Condições análogas à escravidão e a não efetividade das normas protetivas

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Resumo: Este trabalho trata da análise das condições análogas à escravidão e a demonstração da não efetividade das normas protetivas, quanto à relativa ineficácia de efeito da lei no plano real. A crítica dos efeitos produzidos pelas normas na prática, demonstrar a ausência de efetividade das leis de proteção ao trabalhador que vive em tais condições, sua aplicabilidade, ou falta de aplicação, demonstrar que a eficácia é balizada pela divergência doutrinária e do legislativo pátrio na definição do que seria e quais às formas de trabalho análogo definidos em lei como tal, mesmo que esteja inserido na norma de forma explícita. Além disso, trazer ao conhecimento que a fiscalização realizada pelos órgãos responsáveis, como o GERTRAF e o CONATRE, e pelo Estado, somente ocorrem ao mero comando da lei, sendo obstados estes a agir frente à notícia do crime de que em determinado local há uso de força humana de forma degradante ou forçada. O presente realiza um breve resumo da historicidade do trabalho escravo no Brasil, porém, tem como ponto de partida o ano de 1995, quando o Brasil reconheceu que ainda persistem tais condições em Território Nacional, declinando-se a análise sobre os dias atuais, através de fontes, tais quais documentos divulgados por ONGs, dados e guia contra a prática de escravização análoga do Ministério do Trabalho e Emprego, julgados recentes, PEC do trabalho escravo e bibliografia direcionada. Como conclusão, restará demonstrado que não basta à realização de fiscalizações por parte de órgãos governamentais, sindicatos e Entes da Administração Pública, mas que é necessária e importante a efetividade real das leis sobre o assunto.

Palavras-chave: Artigo Jurídico. Trabalho Escravo Contemporâneo. Análogo à Escrava.

Abstract: This paper deals with the analysis of conditions analogous to slavery and the demonstration of non-effectiveness of protective rules as to the relative effect of ineffectiveness of the law in the real plane. Criticism of the effects produced by the rules in practice, demonstrate the lack of effectiveness of the worker protection laws that live in such conditions, its applicability or lack of application, demonstrate that the effectiveness is buoyed by the doctrinal divergence and of paternal legislation in the definition what would be and what the forms of compulsory labor defined by law as such, even if it is inserted in the standard explicitly. Also, bring to the attention that the supervision by the responsible bodies as GERTRAF and CONATRE, and the state, only occur at the mere command of the law, being hindered these to act against the crime news that in a certain place there use human strength degrading or forcefully. This makes a brief summary of the historicity of slave labor in Brazil, however, has as its starting point the year 1995, when Brazil recognized that there are still such conditions in national territory, declining to analysis of the present day through sources such which documents published by NGOs, data and guide against the practice of analogous enslavement of the Ministry of Labour and Employment, judged recent, PEC of slave labor and directed bibliography. In conclusion, it remains shown that it is not enough to carry out inspections by government agencies, trade unions and loved the Public Administration, but it is necessary and important to the actual effectiveness of the laws on the subject.

Keywords: Article Legal. Contemporary Slavery . Analogous to Slave

Sumário: Introdução; 1. Abordagem Constitucional; 1.1 Os Direitos Humanos para o trabalhador e sua inserção na ordem jurídica brasileira; 1.1.1 Da mitigação do Principio da Dignidade da Pessoa Humana e do Principio da Liberdade – Art. 5º Constituição Federal; 1.1.2 Direito Social – Art. 7º da Constituição Federal; 2. Desenvolvimento; 2.1 Da criação do GERTRAF (Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado) e do CONATRAE (Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo); 2.1.1 Conceitos de trabalho análogo à escravidão; 2.1.2 Características reconhecidas pela lei e pela doutrina brasileira; 2.2 Tratados internacionais e a lei vigente no Brasil; 2.2.1 Dos alertas realizados pela OIT e a criação de legislação brasileira especifica; 2.2.2 A não aplicação do art. 149 do Código Penal; 2.3. Da fiscalização; 2.3.1 Dados de trabalhadores escravizados e libertados de 1995 até 2013; 2.3.2 Inexistência de prevenção por parte do Estado; 2.3.3 Dos julgados recentes; 2.4. A PEC do trabalho escravo – EC 81/2014; 3. Conclusão; 4. Referências.

Introdução

Ao longo do artigo serão analisadas as formas de trabalho consideradas análogas à escravidão, conforme a Lei e o entendimento do Ministério do Trabalho e Emprego, dos órgãos jurisdicionais e do Legislativo pátrio, e a efetiva aplicação, quando da verificação de existência de escravidão nas empresas nos meios rural e urbano.

Neste momento há que se esclarecer que o conceito de trabalho escravo nada tem a ver com aquele que conhecemos do passado, onde basicamente se teria o cerceamento de liberdade por completo de determinado grupo étnico, no caso, negros. Além disso, a nomenclatura atualmente utilizada é redução à condição análoga a de escrava, escravidão contemporânea ou escravidão moderna, porém por mera conjectura se usará em muitas passagens a primeira expressão.

Importante se faz ilustrar, imediatamente após a observação anterior, que mesmo antes de 1888, ano da abolição da escravatura no Brasil, havia sim atuação de membros integrantes do Direito, no sentido de estar alguns juristas da época empenhados com a causa anti escravocrata existente, tendo inclusive como exemplo genuíno, o mestiço Luiz Gonzaga Pinto da Gama que formado advogado em 1869, realizava a defesa dos cativos de forma gratuita, usando como base uma Lei de 07 de novembro de 1831, 57 anos anterior a Lei Áurea, que declarava livres todos os escravos que chegassem ao Brasil a partir daquela data. Desta forma Luiz Gama conseguiu centenas de alforrias, tornando-se uns dos principais personagens do movimento abolicionista (PROJETO BURITI, 2013), e inseriu em um meio dominado por brancos, na época, a ideia de que direitos e a jurisdição existiam para todos.

Insta salientar que, apesar de se tratar de tema ancestral, conforme demonstrado, e constantemente debatido, não há no Brasil entendimento consolidado sobre quais as formas que este tipo de exploração ao trabalhador se desdobrou, mas pode-se considerar análoga à escrava, para efeitos deste artigo, as que constam do artigo 149 do Código Penal, conjugado com demais artigos do próprio Diploma Legal Penalista, a punição que está esboçada na Emenda à Constituição nº 81/2014, referente ao trabalho escravo, e no Manual de Combate ao Trabalho Análogo à Escravidão que orienta os Auditores Fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego.

Observar que as normas, leis, convenções ou acordos internacionais citados ao longo do trabalho não excluem outras que tratam do assunto, não sendo mencionadas apenas por questões metodológicas para o cumprimento adequado das formalidades ou por mero cuidado em não alargar em demasia o objetivo básico do trabalho.

1. Abordagem constitucional

1.1 Os Direitos Humanos para o trabalhador e sua inserção na ordem jurídica brasileira

A OIT (Organização Internacional do Trabalho) foi criada em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, sob o fundamento que os direitos dos trabalhadores, na lógica da paz mundial, deveriam cuidar também das questões referentes ao trabalho em todo o mundo, tendo em vista a posição de hipossuficiente dos operários, tanto no campo das atividades rurais quanto nas fábricas, porém, com o início da Segunda Guerra Mundial, seus trabalhos foram interrompidos.

Com a mudança da localização da sede da OIT de Genebra para Montreal, no Canadá, fora possível constituir uma nova Carta de princípios e objetivos da Organização, em 1944, que veio a ser utilizada de base para a Organização das Nações Unidas, criada em 1946, aventar a sua própria Declaração.

Em 10.12.1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, também chamada de Declaração do Homem e do Cidadão, em seu artigo IV, deixa claro que a escravidão deveria ser combatida e que nenhum homem poderia ser mantido em escravidão, já que esta, reconhecidamente, estava proibida em sede mundial, tendo em vista que afronta diretamente o alicerce de todos os princípios relativos, a dignidade da pessoa humana.

Apesar de o Brasil ter assinado na mesma data tal Declaração de Direitos Humanos, esta só fora inserida na ordem jurídica brasileira, em sua plenitude, em 1988, com a promulgação da nova Carta Constitucional, devendo ser observado que existem ainda pactos e convenções de Direitos Humanos, que complementam a estrutura de busca de igualdade e paz mundial, não ratificados até então.

Neste sentido, a Constituição de 1988 abarcou como princípio a ser protegido a dignidade da pessoa humana, não só em seu preâmbulo, quando fala dos direitos sociais e individuais a serem protegidos, como em seu artigo 1º, inciso III, sendo certo, que sua violação trará consequências em toda a ordem jurídica, de Direitos Humanos, do direito posto e demais ciências. Corrobora ao alegado, Flávia Piovesan (FLÁVIA PIOVESAN, ANDREA SAINT PASTOUS NOCCHI; GABRIEL NAPOLEÃO VELLOSO; MARCOS NEVES FAVA (coord.) – 2011) na passagem que trata “o trabalho escravo e degradante como grave forma de violação de direitos humanos, sendo, ao mesmo tempo, resultado de um padrão de violação de direitos e causa de violação de outros direitos”.

Vale ressaltar, que no Brasil, apesar de estar proibida desde a Lei Áurea (1888), que não será objeto de estudos mesmo estando em vigor, e ter sido declarado pela ONU através da Declaração dos Direitos do Homem, (frise-se) de 1948, o Brasil somente não mais ignorou que ainda persistia a escravidão em 1995, mesmo que apenas por situações análogas.

Dito isto, com tal reconhecimento, neste mesmo ano foi criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf), atuando na fiscalização e resgate de trabalhadores em condições análogas a de escravos, sendo esta a primeira tentativa de cumprimento do que se encontra disposto na Declaração de Direitos Humanos e da própria Constituição do Brasil de 1988.

1.1.1. Da afastabilidade dos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Liberdade e da Legalidade – Art. 5º Constituição Federal

Há que se mencionar de pronto que o Principio da Dignidade da Pessoa Humana trata da proteção de toda e qualquer pessoa, sem exclusão de cor, raça, etnia, nacionalidade ou condição social, sendo pertinente mencionar o conceito de Ingo Sarlet (INGO WOLFGANG SARLET,– 2004), “a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte dos Estados e da comunidade”.

Neste contexto, pode-se verificar que há o afastamento direto deste Principio Constitucional e Universal tão importante quando realizada a prática de exploração da força de trabalho e de tempo do trabalhador de forma exacerbada, sem o mínimo de condições de higiene, segurança, alimentação, moradia dentre outros, já que este é digno de respeito e consideração por todos.

Inegável que o legislador procurou trazer a máxima proteção almejada pela OIT e pela ONU em suas declarações e convenções para dentro do Direito brasileiro, notadamente na Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, e, principalmente, da Constituição de 1988, arts. 1º, 3º e 5º, e do Direito Penal em 2003.

Contudo, indo na contramão da legalidade, o empregador abusa do seu poder diretivo, provocando sorrateiramente a escravidão de seus trabalhadores através do cerceamento de sua liberdade de ir e vir de um lugar a outro sem permissão, pela falta de trabalho digno como acordado no momento de contratá-los, não realizando a paga correspondente aos seus esforços, mantenho-o em condições de plena falta de segurança na execução de suas funções e demais formas que serão descritas a frente.

Portanto, quando verificada a existência de trabalho escravo dentro de atividades empresariais, restam afastados todos os princípios, implícitos e explícitos, existentes em tais documentos, não tão somente os citados neste artigo.

Neste diapasão, fica claro que o tomador de serviços, e consequentemente da força de trabalho, reduz seus trabalhadores a condições análogas a de escravo, desrespeitando incisivamente, e de forma dolosa, os Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Liberdade e Legalidade, estes expressos, não por acaso, em nossa Lei Maior, e por tal motivo se faz necessário abordá-los rapidamente.  

Cumpre dizer, portanto, se a Dignidade da Pessoa Humana é uma qualidade intrínseca do ser humano, logo, algo que não tem preço ou valor pecuniário e, por tal, não se compra ou vende, superexplorar e levar o homem ao limite de suas forças física e mental, atinge diretamente sua dignidade, quiçá até a forma que este enxerga a si, como um ser digno de conquistar o melhor para ter do melhor, trazendo assim até consequências psicológicas.

Numa segunda linha de observação, as situações descritas anteriormente implicam também no afastamento de outro principio importantíssimo, o da Liberdade, já que, mesmo não sendo àquele trabalho escravo das épocas coloniais, há privação da locomoção do trabalhador por completo na maioria dos casos apresentados a justiça brasileira, seja por dívida ou confisco de seus documentos, quando não, a situação de restrição do direito a liberdade deste empregado fica limitada ao comando de seu empregador.

Com isto, e por fim, tendo em vista que tais princípios mencionados constam da Constituição Federal, e intrinsecamente em demais normas vigentes no direito interno e externo, por via reflexa o Principio da Legalidade sucumbe, presente no art. 5º, inciso II da Carta Magna, já que empregador furtar-se a lei, realizando vez pós outra atos contra legem.

1.1.2. Direito Social – Art. 7º da Constituição Federal

O artigo 7º da Constituição Federal, introduzido no nosso ordenamento em 1988, se valeu de trechos da redação já existente na Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu art. XXIII, itens 1, 2 e 3, além do art. XXIV, que formam os direitos mínimos do homem-trabalhador.

Neste contexto, inicia o artigo constitucional com a seguinte redação e seguem os principais incisos relacionados ao tema ora abordado:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal;

XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;”

Neste sentido, defende Bitencourt  (CEZAR ROBARTO BITENCOURT,– 2009) que a conduta de reduzir alguém à condição análoga de escravo afasta todos os direitos sociais e fundamentais de forma direta, conjuntamente com o principio da dignidade da pessoa humana como relatado, “despojando-o de todos os seus valores ético-sociais, transformando-o em coisa, no sentido concebido pelos romanos”.

Com este conjunto de normas, adicionados os derivados de leis infraconstitucionais, aparenta ter o trabalhador seus direitos assegurados, mas a sensação de impunidade, ilegalidade e falta de aplicação efetiva das sanções previstas no âmbito jurídico, no caso em comento, são muito intensas, já que não se coíbe veementemente tal prática de recrutamento dos trabalhadores para regiões do País onde se concentra a massa de empregadores que atentam contra todos os princípios e regras já citadas.

2. Desenvolvimento

2.1 Da criação do gertraf (Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado) e do conatrae (Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo)

Após reconhecer que no Brasil ainda persistia o trabalho escravo, mesmo que de forma análoga, o governo brasileiro buscou criar mecanismos de repressão à prática, criando assim órgãos fiscalizadores que deveriam cuidar da sistemática de endurecimento no sentido de reprimir tais atos e, ainda, para impedir novas escravizações e fiscalizar as leis que viriam a ajudar nesta tarefa. Porém, como veremos, a tarefa é árdua e tal conduta persiste em nosso país.

O Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) criado em 1995 através do Decreto 1.538/95, conforme seu art. 1º foi idealizado com objetivo de “coordenar e implementar as providências necessárias à repressão ao trabalho forçado”, competindo a este órgão a elaboração e implementação de programas integrados a fim de coibir a prática de trabalho análogo a de escravo, coordenação de órgãos que visem o cumprimento dos programas, a articulação com a OIT e dos Ministérios Público da União e Estados para que a legislação pertinente seja cumprida e, além disso, propor atos normativos para a melhor implementação destes propósitos.

Através do Gertraf, que tem como formação representantes de diversos Ministérios, como exemplos, MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), Ministério da Justiça, Ministério da Agricultura, Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, foram criados outros grupos de combate que, em conjunto, realizam ações especiais de fiscalização, empreendidas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, dirigidas às situações mais graves, como de trabalho degradante e/ou escravo e de ações permanentes, através de suas Delegacias Regionais do Trabalho, de equipes de fiscalização que devem atuar permanentemente no combate às situações irregulares de trabalho, tudo isto ocorrendo com o apoio da Polícia Federal.

 Ocorre que, penoso admitir que este grupo não tenha conseguido coibir tais práticas de forma a erradicar o trabalho análogo ao de escravo, não por sua culpa, mas tendo em vista que o número de Auditores Fiscais do Trabalho é infinitamente diminuto frente ao tamanho do Brasil, já que suas Regiões são vastíssimas, sendo as mais longínquas, ou de difícil acesso, merecedoras de atenção redobrada, e portanto de maior efetivo de fiscais da lei.

O mesmo ocorre em relação ao número de Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs) que encaminham as denúncias recebidas ao Grupo Móvel (longa manus do Gertraf), Polícia Federal, MPT (Ministério Público do Trabalho) e MPF (Ministério Público Federal) para providencias de fiscalização e resgate dos trabalhadores explorados.

Neste passo, a observação destes fatores chama a atenção para a ineficácia da fiscalização que por si só não gera punição, se transformando em verdadeiro trabalho de “enxugar gelo”, isto porque, mesmo havendo lei específica para conter em seu grau máximo a prática de aliciamento de trabalhadores e exploração dos mesmos, esta não é aplicada por magistrados, em ações, e/ou delegados, em inquéritos policiais, conforme veremos mais adiante, ficando a cargo tão somente da Justiça Trabalhista corrigir as distorções criadas em sua esfera de competência.

Em nova tentativa de aperfeiçoamento institucional, em 2003, fora criado o CONATRAE (Coordenadoria Nacional de Combate ao Trabalho Escravo), tendo este como objetivo central, acompanhar o cumprimento do Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, a tramitação de projetos de leis no Congresso, além de propor atos normativos, acompanhar e avaliar projetos de cooperação técnica entre o Brasil e organismos internacionais, elaborar estudos e pesquisas e realizar campanhas relacionadas à erradicação do trabalho escravo, entre outros.

Até 2014 houve avanço no combate ao trabalho escravo, por ter toda esta estrutura de fiscalização e ação se formado em prol de seu combate e, natural, erradicação. