Resumo: O presente artigo tem como tema e objetivo geral uma an‡lise jur’dica da disputa anglo-argentina pela soberania das Ilhas Malvinas (Falkland Islands). Buscou-se – atravŽs das normas, princ’pios e doutrinas do Direito Internacional Pœblico – apresentar e discutir os fundamentos hist—ricos e legais apresentados pelas duas na›es litigantes acerca do direito leg’timo de jurisdi‹o sobre o arquipŽlago.
Palavras-chave: Ilhas Malvinas. Argentina. Reino Unido. Soberania.
Abstract: The theme and general purpose of this study is a legal analysis of the Anglo-Argentine dispute over the sovereignty of the Falkland Islands (or Malvinas Islands). Through this research, it has been presented and investigated, according to the rules, principles and doctrines of International Law, both nation's arguments to the legitimate claim of jurisdiction over the islands. The method used was a deductive approach and this research is exploratory and qualitative.
Keywords: Falkland Islands. Argentina. United Kingdom. Sovereignty.
1 Introdução
O presente artigo, pretendendo uma abordagem inserida no contexto do Direito Internacional Pœblico, tem por tema as tens›es existentes entre Argentina e Reino Unido pelo exerc’cio da soberania nas Ilhas Malvinas (Falkland Islands).
Formado por aproximadamente 800 ilhas, localizadas a pouco menos de 500 quil™metros da costa sudeste da Argentina, as Malvinas possuem uma forte posi‹o estratŽgica Ð principalmente em rela‹o ao tr‡fego mar’timo na regi‹o austral da AmŽrica. O fato de projetar-se sobre o Cabo Horn e a passagem de Drake (na confluncia dos Oceanos Atl‰ntico e Pac’fico), a coloca como importante ponto de apoio para quaisquer opera›es militares e pol’ticas da regi‹o. Ademais, como destaca Campos (2011), na dŽcada de 1980, aproximadamente 70% das mercadorias e bens de interesse dos EUA e da Europa Ocidental passavam pelo Atl‰ntico Sul, caracterizando a regi‹o tambŽm como forte ponto comercial.
Por fim, cabe destacar o grande potencial natural do arquipŽlago que, devido ˆ proximidade com a Ant‡rtida, Ž fonte de grandes reservas de petr—leo e g‡s natural, ur‰nio, zinco e outros recursos minerais de grande valor (VERLY, 2012).
A presente quest‹o acerca da soberania no arquipŽlago remonta ao per’odo colonial, sendo, ˆ Žpoca, objeto de lit’gio entre Espanha e Gr‹-Bretanha. O primeiro afirma que o territ—rio ultramarino foi inicialmente colonizado por franceses no ano de 1764, que tomaram posse da regi‹o em nome do Rei Lu’s XV. Entretanto, no ano seguinte, inconscientes da presena francesa nas terras, os ingleses l‡ se estabeleceram, construindo edifica›es e povoando a parte oriental das ilhas (CASAS, 2010).
Cerca de trs anos depois, com o intuito de proteger suas col™nias sul-americanas, a Espanha compra os direitos de posse da Frana e inicia uma sŽrie de protestos para a retirada dos brit‰nicos que habitavam o arquipŽlago (CASAS, 2010).
O governo ingls jamais aceitou o pedido espanhol, por afirmar que possui provas que j‡ havia povoado as ilhas no ano de 1690. Logo, declaram que a posse francesa e a posterior reivindica‹o espanhola padeciam em legalidade (CASAS, 2010).
Ap—s a independncia argentina, este novo Estado passou a reclamar os direitos espanh—is pelas ilhas. Uma dŽcada depois, em 1833, o Reino Unido passou a ocupar continuadamente o territ—rio, enviando mais colonos ˆ regi‹o e exercendo sua soberania atŽ aos dias atuais (PASCOE; PEPPER, 2008).
Desde ent‹o, os dois pa’ses disputam a titularidade do direito de dom’nio das Malvinas. Em 1965, a Argentina conseguiu, junto ao Conselho de Segurana das Na›es Unidas, a aprova‹o da Resolu‹o 2065 (XX), que qualificava a disputa como um problema colonial e convocava as partes para encontrar uma solu‹o atravŽs de meios pac’ficos. Todavia, tais negocia›es n‹o obtiveram xito. Contudo, pode-se afirmar que as rela›es entre Argentina e o Reino Unido, entre 1965 e os anos que antecederam a guerra, foram boas e pac’ficas (ANDRADE; HISSA, 2012).
No ano de 1982, no entanto, a Argentina buscou – atravŽs do uso da fora – a ocupa‹o efetiva do territ—rio. A Gr‹-Bretanha, esgotados os meios de solu‹o pac’ficos, respondeu na mesma medida. A chamada ÒGuerra das MalvinasÓ persistiu por pouco mais de dois meses, resultando em aproximadamente 900 mortos e 2 mil feridos, alŽm do retorno da soberania ˆ coroa brit‰nica (BBC UK, 2012a).
Desde ent‹o, no plano global, observa-se que a quest‹o continua a ser discutida no ‰mbito de organiza›es e tribunais internacionais, tais como a Organiza‹o das Na›es Unidas (ONU), Organiza‹o dos Estados Americanos (OEA) e a Corte Internacional de Justia, ainda sem um resultado definitivo.
A discuss‹o acerca da soberania reacendeu na m’dia atual devido ˆs retalia›es comerciais praticadas pela Argentina aos navios de bandeira das Falklands e ˆ descoberta, recentemente divulgada, de petr—leo na regi‹o do arquipŽlago. Empresas petrol’feras brit‰nicas instalaram-se no local, e confirmaram que a qualidade do petr—leo encontrado Ž alta. O governo argentino critica o posicionamento do Reino Unido, afirmando que estes abusam do seu poder e praticam atos il’citos do Direito Internacional ao explorar as riquezas da ‡rea em conflito.
Diante do exposto e do prop—sito desta pesquisa, questiona-se: com base nas fontes, doutrinas e princ’pios do Direito Internacional, a quem pertence o direito de soberania nas Ilhas Malvinas (Falkland Islands)?
O objetivo geral deste artigo Ž investigar as raz›es jur’dico-legais que fundamentam a disputa anglo-argentina, desde seus prim—rdios aos dias atuais, para descobrir quem possui o direito leg’timo de jurisdi‹o sobre o arquipŽlago.
Este estudo justifica-se em raz‹o da ausncia de um fim a uma discuss‹o que ocorre h‡ anos, acerca de um conflito de expressiva gravidade no ‰mbito das rela›es internacionais contempor‰neas, visto que alŽm de envolver quest›es pol’ticas, sociais, econ™micas e diplom‡ticas, atinge, ainda, princ’pios, fontes e teorias do Direito Internacional.
Para fins acadmicos, este trabalho justifica-se tambŽm por permitir um melhor entendimento sobre quest›es de soberania, posse e dom’nio territorial – tema do Direito Internacional que possui tantas particularidades e que, no entanto, n‹o apresenta um nœmero significativo de estudos e pesquisas dentro do ambiente acadmico brasileiro.
