Direito da criança e do adolescente e princípios norteadores da responsabilização diferenciada

Resumo: Mudança de paradigma. Realmente foi isso que aconteceu com a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que o antigo Código de Menores trazia o adolescente como indivíduo em situação irregular. Hoje, a intitulada Doutrina da Proteção Integral, efetiva de forma concreta os direitos da criança e do adolescente. Contudo, há ainda, um preconceito da sociedade, pautado pelo senso comum midiático, quando o assunto é o adolescente autor de ato infracional. Porém, a legislação vigente traça parâmetros claros sobre o modo de condução da responsabilização do adolescente autor de ato infracional, preservando todos os direitos deste, visando garantir que a reprovação deve recair sobre o ato praticado, e não sobre o autor do ato. Portanto, princípios jurídicos são essenciais para nortearem a atuação dos atores na apuração das responsabilidades, diante da ocorrência do ato infracional.

Palavras-chave: adolescente; ato infracional; responsabilização diferenciada.

Sumário: 1. Evolução histórica dos direitos da infância e adolescência; 2. Adolescente e ato infracional; 3. Aplicação da legislação em decorrência da prática do ato infracional; 3.1 Princípio da legalidade; 3.2 Princípio da intervenção mínima; 3.3 Princípio da humanidade; 3.4 Princípio da culpabilidade; 3.5 Princípios da excepcionalidade, brevidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; Conclusão; Referência bibliográfica.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Segundo Graciani[1], na época da Primeira República, ocorreram inúmeras transformações sociais e políticas. A transição do regime Monárquico para a República, início da industrialização, imigrações e problemas econômicos, situações típicas deste período, tinham íntima ligação com a tríade, jovens-educação-criminalidade. O início da república desencadeou formas menos autoritárias e mais inclusivas da sociedade na administração dos serviços públicos. Apesar da mínima participação do povo, a Primeira República teve um governo eleito diretamente pelo voto. Entretanto, apesar da queda da Monarquia, com o voto aberto, a participação política de todos do povo estava restrita, graças aos arranjos políticos construídos pela elite da época, somente a uma parcela da população, onde eram excluídos: mulheres, analfabetos, menores de 21 anos, soldados de baixas patentes e mendigos.

Com o poder nas mãos de uma elite minoria, os problemas de criminalidade surgiam com frequência e, com origem história que o Brasil tem, uma tradição institucional, jurídica, social e política punitiva, o país, preterindo atuações educativas, tratou, por muito tempo, as infrações, como desvio de conduta frente às normas morais e éticas que deveriam vigorar na vida dos cidadãos. Crianças abandonadas, ou aquelas que fugiam de maus-tratos, fome e exploração, eram tidas como vadias ou delinquentes.

Cronologicamente, surgiu no Brasil, no século XVII, o primeiro registro em Carta Régia, determinação para que as crianças e abandonados fossem assistidas pela Câmara dos Bens do Conselho, órgão que representava o governo de Portugal no Brasil. No século XVII foi criado o primeiro asilo para crianças enjeitadas, com a Roda e Casa dos Expostos na enfermaria da Santa Cada de Misericórdia do Rio de Janeiro.

Já no século XIX, o Brasil estava sob a vigência das organizações Filipinas, cujas penas eram bem severas, inclusive com a morte atroz (esquartejamento) e a morte natural (forca). Nestas, a imputabilidade penal era a partir dos 07 anos de idade, com o cumprimento da mesma pena do maior com a redução de um terço. Entre os 17 e 21 anos de idade o jovem podia ser penalizado com a morte, e ainda, uma única exceção, dava-se quando um jovem de 14 anos ou mais cometesse crime da falsificar moeda, poderia ser condenado à morte. Oito anos depois foi promulgado o Código Criminal do Império do Brasil, que manteve a mesma idade do imputável, porém com base no critério subjetivo do juiz, onde o jovem entre 07 e 14 anos que cometesse delito ficava a mercê do juiz, tendo o poder de julgar se o jovem tinha ou não discernimento suficiente para a prática do delito. Ainda, neste mesmo século foi regulamentada a casa de Correção do rio de Janeiro e, com o advento da Lei do Ventre Livre, o número de abandonados aumentou. Um pouco mais à frente, com a abolição da escravatura, muitas pessoas ficaram abandonadas à própria sorte e vivendo em situação de grande pobreza, o que fez crescer e forma gigantesca o número de crianças abandonada e infratores. No final do século foi criada a Casa dos expostos, da Santa casa da Misericórdia de São Paulo, devido ao grande aumento do número de crianças atendidas pela Roda[2].

No século XX houve a implantação do Instituto Disciplinar e uma colônia correcional destinada a menores infratores, no local onde existia o extinto Complexo Tatuapé. Neste mesmo período a idade para o trabalho na fábrica foi instituída em 14 anos e a jornada de trabalho foi reduzida para seis horas.

Eis que surgem os Códigos de Menores de 1927 e 1979, com caráter discriminatório, associando a pobreza à delinquência e reproduziam a ideologia de que os mais pobres tinham certa tendência à desordem. Instituindo a doutrina da situação irregular, se referindo ao jovem, pejorativamente como menor, o Código de menores vigorou por muito tempo, passando pela década de 40, tido por muitos, como o período mais autoritário do Estado Novo, quando foi criado o SAM, Serviço de atendimento ao Menor, que funcionava como um sistema penitenciário para menores, encaminhando-os para internatos, reformatórios ou casas de correção, no caso de autores de ato infracional. Os carentes eram direcionados para escolas agrícolas ou aprendizagem de ofícios urbanos. Importante ressaltar que o menor era o negro e pobre, enquanto a criança era o filho da classe média.

Em relação à Doutrina da Situação Irregular, Volpi[3] traz que:

“Código de Menores traduzia em lei uma doutrina que concebia a sociedade sob uma perspectiva funcionalista, em que cada indivíduo ou instituição tem seu papel a desempenhar para assegurar o funcionamento harmônico da sociedade. Os problemas, as injustiças sociais e a exclusão eram vistos como disfunções que deveriam ser atribuídas aos desvios de conduta dos indivíduos envolvidos. A existência de crianças desnutridas, abandonadas, maltratadas, vítimas de abuso, autoras de atos inflacionais e outras violações era atribuída à sua própria índole, enquadrando-se todas numa mesma categoria ambígua e vaga denominada situação irregular. Estar em situação irregular significava estar à mercê da Justiça de Menores cuja responsabilidade misturava de forma arbitrária atribuições de caráter jurídico com atribuições de caráter assistencial.”

Nos anos 50, com a inauguração da sede da UNICEF no Brasil, houve um avanço no que diz respeito a ações em proteção da saúde da criança e da gestante.

Com o golpe militar de 60, houve um retrocesso em relação aos direitos civis e sociais e foi criada a Funabem, Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, onde infratores e abandonados eram internados.

Na secunda metade do século XX foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil; entrou em vigência da Lei nº 8069/1990, o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, instituindo a doutrina da proteção integral; foram instituídos, pela Lei Federal nº 8242/1991 o CONANDA, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, e, pela Lei nº 8074/1992 o CONDECA, Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente.

A Lei nº 8069/1990 é a ferramenta mais importante dentre os regulamentos do Estado, que garante a todas as crianças e adolescentes todos os direitos convencionados em prol da situação peculiar de pessoa em desenvolvimento, deixando implícitos seus conceitos, dando atribuições a diversas autoridades e poderes constituídos do Estado de como fazer para que esses direitos efetivem-se, prevendo responsabilidades pela negligência. O ECA estabeleceu uma rede de ação e cuidados com as crianças e adolescentes, com a criação dos conselhos tutelares e de direitos. Com a Doutrina da Proteção Integral, instituída pelo ECA, está prevista uma corresponsabilização entre família, sociedade e estado a garantia dos direitos fundamentais às crianças e adolescentes.

“Pelo ECA, as crianças e adolescentes são sujeitos dos direitos humanos fundamentais, reconhecidos universalmente, mas não apenas os direitos comuns aos adultos. Possuem tampem direitos especiais, decorrentes da sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, que devem ser assegurados pela família, pelo Estado, pela comunidade e por toda a sociedade”.[4]

Para Volpi apud Silveira[5]:

“[…] é importante mencionar que o ECA se distinguiu das leis anteriores e buscou a responsabilização dos adolescentes de forma diferenciada. O cometimento do delito passou a ser encarado como fato jurídico a ser analisado, assegurando garantias processuais e penais, presunção de inocência, a ampla defesa, o contraditório, ou seja, os direitos inerentes a qualquer cidadão que venha a praticar um ato infracional […]”

     Ainda, para Saraiva[6]:

“A imensa mobilização popular que resultou no Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, trouxe com ela um sentimento de que aquela Lei, no contexto da nova ordem que da Constituição de 1988 estabelecia, produziria um outro Brasil. Havia a esperança de que se tinha em mãos um instrumento capaz de reinventar a infância no Brasil”.[7]

Já no século XXI, visando garantir direitos dos adolescentes autores de atos infracionais, promovendo uma ideia de padronização do atendimento socioeducativo, em complementação à doutrina da proteção integral, foi instituído o SINASE, Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, já definido anteriormente.  

2. ADOLESCENTE E ATO INFRACIONAL

Conforme descrito no artigo 2º do ECA:

“Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”.

A adolescência é a etapa da vida, compreendida entre os doze e dezoito anos incompletos, marcada por inúmeras mudanças psicológicas, fisiológicas e afetivo-sociais, definida por Osório[8] como:

“[…] uma etapa evolutiva peculiar ao ser humano. Nela culmina todo o processo maturativo biopsicossocial do indivíduo […] não podemos compreender a adolescência estudando separadamente os aspectos biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Eles são indissociáveis e é justamente um conjunto de suas características que confere unidade ao fenômeno da adolescência.”

Estas alterações, marcadas por momentos de rebeldia, frustrações, podem abalar a autoestima e o estado emocional dos adolescentes, pois, estes deixam de ser crianças e passam e entrar no mundo dos adultos, momento em que as pressões aumentam, cobrança de familiares por estudo, trabalho, se aterem aos padrões definidos pela sociedade, e devem encarar as situações da vida com mais seriedade.

Para Pinsky e Bessa[9], a adolescência é:

“[…] uma fase de metamorfose. Época de grandes transformações, de descobertas, de rupturas e de aprendizados. É, por isso mesmo, uma fase da vida que envolve riscos, medos, amadurecimento e instabilidades. As mudanças orgânicas e hormonais, típicas dessa faixa etária, podem deixar os jovens agitados, agressivos, cheios de energia e de disposição em um determinado o momento. Mas, no momento seguinte, eles podem acometidos de sonolência, de tédio e de uma profunda insatisfação com seu próprio corpo, com a escola, com a família, com o mundo e com a própria vida.”

 A expressão ato infracional criada pelos legisladores na elaboração do ECA, visa definir uma ação praticada por adolescente, comparada a ato criminoso ou contravenção penal. Não se diz que o adolescente é autor de um crime ou contravenção penal, mas que ele é autor de ato infracional, para isso o art. 103 do ECA definiu que: “Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.”

 Diante disto, todos os atos infracionais praticados por adolescente são equiparados aos crimes tipificados no Código Penal e nas leis extravagantes, bem como na Lei de Contravenções Penais.

O ECA considera autores de infração apenas os adolescentes – 12 a 18 anos – e os jovens de 18 a 21 anos, conforme exposto no parágrafo único do artigo 2º desta lei:

“Art. 2º […]

Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.”

As circunstâncias que levam a um adolescente a se tornar infrator são muitas vezes complexas e variadas. Winnicott[10] traz a negligência e a privação familiar como fatores responsáveis pelo cometimento de delitos. Caracteriza, ainda, que a ausência do convívio familiar proporciona uma não criação de um vínculo para assumir realmente seu papel, não havendo, então, uma figura que represente autoridade, seja por situações de maus-tratos, abandono, privações materiais, alcoolismo ou drogas.

Ainda, segundo Schelb apud Silveira[11]:

“[…] muitos delitos praticados por adolescentes está associado ao consumo de drogas, o mundo das drogas durante muito tempo se restringiu ao mundo dos adultos, porém nos últimos 30 anos passou a fazer parte dos mundos das crianças e adolescentes que acabaram se tornando os maiores usuários. O jovem tem necessidade natural de sempre estar experimentando os limites sociais de seu comportamento, como forma de assimilar o mundo, por isso, muitos têm o desejo de experimentar drogas. Sendo que os primeiros contatos com a droga está associado aos instintos naturais de um ser “em fase peculiar de desenvolvimento: curiosidade, imitação, auto afirmação, etc” (…) “há também outras causas, relacionadas a processos psicológicos autodestrutivos de origem individual, familiar ou social, como a vontade de transgredir, a revolta contra todos, a opressão social ou econômica ou até mesmo deficiências mentais”. Diante desta realidade, diversos estudos demonstram que a maioria dos usuários de drogas já esteve em contato com a justiça penal, pois a probabilidade de que usuários de drogas pratiquem atos ilícitos do que não-usuários […]”

Neste sentido, Schelb destaca:

“Crimes cometidos sob influência de drogas: lesões corporais, roubo, furto, dano (vandalismo e pichação), desacato, ameaça, etc.

Crimes cometidos para alimentar o vício: crimes patrimoniais (como roubo e furto), tráfico de drogas,etc.

Crimes cometidos no âmbito do funcionamento dos mercados ilícitos: formação de quadrilha, homicídios, lesões corporais, etc.

Tendo como orientação esses referenciais sobre a criminalidade vinculado ao uso ou tráfico de drogas, é importante que o profissional esteja atento aos atos infracionais (crimes) praticados por adolescentes, pois eles podem indicar um possível envolvimento com drogas”. [12]

Com isso, resta-se configurado o intimo nexo entre o consumo de drogas e a prática de ato infracional, uma vez que o início do consumo desencadeia o início da prática.

3. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO EM DECORRÊNCIA DA PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL

Entre toda a temática que envolve refletir sobre alguns princípios importantes para o estudo. Destacam-se entre outros, o Princípio da legalidade ou da reserva legal, Intervenção Mínima, Humanidade e Culpabilidade, todos, princípios penais; e ainda, os princípios da excepcionalidade, brevidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Como aduz o SINASE:

“Art. 35.  A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios: 

I – legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto; 

II – excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos; 

III – prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas; 

IV – proporcionalidade em relação à ofensa cometida; 

V – brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 122 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); 

VI – individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente; 

VII – mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida; 

VIII – não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e

IX – fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo.”

Princípios, estes, que traçam os caminhos da execução da medida socioeducativa, afim de que sejam garantidos, aos adolescentes autores de atos infracionais, os direitos conferidos por lei.

3.1 Princípio da Legalidade

Descrito na Constituição Federal de 1988, no art. 5º, XXXIX, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

A legalidade é pressuposto necessário para aplicação de uma medida socioeducativa, pois se temos o ato infracional como fato análogo ao definido com crime ou contravenção penal, este deve estar positivado na lei. Com isso, como traz SPOSATO[13] “o catálogo de fatos puníveis dos adolescentes nunca poderá ser mais amplo que o dos adultos, mas sim se recomenda que seja mais restrito”.

Neste mesmo sentido confirmamos que as medidas socioeducativas aplicáveis no ordenamento jurídico brasileiro, também estão em consonância com o citado princípio, pois todas estão descritas na lei.

Neste sentido, destacam-se os artigos 37.b) da Convenção sobre os Direitos da Criança[14]:

“Nenhuma criança será privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária. A detenção, a reclusão ou a prisão de uma criança serão efetuadas em conformidade com a lei e apenas como último recurso, e durante o mais breve período de tempo que for apropriado;”

Ainda, o artigo 40.2 a), do mesmo diploma:

“Que não se alegue que nenhuma criança tenha infringido as leis penais, nem se acuse ou declare culpada nenhuma criança de ter infringido estas leis, por atos ou omissões que não eram proibidos pela legislação nacional ou pelo direito internacional no momento em que foram cometidos.”

Para tanto é primordial a observação deste princípio para que arbitrariedades não sejam praticadas pelo Estado ou seus representantes.

3.2 Princípio da Intervenção Mínima

Apesar de doutrinadores argumentarem que o Estatuto da criança e do adolescente não ter um espírito punitivo nem retributivo, e sim, de caráter pedagógico e não punitivo, que assim também entendemos, porém, não podemos deixar de concordar, também, com SPOSATO no sentido de que “não podemos reduzir o Direito da Criança e do Adolescente à disciplina da prática de atos infracionais”. O estatuto descreve todo sistema de direitos e garantias fundamentais, como também, impõe medidas aplicáveis no caso de ocorrer a prática de ato infracional, que, neste caso, deve-se operar a idéia de ultima ratio. SPOSATO defende a existência de um Direito Penal Juvenil como:

“O Direito Penal Juvenil, nesse sentido, situa-se como a Ultima Ratio do Sistema de Justiça da Infância e Juventude. Seu caráter fragmentário demonstra-se pela sua incidência restrita à verificação da autoria e materialidade de atos infracionais, que por sua vez, assim como os crimes, objetivam proteger bens jurídicos determinados. Sua feição subsidiária é reforçada pela existência de três segmentos de políticas públicas destinadas a crianças e adolescentes: políticas sociais básicas, políticas protetivas e políticas socioeducativas. As últimas só têm lugar quando as demais falharam em seus objetivos”.[15]

Por fim, não há que se discutir a aplicação ou não deste princípio no direito da infância e adolescência pois, este, encontra-se expresso em disposições do Estatuto e também dos documentos internacionais. As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e Juventude contém a intervenção mínima como princípio norteador descrito no item 17.1, alínea “b”: “As restrições à liberdade pessoal do jovem serão impostas somente após estudo cuidadoso e se reduzirão ao mínimo possível.”

3.3 Princípio da Humanidade

Amplamente abordado na Constituição Federal de 88, o Princípio da Humanidade é abordado no Artigo 1º da carta magna, trazendo como fundamento:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […]

III – a dignidade da pessoa humana;”

Ainda, tal princípio é abordado no artigo 5º, como:

“Art. 5º. […]

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; […]

XLVII – não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis; […]

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;”

 Tal princípio afasta o aspecto punitivo da pena ou medida socioeducativa e fixa critérios como racionalidade e proporcionalidade, como requisitos essenciais. Importante destacarmos que os critérios de racionalidade e proporcionalidade trazidos por este princípio encontram ampla aplicação no direito da infância e adolescência, pois: a racionalidade supera a retribuição, distinguindo-se da vingança, tornando-se positiva; já a proporcionalidade prega o justo equilíbrio entre o ato praticado e sanção imposta. Definido, assim, claramente pelo §1º do artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração”.

Para Sposato[16]:

“A medida socioeducativa adstrita à racionalidade não possui caráter meramente retributivo, ainda que em face de uma limitação ou restrição de direitos do adolescente denote uma carga negativa e coercitiva. Sua natureza, sendo penal, conjuga as duas espécies de prevenção como finalidades a serem atingidas. A prevenção geral, em suas duas feições, positiva e negativa, uma vez que se faz presente a reprovabilidade da conduta pela limitação ou restrição de direitos que a medida ocasiona. Já a prevenção especial deve pautar-se pela análise das condições pessoais do adolescente e do conjunto de serviços e políticas que satisfatoriamente reduziriam sua vulnerabilidade ao próprio sistema e à marginalização social.”

Ainda, para a autora:

“A idéia central consiste na redução da intervenção penal ao mínimo indispensável, especialmente em se tratando da adolescência. Neste campo, o grande desafio está em ponderar as condições objetivas do fato delituoso e as condições subjetivas do autor (como a personalidade), e ainda a ineficácia do sistema de justiça. Isso porque a reação legal não poderá ser desproporcionada nem mais violenta que as condutas que quer reprimir. O princípio, desse modo, interfere diretamente na imposição da medida adequada, mas também produz efeitos quanto à duração e à forma de cumprimento.”

Com isso, deve-se considerar que o adolescente este em pela formação do seu caráter, devendo dispensar ao adolescente um tratamento proporcional ao ato praticado, com o intuito de responsabilizá-lo e não penalizá-lo.

3.4 Princípio da Culpabilidade

Descrito na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º:

“XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.”

Como descreve Sposato:

“O princípio da culpabilidade pode ser visto como uma decorrência do reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Sua formulação equivale à máxima: nullum crime sine culpa, ou seja, não há crime sem culpabilidade. Por conseqüência não há pena sem culpabilidade: nulla poena sine culpa.”

Tal princípio, suscitado por defensores do Direito Penal juvenil, revela que a responsabilização de cumprimento da medida socioeducativa deve recair sobre a pessoa do adolescente infrator, entretanto, tal idéia deve ser mitigada, quando se trata da medida socioeducativa de obrigação de reparar o dano e esta necessitar de um dispêndio financeiro, o qual deverá recair na figura dos pais ou responsáveis. 

3.5 Princípios da Excepcionalidade, Brevidade e Respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento

Para Antônio Carlos Gomes da Costa, a brevidade da medida socioeducativa “é o reconhecimento de que a subtração de um ser humano do convívio social não é a melhor maneira de educá-lo para esse convívio.” Ou seja, a determinação da medida socioeducativa deve ser, se assim decidida, pelo menor tempo possível, nunca ultrapassando os três anos, avaliada a cada seis meses.

Ainda, para o autor, “O princípio da excepcionalidade traduz o reconhecimento de que, antes de aplicar essa medida, deve-se considerar seriamente a possibilidade de aplicação ao caso do elenco de medidas alternativas à sua adoção.” O fato é que a internação deve ser aplicada em último caso.

Por fim, em relação ao princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, deve-se ter em conta o fato de que na adolescência “…o ser humano está plasmando sua identidade e forjando seu projeto de vida, a adoção dessa medida assume um caráter extremamente comprometedor desses dois dinamismos fundamentais do desenvolvimento pessoa e social de um jovem.”[17]

CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, que os princípios são peças fundamentais para que haja uma apuração, bem como, a responsabilização do adolescente infrator, diferente da que é dispensada ao criminoso adulto. Atendendo à doutrina da Proteção Integral, deve ser dado ao adolescente um tratamento diferente do adulto, considerando a sua situação peculiar de pessoa em desenvolvimento.

 

Referências
BRASIL. Lei 8.090 de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA;
BRASIL. Lei 12.594 de 2012, Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE;
BRASIL. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Dispõe sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança;
COSTA, Antônio Carlos Gomes da Os regimes de Atendimentos no Estatuto da Criança e do Adolescente: perspectivas e desafios. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006;
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SILVEIRA, Rita de Cássia Caldas da Adolescência e Ato infracional. Disponível em: < http://www.unibrasil.com.br/arquivos/direito/20092/rita-de-cassia-caldas-da-silveira.pdf>;
SPOSATO, Karyna Batista. Princípios e garantias para um direito penal juvenil mínimo. In: Justiça, adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006;
VOLPI, Mário. Sem liberdade, sem direitos: a privação de liberdade na percepção do adolescente. São Paulo: Cortez, 2001;
WINNICOTT, Donald Woods. Privação e delinqüência. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
 
Notas:
[1] GRACIANI, Maria Stela Santos; ET al. Crianças e adolescentes têm direitos: conheça o Sistema de garantia dos Direitos e saiba como participar. 1. ed. São Paulo: CONDECA: Manufatura de ideias, 2013. 

[2] FUNDAÇÃO CASA. Novos Tempos, Antigos Sonhos. Fundação CASA. Escrevendo uma nova história. Central Business Comunicação e Editora LTDA.

[3] VOLPI, Mário. Sem liberdade, sem direitos: a privação de liberdade na percepção do adolescente. São Paulo: Cortez, 2001. p. 32-33.

[4] GRACIANI, Maria Stela Santos; ET al. Crianças e adolescentes têm direitos: conheça o Sistema de garantia dos Direitos e saiba como participar. 1. ed. São Paulo: CONDECA: Manufatura de ideias, 2013, p13. 

[5] SILVEIRA, Rita de Cássia Caldas da Adolescência e Ato infracional. p. 17. Disponível em: < http://www.unibrasil.com.br/arquivos/direito/20092/rita-de-cassia-caldas-da-silveira.pdf>. Acesso em: 16 mar 2014.

[6] Consultor na área de Direitos da Criança e Adolescente, professor na Escola Superior da Magistratura e no Curso de Pós-Graduação em Direito da Criança na FEMP-RS. Foi Juiz da Infância e Juventude, autor de diversas obras nesta área, Coordenador de área na Escola Nacional da Magistratura. 

[7] SARAIVA, João Batista Costa. Legem Habemus! O SINASE agora é lei. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/infanciahome_c/adolescente_em_conflito_com_a_Lei/Doutrina_adolescente/Legem%20habemus!%20O%20SINASE%20agora%20%C3%A9%20Lei.pdf> Acesso em: 16 mar 2014.

[8] OSÓRIO, Luiz Carlos. Adolescente Hoje. Porto alegre: Artes Médicas, 1989. p. 10.

[9] PINSKY, Ilana, BESSA, Marco Antonio. Adolescência e drogas. São Paulo: Contexto, 2004. p. 11.

[10] WINNICOTT, Donald Woods. Privação e delinqüência. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

[11] SILVEIRA, Rita de Cássia Caldas da Adolescência e Ato infracional.. p. 10-11. Disponível em: < http://www.unibrasil.com.br/arquivos/direito/20092/rita-de-cassia-caldas-da-silveira.pdf>. Acesso em: 16 mar 2014.

[12] SCHELB, Guilherme Zanina. Violência e criminalidade infanto-juvenil: Intervenções e encaminhamentos. Brasília: [s.n.], 2004. p. 55-59.

[13] SPOSATO, Karyna Batista. Princípios e garantias para um direito penal juvenil mínimo. In: Justiça, adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. p. 254.

[14] BRASIL. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Dispõe sobre a Convenção sobre os Direitos da Criança.

[15] SPOSATO, Karyna Batista. Princípios e garantias para um direito penal juvenil mínimo. In: Justiça, adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. p.256.

[16] SPOSATO, Karyna Batista. Princípios e garantias para um direito penal juvenil mínimo. In: Justiça, adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. p.263.

[17] COSTA, Antônio Carlos Gomes da Os regimes de Atendimentos no Estatuto da Criança e do Adolescente: perspectivas e desafios. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006. p. 67-68.


Informações Sobre o Autor

João Rafael Mião

Professor de Educação Física. Advogado. Socioeducador. Diretor de Unidade da Fundação CASA-SP


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