rescisão indireta do contrato de trabalho, também denominada como dispensa indireta, pode ocorrer quando o empregador tem culpa exclusiva diante dos fatos que levam à impossibilidade da continuidade da relação de emprego, tornando inevitável o seu término.

A modalidade de rescisão indireta está prevista no artigo 483 da CLT, o qual dispõe que o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização, quando o empregador incorre nas infrações elencadas no mesmo dispositivo legal.

A rescisão indireta deverá ser requerida judicialmente, para que seja efetuado o seu requerimento, presume-se a existência de um vinculo de emprego, o qual não pode mais o empregado, supostamente, suportar em razão dos atos cometidos pelo empregador.

Entretanto, em alguns casos, a lei autoriza que o empregado rompa imediatamente o vinculo empregatício sob pena de incorrer em perdão tácito às práticas do empregador, como por exemplo nos casos de assédio sexual.

Comprovada a falta grave do empregado, ou seja, a justa causa ensejadora do rompimento do vinculo de emprego, o empregado terá direito ao recebimento de todas as verbas rescisórias, como se demitido sem justa causa fosse, uma vez que não teve culpa nos atos que incorreram no término do contrato.

Nesta esteira, menciona Amauri Mascaro Nascimento:

“Denomina-se dispensa indireta aquela que tem como motivo um fato ocorrido na empresa e que torna, para o empregado, insuportável a continuidade do vínculo de empresa. É nesse sentido que a CLT, no art. 483, elenca as figuras de justa causa praticadas pelo empregador e que, uma vez ocorridas, permitem que o empregado, se assim decidir, ingresse com ação de dispensa indireta na Justiça do Trabalho contra o empregador. Caso a ação seja procedente, terá assegurados todos os direitos rescisórios, como se tivesse sido dispensado sem justa causa.” (NASCIMENTO, 2011, p. 1141/1142).

É importante salientar que os contratos por tempo determinado que contiverem cláusula assecuratória do direito recíproco de rescisão antecipada, conforme artigo 481 da CLT, poderão ser rescindido indiretamente, nos termos da lei, tendo em vista que equiparam-se aos contratos por tempo indeterminado.

2.1 DAS INFRAÇÕES EMPRESARIAIS

A justa causa patronal ocorre quando o empregado descumpre seu dever legal de cumprir com os temos do pacto laboral, bem como se empenhar no desenvolvimento saudável da prestação de serviços, zelando pela segurança e dignidade no ambiente de trabalho.

Segundo Augusto César Leite de Carvalho:

“Está visto que os contratos bilaterais se resolvem quando uma das partes negligencia alguma de suas obrigações e a parte inocente opta, então, por considerar terminado o vínculo. Contra o empregador se pode ativar, igualmente, a cláusula resolutória tácita, presente assim no contrato de emprego, sempre que ele viola qualquer de suas obrigações, seja a de remunerar o trabalho, seja a de tratar o empregado com urbanidade e respeito ou qualquer outra prestação que integre o conteúdo do contrato”. (CARVALHO, 2011, p.322).

Com o intuito de evitar os abusos do poder diretivo e disciplinar do empregador, a CLT estabeleceu, em seu artigo 483, o rol de infrações empresariais que ensejam a rescisão indireta por parte do empregado, conforme segue:

“Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

§ 1º – O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.

§ 2º – No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.

§ 3º – Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo”.

Alguns casos que merecem destaque, o assédio moral e assédio sexual, uma vez que tornam a convivência e continuidade da relação de emprego impossível.

O assédio moral se define como conduta reiterada, neste caso, do empregador no sentido de desgastar o equilíbrio emocional do empregado, por meio de atos, palavras, gestos e silêncios significativos que objetivem o enfraquecimento e diminuição da sua autoestima ou causando outras formas de desequilíbrio emocional grave. (DELGADO, 2014, p.1293).

Segundo Delgado, “define-se o assédio sexual como a conduta de importunação reiterada e maliciosa, explicita ou não, com interesse e conotações sexuais, de uma pessoa física com relação à outra”. (2014, p. 1294).

Nota-se que os casos elencados na CLT não são definidos, dando margem, portanto, à adequação das eventuais diferentes situações práticas, respeitando o nexo causal entre a falta grave cometida e a rescisão indireta, bem como a proporcionalidade da conduta.

2.2 DO REQUERIMENTO DA RESCISÃO INDIRETA

Da análise do tema em questão, verifica-se que a lei não foi clara quanto às peculiaridades do procedimento para o empregado requerer a rescisão indireta do contrato de trabalho, tendo em vista que deixou margens para interpretações conflitantes quando as suas formas.

O primeiro debate se encontra na apuração e reconhecimento da justa causa patronal em procedimento judicial próprio, a ser ingressada pelo empregado.

O segundo debate gira em torno da necessidade, ou não, do afastamento do empregado de sua prestação de serviços, durante o requerimento da rescisão indireta, bem como dos efeitos jurídicos do eventual afastamento.

Quanto ao primeiro ponto a ser discutido, verifica-se que a doutrina e a jurisprudência são uníssonas no sentido de que é indispensável a submissão do pedido de rescisão indireta ao Poder Judiciário, uma vez que o contrato de trabalho não dá ao empregado o poder fiscalizatório e disciplinar, portanto, não teria este autonomia para reconhecer a referida rescisão indireta, tampouco, compelir o empregador ao pagamento das respectivas verbas rescisórias.

Além disso, é majoritário o entendimento de que para a caracterização da dispensa indireta, a competente reclamação trabalhista com este fim deve ser proposta com imediatismo, sob pena de configurar falta de interesse de agir do empregado.

Nesse sentido, leciona Sergio Pinto Martins que “a única maneira de se verificar a justa causa cometida pelo empregador é o empregado ajuizar ação na Justiça do Trabalho, postulando a rescisão indireta do seu contrato de trabalho”. (2010, p. 392).

Martins segue, ainda, dizendo: “na rescisão indireta deve ser observada a imediação na postulação após a falta do empregador, sob pena de se entender que houve perdão por parte do empregado”. (MARTINS, 2010, p. 394).

Nesse mesmo sentido, dispõe Delgado:

“Do ponto de vista estritamente prático, parece correta a primeira posição: de maneira geral, o empregado, ao considerar insustentável a continuidade do vínculo, em decorrência de infrações cometidas pelo empregador, propõe ação trabalhista nesse sentido, informando os fundamentos fático-jurídicos de sua pretensão e aduzindo o pleito resolutório do contrato. Regra geral, somente a partir daí é que se afasta do emprego.” (DELGADO, 2014, p. 1296).

Entretanto, existe jurisprudência que entende que o requisito para a caracterização do imediatismo na rescisão indireta é o lapso temporal entre a falta cometida pelo empregador e o afastamento do emprego, senão vejamos:

“JURISPRUDÊNCIA – DESPEDIDA INDIRETA – IMEDIATIDADE – Requisito para caracterização. Na chamada "despedida indireta", o que importa, para a caracterização da imediatidade, não é o tempo decorrido entre a falta e o ajuizamento da ação, mas o lapso temporal entre a falta e a resolução do contrato, a qual normalmente opera "ipso jure", independentemente de declaração judicial.(Juiz Márcio Túlio Viana).” (TRT – 3a. Reg. – RO-00084/94 – 3a. JCJ de Belo Horizonte – Ac. 4a.T. – maioria – Rel: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho – Fonte: DJMG II, 06.08.94, pág. 116).

O segundo debate, e com certeza o mais conflitante, está em torno da necessidade ou não do afastamento do empregado da prestação de serviço, em razão da nova redação do § 3º do artigo 483 da CLT, dada pela Lei n. 4.825, de 1965.

Ao que se vislumbra, o supracitado dispositivo legal teria vinculado a possibilidade de afastamento ou não do emprego ao tipo de infração empresarial:

“[…] § 3º – Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.”

A este respeito escreve Delgado:

“[…] O referido dispositivo legal apenas veio esclarecer que, mesmo em se tratando das duas infrações contratuais menos agressoras do indivíduo situadas no rol do art. 483 da CLT (como são as faltas tipificadas nas alíneas “d” e “g”), o empregado pode afastar-se do serviço ou não, ao propor sua ação trabalhista buscando a rescisão indireta. Ou seja, mesmo aí ele preserva tal opção, a qual é inerente a todas as situações propiciadoras da ruptura do contrato por falta empresarial”. (DELGADO, 2014, p. 1297).

Verifica-se, portanto, que o entendimento de Delgado é no sentido de que a lei deu liberdade para que o empregado, independentemente da falta cometida, permaneça ou não no trabalho no curso da ação trabalhista de rescisão.

Entretanto, o supracitado autor adverte que permanência no serviço, em alguns casos, pode refletir negativamente na ação, dando margem a presunção de que a falta não foi grave a ponto de ensejar a requerida rescisão, uma vez que não prejudicou de imediato a continuidade da prestação de serviços. (DELGADO, 2014, p. 1298).

Doutra feita, menciona Cesarino Júnior:

“Parece-nos que a interpretação deve ser a seguinte. As faltas do empregador previstas pelas letras ‘d’ e ‘g’ do referido § 3º são, a nosso ver, as menos graves, as mais fáceis de serem suportadas pelo empregado. As demais, que têm as características opostas, obrigam ao afastamento imediato do empregado, segundo já afirmou o seguinte acórdão, sendo nossos os grifos: ‘A lei não impede que o empregado aguarde no emprego o seu pedido de rescisão contratual, senão quando se tratar de falta que, isoladamente, torne impossível a sua permanência no serviço.”(TST, 3ª Turma, proc. RR 2197/62. Rel. designado Min, Hildebrando Bisaglia, proferido em 24-7-62).(JUNIOR apud SILVA, Aarão Miranda da, s.d).

Na mesma esteira, declara Martins:

“O empregado, a rigor, não deveria permanecer trabalhando na empresa. Deve desligar-se imediatamente, sob pena de se entender que houve perdão da falta praticada pelo empregador, ou que a falta não tão grave a ponto de impedir a continuidade do contrato de trabalho.” (MARTINS, 2010, p. 392).

Contata-se, portanto, que parte dos doutrinadores e operadores do Direito entendem ser obrigatório o afastamento do emprego, nos casos de falta mais grave, ao passo que os demais entendem que a regra da permanência ou não do empregado é a mesma.

Entretanto, a regra de que o empregado deve se afastar do serviço é conflitante com o entendimento de que, para se requerer a extinção da relação de emprego, presume-se a sua continuidade até a data da sentença que determina a dispensa indireta.

Outra dissensão existe quanto aos efeitos jurídicos do afastamento do emprego, nos casos em que a sentença da ação requerendo a rescisão indireta for improcedente.

É importante salientar que nos casos em que o empregado se afasta da prestação de serviços, a data do referido afastamento demarca o término do contrato de trabalho, já, nos casos em que ele permanece exercendo a atividade laborativa no curso do processo, a data de término do pacto laboral se estabelece com a publicação da sentença ou seu trânsito em julgado. (DELGADO, 2014, p. 1298/1299).

Neste caso, ao que se vislumbra, existe diferença entre os efeitos jurídicos para os empregados que possuem, ou não, estabilidade ou garantia de emprego.

Quantos aos empregados que não possuem estabilidade ou garantia de emprego, Delgado leciona:

“[…] Não obtendo sucesso em seu intento, a extinção do contrato prevalece, mas por simples pedido de demissão do empregado. É claro que se trata de uma modalidade especial de resilição unilateral por ato obreiro, em que este fica isentado da concessão do aviso-prévio: a própria ação trabalhista já cumpriu o papel de notificar o empregador da intenção de ruptura contratual.” (DELGADO, 2014, p. 1299).

Quanto ao empregado estável, dizia Délio Maranhão que se tratando:

“[…] de empregado estável, ainda que se tenha afastado do emprego, a improcedência da ação não lhe impedirá a volta ao trabalho (sem os salários do período de afastamento) porque a resolução do contrato, nesta hipótese (estabilidade), opera ope judicis, através de inquérito judicial”. (MARANHÃO apud DELGADO, 2014, p. 1300).

É importante salientar, ainda, Delgado não concorda com a corrente que prega que, em caso de empregado afastado, a sentença improcedente ao pedido de rescisão indireta ensejaria ao obreiro dispensa por justa causa, em razão de suposta abandono de emprego. Senão vejamos:

“É, portanto, equívoco grave considerar que o afastamento do trabalhador, em exercício de prerrogativa conferida por ordem jurídica, convole-se em justa causa operária, caso o pedido de rescisão indireta seja considerado improcedente. Não existe, no Direito, infração gravíssima que resulte do simples exercício regular de uma prerrogativa assegurada pela própria ordem jurídica. Além do mais, não poderia haver justa causa obreira sem comprovação de dolo ou culpa do correspondente empregado”. (DELGADO, 2014, p. 1299).

Entretanto, o entendimento não é uníssono nesse sentido, em contrário, declara Délio Maranhão:

“Se o empregado se considera amparado por uma justa causa para dar por terminada sua relação de trabalho, deve dirigir-se à Magistratura do Trabalho, esperando o pronunciamento desta, mas não se adiantando à sentença, porque, sendo-lhe contrária, automaticamente teria incorrido na justa causa de dispensa por abandono do trabalho.” (MARANHÃO apud SILVA, Aarão Miranda da, s.d).

Por fim, aponta Amauri Mascaro Nascimento conflitos diversos envolvendo a modalidade de rescisão em tela, envolvendo a permissão legal de permanência no emprego, disposta no §3° do artigo 483 da CLT.

Segundo o supracitado autor, quando o empregado permanece no exercício da atividade laborativa, está sujeito a, neste interim, ocorrer a rescisão do pacto por parte do empregador.

Nesta esteira, dispõe o autor que, se o empregador dispensar o empregado sem justa causa, no curso da ação trabalhista visando a rescisão indireta, a dispensa indireta pretendida será absorvida, tendo empregado o direito às verbas rescisórias da dispensa sem justa causa. (NASCIMENTO, 2011, p. 1224).

Em contrapartida, se no curso da ação, o empregado for despedido por justa causa e, por fim, a sentença do pedido de rescisão indireta for julgada improcedente, este não terá direitos rescisórios. (NASCIMENTO, 2011, p. 1224).

Todavia, se a referida sentença julgar procedente o seu pedido de rescisão indireta, segundo Nascimento, ocorrerá um choque, uma vez que a rescisão indireta ensejará direitos rescisórios e a justa causa superveniente não. (2011, p. 1225).

Neste caso, segundo Amauri Mascaro Nascimento:

“Como não há solução legal, desde que se admita a aplicação analógica, a figura mais próxima é a da culpa recíproca. O empregado terá direito ao Fundo de Garantia acrescido de 20%, e eventual indenização de período anterior ao seu enquadramento no regime do Fundo será reduzida pela metade”. (NASCIMENTO, 2011, p. 1225).

Isto posto, verifica-se os efeitos do término do contrato de trabalho serão, por analogia, os aplicados aos casos de culpa recíproca entre as partes nos fatos que acarretaram a impossibilidade da continuidade da relação de emprego.

CONCLUSÃO

Ao que se vislumbra da análise do conteúdo, o legislador, considerando a hipossuficiência do empregado na relação de emprego, buscou, dentre outros meios, com a tipificação das infrações empresarias e a consequente rescisão indireta, impor limites aos poderes patronais inerentes ao contrato de trabalho.

O empregador detém, dentro da relação empregatícia, todo o poder diretivo, fiscalizatório e disciplinar, motivo pelo qual o empregado se encontra em posição desfavorecida, necessitando de maior proteção por parte do Direito.

Com o estabelecimento legal das infrações empresariais ensejadoras da rescisão indireta do pacto laboral, o empregado recebeu um mecanismo de defesa em face dos abusos no exercício do poderio patronal.

Entretanto, é evidente que o instituto da rescisão indireta carece de aperfeiçoamento, uma vez que não atingiu completamente o objetivo de equiparação entre as partes na possibilidade de rescisão do contrato por justa causa, tendo em vista que não deu ao empregado o poder de constatar a falta grave e requerer suas verbas rescisórias.

Ora, a alegação de justa causa obreira produz efeitos imediatos à vontade do empregador, uma vez que este é quem detém o poderio econômico e pode facilmente reter as verbas rescisórias do empregado nestes casos, podendo ser descaracteriza a pretendida justa causa somente pelas vias judiciais.

Em contrapartida, pouco importa em um primeiro momento a alegação do empregado de justa causa patronal, uma vez que esta só poderá ser declarada, e, consequentemente, reconhecidos os direitos às verbas rescisórias, mediante sentença.

Além disso, verificou-se que o entendimento majoritário é de que o empregado deve se afastar da prestação de serviço imediatamente à falta praticada, podendo permanecer no trabalho somente nos casos de faltas consideradas menos ofensivas.

Ou seja, o empregado deve se afastar da atividade laborativa e aguardar a sentença para que, só então, obtenha resposta quanto a sua pretensão e receba as respectivas verbas rescisórias.

A primeira incoerência se encontra na tentativa de se interpretar uma infração como mais branda ou mais grave que a outra, a ponto de possibilitar a continuidade da prestação de serviço ou não.

A lei elencou, de forma taxativa, condutas do empregador que ensejam a rescisão indireta do contrato de trabalho, portanto, obviamente, tornam impossível a continuidade da relação de emprego e, em nenhum momento, o legislador buscou dosar a gravidade das referidas infrações, portanto, devem ser tratadas com a mesma perspectiva.

Não há que se admitir que, em caso de permanência do empregado no trabalho após sofrer assédio sexual, acarretaria em perdão tácito, mas não, em caso de descumprimento dos termos do contrato também por parte do empregador, uma vez que ambas as infrações são passíveis de rescisão indireta do pacto laboral.

A segunda incoerência está no fato de que, ao se exigir o imediatismo no ingresso da ação trabalhista objetivando a rescisão indireta, não está sendo considerada a morosidade do Judiciário, em razão do exacerbado número de processos.

Aparentemente, o empregado não tem nenhuma alternativa que represente bem as suas necessidades e interesses, uma vez que, se permanece no trabalho, corre o risco de incorrer em “perdão tácito”, ao passo que, se opta por se afastar do emprego, corre o risco de aguardar por um longo lapso temporal, prejudicando sua sobrevivência e de sua família, considerando o contumaz alto índice de desemprego brasileiro, e, ao final, ter a ação julgada improcedente.

Isto posto, enquanto o Direito Brasileiro não evolui a fim de aperfeiçoar o instituto da rescisão indireta, é, aparentemente, mais viável e mais contundente com as normas e princípios de proteção ao trabalhador, o entendimento de que a lei equiparou as infrações empresarias, uma vez que todas impossibilitam e tornam insuportável a continuidade da relação de emprego, dando, ainda, ao empregado, a liberdade para se afastar, ou não, da prestação de serviços, em todos os casos.
 

 Referências
Barros, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho, 7ª ed. São Paulo: LTr, 2011.
BRASIL. CLT, Consolidação das Leis do Trabalho. 13ª ed. ver., ampl. e atual. São Paulo: RT, 2012.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 13ª ed. São Paulo: RT, 2012.
CARVALHO, Augusto Cesar Leite de. Direito do trabalho: curso e discurso. Aracaju: Evocati, 2011.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13ªed. São Paulo: LTr, 2014.
Martins, Sergio Pinto: Direito do Trabalho. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Curso de Direito do Trabalho. 26ªed. São Paulo: Saraiva, 2011
SILVA, Aarão Miranda da. Rescisão indireta do contrato do trabalho. s.d. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2506>. Acesso em: 25 fev. 2015.

Informações Sobre o Autor

Eveline do Nascimento Ishiara Adashi

Advogada. Graduada em Ciências Jurídicas – FIG-UNIMESP Centro Universitário Metropolitano de São Paulo


logo Âmbito Jurídico