Para alcanar os objetivos elencados, empregou-se o mŽtodo de abordagem dedutivo, mediante o qual ser‹o propostas considera›es espec’ficas a partir de an‡lises de pontos gerais. ƒ poss’vel classificar esta pesquisa, quanto ao n’vel de profundidade ou objetivos, como explorat—ria, e de abordagem qualitativa.
ÒEs la pelea de dos calvos por un peine[*].Ó (BORGES, [1982]).
2 Analise jur’dica do conflito anglo-argentino pelas ilhas malvinas (falkland islands)
Este cap’tulo visa apresentar e analisar os fundamentos jur’dicos utilizados pelas partes, Argentina e Reino Unido, para satisfazer seus direitos acerca do dom’nio territorial das Ilhas Malvinas (Falkland Islands).
Estudar-se-‡, entre outros, a licitude de seus pressupostos e a legalidade de seus poss’veis direitos ante as normas do Direito Internacional Pœblico.
2.1 Apresentação dos fundamentos legais argentinos
Conforme Katter (2003), n‹o h‡ dœvidas sobre a cess‹o que ocorreu quando a Espanha comprou a posse francesa em 1767. Esta, afirma o autor, Ž leg’tima, pois o governo espanhol alŽm de assinar um tratado, pagou um valor pecuni‡rio como preo indenizat—rio.
Os direitos de jurisdi‹o que a Espanha passou a ter eram anteriores aos documentos brit‰nicos, que somente foram formalizados anos depois. Logo, segundo Katter (2003), em 1767, a Espanha possu’a uma vantagem hist—rico-legal sobre o t’tulo soberano em rela‹o ao Reino Unido.
A Argentina sempre argumentou que tanto as Bulas Pontif’cias (como a Inter Coetera e Dudum si Quidem, promulgadas pelo Papa Alexandre VI, em 1493), quanto o Tratado de Tordesilhas (1494) e o Tratado de Madri (1750), colocavam as Malvinas dentro dos limites territoriais de soberania espanhola.
Todavia, para a Argentina, o principal documento hist—rico que demonstra o direito espanhol de soberania na AmŽrica do Sul Ž o Tratado de Utrech (1713), o qual determina no seu artigo XVIII[ ]:
ÒE, que precau›es mais fortes sejam adotadas em todas as partes, como dito, em rela‹o ˆ navega‹o e comŽrcio com as êndias Ocidentais, e fica acordado e conclu’do, que nem o Rei Cat—lico, nem qualquer de seus herdeiros, devem de qualquer maneira, dividir, vender, penhorar, ceder ou qualquer outra a‹o, ou sobre qualquer outro nome, alienar deles e da coroa da Espanha, para a Frana ou para qualquer outra na‹o, qualquer terra, dom’nio, territ—rio ou qualquer parte, pertencente ˆ Espanha na AmŽrica.Ó (FALKLANDIA, 2012, tradu‹o nossa, grifo nosso).
Os brit‰nicos abandonaram voluntariamente o arquipŽlago em 1774. Isso, para os espanh—is e argentinos, seria uma a‹o que, de forma expl’cita e impl’cita, demonstrava que o governo ingls reconhecia e aceitava a soberania espanhola na regi‹o.
De fato, como destaca Laver (2001), a Espanha exerceu sua soberania nas ilhas enquanto estas foram abandonadas pela Gr‹-Bretanha. Entre 1774 e 1811, o pa’s ibŽrico outorgou 33 governadores para habitar a regi‹o, demandou a destrui‹o de edifica›es brit‰nicas em Port Egmont e criou novas legisla›es para evitar o comŽrcio ilegal de pesca e caa por outras na›es europŽias. Ademais, na mesma Žpoca, o governo espanhol criou o Vice-Reinado da Prata, o qual integrava o arquipŽlago das Malvinas. Tais a›es, como afirma o autor, n‹o tiveram quaisquer obje›es por parte do governo brit‰nico.
Laver (2001) tambŽm explica que o Tratado de Versalhes, assinado em 1783, Ž outra grande fonte documental que reafirma a soberania espanhola na regi‹o, pois este proibia qualquer ocupa‹o ilegal em territ—rios j‡ conquistados pela Espanha.
Todavia, o governo brit‰nico afirma que, antes de abandonar as ilhas, espalharam pela regi‹o diversas placas de chumbo que confirmavam o intuito de continuar a exercer sua soberania e a vir a ocup‡-la novamente no futuro.
Para os defensores da soberania argentina, outra quest‹o para se discutir Ž a gram‡tica utilizada na ocasi‹o. Afirmam estes que nas placas estava escrito ÒBe it know to all nations that Falkland's Island […]Ó, argumentando que o fato de estar escrito Falkland's Island (no singular), mostra que as pretens›es inglesas limitaram-se, ˆ Žpoca, a esse estabelecimento exclusivo na ilha, e n‹o em todo o arquipŽlago (ORGANIZA‚ÌO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2012c, p.12-13).
A Argentina, ap—s se tornar independente da Espanha, afirmou ser herdeira dos direitos territoriais sobre as Ilhas Malvinas. Para Reisman[à] (1983, p. 303, tradu‹o nossa), ao adquirir independncia, um territ—rio herda todo o territ—rio que antes era parte da col™nia. Nas palavras do autor: ÒA Espanha tratava as ilhas como parte do Vice-Reinado da Prata, […]. Ademais, o pouco tempo que passou antes da Argentina [ap—s sua independncia] tomar o controle das ilhas gera uma negativa que a Argentina estava delirante, pois o territ—rio n‹o se transformara em uma res nulliusÓ.
Laver (2001) confirma a legitimidade da Argentina, ao afirmar que o pa’s sul-americano agiu em conformidade com os princ’pios do Direito Internacional. Para o autor, a Argentina possui o direito de soberania de acordo com a teoria do uti possidetis, pois as Malvinas eram consideradas uma prov’ncia do Vice-Reinado da Prata, hoje territ—rio argentino. O autor faz uma breve analogia com o processo de independncia de diversas na›es africanas no sŽculo XX, cujos limites fronteirios foram determinados pela mesma teoria, a qual foi confirmada e aceita pela na‹o brit‰nica nestes casos.
Em um discurso perante o Conselho Permanente da OEA em 2008, o ent‹o Ministro das Rela›es Exteriores da Argentina, Jorge E. Taiana, fundamenta que a ocupa‹o brit‰nica nas Malvinas, realizada em 1833, seria Ò[…] mais um reflexo da pol’tica imperialista praticada pelas grandes potncias de ent‹o durante o sŽculo XIX na AmŽrica, çfrica e çsia"; e acrescenta que:
ÒEsse ato de fora foi executado sem aviso prŽvio, quando a Argentina consolidava-se ainda como um Estado independente, e por parte de uma potncia mundial com a qual mant’nhamos rela›es de amizade. Essas rela›es de amizade haviam sido estabelecidas expressamente por ambos os pa’ses em 1825, com a aprova‹o do primeiro tratado bilateral, o ÒTratado de Amizade, ComŽrcio e Navega‹oÓ. Ademais de concluir o processo de reconhecimento do Estado argentino iniciado em 1823, o Tratado criou as bases gerais fundamentais para o relacionamento bilateral futuro, sem que a Gr‹-Bretanha houvesse jamais manifestado, no decorrer desse processo, reserva alguma com rela‹o ˆ pretens‹o sobre as Ilhas Malvinas, que se encontravam ent‹o sob o dom’nio e administra‹o pœblica, pac’fica e efetiva do Estado argentinoÓ. (ORGANIZA‚ÌO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2012c, p. 4-5).
