Resumo: A Carta Política de 1988 assegurou aos trabalhadores o direito de realizar greve, cabendo aos trabalhadores o direito de decidir acerca da oportunidade em exercer tal direito, bem como eleger os interesses a serem defendidos por meio de tal instrumento de protesto e reivindicação. A Constituição Federal de 1988 determina ainda que a Lei nº 7.783/89, derivada da Medida Provisória nº 59/89, regulará o tema, conceituando o instituto, definindo procedimentos de instauração e determinando quais as atividades serão consideradas essenciais, impedindo sua paralisação total e coibindo por sanções judiciais as irregularidades e ilegalidades cometidas na deflagração de greve. O presente estudo tem a pretensão de propor uma reflexão acerca da legitimidade dos agentes envolvidos em greves; até que ponto a deflagração da greve respeita direitos individuais? Acreditando na veracidade da hipótese a ser comprovada de que os direitos individuais devem preponderar sobre os de ordem coletiva quando estes não representarem a integridade dos primeiros.
Palavras-chave: greve, direito constitucional, direitos individuais.
Abstract: The Political Constitution of 1988 guaranteed workers the right to conduct strike, leaving workers the right to decide about the opportunity to exercise that right, as well as elect the interests to be defended by such a protest tool and claim. The 1988 Federal Constitution also states that Law No. 7,783 / 89, derived from the Provisional Measure No. 59/89, regulate the issue, conceptualizing the institute, defining establishment of procedures and determining which activities are considered essential, preventing its total standstill and By curbing judicial sanctions irregularities and illegalities committed in the strike outbreak. This study has the intention to propose a reflection on the legitimacy of the agents involved in strikes; the extent to which the outbreak of the strike respects individual rights? Believing in the truth of the hypothesis to be proven that individual rights should prevail over collective order when these do not represent the integrity of the first.
Keywords: strike, constitutional law, individual rights.
Introdução
A despeito de se verificar na greve uma suspensão coletiva, total ou parcial, temporária e pacífica da prestação de serviços a empregador, é importante entender que o exercício de um direito não permite a lesão de outro. Como bem assevera Leonardo Rabelo de Matos, “para ser livre, o homem não pode estar subordinado a associações, porque esta suprime a sua livre e plena manifestação, submetido que fica ao predomínio da vontade grupal”[1].
A questão se justifica pelo fato de que não sendo os cidadãos obrigados a se associar ou permanecer associados, pode-se confirmar como imprescindível o respeito ao cidadão trabalhador que não entenda razoável a greve e opte por não aderir ao movimento grevista, seja por se encontrar satisfeito no contexto da relação de trabalho e emprego, seja por não se sentir representado em seus interesses pela entidade sindical de sua categoria ou mesmo por não julgar razoável a pauta da greve proposta. Seja como for, é pode ser válido o questionamento: O legitimo direito ao debate e consequente deflagração de greve pela entidade sindical tem força sobre o direito individual do cidadão em não suspender suas atividades laborais?
A análise da questão proposta se fará por meio de análise da lei citada, a partir das ponderações autorais e conclusões jurisprudenciais, na expectativa de ao final alcançar uma interpretação dos fatos que circundam acerca da questão proposta, contribuindo para a reflexão fundamentada sobre o presente fato social que detém relevante embasamento jurídico.
1. Greve: evolução histórica explicativa do conceito.
A Lei Le Chapelier (1791) proibia qualquer agrupamento profissional e o Código Penal de Napoleão (1810) tipificava a greve como delito. No Brasil, inicialmente a greve foi considerada um delito pelo Código Penal de 1890 e até mesmo a CLT de 1943 (arts. 723 e 724) previa sanções para os sindicalistas que declaressem greve.
A greve, que já foi considerada como um delito em vários ordenamentos jurídicos pelo mundo verifica-se como um direito nos regimes democráticos, em contraponto ao sistema corporativista.
No século XIX é que se começa a observar a tendência de tolerância das greves pacíficas, a exemplo da Itália de 1947 que reconhecia a greve como um direito. E, a despeito dos autores que se dedicam ao estudo do instituto greve, entenderem de forma praticamente unânime, que as Convenções 87 e 98 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, implicitamente contemplam a greve como um direito fundamental dos trabalhadores dos setores público e privado, ressalvando as excepcionalidades dos funcionários das forças armadas, ainda assim, não há uma Convenção da OIT específica sobre greve, apenas orientações no sentido de que as limitações ao exercício do direito a greve são razoáveis, sobretudo no que tange aos serviços essenciais e funções públicas, a exemplo da Convenção 151 da referida organização, que propõe que as relações de trabalho entre as autoridades públicas e as organizações de empregados públicos sejam salutares, considerando a expansão dos serviços prestados pela administração pública em muitos países.[2]
Desta forma, o conceito de Nicolas Pizzaro Suarez, serve de ponto de partida para a reflexão sobre as alterações no contorno que a greve recebe, enquanto instrumento reivindicatório, propositivo de negociação. Segundo o autor:
“Greve é a suspensão temporal do trabalho, resultante de uma coalizão operária – acordo de um grupo de trabalhadores para a defesa de interesses comuns –, que tem por objetivo obrigar o patrão a aceitar suas exigências e conseguir, assim, um equilíbrio entre os diversos fatores de produção, harmonizando os direitos do trabalho e os do capital”[3]
Hoje, a greve tem natureza jurídica de suspensão do contrato de trabalho, representativa não apenas de liberdade, mas de efetivo direito social de ordem fundamental, sendo garantida, disciplinada e limitada por lei. A greve representa desta forma uma modalidade de solução de conflitos coletivos de trabalho por meio de autodefesa.
2. Classificação jurídica da greve.
Como modalidade de autodefesa a greve pode ser considerada licita, se atender as determinações legais especificadas, ou ilícitas, quando tais prescrições legais forem ignoradas e desrespeitadas.
A greve ainda pode ser classificada como abusiva se os atos praticados em razão da sua deflagração extrapolar os contornos determinados por lei, sendo considerada não abusiva, na medida em que não se verifiquem excessos.
Pode ainda ser classificado quanto a sua extensão, sendo considerada global, quando alcança todos os empregados, parcial, quando envolver apenas algumas empresas ou setores de determinada empresa e restrita quando se restringir aos empregados de uma determinada empresa ou setores específicos de uma empresa.
A greve pode ser definida como “greve branca”, se os empregados suspenderem suas atividades laborais, mas permanecem em seus postos. O que não se confunde com a chamada “operação tartaruga” ou “greve de zelo”, onde não há paralisação do serviço, sendo este realizado com morosidade considerável, impedindo esta forma que se reconheça a ação como greve no sentido técnico e jurídico.
Há também a chamada greve de solidariedade realizada por trabalhadores em respeito às solicitações de outras categorias, como meio de auxiliar os anseios alheios.
Mesmo neste caso, verifica-se que é imprescindível para que se considere a paralisação das ações como greve que haja vinculo de emprego entre aquele que suspendeu suas atividades laborais e o que se encontra diretamente prejudicado por esta suspensão, sendo um equívoco pretender declarar greve sem que haja subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade na relação entre o grevista e a instituição perante a qual se reivindica algo e, esta reivindicação, precisa se apresentar constituída com elementos estritamente relacionados a questão trabalhista
Disparidades nas classificações apontadas poderia permitir que se constatasse uma greve política, classificada desta forma por conta da sua motivação, na qual se identifica, como objetivo da suspensão das atividades laborais (ou não, em casos sui genereis de “greve” decretada por pessoas que não possuem quaisquer vínculos empregatícios), reivindicações de ordem genérica, direcionadas ao governo, exigindo alterações que o empregador não tem legitimidade de conceder.
Ressalta-se que, a legitimidade da greve está atrelada ao seu objetivo, devendo este ser social, ou seja, estar correlacionado às condições de trabalho dos empregados, sua remuneração e direitos sociais previdenciários, podendo tais pontos ser deliberados e atendidos efetivamente pelo empregador. Do contrário, registra-se uma deturpação da greve em sentido jurídico, o que pode ser ainda mais pernicioso à relação laboral. Neste sentido, a pauta da greve pode ser considerada válida, inobstante o exercício do direito se dar de forma abusiva, como ressalta a jurisprudência atualizada:
“DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE. ACORDO SUPERVENIENTE FIRMADO PELAS PARTES NO CURSO DO PROCESSO. INTERESSE NA ANÁLISE DA QUESTÃO DA ABUSIVIDADE OU NÃO DA GREVE. A jurisprudência predominante desta Corte estabelece que o acordo superveniente entabulado entre as partes, no curso do dissídio coletivo de greve, não elide o interesse da declaração de abusividade ou não do movimento paredista, quando essa pretensão for expressamente demonstrada. Recurso ordinário provido, nesse aspecto.”[4]
A greve não representa um direito absoluto, logo é necessária sua convivência com outros direitos e garantias, sob pena de se verificar a lesão de direitos por meio de ações desenvolvidas na da defesa de outros direitos, desta foram, é de suma importância considerar integra e literalmente o art. 6, §1º da Lei nº 7.783/89, ao determinar que: “Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem”, ressalvando que, dentre estes, se encontra o art. 5º, inciso XX, CRFB/88, considerando a liberdade associação como um vinculo autônomo que se pode criar com instituições ou mesmo com propostas de ações sociais, como a proposta de greve.
3. Legitimidade ampla e irrestrita dos trabalhadores em conjunto decretarem greve
A legitimidade para instauração da greve é da organização sindical dos trabalhadores, ou seja, sindicato, federação e confederação ou comissão de negociação, na ausência de uma entidade sindical, em respeito ao art. 4º, § 2º e art. 5º, ambos da Lei nº 7.783/89.
Trata-se de direito de natureza coletiva, que não pode ser exercido individualmente e deve ser exercido com observância à oportunidade e necessidade, cabendo tal decisão exclusivamente aos trabalhadores coletivamente, nos termos do art. 1º, Lei nº 7.783/89 e art. 9º, caput, CRFB/88.
4. A greve no serviço público.
Uma discussão gira em torno dos servidores públicos. O entendimento tradicional, inicialmente adotado pelo STF é no sentido de que o art. 37, inciso VII, CRFB/88 representa norma de eficácia limitada, de forma que, os servidores públicos não podem exercer o direito de greve de forma lícita, até que haja lei regulamentando o referido direito, tal como ressaltou o Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do mandado de injunção 708/DF.
“Apesar das modificações implementadas pela Emenda Constitucional 19/1998 quanto à modificação da reserva legal de lei complementar para a de lei ordinária específica (CF, art. 37, VII), observa-se que o direito de greve dos servidores públicos civis continua sem receber tratamento legislativo minimamente satisfatório para garantir o exercício dessa prerrogativa em consonância com imperativos constitucionais.”[5]
Na mesma decisão, o referido Ministro, em sua conclusão, asseverou que “se aplique a Lei 7.783/89 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos”, reconhecendo o direito de greve como um direito social, a despeito da ausência de lei específica, uma vez que não se poderia permitir que a determinação constitucional ficasse sem qualquer eficácia.
Inobstante o reconhecimento e aceitação da aplicação análoga da lei citada, verifica-se que a ação do legislador na regulamentação da greve do servidor público se faz iminente, haja vista que, como se permitiu verificar pelo conceito do instituto definido por Nicolas Pizzaro Suarez, pela greve, se pretende harmonizar os direitos do trabalho e os do capital. Assim, se reconhece o trabalhador grevista como um colaborador da empresa, um cidadão que se encontra inserido numa relação de emprego onde o empregador aufere lucro, tal característica não se reproduz na situação do servidor público, haja vista que o Estado não desenvolve suas atividades visando um resultado estritamente financeiro, quiçá seus objetivos estejam mais próximos da prosperidade social do que financeira, propriamente dita, inobstante não se pretender alijar a relevância das questões de ordem econômica que se encontram presentes em todas as relações humanas.
A ausência de uma legislação própria que regulamente a greve no serviço público pode acabar por permitir que o presente instrumento reivindicatório seja distorcido em seu fim, o que acabaria por alijar o objetivo precípuo da greve, qual seja: permitir que se estabeleça um debate amplo e franco acerca das condições de trabalho, remuneração e reflexos sociais suportados pelos servidores públicos.
Em detrimento de tais discussões outros interesses de ordem política, nem sempre de caráter social e coletivo, poderia se beneficiar, mas desta forma, a natureza da greve seria mitiga ou mesmo deteriorada, haja vista que, apesar de proporcionar um debate também político, a greve política não é ansiada pelos efetivos trabalhadores, sejam servidores públicos ou celetistas, tanto que, a Carta Constitucional determina em seu art. 8º que não se pode exigir autorização do Estado para a fundação de sindicatos, sendo proibido ao Poder Público a interferência e a intervenção política na organização sindical, cabendo aos sindicatos precipuamente a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria.
5. Aspectos fáticos.
Parafraseando o Prof. Leonardo Rabelo de Matos, “verifica-se vantagens e deméritos no sistema adotado”[6], a despeito da ausência de normas que regulamentem o instituto da greve de forma ampla, incluindo efetivamente os servidores públicos sob o manto protetivo do direito, da provável e talvez proposital omissão legislativa no trato da questão e da aparente e crescente interferência política partidária na atividade sindical[7], os registros de paralisações de servidores públicos é notório.
A título de exemplificação acadêmica pedagógica, pode-se ressaltar a situação de cerca de 140 mil funcionários públicos do Distrito Federal – DF, que viram a legalidade do seu aumento salarial se tornar objeto de Ação de Inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público DF, fato que justificou a vigília na Praça do Buriti, na noite anterior ao julgamento do feito, como forma de protesto e pressão pela manutenção do reajuste salarial de 33 categorias de servidores, dentre as quais se pode citar médicos, professores, servidores do departamento de estradas de rodagem e do serviço de limpeza urbana, que prometem fazer paralisação[8].
Outro caso notório envolve os professores da rede pública do Estado de São Paulo que decidiram pela continuidade da greve iniciada em 13 de março do corrente ano[9].
No segmento do ensino público de nível superior, os relatos são de que a greve dos professores foi deflagrada pelos respectivos sindicatos nos estados de Alagoas, Amapá, Mato Grosso, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Sergipe e Tocantins, nos estados do Ceará, Acre e Mato Grosso do Sul os sindicatos decidiram por suas assembleias, pela adesão à greve a partir do dia 29 de maio do corrente ano, já em Santa Catarina, o sindicato fez menção ao indicativo de greve, mas a assembleia sobre a paralisação das atividades está prevista para o dia 2 de junho, segundo consta, os servidores pleiteiam reajuste salarial, reestruturação da carreira e aumento de investimentos nas universidades públicas federais.[10]
No Estado do Paraná, verifica-se que servidores públicos aderiram no último dia 19 a uma greve geral, somando-se a aproximadamente 100 mil professores que se encontravam em greve pela segunda vez no ano de 2015, sustentando uma pauta que pleiteia revisão de direitos do funcionalismo público daquele Estado, o Servidores de Curitiba e de cidades do interior do Estado do Paraná reuniram-se nas praças Rui Barbosa e Santos Andrade, ambas na região central da capital paranaense, e protagonizaram uma marcha pacífica até a região do Centro Cívico, onde se situam as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Paraná.[11]
No Estado de Alagoas, os policiais civis realizaram ato público em Arapiraca, também no último dia 29, onde o governador Renan Filho se viu cercado pelos grevistas, que reivindicaram o cumprimento da lei do Plano de Cargos, Carreiras e Subsídios.[12]
No município de Cabo Frio, região dos lagos do Estado do Rio de Janeiro, os servidores públicos municipais realizaram uma audiência no dia 19 de maio do corrente ano onde o prefeito Alair Correa esteve presente, mas ao que se verifica, a proposta de reposição salarial de 5.83%, oferecida pela prefeitura não foi aceita, mantendo-se o pleito de reajuste salarial da categoria e dos outros sindicatos unificados em 13%, realizou-se também um pedido de ofício em prol da transparência financeira das receitas do município, solicitando a apresentação completa da folha de pagamento do município onde se permita identificar o quantitativo geral dos trabalhadores municipais, dentre servidores e os que exercem cargos em comissionados, deflagrando uma paralisação de 48 horas nos dias 28 e 29 de maio.[13]
Outros movimentos sindicais grevistas podem ser facilmente identificados, corroborando o fato de que o país como um todo, tem sido acometido por um sentimento de insatisfação generalizada com a forma com a qual a gestão dos serviços públicos tem sido realizada, demonstrando que as questões que pautam o debate envolvem a remuneração dos servidores, mas em grande parte, pairam também sobre pontos atinentes a estrutura física dos locais destinados à prestação dos serviços públicos e sobre direitos sociais previdenciários dos servidores.
Assim, em retorno as palavras do Professor Leonardo Rabelo de Matos, pode-se verificar que a vantagem na omissão não se verifica em prol dos interesses laborais, pois a ausência de regras eficientes tende a justificar a mitigação da legitimidade da greve ou mesmo do debate sobre sua decretação por parte dos servidores públicos, os deméritos são igualmente claros, no sentido de que a ausência de regras impede que se alcance o efetivo deslinde de questões laborais no serviço público, contribuindo para a precarização deste em detrimento de toda a sociedade.
Conclusão
Partiu-se do reconhecimento da existência de legitimidade da entidade sindical, enquanto detentora de competência legal para convocar ao debate e consequentemente deflagrar a greve, questionou-se então se esta poderia sobrepor o direito individual do cidadão em não suspender suas atividades laborais?
Entende-se que a resposta negativa é mais coerente ao sistema legal ao qual a sociedade encontra-se submetida.
Inobstante a intervenção nas entidades sindicais ser juridicamente combatida, o homem tem a política em sua essência e o exercício desta através da retórica eloquente pelos que tem a política como profissão natural, além de quaisquer outras atividades que se possa exercer, pode proporcionar o privilégio de interesses de ordem pessoal em detrimento dos interesses de ordem coletiva.
Por mais que se possa defender arduamente que o trabalhador hoje suporta uma jornada de oito horas porque há 129 anos 500 mil pessoas saíram à rua e 10 não voltaram a casa, numa tentativa de atribuir exclusivamente ao movimento sindical a responsabilidade pela conquista dos intervalos entre jornadas de trabalho, não se deve ignorar ou negar completamente que o tempo de lazer para os trabalhadores foi possibilitado em grande parte pelos avanços do sistema capitalista, que explora economicamente inclusive o lazer.
O que se pretende evidenciar é que não há teorias plenas, isentas de pontos criticáveis, independente de quão clássico ou irrefutável seja seu aspecto ou o quão genial possa ser o seu idealizador, e essa incapaz perfeição se dá por conta da fluidez como os contornos sociais se modificam ao longo dos tempos.
Por esta razão que a regulamentação latu sensu do instituto greve se faz imprescindível, para que normas de ordem genérica, devidamente instrumentalizadora do amplo exercício do direito à greve, idealizadas a partir de princípios gerais do direito, protejam os interesses coletivos por natureza, elevando a técnica em detrimento da retórica, permitindo prosperar o certo em detrimento do duvidoso, impedindo que a disparidade de compreensão dos fatos incitem os trabalhadores a uma luta por interesses que não sejam propriamente seus, conduzindo-os a uma marcha desordeira e ineficiente.
A regra a ser idealizada deve ter o coletivo por foco, mas sem desconsiderar o individual, deve pretender proteger o bem comum, sem deixar de verificar a legitimidade de cada cidadão de falar por si, para que não se acabe por submeter o cidadão a uma instituição enquanto supostamente se agregam em prol dos reclames direcionados a outra instituição. O fim deve ser proteger coletivamente o individual e não substituir uma instituição opressora por outra.
Quiçá, alternativa mais eficaz na solução das questões que comummente se põem em pauta nas deliberações sobre greves no serviço público possa ser alcançada por meio de efetivas ações judiciais a serem propostas, a exemplo do que se discute no Recurso Extraordinário nº 565089, que tem como relator o Min. Marco Aurélio, representando uma demanda que poderá impactar na realidade de governos e cidadãos, haja vista que se discute a omissão do Estado em conceder aos servidores a revisão geral anual de seus vencimentos.
O resultado a ser verificado na demanda mencionada poderá ser a base para discussões mais técnicas e menos aguerridas politicamente, o que poderá proporcionar resultados mais satisfatórios com menos perdas econômico-sociais.
Informações Sobre o Autor
Saulo Bichara Mendonça
Professor de Direito nos cursos de Direito e Administração. Coordenador de Curso de Pós Graduação em Direito (latu sensu). Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa. Especialista em Direito Público e Relações Privadas e Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito de Campos. Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho. Doutorando em Direito na UGF.