Segurança e saúde do trabalhador: atualidades e questões polêmicas

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Resumo: Busca-se, nesse trabalho, analisar os principais empecilhos ou dificuldades enfrentadas pelo trabalhador em um mundo pós-moderno, no qual o sistema neoliberalista é o grande vilão da saúde do obreiro. Fazendo um comparativo entre a história e os dias atuais, percebemos que o modelo de mercado vigente não é suficientemente protetivo ao trabalhador, na medida em que este (trabalhador) está em plano secundário de importância, enquanto a produção em larga escala, a captação de novos mercados e os lucros são as prioridades. Após avaliarmos os principais obstáculos do mundo atual à segurança e saúde do trabalhador, enfatizam-se dois problemas contemporâneos, polêmicos e muito vistos, que, devido ao crescimento desenfreado e as novas necessidades do mercado, viraram questões comuns – porém perigosas – no mercado de trabalho brasileiro: as terceirizações e o trabalho rural, todos estes encarados na ótica da saúde e segurança do trabalhador.

Palavras-chave: segurança, saúde, trabalhador, terceirização, rural

Abstract: Looking up, in this research, analyze the main obstacles or difficulties faced by the worker in a post modern world, in which the system of neoliberalism is the villain of the health worker. Making a comparison between the history and the present day, we realized that the current market model is not sufficiently protective to the worker, to the extent that this (worker) plan is secondary in importance, while the large-scale production, uptake new markets and profits are priorities. After evaluating the major obstacles of the current world security and worker health, emphasize three contemporary problems, and very controversial visas, which, due to rampant growth and new market needs, issues became common – but dangerous – market Brazilian labor: the outsourcing and the rural labor, all these seen in the perspective of health and worker safety.

Keywords: safety, health, worker, outsourcing, rural

Sumário: 1. Introdução. 2. O surgimento da medicina do trabalho. 3. Os obstáculos à proteção plena. 4. Questões polêmicas. 4.1 A terceirização de mão de obra e as doenças do trabalho. 4.2 A exposição do trabalhador rural a agentes danosos. 5. Conclusão. Referências.

1. introdução

A saúde e a segurança do trabalhador nunca estiveram tão em pauta. A legislação nacional, bem como as convenções e tratados internacionais, não acompanham as necessidades atuais dos trabalhadores no tocante à questão da saúde, da segurança, do meio ambiente do trabalho e da sua dignidade.

As políticas públicas de prevenção a acidentes e a fiscalização não são compatíveis com o novo sistema em que o mercado e os ganhos econômicos estão em primeiro lugar para os empresários. Estes não possuem mais a mesma preocupação em relação aos seus obreiros e não são capazes de vê-los como os responsáveis pelo seu sucesso; querem apenas lucro e mais lucro.

No contexto atual, a promoção da saúde como um todo é precária e alarmante. A Previdência Social não possui mais estrutura e capital para atender a todos os segurados, e os casos de acidentes e doenças laborais só crescem. Além disso, o poder sindical – uma das poucas esperanças dos trabalhadores – não possui mais imponência, e a força produtiva do país está entregue.

Defende-se a utilização de equipamentos de proteção individual, em detrimento dos que poderiam significar a proteção coletiva; normatizam-se formas de trabalhar consideradas seguras, o que, em determinadas circunstâncias, supõe apenas um quadro de prevenção simbólica. Assumida essa perspectiva, são imputados aos trabalhadores os ônus por acidentes e doenças, concebidos como decorrentes da ignorância e da negligência, caracterizando uma dupla penalização (MACHADO; MINAYO-GOMEZ, 1995 apud MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).

Por outro lado, a essa forma inconsequente de lidar com a saúde e a vida, une-se a resistência dos indivíduos em aceitarem a condição de doentes. Nos dizeres de Minayo-Gomez (1997):

“O medo de perder o emprego – garantia imediata de sobrevivência – aliado aos mais variados constrangimentos que marcam a trajetória do trabalhador doente, “afastado” do trabalho, mascara, em muitos casos, a percepção dos indícios de comprometimento da saúde ou desloca-os para outras esferas da vida, inibindo ou protelando, frequentemente, ações mais incisivas de reivindicação às instâncias responsáveis pela garantia da saúde no trabalho” (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).

Exagero? Definitivamente não. É nesse cenário que se encontram os trabalhadores brasileiros. As leis do país são, sim, muitas e altamente protetivas, no papel. No entanto, o que se vê na prática é um Estado deficiente, tanto na promoção da saúde do trabalhador, como na prevenção, fiscalização e reparação destes danos.

Neste artigo, além dos obstáculos à proteção plena do trabalhador, discorreremos sobre duas questões polêmicas – e muito vistas – nos dias de hoje: as terceirizações e o trabalho rural, ambas analisadas numa perspectiva diferente: a da segurança do trabalhador.

2. O surgimento da medicina do trabalho

Antes de adentrarmos ao campo da saúde do trabalhador em nosso país, importante tecermos breves comentários sobre o nascimento deste tema no mundo. A medicina do trabalho, enquanto especialidade médica, surgiu na Inglaterra na primeira metade do século XIX. Naquele tempo, devido ao acelerado processo de produção e crescimento econômico, as condições de trabalho eram desumanas, advindo, daí, a necessidade iminente de intervenção pela busca de melhores condições para os obreiros.

A estratégia adotada pelos produtores, como sugestão de um médico chamado Robert Becker, foi a de colocar em suas fábricas seus próprios médicos. Dessa forma, estes profissionais poderiam ter livre acesso às salas e aos ambientes de trabalho, com liberdade para terem conversas diretas com os trabalhadores, identificarem seus problemas e fazerem a intermediação entre os obreiros, seus patrões e os consumidores. Assim, após a identificação dos males que acometiam o ambiente de labor, caberia aos médicos de cada empresa fazer cessar as causas dos danos, e tal responsabilidade se restringia apenas a este profissional, portanto, havendo doença relacionada ao ambiente de trabalho, era dever do médico extinguir seus efeitos, pois recairia sobre este a responsabilidade pelos danos causados por estas enfermidades. (MENDES; DIAS, 1991)

Este modelo rapidamente se expandiu para o restante da Europa e, logo após, para os países periféricos.

“A inexistência ou a fragilidade dos sistemas de saúde, quer como expressão do seguro social, quer diretamente providos pelo Estado, via serviço de saúde pública, fez com que os serviços médicos de empresas passassem a exercer um papel vicariante, consolidando, ao mesmo tempo, sua vocação enquanto instrumento de criar e manter a dependência do trabalhador ao lado do exercício direto do controle da força de trabalho” (MENDES; DIAS, 1991).

A crescente necessidade de fiscalização e de implementação de orientações em escala global cominou no nascimento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, havendo sido a primeira recomendação acerca de medicina do trabalho publicada no ano de 1959, dispondo que a medicina do trabalho destina-se a: a) assegurar a proteção dos trabalhadores contra todo o risco que prejudique a sua saúde e que possa resultar de seu trabalho ou das condições em que este se efetue; b) contribuir à adaptação física e mental dos trabalhadores, em particular pela adequação do trabalho e pela sua colocação em lugares de trabalho correspondentes a suas aptidões; c) contribuir ao estabelecimento e manutenção do nível mais elevado possível do bem-estar físico e mental dos trabalhadores.

Com efeito, importante que se destaque, desde logo, a conotação e o respeito que se deu à questão da saúde mental do trabalhador. Vedou-se a exposição do trabalhador a agentes causadores de danos psíquicos, ambientes desumanos e degradantes, além de impor a necessidade de adequar o local de labor às condições e atribuições de cada obreiro, tratando-os de forma diferenciada e respeitosa, vez que estes são “objetos” ou “meios” de destaque na produção, na movimentação econômica e devem ter sua dignidade protegida de forma crucial.

Analisando, ainda, a questão da adequação do trabalhador ao ambiente e a importância dos cuidados a serem tomados com os obreiros, imperioso torna-se transcrever os comentários de Oliveira e Teixeira sobre o tema, no tocante aos seus resultados:

“Em primeiro lugar, a seleção de pessoal possibilita a escolha de uma mão de obra menos geradora de problemas futuros como o absentismo e suas consequências (interrupção da produção, gastos com obrigações sociais, etc). Em segundo lugar, o controle deste absentismo na força de trabalho já empregada, analisando os casos de doenças, faltas, licenças, obviamente com mais cuidado e controle da empresa. Outro aspecto é a possibilidade de obter um retorno mais rápido da força de trabalho e produção.” (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986 apud MENDES; DIAS, 1991).

No Brasil as discussões sobre a segurança e saúde do trabalhador acaloraram-se entre as décadas de 70 e 80, na chamada Revolução Sanitária Brasileira, que tinha como ideário a formulação de políticas públicas de saúde – um dos temas para a assembleia constituinte reformadora que seria realizada nos anos 80. Nesse contexto, a cunhagem da expressão Saúde do Trabalhador foi se consolidando ao longo desses anos, principalmente a partir do discurso mais incisivamente reivindicatório e reformista do movimento sindical, mais combativo e sensível as questões da saúde, à base técnica e acadêmica das áreas que lidam com as relações saúde/segurança/trabalho (OLIVEIRA; VASCONCELLOS, 2000).

Em 1986, a I Convenção Nacional de Saúde do Trabalhador apontou a necessidade da criação de políticas públicas que protegessem o obreiro de todos os males a ele expostos, incorporando tais responsabilidades ao Sistema Único de Saúde (SUS) – ainda nascente –, o que fora, dois anos após, redigido na Carta Magna de 1988, em seu capítulo sobre a saúde.

No entanto, conforme será demonstrado nas linhas subsequentes, o atual sistema tornou-se um tanto defasado diante das mudanças ocorridas, principalmente no que se refere à economia, à necessidade de produção em larga escala, a mercantilização dos serviços (terceirização) e às novas doenças do trabalho que surgiram, quer seja devido à exposição a agentes novos, quer seja devido à pouca quantidade de descanso a que os trabalhadores desfrutam, quer seja pela terceirização desenfreada de mão de obra, ou até mesmo pelos atrasos salariais, maus tratos e humilhações sofridas pelos obreiros nos dias atuais. Todas essas questões capazes de gerar danos na esfera psíquica e consequentemente à saúde daquele que é a força que movimenta o mundo moderno.

3. Os obstáculos à proteção plena

Conforme relatado acima, a linha econômica moderna impôs aos empregados uma série de ônus a suportar, uma vez que a legislação, bem como os meios de fiscalização, tornaram-se obsoletos em seus papeis fundamentais frente às nova exigências do mercado.

É certo que o Brasil é um dos países do mundo cuja legislação trabalhista é uma das mais completas, mas nem sempre a qualidade dos dispositivos significam o seu cumprimento e sua eficácia.

“O Brasil, em particular, possui uma forte retaguarda normativa no tema da segurança e saúde no trabalho e o mesmo não se dá nos demais países [do Mercosul]. Cabe destacar que a extensa normatização brasileira pode ser ‘confundida’ com um excesso de regulamentação governamental nas questões privadas e entrar no bojo das propostas flexibilizadoras do neoliberalismo.” (RIBEIRO, 1997 apud OLIVEIRA; VASCONCELLOS, 2000).

Portanto, apesar de incontáveis normas protetivas, a tal proteção que se espera não é o que se vê na prática. A todo o momento vemos trabalhadores tendo seus direitos lesados e nunca houve tantos acidentes e doenças do trabalho como hoje. Nos últimos vinte anos, considerando-se apenas os casos ocorridos no Brasil com trabalhadores segurados pela Previdência Social, houve mais de meio milhão de mortes ou incapacidades permanentes para o trabalho. No total, considerando-se os acidentes de trabalho oficialmente notificados (com a emissão da CAT), sem considerar os trabalhadores acidentados, que não são contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho, e apesar de conhecida subnotificação dos acidentes, nos últimos 20 anos ocorreram em torno de trinta milhões de eventos (POSSAS, 1989; MACHADO, 1991 apud OLIVEIRA; VASCONCELLOS, 2000).

Ora, nunca o trabalhador esteve tão desprotegido. Frise-se que grande parte da culpa deverá recair sobre os empregadores, pois são nestes meios que o trabalhador é visto apenas como objeto de produção. A necessidade de avançar para almejar conquistas cada vez mais lucrativas acaba “vendando” os olhos do empregador no que concerne ao carro chefe do seu sucesso: o empregado. O crescimento desenfreado da economia gera uma concentração de esforços do empresário apenas no trabalho do obreiro e em sua produção, tornando os empreendedores omissos no que se refere às medidas preventivas de acidentes e de doenças laborais.

Segundo Vasconcellos (1995), o discurso corrente da qualidade total é voltado invariavelmente para a qualidade do produto, sem levar em conta a qualidade de vida do produtor do produto, ou seja, o trabalhador. A conquista de novos mercados é a meta primordial das empresas e apesar de haver algum ganho do consumidor, o trabalhador não é incorporado como alvo do sistema gestor de qualidade. O próprio consumidor tem um acesso restrito às informações do que se passa no cotidiano do trabalho, pois as empresas brasileiras continuam operando como verdadeiros “bunckers”, refratários à participação da sociedade, instância maior de controle no jogo regulador do sistema democrático.

Outro entrave reside no fato de a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ser de responsabilidade dos empregadores. Como sabemos, muitas empresas ainda resistem em atender à legislação e emitir este comunicado e, muitas vezes, só o fazem quando os agravos à saúde já são irreparáveis e o trabalhador já é considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício de qualquer atividade (MIRANDA, 2006).

A preferência dos empregadores por não lançar a CAT acaba por prejudicar os trabalhadores como um todo, eis que os dados do INSS sobre acidentes de trabalho passam a serem desatualizados e precários de informações, e, quando se omite a ocorrência de uma doença laboral, não há como o Estado interferir na questão preventiva específica.

Ademais, o sistema público de saúde (SUS) é falido e a previdência está abarrotada de beneficiários esvaziando seus cofres. Sendo assim, os trabalhadores tornam-se reféns, pois concentram todos os seus esforços no sentido do ganho econômico e se sujeitam às condições insalubres sem questionar, em troca dos adicionais devidos. Deste modo, observa-se que quem assume a conta e os riscos são aqueles que deveriam estar plenamente protegidos.

Nos dizeres de Mendes & Dias (1991):

“Apesar das mudanças estabelecidas na legislação trabalhista, foram mantidas na legislação previdenciária/acidentária as características básicas de uma prática medicalizada, de cunho individual, e voltada exclusivamente para os trabalhadores engajados no setor formal de trabalho. Caberia saber porque o modelo da saúde ocupacional não conseguiu atingir os objetivos propostos. Dentre os fatores que poderiam ser listados estão: a) o modelo mantém o referencial da medicina do trabalho firmado no mecanicismo; b) não concretiza o apelo à interdisciplinaridade: as atividades apenas se justapõem de maneira desarticulada e são dificultadas pelas lutas corporativas; c) a capacitação de recursos humanos, a produção de conhecimento e tecnologia de intervenção não acompanham o ritmo da transformação dos processos de trabalho; d) o modelo, apesar de enfocar a questão do coletivo de trabalhadores, continua a abordá-los como “objeto” das ações de saúde; d) a manutenção da saúde ocupacional no âmbito do trabalho, em detrimento do setor saúde.”

Com efeito, o Estado não tem se atentado que a grande problemática da relação trabalho-saúde está sob o seu poder. O modelo de prevenção concentra-se no trabalhador como o “objeto das ações de saúde”, quando o entrave está numa questão muito mais abrangente e geral: a saúde como um todo. Quando as políticas públicas voltadas à promoção da saúde não estão em ordem, não há como existirem ações específicas eficazes.

Um outro problema, neste mesmo sentido, se encontra na desorganização dos entes fiscalizadores. Como é comum em nosso país, a delegação de funções e a quantidade de organismos é imensa, o que torna a fiscalização praticamente sem efeito.

“Alguns órgãos atuam na prevenção, outros nas consequências e outros ainda na reparação, mas ninguém tem visão nítida do conjunto. O fracionamento dessas competências faz com que o grande problema da saúde do trabalhador seja transformado numa questão menor, diluída no quadro de atribuições de cada um desses órgãos”. (OLIVEIRA, 1996).

Nesse passo, fica compreensível porque é tão difícil diagnosticar e tratar uma doença do trabalho: a passagem por processos produtivos diversos podem mascarar os nexos causais e diluir a possibilidade de estabelecê-los (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).

A sugestão de Fadel de Vasconcelos e Barros Oliveira (2000) é a criação de um “Sistema Integral de Saúde do Trabalhador”, configurado em rede e subordinado ao setor de saúde, mas que passe, necessariamente, pelas instâncias do Estado e sociedade. Ora, o que os eminentes autores sugerem é que haja, além de um órgão ou um ministério centralizado e específico, uma maior participação da sociedade, do Estado, dos entes sindicais, dos setores com responsabilidade no campo ambiental, para que se reordene a produção de conhecimentos nos campos pragmáticos da saúde do trabalhador.

Políticas como essa permitirão que o obreiro se sinta valorizado, seguro, abraçado pela lei e pelas ações de governo nesse sentido. Outro modo de elevar a estima do empregado, e forçar o cumprimento das ações preventivas pelo empregador, é a criação de um certificado de qualidade de vida no trabalho, como sugerem os autores acima citados. Para terem direito ao certificado, os empreendedores deveriam cumprir determinadas metas, dentre elas possuírem um sistema de controle de riscos para os trabalhadores. Assim, receberiam incentivos fiscais, o que engrandeceria ainda mais os cuidados a serem tomados.

Voltando-se a atenção governamental para a questão do meio ambiente do trabalho, muito mais protegidos estarão os trabalhadores, pois, em tese, as forças estarão direcionadas para a prevenção, tornando digno e adequado o local de labor, reduzindo, assim, a probabilidade de ocorrências de doenças ou acidentes de trabalho.

Nos dizeres de Raimundo Simão de Melo (2011):

“O meio ambiente de trabalho é o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentam (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos, etc) (…) O meio ambiente de trabalho adequado e seguro é um dos mais importantes e fundamentais direitos do cidadão trabalhador, o qual, se desrespeitado, provoca agressão a toda a sociedade, que, no final das contas, é quem custeia a Previdência Social”. (DE MELO, 2011).

O direito a um meio ambiente seguro é cláusula intrínseca ao contrato de trabalho, não necessitando ser expressa, pois é condição inerente à atividade e, inclusive, propiciadora de melhor aproveitamento do trabalhador na própria produção, beneficiando até mesmo seu empregador. Portanto, permitir ou forçar o obreiro a trabalhar em ambiente inadequado é uma afronta aos mais básicos princípios inerentes à raça humana: atinge de forma visceral o plano da dignidade e da honra do trabalhador, expondo-os aos meios que poderão torná-lo provisoriamente doente, incapaz ou até mesmo, em casos extremos, tirando-lhes a vida.

Conforme o exposto, há de se perceber que o trabalhador não está completamente protegido. Os obstáculos são grandes e numerosos – nós elencamos apenas alguns deles –, no entanto há possibilidades de mudanças, sim. Contudo, existem outras questões polêmicas mais específicas.

4. Questões polêmicas

4.1 A terceirização de mão de obra e as doenças do trabalho

Conforme esclarecido linhas acima, o modelo neoliberalista que enfrentamos é o principal responsável por algumas modificações ocorridas nas relações de trabalho. Como vimos, há uma supervalorização do indivíduo em contraposição ao coletivo e há o incentivo à concorrência e à disputa em oposição à solidariedade social (DRUCK; FRANCO, 1997).

A terceirização de mão de obra é um dos institutos mais polêmicos nos dias atuais. O que deveria ser a exceção virou a regra. Como analisa Carlos Roberto Miranda (2006): O processo de globalização dos mercados com a exigência de novos programas de gestão da produção, de reorganização do trabalho e de inovação tecnológica, obrigou as empresas no país a se reciclarem para enfrentar a concorrência”. Deste modo, a necessidade de cortes de gastos e, consequentemente, aumento de lucratividade amparou o surgimento de um instituto antes rechaçado, que encontrou brechas na lei e se instalou de forma perigosa no Brasil.

As contratações por empresa interposta avançaram de forma tão feroz que pegaram o judiciário de surpresa, abarrotando-os de ações referentes a questões de terceirização. Para tanto, o TST editou o enunciado 256, reconhecendo a ilegalidade do instituto, salvo nos casos de trabalho temporário e de vigilância. Nos dizeres de Carlos Roberto Miranda, as controvérsias continuaram envolvendo as empresas de prestação de serviços enquanto o processo de terceirização avançava concreta e aceleradamente. A súmula 331 do TST indicou a não formação de vínculo entre os empregados terceirizados e a empresa contratante de mão de obra, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta.

No nosso entender, reside aí a grande questão: não havendo vínculo, abrem-se portas para que hajam mais e mais contratações de empregados terceirizados, deixando-os mais expostos aos riscos, com mais dificuldades de garantirem seus direitos trabalhistas e sendo os mesmos “lançados” de uma empresa para outra, num modelo em que nenhuma das duas (contratante e contratada) querem assumir os riscos e as responsabilidades em casos de ocorrências de eventuais acidentes.

Conforme dito, a principal mudança no mundo do trabalho continua sendo a redução de custos – que provoca uma lenta precarização das condições de trabalho e de emprego. Os objetivos das empresas é concentrar as tarefas e responsabilidades em relação à produção, deixando em segundo plano serviços não menos essenciais como segurança, informática, limpeza, etc – há quem já terceirize serviços administrativos e de secretários,bem como de atendimento ao consumidor (os SAC’s). Para estes serviços, as tomadoras contratam empresas especializadas em determinada atividade para trabalhar em seu ambiente de trabalho e, como não são seus empregados efetivos, é evidente que não serão tratados com o mesmo cuidado.

Além do exposto acima, estudos apontam que os níveis salariais e o empenho em ações preventivas de doenças do trabalho são inferiores nas empresas subcontratadas. Dados do DIEESE mostram que quase 70% das empresas subcontratadas pagavam salários menores do que as contratantes, e em 32% das empresas a terceirização estava associada à ausência de equipamentos de proteção individual, menor segurança e maior insalubridade (MIRANDA, 2006).

Há de se convir que normalmente as empresas subcontratadas, por prestarem serviços específicos, são economicamente menores do que as empresas contratantes, pagam salários mais baixos e seus trabalhadores ficam expostos a mais riscos, vez que são obrigados a trabalhar no ambiente de trabalho da empresa contratante o que, em tese, é totalmente desconhecido para eles. Não obstante, empregados de empresas interpostas, por serem mal pagos, moram mal, comem mal e, por isso, estão mais suscetíveis a doenças.

O que se busca com a terceirização, além das reduções de custos, é a transferência de responsabilidades por eventuais danos sofridos pelo trabalhador à empresa contratada. Como bem alerta Miranda (2006), os acidentes e doenças profissionais que envolvem trabalhadores de serviços terceirizados não são considerados pela contratante, portando dificilmente são comunicados ao INSS.

E o mesmo autor continua sua explanação citando um relatório publicado pela OIT que mostra que até três quartos dos empregados de uma plataforma de petróleo são terceirizados. Em relação à frequência dos acidentes de trabalho, as análises estatísticas revelam uma incidência muito maior entre trabalhadores terceirizados.

“Dentre as causas para isto é citado o fato de estes trabalhadores realizarem a maioria das atividades perigosas ao mesmo tempo que possuem tanto menor capacitação e treinamento, como desfrutam menos direitos quando comparados aos trabalhadores diretos das empresas, tendo isto diversas implicações em termos de segurança”. (MIRANDA, 2006).

Portanto, há de se alertar para essa situação, pois é grave. A necessidade de legislação com maior poder de abraçar e proteger o trabalhador terceirizado é urgente, pois os mesmos estão sendo lesados pela irresponsabilidades das empresas contratantes e contratadas. A Justiça do Trabalho está inundada de processos envolvendo terceirizações – muitas delas ilegais – em que as empresas pretendem se esquivar de suas responsabilidades na promoção da segurança, de condições dignas de trabalho e de um salário justo. As empresas contratantes alegam não ser delas o empregado acidentado, enquanto as empresas contratadas defendem a tese de que o ambiente de trabalho alheio não é de responsabilidade delas.

Neste ínterim o obreiro fica a mercê da escassa boa vontade das empresas ou do poder público para ver resolvida sua questão.

4.2 A exposição do trabalhador rural a agentes danosos

Neste item não discorreremos acerca dos efeitos dos agentes físicos, químicos e biológicos especificamente no corpo e na vida dos trabalhadores rurais. Por outro lado, teceremos comentários no que diz respeito à vulnerabilidade destes trabalhadores, entrando pela problemática do tema e trazendo alguns dados, principalmente sobre a utilização de agrotóxicos em nosso país. Como será demonstrado, o problema é muito maior do que parece ser, e os obreiros estão mais expostos do que imaginamos.

As alterações tecnológicas e a mecanização da agricultura deram seu início na década de trinta, com a conseqüente substituição da mão de obra humana pelas máquinas, principal motivo do êxodo rural. A partir da segunda guerra mundial, os agrotóxicos e agroquímicos tiveram seu aparecimento, dando início à tecnologia que hoje conhecemos com a difusão dos chamados alimentos transgênicos. (ABRAMOVAY, 1992 apud DA SILVA; NOVATO-SILVA; FARIA; PINHEIRO, 2005).

O que ocorre no presente é que os produtores não são mais como antes. O setor de alimentos no país vem crescendo de forma descomunal, clamando pela necessidade de transformação do que antes era uma pequena propriedade rural, de economia familiar, em indústrias multinacionais dos alimentos, das matérias primas de vestuários, da madeira para construção e de tudo o que possa ter sua fonte primária produzida em meio à natureza – também explica a necessidade de terceirização dos serviços conforme analisado tópico acima.

Segundo o ensinamento de Grisolia (2005):

“Todo esse processo constitui o arcabouço da chamada modernização agrícola que, se por um lado tem gerado aumento da produtividade, por outro tem provocado exclusão social, migração rural, desemprego, concentração de renda, empobrecimento da população rural e danos à saúde e ao meio ambiente – desmatamento indiscriminado, manejo incorreto do solo, impactos do uso de agrotóxicos, contaminação dos recursos hídricos, etc.”

Tendo essa concepção como base, é admissível que se relacione os principais riscos e danos que acometem os agricultores: a) acidentes com ferramentas manuais, com máquinas ou implementos agrícolas; b) acidentes com animais peçonhentos; c) exposições a radiações solares por longos períodos; d) ruídos e vibrações presentes em equipamentos como motosserras, colheitadeiras e tratores; e) exposição à partículas de grãos, ácaros e pólen; f) exposição a fertilizantes e agrotóxicos. (DA SILVA; NOVATO-SILVA; FARIA; PINHEIRO, 2005).

Ora, havemos de tirar uma conclusão sobre o que acabamos de citar. Ao contrário do que ocorre com trabalhadores comuns (de áreas urbanas), que, em casos de exposição à agentes insalubres, ficam vulneráveis  apenas a um ou outro malefício (por exemplo: o gari que tem como risco o mau cheiro e o triturador do caminhão; ou o agente comunitário de saúde que fica exposto somente ao sol e às endemias), o trabalhador rural, em sua maioria, permanece indefeso diante de todos ou quase todos os riscos citados nas linhas acima. Ou seja, serão estes trabalhadores sempre expostos ao sol, a animais, ao maquinário e, dependendo do tamanho da propriedade e o objeto de sua produção, ao pior de todos os agentes causadores de doenças: o agrotóxico.

Segundo dados do Sindicato Nacional da Industria para a Defesa Agrícola (Sindag), em 2001, o Brasil foi o oitavo país mais consumidor de tóxicos agrícolas no mundo. As lavouras em que mais são utilizados estes produtos são nas de soja, milho, arroz e algodão.

“Além da exposição ocupacional, a contaminação alimentar e ambiental coloca em risco outros grupos populacionais. Merecem destaque as famílias dos agricultores, a população circunvizinha a uma unidade produtiva e a população em geral, que se alimenta do que é produzido no campo”. (SILVA, 2005)

Deste modo, conforme pudemos observar, e nem sempre nos atentamos, os agrotóxicos não estão apenas no campo, pelo contrário: já estão em nossas mesas.

Além disso, continua a mesma autora em sua análise, alertando que se soma a estes fatores de risco outras condições que tornam o trabalhador rural diferenciado e prejudicado: os baixos salários, as condições sanitárias inadequadas, a carência de alimentos e da deficiência nos serviços de saúde.

Sobre este último ponto, cumpre destacar que a dificuldade enfrentada pelos trabalhadores rurais para terem acesso aos órgãos de saúde é um dos fatores mais graves, que desencadeiam perigosos males. Devido às grandes distâncias dos centros de saúdes, nem sempre se chega a um médico em tempo hábil havendo situações de emergência. Ademais, as cidades circunvizinhas às regiões rurais são, grande partes das vezes, desequipadas, com aparelhamento defasado e profissionais despreparados para atender casos mais graves. Isto, ao contrário do que se possa imaginar, influencia diretamente no diagnóstico e no tratamento a ser receitado ao paciente.

Não para por aí. Dados do Censo Agropecuário de 2006, revelam que 18,6% dos trabalhadores rurais são compostos por crianças menores de 14 anos que, apesar de serem mais frágeis do ponto de vista físico e biológico, são submetidas a jornadas de trabalho exaustivas e expostas aos mesmos agentes danosos que os demais empregados. Não obstante, essas crianças acabam por terem seus direitos ofendidos, no sentido de que praticamente perdem a infância, a capacidade de socialização, a possibilidade de terem lazer e, consequentemente, não frequentam a escola.

Diante do exposto, o empresário rural revela-se um tanto promissor, porém não podemos afirmar o mesmo em relação aos seus trabalhadores. Estes últimos estão cercados de potenciais agentes agressores durante todo o período de trabalho. Infelizmente em nosso país a saúde e a segurança do trabalho ainda não tem uma implementação e uma atuação eficaz em zonas distanciadas.

5. Conclusão

Devemos observar que o amparo ao trabalhador exige muito mais que uma série de leis específicas ou a criação de inúmeros órgãos governamentais de fiscalização. Necessita-se de empenho, dedicação exclusiva para que se tenha eficácia.

Não é razoável que se proteja o trabalhador brasileiro apenas com uma caneta e um papel. São necessários projetos, discussões e audiência públicas, porque o problema que estamos enfatizando é de ordem social, e não uma questão particular de cada empregado. Ações como essa atingem o âmago da sociedade como um todo, afinal segurança do trabalho está na legislação e na doutrina como direito de primeira grandeza, portanto deverá ser oferecido pelo Estado de forma contínua e rígida.

Deverão ser os empregadores e empresários punidos em caso de descumprimento, desleixo e negligência. É necessário mais vigor, mais empenho, mais planejamento, afinal, estamos discutindo, não somente sobre direitos trabalhistas, mas sobre a proteção da vida, da integridade, da dignidade, da honra. A situação, infelizmente, é muito mais abrangente e muito mais grave e urgente.

Referências
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DA SILVA, Jandira Maciel; NOVATO-SILVA, Eliane; FARIA, Horácio Pereira; PINHEIRO, Tarcisio Márcio Magalhães. Agrotóxico e trabalho: uma combinação perigosa para a saúde do trabalhador rural. 2005. Portal Ciência e Saúde Coletiva. Disponível em http://www.ergonomianotrabalho.com.br/artigos/agrotrab.pdf. Acessado em 18 out 2012.
DE MELO, Raimundo Simão. Direito Ambiental do Trabalho e Saúde do Trabalhador. 3ª Edição – LTR. Material da aula 1ª da disciplina: Segurança e saúde do trabalhador, ministrada no curso de pós-graduação televirtual de Direito e Processo do Trabalho – Anhanguera-Uniderp | Rede FLG, 2011.
DRUCK, G.; FRANCO, T.  –  A Degradação do Trabalho e os Riscos Industriais no Contexto da Globalização, Reestruturação Produtiva e das Políticas Neoliberais. In: FRANCO, T. (org.). Trabalho, Riscos Ambientais e Meio Ambiente: Rumo ao Desenvolvimento Sustentável?. Salvador, Ed. EDUFBA, 1997.  p. 15-32.
FADEL DE VASCONCELLOS, L. C., 1995. Saúde no Mundo do Trabalho – Perspectivas para o Brasil do 3º milênio, in América Latina e Caribe, Desafios do Século XXI, Rio de Janeiro: Programa de Estudos de América Latina e Caribe (PROEALC) / Centro de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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MENDES, René; DIAS, Elizabeth Costa. Da medicina do trabalho à saúde do trabalhador. 1991. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rsp/v25n5/03.pdf. Acessado em 18 out 2012.
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MINAYO GOMEZ, Carlos; THEDIM-COSTA, S. M da Fonseca. A construção do campo da saúde do trabalhador: percurso e dilemas. Cadernos de saúde pública, 1997. Disponível em www.saad.inf.br. Acessado em 18 out 2012.
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Informações Sobre o Autor

Pedro Teixeira Fernandes

Advogado Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho Pós-Graduando em Direito Previdenciário


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Segurança e saúde do trabalhador: atualidades e questões polêmicas

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Resumo: Busca-se, nesse trabalho, analisar os principais empecilhos ou dificuldades enfrentadas pelo trabalhador em um mundo pós-moderno, no qual o sistema neoliberalista é o grande vilão da saúde do obreiro. Fazendo um comparativo entre a história e os dias atuais, percebemos que o modelo de mercado vigente não é suficientemente protetivo ao trabalhador, na medida em que este (trabalhador) está em plano secundário de importância, enquanto a produção em larga escala, a captação de novos mercados e os lucros são as prioridades. Após avaliarmos os principais obstáculos do mundo atual à segurança e saúde do trabalhador, enfatizam-se dois problemas contemporâneos, polêmicos e muito vistos, que, devido ao crescimento desenfreado e as novas necessidades do mercado, viraram questões comuns – porém perigosas – no mercado de trabalho brasileiro: as terceirizações e o trabalho rural, todos estes encarados na ótica da saúde e segurança do trabalhador.

Palavras-chave: segurança, saúde, trabalhador, terceirização, rural

Abstract: Looking up, in this research, analyze the main obstacles or difficulties faced by the worker in a post modern world, in which the system of neoliberalism is the villain of the health worker. Making a comparison between the history and the present day, we realized that the current market model is not sufficiently protective to the worker, to the extent that this (worker) plan is secondary in importance, while the large-scale production, uptake new markets and profits are priorities. After evaluating the major obstacles of the current world security and worker health, emphasize three contemporary problems, and very controversial visas, which, due to rampant growth and new market needs, issues became common – but dangerous – market Brazilian labor: the outsourcing and the rural labor, all these seen in the perspective of health and worker safety.

Keywords: safety, health, worker, outsourcing, rural

Sumário: 1. Introdução. 2. O surgimento da medicina do trabalho. 3. Os obstáculos à proteção plena. 4. Questões polêmicas. 4.1 A terceirização de mão de obra e as doenças do trabalho. 4.2 A exposição do trabalhador rural a agentes danosos. 5. Conclusão. Referências.

1. introdução

A saúde e a segurança do trabalhador nunca estiveram tão em pauta. A legislação nacional, bem como as convenções e tratados internacionais, não acompanham as necessidades atuais dos trabalhadores no tocante à questão da saúde, da segurança, do meio ambiente do trabalho e da sua dignidade.

As políticas públicas de prevenção a acidentes e a fiscalização não são compatíveis com o novo sistema em que o mercado e os ganhos econômicos estão em primeiro lugar para os empresários. Estes não possuem mais a mesma preocupação em relação aos seus obreiros e não são capazes de vê-los como os responsáveis pelo seu sucesso; querem apenas lucro e mais lucro.

No contexto atual, a promoção da saúde como um todo é precária e alarmante. A Previdência Social não possui mais estrutura e capital para atender a todos os segurados, e os casos de acidentes e doenças laborais só crescem. Além disso, o poder sindical – uma das poucas esperanças dos trabalhadores – não possui mais imponência, e a força produtiva do país está entregue.

Defende-se a utilização de equipamentos de proteção individual, em detrimento dos que poderiam significar a proteção coletiva; normatizam-se formas de trabalhar consideradas seguras, o que, em determinadas circunstâncias, supõe apenas um quadro de prevenção simbólica. Assumida essa perspectiva, são imputados aos trabalhadores os ônus por acidentes e doenças, concebidos como decorrentes da ignorância e da negligência, caracterizando uma dupla penalização (MACHADO; MINAYO-GOMEZ, 1995 apud MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).

Por outro lado, a essa forma inconsequente de lidar com a saúde e a vida, une-se a resistência dos indivíduos em aceitarem a condição de doentes. Nos dizeres de Minayo-Gomez (1997):

“O medo de perder o emprego – garantia imediata de sobrevivência – aliado aos mais variados constrangimentos que marcam a trajetória do trabalhador doente, “afastado” do trabalho, mascara, em muitos casos, a percepção dos indícios de comprometimento da saúde ou desloca-os para outras esferas da vida, inibindo ou protelando, frequentemente, ações mais incisivas de reivindicação às instâncias responsáveis pela garantia da saúde no trabalho” (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).

Exagero? Definitivamente não. É nesse cenário que se encontram os trabalhadores brasileiros. As leis do país são, sim, muitas e altamente protetivas, no papel. No entanto, o que se vê na prática é um Estado deficiente, tanto na promoção da saúde do trabalhador, como na prevenção, fiscalização e reparação destes danos.

Neste artigo, além dos obstáculos à proteção plena do trabalhador, discorreremos sobre duas questões polêmicas – e muito vistas – nos dias de hoje: as terceirizações e o trabalho rural, ambas analisadas numa perspectiva diferente: a da segurança do trabalhador.

2. O surgimento da medicina do trabalho

Antes de adentrarmos ao campo da saúde do trabalhador em nosso país, importante tecermos breves comentários sobre o nascimento deste tema no mundo. A medicina do trabalho, enquanto especialidade médica, surgiu na Inglaterra na primeira metade do século XIX. Naquele tempo, devido ao acelerado processo de produção e crescimento econômico, as condições de trabalho eram desumanas, advindo, daí, a necessidade iminente de intervenção pela busca de melhores condições para os obreiros.

A estratégia adotada pelos produtores, como sugestão de um médico chamado Robert Becker, foi a de colocar em suas fábricas seus próprios médicos. Dessa forma, estes profissionais poderiam ter livre acesso às salas e aos ambientes de trabalho, com liberdade para terem conversas diretas com os trabalhadores, identificarem seus problemas e fazerem a intermediação entre os obreiros, seus patrões e os consumidores. Assim, após a identificação dos males que acometiam o ambiente de labor, caberia aos médicos de cada empresa fazer cessar as causas dos danos, e tal responsabilidade se restringia apenas a este profissional, portanto, havendo doença relacionada ao ambiente de trabalho, era dever do médico extinguir seus efeitos, pois recairia sobre este a responsabilidade pelos danos causados por estas enfermidades. (MENDES; DIAS, 1991)

Este modelo rapidamente se expandiu para o restante da Europa e, logo após, para os países periféricos.

“A inexistência ou a fragilidade dos sistemas de saúde, quer como expressão do seguro social, quer diretamente providos pelo Estado, via serviço de saúde pública, fez com que os serviços médicos de empresas passassem a exercer um papel vicariante, consolidando, ao mesmo tempo, sua vocação enquanto instrumento de criar e manter a dependência do trabalhador ao lado do exercício direto do controle da força de trabalho” (MENDES; DIAS, 1991).

A crescente necessidade de fiscalização e de implementação de orientações em escala global cominou no nascimento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, havendo sido a primeira recomendação acerca de medicina do trabalho publicada no ano de 1959, dispondo que a medicina do trabalho destina-se a: a) assegurar a proteção dos trabalhadores contra todo o risco que prejudique a sua saúde e que possa resultar de seu trabalho ou das condições em que este se efetue; b) contribuir à adaptação física e mental dos trabalhadores, em particular pela adequação do trabalho e pela sua colocação em lugares de trabalho correspondentes a suas aptidões; c) contribuir ao estabelecimento e manutenção do nível mais elevado possível do bem-estar físico e mental dos trabalhadores.

Com efeito, importante que se destaque, desde logo, a conotação e o respeito que se deu à questão da saúde mental do trabalhador. Vedou-se a exposição do trabalhador a agentes causadores de danos psíquicos, ambientes desumanos e degradantes, além de impor a necessidade de adequar o local de labor às condições e atribuições de cada obreiro, tratando-os de forma diferenciada e respeitosa, vez que estes são “objetos” ou “meios” de destaque na produção, na movimentação econômica e devem ter sua dignidade protegida de forma crucial.

Analisando, ainda, a questão da adequação do trabalhador ao ambiente e a importância dos cuidados a serem tomados com os obreiros, imperioso torna-se transcrever os comentários de Oliveira e Teixeira sobre o tema, no tocante aos seus resultados:

“Em primeiro lugar, a seleção de pessoal possibilita a escolha de uma mão de obra menos geradora de problemas futuros como o absentismo e suas consequências (interrupção da produção, gastos com obrigações sociais, etc). Em segundo lugar, o controle deste absentismo na força de trabalho já empregada, analisando os casos de doenças, faltas, licenças, obviamente com mais cuidado e controle da empresa. Outro aspecto é a possibilidade de obter um retorno mais rápido da força de trabalho e produção.” (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986 apud MENDES; DIAS, 1991).

No Brasil as discussões sobre a segurança e saúde do trabalhador acaloraram-se entre as décadas de 70 e 80, na chamada Revolução Sanitária Brasileira, que tinha como ideário a formulação de políticas públicas de saúde – um dos temas para a assembleia constituinte reformadora que seria realizada nos anos 80. Nesse contexto, a cunhagem da expressão Saúde do Trabalhador foi se consolidando ao longo desses anos, principalmente a partir do discurso mais incisivamente reivindicatório e reformista do movimento sindical, mais combativo e sensível as questões da saúde, à base técnica e acadêmica das áreas que lidam com as relações saúde/segurança/trabalho (OLIVEIRA; VASCONCELLOS, 2000).

Em 1986, a I Convenção Nacional de Saúde do Trabalhador apontou a necessidade da criação de políticas públicas que protegessem o obreiro de todos os males a ele expostos, incorporando tais responsabilidades ao Sistema Único de Saúde (SUS) – ainda nascente –, o que fora, dois anos após, redigido na Carta Magna de 1988, em seu capítulo sobre a saúde.

No entanto, conforme será demonstrado nas linhas subsequentes, o atual sistema tornou-se um tanto defasado diante das mudanças ocorridas, principalmente no que se refere à economia, à necessidade de produção em larga escala, a mercantilização dos serviços (terceirização) e às novas doenças do trabalho que surgiram, quer seja devido à exposição a agentes novos, quer seja devido à pouca quantidade de descanso a que os trabalhadores desfrutam, quer seja pela terceirização desenfreada de mão de obra, ou até mesmo pelos atrasos salariais, maus tratos e humilhações sofridas pelos obreiros nos dias atuais. Todas essas questões capazes de gerar danos na esfera psíquica e consequentemente à saúde daquele que é a força que movimenta o mundo moderno.

3. Os obstáculos à proteção plena

Conforme relatado acima, a linha econômica moderna impôs aos empregados uma série de ônus a suportar, uma vez que a legislação, bem como os meios de fiscalização, tornaram-se obsoletos em seus papeis fundamentais frente às nova exigências do mercado.

É certo que o Brasil é um dos países do mundo cuja legislação trabalhista é uma das mais completas, mas nem sempre a qualidade dos dispositivos significam o seu cumprimento e sua eficácia.

“O Brasil, em particular, possui uma forte retaguarda normativa no tema da segurança e saúde no trabalho e o mesmo não se dá nos demais países [do Mercosul]. Cabe destacar que a extensa normatização brasileira pode ser ‘confundida’ com um excesso de regulamentação governamental nas questões privadas e entrar no bojo das propostas flexibilizadoras do neoliberalismo.” (RIBEIRO, 1997 apud OLIVEIRA; VASCONCELLOS, 2000).

Portanto, apesar de incontáveis normas protetivas, a tal proteção que se espera não é o que se vê na prática. A todo o momento vemos trabalhadores tendo seus direitos lesados e nunca houve tantos acidentes e doenças do trabalho como hoje. Nos últimos vinte anos, considerando-se apenas os casos ocorridos no Brasil com trabalhadores segurados pela Previdência Social, houve mais de meio milhão de mortes ou incapacidades permanentes para o trabalho. No total, considerando-se os acidentes de trabalho oficialmente notificados (com a emissão da CAT), sem considerar os trabalhadores acidentados, que não são contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho, e apesar de conhecida subnotificação dos acidentes, nos últimos 20 anos ocorreram em torno de trinta milhões de eventos (POSSAS, 1989; MACHADO, 1991 apud OLIVEIRA; VASCONCELLOS, 2000).

Ora, nunca o trabalhador esteve tão desprotegido. Frise-se que grande parte da culpa deverá recair sobre os empregadores, pois são nestes meios que o trabalhador é visto apenas como objeto de produção. A necessidade de avançar para almejar conquistas cada vez mais lucrativas acaba “vendando” os olhos do empregador no que concerne ao carro chefe do seu sucesso: o empregado. O crescimento desenfreado da economia gera uma concentração de esforços do empresário apenas no trabalho do obreiro e em sua produção, tornando os empreendedores omissos no que se refere às medidas preventivas de acidentes e de doenças laborais.

Segundo Vasconcellos (1995), o discurso corrente da qualidade total é voltado invariavelmente para a qualidade do produto, sem levar em conta a qualidade de vida do produtor do produto, ou seja, o trabalhador. A conquista de novos mercados é a meta primordial das empresas e apesar de haver algum ganho do consumidor, o trabalhador não é incorporado como alvo do sistema gestor de qualidade. O próprio consumidor tem um acesso restrito às informações do que se passa no cotidiano do trabalho, pois as empresas brasileiras continuam operando como verdadeiros “bunckers”, refratários à participação da sociedade, instância maior de controle no jogo regulador do sistema democrático.

Outro entrave reside no fato de a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ser de responsabilidade dos empregadores. Como sabemos, muitas empresas ainda resistem em atender à legislação e emitir este comunicado e, muitas vezes, só o fazem quando os agravos à saúde já são irreparáveis e o trabalhador já é considerado incapaz para o trabalho e insuscetível de reabilitação para o exercício de qualquer atividade (MIRANDA, 2006).

A preferência dos empregadores por não lançar a CAT acaba por prejudicar os trabalhadores como um todo, eis que os dados do INSS sobre acidentes de trabalho passam a serem desatualizados e precários de informações, e, quando se omite a ocorrência de uma doença laboral, não há como o Estado interferir na questão preventiva específica.

Ademais, o sistema público de saúde (SUS) é falido e a previdência está abarrotada de beneficiários esvaziando seus cofres. Sendo assim, os trabalhadores tornam-se reféns, pois concentram todos os seus esforços no sentido do ganho econômico e se sujeitam às condições insalubres sem questionar, em troca dos adicionais devidos. Deste modo, observa-se que quem assume a conta e os riscos são aqueles que deveriam estar plenamente protegidos.

Nos dizeres de Mendes & Dias (1991):

“Apesar das mudanças estabelecidas na legislação trabalhista, foram mantidas na legislação previdenciária/acidentária as características básicas de uma prática medicalizada, de cunho individual, e voltada exclusivamente para os trabalhadores engajados no setor formal de trabalho. Caberia saber porque o modelo da saúde ocupacional não conseguiu atingir os objetivos propostos. Dentre os fatores que poderiam ser listados estão: a) o modelo mantém o referencial da medicina do trabalho firmado no mecanicismo; b) não concretiza o apelo à interdisciplinaridade: as atividades apenas se justapõem de maneira desarticulada e são dificultadas pelas lutas corporativas; c) a capacitação de recursos humanos, a produção de conhecimento e tecnologia de intervenção não acompanham o ritmo da transformação dos processos de trabalho; d) o modelo, apesar de enfocar a questão do coletivo de trabalhadores, continua a abordá-los como “objeto” das ações de saúde; d) a manutenção da saúde ocupacional no âmbito do trabalho, em detrimento do setor saúde.”

Com efeito, o Estado não tem se atentado que a grande problemática da relação trabalho-saúde está sob o seu poder. O modelo de prevenção concentra-se no trabalhador como o “objeto das ações de saúde”, quando o entrave está numa questão muito mais abrangente e geral: a saúde como um todo. Quando as políticas públicas voltadas à promoção da saúde não estão em ordem, não há como existirem ações específicas eficazes.

Um outro problema, neste mesmo sentido, se encontra na desorganização dos entes fiscalizadores. Como é comum em nosso país, a delegação de funções e a quantidade de organismos é imensa, o que torna a fiscalização praticamente sem efeito.

“Alguns órgãos atuam na prevenção, outros nas consequências e outros ainda na reparação, mas ninguém tem visão nítida do conjunto. O fracionamento dessas competências faz com que o grande problema da saúde do trabalhador seja transformado numa questão menor, diluída no quadro de atribuições de cada um desses órgãos”. (OLIVEIRA, 1996).

Nesse passo, fica compreensível porque é tão difícil diagnosticar e tratar uma doença do trabalho: a passagem por processos produtivos diversos podem mascarar os nexos causais e diluir a possibilidade de estabelecê-los (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).

A sugestão de Fadel de Vasconcelos e Barros Oliveira (2000) é a criação de um “Sistema Integral de Saúde do Trabalhador”, configurado em rede e subordinado ao setor de saúde, mas que passe, necessariamente, pelas instâncias do Estado e sociedade. Ora, o que os eminentes autores sugerem é que haja, além de um órgão ou um ministério centralizado e específico, uma maior participação da sociedade, do Estado, dos entes sindicais, dos setores com responsabilidade no campo ambiental, para que se reordene a produção de conhecimentos nos campos pragmáticos da saúde do trabalhador.

Políticas como essa permitirão que o obreiro se sinta valorizado, seguro, abraçado pela lei e pelas ações de governo nesse sentido. Outro modo de elevar a estima do empregado, e forçar o cumprimento das ações preventivas pelo empregador, é a criação de um certificado de qualidade de vida no trabalho, como sugerem os autores acima citados. Para terem direito ao certificado, os empreendedores deveriam cumprir determinadas metas, dentre elas possuírem um sistema de controle de riscos para os trabalhadores. Assim, receberiam incentivos fiscais, o que engrandeceria ainda mais os cuidados a serem tomados.

Voltando-se a atenção governamental para a questão do meio ambiente do trabalho, muito mais protegidos estarão os trabalhadores, pois, em tese, as forças estarão direcionadas para a prevenção, tornando digno e adequado o local de labor, reduzindo, assim, a probabilidade de ocorrências de doenças ou acidentes de trabalho.

Nos dizeres de Raimundo Simão de Melo (2011):

“O meio ambiente de trabalho é o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentam (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos, etc) (…) O meio ambiente de trabalho adequado e seguro é um dos mais importantes e fundamentais direitos do cidadão trabalhador, o qual, se desrespeitado, provoca agressão a toda a sociedade, que, no final das contas, é quem custeia a Previdência Social”. (DE MELO, 2011).

O direito a um meio ambiente seguro é cláusula intrínseca ao contrato de trabalho, não necessitando ser expressa, pois é condição inerente à atividade e, inclusive, propiciadora de melhor aproveitamento do trabalhador na própria produção, beneficiando até mesmo seu empregador. Portanto, permitir ou forçar o obreiro a trabalhar em ambiente inadequado é uma afronta aos mais básicos princípios inerentes à raça humana: atinge de forma visceral o plano da dignidade e da honra do trabalhador, expondo-os aos meios que poderão torná-lo provisoriamente doente, incapaz ou até mesmo, em casos extremos, tirando-lhes a vida.

Conforme o exposto, há de se perceber que o trabalhador não está completamente protegido. Os obstáculos são grandes e numerosos – nós elencamos apenas alguns deles –, no entanto há possibilidades de mudanças, sim. Contudo, existem outras questões polêmicas mais específicas.

4. Questões polêmicas

4.1 A terceirização de mão de obra e as doenças do trabalho

Conforme esclarecido linhas acima, o modelo neoliberalista que enfrentamos é o principal responsável por algumas modificações ocorridas nas relações de trabalho. Como vimos, há uma supervalorização do indivíduo em contraposição ao coletivo e há o incentivo à concorrência e à disputa em oposição à solidariedade social (DRUCK; FRANCO, 1997).

A terceirização de mão de obra é um dos institutos mais polêmicos nos dias atuais. O que deveria ser a exceção virou a regra. Como analisa Carlos Roberto Miranda (2006): O processo de globalização dos mercados com a exigência de novos programas de gestão da produção, de reorganização do trabalho e de inovação tecnológica, obrigou as empresas no país a se reciclarem para enfrentar a concorrência”. Deste modo, a necessidade de cortes de gastos e, consequentemente, aumento de lucratividade amparou o surgimento de um instituto antes rechaçado, que encontrou brechas na lei e se instalou de forma perigosa no Brasil.

As contratações por empresa interposta avançaram de forma tão feroz que pegaram o judiciário de surpresa, abarrotando-os de ações referentes a questões de terceirização. Para tanto, o TST editou o enunciado 256, reconhecendo a ilegalidade do instituto, salvo nos casos de trabalho temporário e de vigilância. Nos dizeres de Carlos Roberto Miranda, as controvérsias continuaram envolvendo as empresas de prestação de serviços enquanto o processo de terceirização avançava concreta e aceleradamente. A súmula 331 do TST indicou a não formação de vínculo entre os empregados terceirizados e a empresa contratante de mão de obra, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta.

No nosso entender, reside aí a grande questão: não havendo vínculo, abrem-se portas para que hajam mais e mais contratações de empregados terceirizados, deixando-os mais expostos aos riscos, com mais dificuldades de garantirem seus direitos trabalhistas e sendo os mesmos “lançados” de uma empresa para outra, num modelo em que nenhuma das duas (contratante e contratada) querem assumir os riscos e as responsabilidades em casos de ocorrências de eventuais acidentes.

Conforme dito, a principal mudança no mundo do trabalho continua sendo a redução de custos – que provoca uma lenta precarização das condições de trabalho e de emprego. Os objetivos das empresas é concentrar as tarefas e responsabilidades em relação à produção, deixando em segundo plano serviços não menos essenciais como segurança, informática, limpeza, etc – há quem já terceirize serviços administrativos e de secretários,bem como de atendimento ao consumidor (os SAC’s). Para estes serviços, as tomadoras contratam empresas especializadas em determinada atividade para trabalhar em seu ambiente de trabalho e, como não são seus empregados efetivos, é evidente que não serão tratados com o mesmo cuidado.

Além do exposto acima, estudos apontam que os níveis salariais e o empenho em ações preventivas de doenças do trabalho são inferiores nas empresas subcontratadas. Dados do DIEESE mostram que quase 70% das empresas subcontratadas pagavam salários menores do que as contratantes, e em 32% das empresas a terceirização estava associada à ausência de equipamentos de proteção individual, menor segurança e maior insalubridade (MIRANDA, 2006).

Há de se convir que normalmente as empresas subcontratadas, por prestarem serviços específicos, são economicamente menores do que as empresas contratantes, pagam salários mais baixos e seus trabalhadores ficam expostos a mais riscos, vez que são obrigados a trabalhar no ambiente de trabalho da empresa contratante o que, em tese, é totalmente desconhecido para eles. Não obstante, empregados de empresas interpostas, por serem mal pagos, moram mal, comem mal e, por isso, estão mais suscetíveis a doenças.

O que se busca com a terceirização, além das reduções de custos, é a transferência de responsabilidades por eventuais danos sofridos pelo trabalhador à empresa contratada. Como bem alerta Miranda (2006), os acidentes e doenças profissionais que envolvem trabalhadores de serviços terceirizados não são considerados pela contratante, portando dificilmente são comunicados ao INSS.

E o mesmo autor continua sua explanação citando um relatório publicado pela OIT que mostra que até três quartos dos empregados de uma plataforma de petróleo são terceirizados. Em relação à frequência dos acidentes de trabalho, as análises estatísticas revelam uma incidência muito maior entre trabalhadores terceirizados.

“Dentre as causas para isto é citado o fato de estes trabalhadores realizarem a maioria das atividades perigosas ao mesmo tempo que possuem tanto menor capacitação e treinamento, como desfrutam menos direitos quando comparados aos trabalhadores diretos das empresas, tendo isto diversas implicações em termos de segurança”. (MIRANDA, 2006).

Portanto, há de se alertar para essa situação, pois é grave. A necessidade de legislação com maior poder de abraçar e proteger o trabalhador terceirizado é urgente, pois os mesmos estão sendo lesados pela irresponsabilidades das empresas contratantes e contratadas. A Justiça do Trabalho está inundada de processos envolvendo terceirizações – muitas delas ilegais – em que as empresas pretendem se esquivar de suas responsabilidades na promoção da segurança, de condições dignas de trabalho e de um salário justo. As empresas contratantes alegam não ser delas o empregado acidentado, enquanto as empresas contratadas defendem a tese de que o ambiente de trabalho alheio não é de responsabilidade delas.

Neste ínterim o obreiro fica a mercê da escassa boa vontade das empresas ou do poder público para ver resolvida sua questão.

4.2 A exposição do trabalhador rural a agentes danosos

Neste item não discorreremos acerca dos efeitos dos agentes físicos, químicos e biológicos especificamente no corpo e na vida dos trabalhadores rurais. Por outro lado, teceremos comentários no que diz respeito à vulnerabilidade destes trabalhadores, entrando pela problemática do tema e trazendo alguns dados, principalmente sobre a utilização de agrotóxicos em nosso país. Como será demonstrado, o problema é muito maior do que parece ser, e os obreiros estão mais expostos do que imaginamos.

As alterações tecnológicas e a mecanização da agricultura deram seu início na década de trinta, com a conseqüente substituição da mão de obra humana pelas máquinas, principal motivo do êxodo rural. A partir da segunda guerra mundial, os agrotóxicos e agroquímicos tiveram seu aparecimento, dando início à tecnologia que hoje conhecemos com a difusão dos chamados alimentos transgênicos. (ABRAMOVAY, 1992 apud DA SILVA; NOVATO-SILVA; FARIA; PINHEIRO, 2005).

O que ocorre no presente é que os produtores não são mais como antes. O setor de alimentos no país vem crescendo de forma descomunal, clamando pela necessidade de transformação do que antes era uma pequena propriedade rural, de economia familiar, em indústrias multinacionais dos alimentos, das matérias primas de vestuários, da madeira para construção e de tudo o que possa ter sua fonte primária produzida em meio à natureza – também explica a necessidade de terceirização dos serviços conforme analisado tópico acima.

Segundo o ensinamento de Grisolia (2005):

“Todo esse processo constitui o arcabouço da chamada modernização agrícola que, se por um lado tem gerado aumento da produtividade, por outro tem provocado exclusão social, migração rural, desemprego, concentração de renda, empobrecimento da população rural e danos à saúde e ao meio ambiente – desmatamento indiscriminado, manejo incorreto do solo, impactos do uso de agrotóxicos, contaminação dos recursos hídricos, etc.”

Tendo essa concepção como base, é admissível que se relacione os principais riscos e danos que acometem os agricultores: a) acidentes com ferramentas manuais, com máquinas ou implementos agrícolas; b) acidentes com animais peçonhentos; c) exposições a radiações solares por longos períodos; d) ruídos e vibrações presentes em equipamentos como motosserras, colheitadeiras e tratores; e) exposição à partículas de grãos, ácaros e pólen; f) exposição a fertilizantes e agrotóxicos. (DA SILVA; NOVATO-SILVA; FARIA; PINHEIRO, 2005).

Ora, havemos de tirar uma conclusão sobre o que acabamos de citar. Ao contrário do que ocorre com trabalhadores comuns (de áreas urbanas), que, em casos de exposição à agentes insalubres, ficam vulneráveis  apenas a um ou outro malefício (por exemplo: o gari que tem como risco o mau cheiro e o triturador do caminhão; ou o agente comunitário de saúde que fica exposto somente ao sol e às endemias), o trabalhador rural, em sua maioria, permanece indefeso diante de todos ou quase todos os riscos citados nas linhas acima. Ou seja, serão estes trabalhadores sempre expostos ao sol, a animais, ao maquinário e, dependendo do tamanho da propriedade e o objeto de sua produção, ao pior de todos os agentes causadores de doenças: o agrotóxico.

Segundo dados do Sindicato Nacional da Industria para a Defesa Agrícola (Sindag), em 2001, o Brasil foi o oitavo país mais consumidor de tóxicos agrícolas no mundo. As lavouras em que mais são utilizados estes produtos são nas de soja, milho, arroz e algodão.

“Além da exposição ocupacional, a contaminação alimentar e ambiental coloca em risco outros grupos populacionais. Merecem destaque as famílias dos agricultores, a população circunvizinha a uma unidade produtiva e a população em geral, que se alimenta do que é produzido no campo”. (SILVA, 2005)

Deste modo, conforme pudemos observar, e nem sempre nos atentamos, os agrotóxicos não estão apenas no campo, pelo contrário: já estão em nossas mesas.

Além disso, continua a mesma autora em sua análise, alertando que se soma a estes fatores de risco outras condições que tornam o trabalhador rural diferenciado e prejudicado: os baixos salários, as condições sanitárias inadequadas, a carência de alimentos e da deficiência nos serviços de saúde.

Sobre este último ponto, cumpre destacar que a dificuldade enfrentada pelos trabalhadores rurais para terem acesso aos órgãos de saúde é um dos fatores mais graves, que desencadeiam perigosos males. Devido às grandes distâncias dos centros de saúdes, nem sempre se chega a um médico em tempo hábil havendo situações de emergência. Ademais, as cidades circunvizinhas às regiões rurais são, grande partes das vezes, desequipadas, com aparelhamento defasado e profissionais despreparados para atender casos mais graves. Isto, ao contrário do que se possa imaginar, influencia diretamente no diagnóstico e no tratamento a ser receitado ao paciente.

Não para por aí. Dados do Censo Agropecuário de 2006, revelam que 18,6% dos trabalhadores rurais são compostos por crianças menores de 14 anos que, apesar de serem mais frágeis do ponto de vista físico e biológico, são submetidas a jornadas de trabalho exaustivas e expostas aos mesmos agentes danosos que os demais empregados. Não obstante, essas crianças acabam por terem seus direitos ofendidos, no sentido de que praticamente perdem a infância, a capacidade de socialização, a possibilidade de terem lazer e, consequentemente, não frequentam a escola.

Diante do exposto, o empresário rural revela-se um tanto promissor, porém não podemos afirmar o mesmo em relação aos seus trabalhadores. Estes últimos estão cercados de potenciais agentes agressores durante todo o período de trabalho. Infelizmente em nosso país a saúde e a segurança do trabalho ainda não tem uma implementação e uma atuação eficaz em zonas distanciadas.

5. Conclusão

Devemos observar que o amparo ao trabalhador exige muito mais que uma série de leis específicas ou a criação de inúmeros órgãos governamentais de fiscalização. Necessita-se de empenho, dedicação exclusiva para que se tenha eficácia.

Não é razoável que se proteja o trabalhador brasileiro apenas com uma caneta e um papel. São necessários projetos, discussões e audiência públicas, porque o problema que estamos enfatizando é de ordem social, e não uma questão particular de cada empregado. Ações como essa atingem o âmago da sociedade como um todo, afinal segurança do trabalho está na legislação e na doutrina como direito de primeira grandeza, portanto deverá ser oferecido pelo Estado de forma contínua e rígida.

Deverão ser os empregadores e empresários punidos em caso de descumprimento, desleixo e negligência. É necessário mais vigor, mais empenho, mais planejamento, afinal, estamos discutindo, não somente sobre direitos trabalhistas, mas sobre a proteção da vida, da integridade, da dignidade, da honra. A situação, infelizmente, é muito mais abrangente e muito mais grave e urgente.

Referências
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Informações Sobre o Autor

Pedro Teixeira Fernandes

Advogado Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho Pós-Graduando em Direito Previdenciário


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