Para Laver (2001), a Argentina possui direitos leg’timos de reivindicar a soberania da regi‹o n‹o somente por ser herdeira dos direitos espanh—is, mas por tambŽm ter ocupado o territ—rio de forma legal. Para o autor, evidncias para apoiar os direitos argentinos seriam: (a) a posse feita por Jewitt, em novembro de 1820, o qual foi publicamente anunciado na imprensa, sem obje›es por parte do Reino Unido, dos Estados Unidos, ou por qualquer outra na‹o; (b) O decreto feito pelo governo de Buenos Aires acerca dos direitos argentinos sobre pesca e caa na regi‹o da Patag™nia; (c) A escolha de diversos governadores para habitar e administrar a regi‹o das Malvinas a partir de 1824.
Laver (2001), por fim, compara o conflito em estudo ao caso de Gibraltar. Segundo ele: Ò[…] Ao contr‡rio dos desejos brit‰nicos, a Assembleia Geral aceitou os argumentos da Espanha, e determinou que 'qualquer situa‹o colonial na qual ocorra a destrui‹o total ou parcial da uni‹o nacional e da integridade territorial de um pa’s, Ž incompat’vel com os objetivos e princ’pios da Carta das Na›es Unidas […][¤]Ó (LAVER, 2001, p. 108, tradu‹o nossa).
Ademais, o autor supracitado afirma que, para um povo ter o direito de autodetermina‹o reconhecido, Ò[…] deve haver uma rela‹o leg’tima entre a pr—pria popula‹o e o referido territ—rio. N‹o h‡ esta rela‹o no caso das Falkland/Malvinas, pois os colonos brit‰nicos ocuparam o territ—rio atravŽs de uma a‹o ilegal, a qual ignorou as autoridades e popula›es argentinas originais e leg’timas.[**]Ó (LAVER, 2001, p. 108, tradu‹o nossa).
Nesse mesmo entendimento, Jorge Taiana declarou, perante o Conselho Permanente da Organiza‹o dos Estados Americanos que:
ÒPor tratar-se de uma popula‹o transplantada, a ela n‹o se aplica, por conseguinte, o direito de livre determina‹o. […] H‡ de fato uma situa‹o colonial, mas n‹o h‡ um povo colonizado. N‹o necessito destacar o perigoso precedente que significaria aceitar que a mera passagem do tempo possa gerar direitos em favor de uma potncia que ocupa territ—rios estrangeiros, sob protesto do despossu’do ou menos ainda de seus pr—prios sœditos, instalados ap—s terem sido desalojadas de maneira violenta as popula›es locaisÓ. (ORGANIZA‚ÌO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2012c, p. 5).
Afirmando, ainda, que:
ÒQuando o Reino Unido alega o direito de livre determina‹o para essa popula‹o brit‰nica transplantada, n‹o faz mais que reclamar a livre determina‹o para si mesmo. Quando o Reino Unido se nega a negociar essa disputa de soberania com a Argentina, invocando o princ’pio de livre determina‹o regulamentado na resolu‹o 1514 e alegando, ent‹o, que n‹o o far‡ atŽ que os ocupantes brit‰nicos das ilhas assim o "desejem", tenta tirar proveito dessa mesma resolu‹o, cujo objetivo Ž justamente p™r fim ao colonialismo, para perpetuar uma situa‹o colonial anacr™nica, em detrimento dos direitos leg’timos do povo argentino. Viola desse modo o princ’pio de integridade territorial da Argentina que tambŽm consagra a resolu‹o 1514 bem como a Carta das Na›es UnidasÓ. (ORGANIZA‚ÌO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2012c, p. 5).
Por fim, o œltimo argumento utilizado pela Repœblica da Argentina na Quest‹o Malvinas envolve as regras da Conve‹o das Na›es Unidas sobre o Direito do Mar (ou Conven‹o de Montego Bay), a qual coloca os limites arquipel‡gicos das Ilhas Malvinas dentro da Zona Econ™mica Exclusiva do territ—rio argentino. Logo, o governo argentino afirma que qualquer explora‹o ou tentativa de dom’nio desta regi‹o por parte do Reino Unido Ž incompat’vel com as normas do Direito Internacional.
2.2 Apresenta‹o dos fundamentos legais brit‰nicos
Os argumentos jur’dicos feitos pelo Reino Unido evolu’ram com o passar dos anos. Durante o sŽculo XIX, a na‹o brit‰nica fundamentava seus direitos de soberania t‹o-somente na descoberta e ocupa‹o. O governo brit‰nico argumentava que o territ—rio – que jamais teve uma popula‹o nativa – era res nullius atŽ a chegada dos ingleses, pois estes foram os primeiros a se estabelecerem nas ilhas, no sŽculo XVIII. Ademais, afirmavam que ocuparam toda a regi‹o, de forma uniforme, pac’fica e ininterrupta atŽ sua evacua‹o por motivos econ™micos em 1774.
De fato, em sua obra, Laver (2001) argumenta que h‡ uma superioridade brit‰nica quanto ao descobrimento e ˆs primeiras ocupa›es do territ—rio em quest‹o. A Gr‹-Bretanha, ao contr‡rio da Frana, possui provas de que j‡ esteve nas ilhas antes da ocupa‹o feita por Bougainville, em 1764. Logo, para o autor, a posse francesa padecia em legalidade, pois a na‹o brit‰nica j‡ havia tomado posse da regi‹o anteriormente.
O governo brit‰nico argumenta que a decis‹o de abandonar o arquipŽlago em 1774, somente ocorreu devido a aceita‹o impl’cita da diplomacia ibŽrica em reconhecer os direitos ingleses sobre Port Egmont e suas adjacncias. Todavia, este ÒAcordo SecretoÓ, n‹o possui provas materiais (documentais). Mas, como alerta Laver (2001), o fato de a Gr‹-Bretanha ter deixado placas e outros avisos que demonstravam o intuito de ocup‡-las novamente – quando as condi›es financeiras da na‹o melhorassem – comprova a inten‹o brit‰nica de n‹o querer abandon‡-las ou transferir sua posse ˆ Espanha.
Ainda, conforme provas hist—ricas atestadas por Pascoe e Pepper (2008), os brit‰nicos nunca deixaram de ocupar as ilhas, visitando-as ocasionalmente e l‡ permanecendo temporariamente.
ƒ not—rio que, excluindo-se os dois meses de ocupa‹o argentina em 1982, as ilhas foram habitadas de forma cont’nua, pac’fica e ininterrupta pelos ingleses desde 1833, concretizando-se, assim, a aquisi‹o por meio de prescri‹o legal (KATTER, 2003).
A diplomacia brit‰nica argumenta tambŽm que jamais houve um reconhecimento legal por qualquer na‹o das ocupa›es e posses feitas pela Argentina na regi‹o das Malvinas. Tais a›es foram praticadas por agentes ileg’timos, n‹o obedecendo qualquer cerim™nia formal. Ademais, o fato de a notoriedade da posse ter sido feita apenas no meio impresso em territ—rio nacional argentino, demonstra um grave erro na certifica‹o deste ato, pois o mesmo, para ser reconhecido como pœblico e not—rio, deveria obedecer os tr‰mites diplom‡ticos legais (LAVER, 2001).
Indubitavelmente, o principal argumento hoje utilizado pelos brit‰nicos para manter sua situa‹o soberana nas Ilhas Malvinas Ž o direito de autodetermina‹o dos povos. Segundo Laver (2001), perante a ONU, o conceito de autodetermina‹o evoluiu, alcanando atualmente um status de direito, e n‹o um mero princ’pio. O autor supracitado recorda a resolu‹o 1514 (XV) da Assembleia Geral, a qual afirma que todos os povos possuem o direito de autodetermina‹o, sem que a desintegra‹o do territ—rio seja uma limita‹o a sua aplica‹o.
Outro argumento que Laver (2001) apresenta Ž que os falklanders podem ser considerados um povo (pressuposto elementar para o direito de autodetermina‹o). Segundo o autor, os habitantes das ilhas s‹o uma popula‹o civil permanente, onde mais de sua metade nasceu no pr—prio arquipŽlago ou possui ascendentes que l‡ nasceram. Afirma o autor, ainda, que a ONU jamais estipulou qualquer regra b‡sica para caracterizar uma popula‹o leg’tima ou n‹o.
Os habitantes das Malvinas demonstram que desejam permanecer sob a jurisdi‹o brit‰nica. Eles possuem autonomia necess‡ria para demonstrar suas vontades perante a comunidade internacional. Tal qual como qualquer popula‹o democr‡tica, eles possuem seu pr—prio governo, o qual elegem atravŽs de elei›es peri—dicas os membros do Poder Executivo e Legislativo das Ilhas (FALKLAND ISLANDS, 2012b).
Ademais, como lembra Casas (2010), h‡ um atrito entre o povo argentino e malvinense. Segundo o autor, mesmo que as ilhas se tornem territ—rio nacional da Argentina, jamais haver‡ uma rela‹o pac’fica entre seus habitantes.
Por fim, acredita-se que com a incorpora‹o das Malvinas ao dom’nio argentino n‹o ser‡ poss’vel manter o excelente n’vel de vida da popula‹o das ilhas, ou melhor, manter o way of life dos malvinenses (LAVER, 2001), visto que o pa’s sul-americano encontra-se em crise econ™mica, com altos ’ndices de desemprego e infla‹o.
2.3 Parecer jur’dico do conflito anglo-argentino pelas ilhas malvinas (falkland islands)
Inicia-se abaixo um parecer que busca analisar os fundamentos jur’dico-legais mencionados nas se›es anteriores, fazendo um comparativo das doutrinas e textos legais do Direito Internacional ante aos fatos hist—ricos apresentados.
Seguindo um processo de ordem cronol—gica, observa-se que a primeira controvŽrsia no conflito anglo-argentino envolve os direitos de descoberta e primeiras posses formais do arquipŽlago.
Como explicado por Mello (2004), por volta do sŽculo XVI, Žpoca em que as ilhas foram inicialmente descobertas, o direito de aquisi‹o de territ—rios t‹o-somente atravŽs do seu descobrimento comeara a ser criticado, passando a ser considerado um t’tulo embrion‡rio para um poss’vel direito, que somente se concretizaria com a ocupa‹o formal das terras.
J‡ foi objeto de estudo neste trabalho as divergncias entre historiadores acerca da descoberta das Ilhas Malvinas/Falklands. Ao todo, navegadores de cinco nacionalidades diferentes j‡ foram creditados como os leg’timos descobridores das ilhas sul-americanas. Cumpre ressaltar que, devido a falta de provas concretas e robustas acerca deste acontecimento, fica imposs’vel analisar com precis‹o a verdade necess‡ria para atribuir um deferimento ao argumento de qualquer uma das na›es. Logo, arguir o direito de soberania nas ilhas atravŽs de sua descoberta Ž um fundamento implaus’vel.
Quanto ao pleito que envolve as primeiras ocupa›es da regi‹o (no final do sŽculo XVII), tambŽm observa-se a imprecis‹o dos acontecimentos, devido principalmente ˆ inexistncia de melhores tecnologias materiais de registro ˆ Žpoca. Todavia, n‹o h‡ discuss‹o em rela‹o ao fato de que o territ—rio, mesmo descoberto, continuou sendo considerado res nullius, por n‹o ter sido ocupado continuadamente por nenhuma na‹o.
A primeira ocupa‹o formal das Malvinas/Falklands que se tem provas aconteceu em 1690, pelo navegador ingls John Strong, que as batizou em homenagem ao ent‹o Tesoureiro da Marinha Real da Gr‹-Bretanha, Viscount Falkland. A expedi‹o brit‰nica instalou-se na parte oriental das ilhas, construindo edifica›es, portos e outras habita›es que possibilitariam a povoa‹o cont’nua do territ—rio (PASCOE; PEPPER, 2008).
Cerca de setenta anos depois, navegadores franceses comandados por Antoine Louis de Bougainville chegaram a parte ocidental do arquipŽlago, instalando-se na regi‹o noroeste da ilha das Malvinas/Falkland. Por n‹o terem conhecimento da ocupa‹o brit‰nica e, consequentemente, por considerar a terra encontrada como nullius, os franceses tomaram posse da regi‹o, batizando-as em homenagem ao porto francs de Saint Malo, de onde a tripula‹o havia partido (LAVER, 2001).
Cerca de trs anos depois, a Frana vendeu seus direitos possess—rios das ilhas ˆ Espanha, argumentando que esta era a leg’tima propriet‡ria das terras do continente sul-americano e suas adjacncias. Com isso, o governo espanhol outorgou um ex’guo nœmero de navegadores para habitarem as novas terras.
A conscincia da ocupa‹o do territ—rio por nacionais de outro Estado somente ocorreu anos depois, quando, ao desbravar o resto das ilhas, espanh—is e ingleses encontraram-se. A disputa entre Gr‹-Bretanha e Espanha tem in’cio, de facto, neste per’odo hist—rico.
Cabe adicionar neste momento as explica›es de Mello (2004), que afirma que a efetividade, como pressuposto para a legitimidade da ocupa‹o, n‹o requer que o Estado necessite ocupar todos os pontos do territ—rio, bastando que este ocupe locais da regi‹o, para que possa domin‡-lo (Teoria da Hinterland). Logo, a ocupa‹o brit‰nica reuniu todos os elementos necess‡rios desde seu in’cio, passando a produzir efeitos jur’dicos plenos para ser considerada como uma posse efetiva. Portanto, atravŽs de uma interpreta‹o estrita das regras doutrin‡rias ante os fatos hist—ricos apresentados, pode-se considerar a posse francesa como ilegal, por ter ocorrido em um territ—rio j‡ ocupado previamente por outro Estado.
A controvŽrsia, porŽm, continuou devido ˆs argumenta›es da Espanha de que somente seu governo tinha os direitos de propriedade (comprovados atravŽs das Bulas Papais, Tratado de Tordesilhas e Tratado de Utrech) da parte ocidental do continente sul-americano e suas adjacncias.
No entanto, conforme explicitado por Mello (2004) no cap’tulo segundo deste trabalho, o direito de delimita‹o territorial foi sendo definido, com o passar do tempo, por outros critŽrios, que n‹o somente o do justo t’tulo, mas principalmente o da posse efetiva. Isto Ž, h‡ uma modifica‹o dos elementos configuradores do direito de propriedade sobre os territ—rios delimitados dos Estados, haja vista todo o movimento de cria‹o de novas potncias – como foi o caso dos pa’ses americanos, que passaram a ter suas independncias conquistadas sobre os territ—rios anteriormente pertencentes a potncias europŽias – a partir dos territ—rios divididos por tratados como o de Tordesilhas, por exemplo. Assim, tratados desta natureza n‹o foram impeditivos para a cria‹o de novos Estados. O argumento de dom’nio territorial definido somente por bulas e tratados perdeu fora, passando a ser o critŽrio da descoberta e, posteriormente, o da efetiva ocupa‹o os elementos mais importantes para definir este direito.
As negocia›es diplom‡ticas entre estes dois Estados foram infrut’feras na busca de uma solu‹o, principalmente por motivos pol’ticos, haja em vista o medo de perder um grande parceiro comercial e o risco de ter seu territ—rio invadido em caso de uma guerra.
O suposto ÒAcordo SecretoÓ, apresentado por alguns historiadores (Laver, Pascoe e Pepper) e j‡ explicado anteriormente neste estudo, seria outra fonte que demonstra o direito de soberania brit‰nica no arquipel‡go sul-americano. AtravŽs deste, o governo ingls concordaria em abandonar a regi‹o se a Espanha concordasse e reconhecesse os direitos brit‰nicos sobre as terras.
De fato, houve um abandono volunt‡rio das ilhas por parte do Reino Unido, o que sugere, a uma primeira vista, que a diplomacia ibŽrica tenha concordado com tal ÒAcordoÓ. Todavia, a falta de quaisquer evidncias materiais ou documentais acerca desta negocia‹o resulta em diversas argumenta›es dœbias sobre este acontecimento, n‹o podendo haver um deferimento acerca do direito de soberania baseado t‹o-somente neste fato.
Cumpre ressaltar que, mesmo deixando o territ—rio, ele n‹o se transformou em uma res derelicta, pois houve, comprovadamente, o abandono material (corpus) sem, todavia, a inten‹o de abandon‡-lo totalmente (animus), deixando-o a beira do esquecimento. ƒ not—rio e reconhecido atŽ mesmo em documentos da Organiza‹o dos Estados Americanos, que habitantes ingleses que l‡ haviam se estabelecido espalharam diversos estandartes de chumbo, o que ensejaria que a Gr‹-Bretanha tinha a inten‹o de retornar e dominar as ilhas no futuro, e que seu abandono era, de fato, por motivos econ™micos.
A quest‹o acerca da grafia utilizada nestes estandartes de chumbo, isto Ž, de que ali constava escrito Ò[…] Falkland's IslandÓ, portanto no singular, reportava-se ˆ domina‹o de somente uma das ilhas, um argumento levantado pela Argentina para indeferir os direitos ingleses. Se por um lado isto pode ser interpretado como a limita‹o do ‰nimo de posse, por outro, deixa clara a posse efetiva daquele territ—rio pelos brit‰nicos. Parece ser um marco ineg‡vel da posse, por mais que se interprete que isto n‹o permita a extens‹o para os territ—rios vizinhos.
PorŽm, Ž comprovado historicamente que a Espanha aproveitou a sa’da brit‰nica e passou a considerar as Malvinas como integrante total da sua col™nia, o Vice-Reinado da Prata, inclusive outorgando governadores e incentivando a ocupa‹o por seus nacionais. Todavia, o nœmero de espanh—is no territ—rio em quest‹o era extremamente ex’guo.
A partir da independncia da Argentina, esta passou a clamar os poss’veis direitos espanh—is pelo territ—rio em disputa. A legitimidade deste pa’s Ž discutida entre legisladores e doutrinadores do Direito Internacional, devido ˆ existncia de uma corrente minorit‡ria que argumenta que o Estado argentino n‹o possui quaisquer direitos de reivindica‹o da regi‹o, pois jamais houve uma transferncia formal da posse espanhola ao governo argentino. Todavia, parece correto o entendimento da corrente amplamente majorit‡ria, que considera que a Argentina tem plenos direitos, haja visto o fato do arquipŽlago ser considerado parte do Vice-Reinado da Prata, ent‹o col™nia espanhola. O Estado argentino, ao se tornar independente, herdou, portanto, os direitos possess—rios pelas ilhas vizinhas. Por outro lado, herdou tambŽm o exerc’cio de governo nas ilhas, sendo que as autoridades nominadas pelo governo espanhol, por transferncia de governo para a Argentina, deixaram de ter autoridade sobre o arquipŽlago.
O Estado argentino n‹o demonstrou uma vontade expressiva de ocupar as ilhas imediatamente ap—s sua independncia, sendo que a nomea‹o de autoridades de governo para as Malvinas/Falklands aconteceu somente cerca de quatro anos ap—s sua independncia. O novo pa’s somente incentivou a ocupa‹o das ilhas por seus nacionais ap—s a conscincia de que navegadores e pescadores estrangeiros (americanos e ingleses, principalmente) l‡ se estabeleciam ilegalmente.
A posse argentina, todavia, n‹o pode ser considerada l’cita ante as normas do Direito Internacional. Isto porque, ela n‹o foi pœblica e not—ria, sendo apenas notificada em meio impresso, t‹o-somente dentro do seu territ—rio, sem a observa‹o de quaisquer tr‰mites diplom‡ticos legais. Ou seja, n‹o houve a possibilidade de qualquer protesto por outra na‹o. Portanto, a autora n‹o considera correto o reconhecimento da soberania argentina neste caso, pois o silncio de outros Estados n‹o pode ser considerado como uma aquiescncia t‡cita deste acontecimento, fato confirmado por Accioly, Casella e Silva (2009).
A Argentina, por considerar o arquipŽlago como parte integrante de seu territ—rio, outorgou uma sŽrie de governadores (a partir de 1820) que, devido ˆs dificuldades clim‡ticas e financeiras, apenas estabeleciam-se de forma provis—ria nas ilhas, retornando ˆ parte continental do pa’s cerca de meses depois – conforme j‡ explicado anteriormente neste estudo.
As reivindica›es por parte do Reino Unido cresceram proporcionalmente ˆ medida que o Estado argentino criava novas legisla›es acerca da pesca e propriedade nas ilhas e continuava a outorgar novos governadores para l‡ se estabelecer. Era pactuado, na diplomacia inglesa, que este territ—rio era, por direito, brit‰nico.
Ademais, cabe lembrar do j‡ mencionado Tratado de San Lorenzo, o qual se tornava inv‡lido se houvesse novas ocupa›es cont’nuas nas costas ou ilhas adjacentes do continente americano, realizadas por nacionais de outros Estados n‹o fossem da Espanha. Como j‡ abordado previamente, atravŽs de uma interpreta‹o estrita do supramencionado tratado, a ocupa‹o argentina – se considerada l’cita – dava ao governo brit‰nico a brecha jur’dica necess‡ria para eles voltarem a ocupar o arquipŽlago de forma legal.
Ainda, nesta Žpoca, o estabelecimento de ingleses nas ilhas era, quantitativamente, superior ao lado argentino. A ideia de voltar a ocupar efetivamente as ilhas surgiu em 1826, quando uma esquadra brit‰nica partiu do Reino Unido com o intuito de habitar as ilhas, retomar a posse e expulsar quaisquer nacionais de outros Estados que l‡ habitavam ilegalmente. O uso ou n‹o de fora neste momento hist—rico n‹o Ž claro, havendo controvŽrsias entre historiadores (como Pascoe e Pepper) e o governo argentino.
O governo brit‰nico argumenta que, a partir de 1833, houve uma prescri‹o aquisitiva das Ilhas Malvinas/Falklands, a qual continua atŽ os dias atuais. Isto Ž, desde 1833 o Reino Unido exerce sua soberania na regi‹o, considerando todo o arquipŽlago como integrante do seu dom’nio territorial[ ].
Cabe adicionar aqui a explica‹o de Mazzuoli (2010) acerca do instituto da prescri‹o aquisitiva. Segundo o autor, este Ž um modo de aquisi‹o de territ—rios decorrente do exerc’cio real, pac’fico e ininterrupto, da soberania de um Estado sobre determinada regi‹o, por um prazo suficientemente longo. O que a diferencia da ocupa‹o efetiva Ž o fato de que na prescri‹o n‹o se exige uma posse sobre uma terra res nullius, bastando a permanncia duradoura e efetiva, com animus domini, sobre dado territ—rio.
O Estado argentino, naturalmente, lutou contra esta ocupa‹o brit‰nica, considerando-a uma viola‹o das normas e princ’pios do Direito Internacional, especialmente o Ex injuria jus non oritur[àà]. O protesto por parte da diplomacia argentina sempre existiu, de forma cont’nua e duradoura, persistindo atŽ os dias atuais, com uma breve interrup‹o no ano 1982, quando este protesto chegou ˆs vias de fato, o que ser‡ abordado posteriormente.
Cumpre ressaltar aqui a existncia da controvŽrsia doutrin‡ria acerca da caracter’stica Òpac’ficaÓ da prescri‹o. Segundo Mazzuoli (2010, p. 457), o simples protesto diplom‡tico j‡ Ž suficiente para impedir que a posse seja considerada pac’fica e ininterrupta.
Todavia, parece correto a posi‹o adotada por Accioly, Casella e Silva (2009), juntamente com a grande maioria de doutrinadores, que afirmam que Ž a existncia de violncia que determina que a posse tenha deixado de ser pac’fica. Logo, o mero protesto n‹o enseja qualquer interrup‹o na prescri‹o. Ribeiro (1992, p. 291) concorda com esta posi‹o, declarando que a posse somente deixar‡ de ser pac’fica se houver a existncia Ò[…] de violncia, clandestinidade ou precariedade.Ó
Ademais, cabe adicionar o fato de que no Direito Internacional n‹o h‡ um prazo prŽ-fixado para garantir a aquisi‹o de dado territ—rio atravŽs da prescri‹o. O que a doutrina demonstra Ž que deve haver um lapso temporal maior que aquele exigido costumeiramente pelo Direito Civil. Logo, por ter durado aproximadamente 180 anos (1833 – 1982, 1982 – 2012), a autora concorda com o posicionamento doutrin‡rio de que a prescri‹o, neste caso, concretizou-se, de pleno direito.
Com efeito, a maioria expressiva da comunidade internacional aceita como leg’tima a prescri‹o realizada pelo governo brit‰nico em rela‹o ao territ—rio em quest‹o. Como j‡ abordado anteriormente neste estudo, um nœmero ex’guo de Estados, com destaque aos pa’ses latino-americanos (em especial, Brasil, Uruguai e Chile), com apoio da Rœssia e China, reconhecem, todavia n‹o aceitam como legal a soberania brit‰nica nas ilhas, dando apoio aos protestos de origem argentina.
Cansada de empregar meios pac’ficos de solu‹o de controvŽrsias sem obter resultados positivos, a Argentina, em abril de 1982, deu in’cio a uma invas‹o e posterior ocupa‹o das Ilhas Malvinas/Falklands, buscando o reconhecimento da soberania argentina na regi‹o. Este conflito, conhecido por Guerra das Malvinas, j‡ foi abordado no cap’tulo anterior deste trabalho, n‹o sendo necess‡rio repetir as caracter’sticas acerca deste evento bŽlico. Cabe aqui estudar os efeitos e consequncias jur’dicas desta batalha.
A a‹o inicial por parte do governo argentino, isto Ž, o fato de suas foras armadas invadirem um territ—rio reconhecido como pertencente a outro Estado, Ž um claro ato de violncia inadmitido no Direito Internacional Pœblico (j‡ abordado previamente na se‹o 3.3 deste trabalho). A diplomacia argentina, como j‡ estudado, esperava receber apoio de seus pa’ses vizinhos e atŽ mesmo das Na›es Unidas e da Organiza‹o dos Estados Americanos. Todavia, este apoio n‹o se concretizou-se materialmente, pois estes, mesmo se solidarizando com a causa argentina, n‹o apoiaram os meios utilizados, repudiando o fato desta na‹o ter usado a fora para agredir a integridade territorial de outro Estado.
Lamentavelmente, mesmo sem o apoio externo, a ocupa‹o argentina perdurou de forma violenta, o que obrigou uma resposta r‡pida e eficiente por parte da Gr‹-Bretanha. Tendo sua honra ofendida, o governo brit‰nico entendeu como legal seu direito de leg’tima defesa, ato que recebeu apoio dos Estados Unidos e das principais potncias europeias.
Mesmo empregando uma inteligncia r‡pida, a resposta brit‰nica chegou com um atraso de semanas ˆs ilhas, devido ˆ long’nqua dist‰ncia geogr‡fica existente entre o arquipŽlago e o Reino Unido, o que possibilitou uma ocupa‹o mais uniforme das foras argentinas.
Ap—s um conflito armado que perdurou por cerca de dois meses e resultou em aproximadamente 900 mortos e 2 mil feridos, a Gr‹-Bretanha consagrou-se como a vitoriosa, ganhando a batalha atravŽs da debellatio (MAZZUOLI, 2010).
Para Dinh, Daillier e Pellet (2003), esta vit—ria por parte do governo brit‰nico seria outra forma de aquisi‹o de um territ—rio. Para os autores, a conquista caracteriza-se pelo ganho da posse, parcial ou total, do territ—rio de um Estado ap—s o fim das hostilidades consequentes de uma guerra. PorŽm, juntamente com os doutrinadores acima mencionados, esta autora considera que a conquista deixou de ser um modo leg’timo de aquisi‹o de territ—rios depois da proibi‹o formal do recurso ˆ fora (Pacto Briand-Kellog, j‡ estudado previamente). As Na›es Unidas confirmaram esta ideia, ao declarar que ÒNenhuma aquisi‹o territorial obtida pela ameaa ou pelo emprego da fora ser‡ reconhecida como legal.Ó (DINH; DAILLIER; PELLET, 2003, p. 550).
Como estudado previamente, o retorno da soberania inglesa na regi‹o foi aceita sem quaisquer nega›es por parte dos habitantes das ilhas, que atŽ hoje sentem repœdio ao governo argentino, devido ˆs fatalidades e outras consequncias que suas a›es trouxeram para a mem—ria do povo malvinense.
Os governos argentinos posteriores passaram a reconhecer o evento de 1982 como ilegal, mas que seria fruto de uma justa causa. AtŽ os dias atuais, os protestos por parte do Estado argentino continuam atravŽs de meios pac’ficos, sendo propagados atŽ mesmo em Organiza›es Internacionais, como a ONU e a OEA, que j‡ emitiram diversas resolu›es acerca do tema, sem, todavia, uma an‡lise de mŽrito acerca deste conflito.
Ainda, desde o fim da Guerra das Malvinas, n‹o foram realizadas quaisquer negocia›es diretas entre Argentina e Reino Unido sobre este assunto. Enquanto a primeira faz apelos cont’nuos para uma discuss‹o da soberania do arquipŽlago, o segundo nega quaisquer direitos argentinos, argumentando que o exerc’cio de dom’nio territorial por parte de seu governo Ž legal, atendendo, ainda, o princ’pio da autodetermina‹o dos povos.
Acerca deste princ’pio, cumpre ressaltar que comeou a ser utilizado pelo Reino Unido a partir da promulga‹o da carta das Na›es Unidas, a qual fortaleceu o princ’pio, que hoje possui um status de direito por parte da doutrina internacional.
J‡ foi apresentado anteriormente o conceito e as principais caracter’sticas e fontes do direito de autodetermina‹o dos povos. Isto Ž, do direito dos povos de escolherem para si pr—prios uma forma de organiza‹o pol’tica e a sua rela‹o com as popula›es de outros Estados (MAZZUOLI, 2010).
ƒ not—rio o fato de que os habitantes do arquipŽlago almejam a continuidade da soberania inglesa na regi‹o, apoiando os ideais brit‰nicos para afastar os argumentos argentinos. Declaram estes que as ilhas possuem uma autonomia clara, a qual Ž governada atravŽs de uma democracia efetiva, que emprega excelentes pol’ticas pœblicas e que resultam em uma alta qualidade de vida.
Cumpre ressaltar que o Reino Unido emprega todos os direitos e deveres que a ocupa‹o implica. Isto Ž, Ž not—rio o fato de que a na‹o brit‰nica age com destreza no dever de proteger os direitos de seu territ—rio e de seus nacionais, assegurando a estes a prote‹o m’nima exigida pelo Direito Internacional, agindo, ainda, com a mesma autoridade e responsabilidade perante os demais Estados, que possui em rela‹o ao seu territ—rio origin‡rio.
O argumento argentino acerca do princ’pio da autodetermina‹o envolve o fato dos malvinenses serem uma Òpopula‹o transplantadaÓ, o que faria este direito perder sua validade. O governo argentino afirma, ainda, que o Reino Unido, ao exercer sua soberania na regi‹o, nada mais faz do que dar continuidade a uma situa‹o colonial anacr™nica, inaceit‡vel em pleno sŽculo XXI.
Juridicamente, n‹o h‡ quaisquer normas do Direito Internacional que regulam a caracter’stica acerca do conceito de uma Òpopula‹o leg’timaÓ. Todavia, j‡ foi objeto de estudo previamente o fato de que a ampla maioria da popula‹o civil permanente das ilhas se consideram nacionais Falklanders (ou Malvinenses), pois nasceram no arquipŽlago ou possuem ascendentes que l‡ nasceram. Ademais, eles possuem um ‰nimo definitivo de permanecer nas ilhas, possuindo uma uni‹o por laos comuns – como tradi›es, costumes, l’nguas, etc. Logo, n‹o se enxerga motivos jur’dicos que possam indeferir o uso do princ’pio da autodetermina‹o no caso em tela.
Este princ’pio, todavia, colide frontalmente com outro argumento argentino, qual seja, a viola‹o do princ’pio da integridade territorial, previsto no artigo 2o, ¤ 4o da Carta das Na›es Unidas[¤¤], que disp›e que: ÒTodos os membros dever‹o evitar em suas rela›es internacionais a ameaa ou o uso da fora contra a integridade territorial ou a independncia pol’tica de qualquer Estado, ou qualquer outra a‹o incompat’vel com os Prop—sitos das Na›es Unidas.Ó (UNITED NATIONS, 2012a, tradu‹o nossa).
Ora, o territ—rio Ž um dos elementos constitutivos do Estado, dependente direto de seus outros elementos basilares, isto Ž, da popula‹o e do governo. No entendimento desta autora, n‹o h‡ como reconhecer uma viola‹o ao referido princ’pio por parte do Reino Unido, pois o territ—rio das Malvinas em si jamais foi reconhecido internacionalmente como integrante do territ—rio nacional da Repœblica da Argentina, ou seja, n‹o houve a liga‹o com seus outros pressupostos constitutivos, a popula‹o e governo.
Por fim, cumpre adicionar que n‹o h‡ fundamentos jur’dicos que afirmam que o ato de explorar os recursos naturais da regi‹o, realizado por empresas brit‰nicas, seja considerado uma viola‹o das normas do Direito Internacional, pois as ilhas est‹o dentro dos limites territoriais da Argentina. AtravŽs de uma interpreta‹o das normas descritas na Conven‹o das Na›es Unidas sobre o Direito do Mar (estudada na se‹o 2.3 deste estudo), os territ—rios arquipel‡gos possuem a legitimidade de traar linhas arquipel‡gicas, sobre as quais poder‹o exercer a sua soberania. As referidas explora›es realizadas por empresas de origem brit‰nica instalaram-se dentro destes limites, n‹o caracterizando, portanto, qualquer viola‹o ˆs normas do Direito Internacional.
Desta forma, ante o exposto, parece correto afirmar que, segundo as fontes, princ’pios e doutrinas do Direito Internacional, o exerc’cio da soberania nas Ilhas Malvinas (Falkland Islands) pertence œnica e exclusivamente ao Reino Unido.
3 Conclus‹o
Ao tŽrmino deste estudo, cumpre avaliar o alcance dos objetivos inicialmente propostos, verificando se a abordagem do tema foi plenamente alcanada. O tema identificado por uma an‡lise jur’dica da disputa pela soberania das Ilhas Malvinas (Falkland Islands) entre a Argentina e o Reino Unido, teve como pergunta principal de pesquisa, o questionamento sobre a quem pertence o direito de soberania nas Ilhas com base nas fontes, princ’pio e doutrinas do Direito Internacional Pœblico.
Para responder a esta quest‹o, foi lanado como objetivo geral analisar juridicamente a disputa entre Argentina e Reino Unido pelos direitos de soberania das Ilhas Malvinas/Falkland.
Em resumo, vistos e discutidos os fundamentos jur’dicos levantados pela Argentina e Reino Unido acerca dos direitos de soberania sobre as Ilhas Malvinas (Falkland Islands), o conflito pode ser resumido nos seguintes pontos:
a) o direito de soberania baseado na descoberta das ilhas n‹o pode ser arguido por nenhuma das partes, devido ˆ falta de provas concretas e robustas que possibilitariam um julgamento de mŽrito acerca deste fato;
b) a primeira posse formal, que se tem provas, do arquipŽlago foi realizada pela Gr‹-Bretanha, a qual batizou as ilhas de Falkland Islands, no ano de 1690. A ocupa‹o realizada no territ—rio em quest‹o pelo Estado brit‰nico pode ser considerada como efetiva, pois atendeu todos os pressupostos elencados pela doutrina internacional, quais sejam: ser sobre territ—rio res nullius; ter sido a sua posse tomada para o Estado e em nome dele; e ser sua posse real e efetiva;
c) a posterior posse francesa (em 1763), consequentemente, n‹o pode ser considerada como l’cita ante a doutrina internacional, pois n‹o realizou-se sobre terras res nullius. A alega‹o de que a posse brit‰nica n‹o Ž v‡lida pois n‹o foi realizada uniformemente sobre todo o territ—rio, n‹o pode ser aceita, pois sua efetividade Ž comprovada atravŽs da Teoria da Hinterland;
d) o argumento realizado pela Espanha – de que somente seu governo teria direitos de soberania sobre a totalidade das terras ocidentais do continente americano – n‹o se mostra mais v‡lida no sŽculo XVII. Isto devido ao entendimento doutrin‡rio de que a partir desta Žpoca, os direitos adquiridos por bulas papais e tratados j‡ n‹o possu’am mais fora, sendo necess‡rio a reuni‹o da descoberta e da ocupa‹o efetiva como elementos indispens‡veis para o reconhecimento pleno da soberania de dado territ—rio;
e) o reconhecimento dos direitos de soberania brit‰nica pelo governo espanhol, derivados do suposto ÒAcordo SecretoÓ, n‹o podem ser deferidos, devido ˆ falta de quaisquer provas materiais ou documentais acerca deste fato, sendo, inclusive, negada sua existncia por muitos historiadores;
f) consequentemente, n‹o h‡ provas de que a sa’da brit‰nica das ilhas, no ano de 1774, tenha sido derivada deste ÒAcordo SecretoÓ. O que Ž poss’vel concluir, todavia, Ž que o territ—rio n‹o se transformou em uma res derelicta, pois mesmo com o abandono material (corpus), n‹o houve o ‰nimo de abandonar (animus domini) das terras – fato comprovado atravŽs da coloca‹o de estandartes de chumbo pelos brit‰nicos;
g) a Argentina tem legitimidade ao arguir uma poss’vel soberania que antes era, de direito, da Espanha, haja visto o fato do arquipŽlago ser considerado parte do Vice-Reinado da Prata, ent‹o col™nia do Estado ibŽrico. A Repœblica da Argentina, ao se tornar independente (em 1816), herdou, portanto, os supostos direitos possess—rios pelas ilhas vizinhas, fato este reconhecido pela corrente majorit‡ria da doutrina;
h) a prescri‹o brit‰nica iniciada em 1833 preenche todos os pressupostos constitutivos necess‡rios, devendo ser reconhecida como legal ante ˆs normas do Direito Internacional. Segundo entendimento doutrin‡rio majorit‡rio, esta prescri‹o foi pac’fica e efetiva, sendo cont’nua e ininterrupta por quase 180 anos, prescrevendo, assim, de pleno direito;
i) o uso ou n‹o de fora na retirada de argentinos nas ilhas (em 1833) Ž controverso, havendo dœbias argumenta›es entre historiadores e o governo argentino, n‹o devendo ser considerado um fator impeditivo ao reconhecimento da prescri‹o, devido ˆ falta de provas concretas;
j) a Guerra das Malvinas (1982), iniciada pela invas‹o e posterior ocupa‹o argentina, Ž um ato ilegal e repudiado por diversas fontes do Direito Internacional (com destaque ao Pacto Briand-Kellog e a Carta das Na›es Unidas). O direito de resposta por parte do Reino Unido, isto Ž, o direito de leg’tima defesa, pelo contr‡rio, Ž um meio l’cito e previsto nas mesmas fontes acima mencionadas. A vit—ria brit‰nica, todavia, n‹o pode ser aceita como um meio de aquisi‹o de territ—rios leg’timo, devido ˆ proibi‹o formal do recurso ˆ fora pelos Estados, apenas de defesa de territ—rio j‡ ocupado;
k) n‹o h‡ motivos jur’dicos que indefiram o uso do princ’pio da autodetermina‹o dos povos neste caso. O argumento argentino de que os habitantes das ilhas n‹o constituem um povo – por se tratarem de uma Òpopula‹o transplantadaÓ – n‹o possui qualquer previs‹o legal;
l) o princ’pio da integridade territorial n‹o pode ser utilizado no caso em tela, pois o territ—rio em quest‹o, isto Ž, o arquipŽlago das Malvinas, jamais foi reconhecido internacionalmente como parte integrante dos limites territoriais da Repœblica da Argentina.
Assim, ante os aspectos apresentados e discutidos, parece correto afirmar que, segundo as fontes, princ’pios e doutrinas do Direito Internacional, o exerc’cio da soberania nas Ilhas Malvinas (Falkland Islands) pertence œnica e exclusivamente ao Reino Unido.
Como recomenda›es a pesquisas futuras, destaca-se a expans‹o de estudos sobre os direitos de soberania e dom’nio territorial a outros territ—rios ainda sob conflito, como Ž o caso da Palestina, de Gibraltar, Tibet, Taiwan (ou Formosa) e das ilhas Senkaku/Diaoyu. Ademais, as tens›es entre os princ’pios da autodetermina‹o dos povos e da integridade territorial s‹o temas que ainda ensejam novas pesquisas, que possibilitariam a diminui‹o das controvŽrsias entre estas fontes do Direito Internacional.
Informações Sobre o Autor
Manoela Silvestre Fernandes
Advogada em Santa Catarina. Graduada em Direito e em Relações Internacionais pela UNISUL Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós-Graduanda em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus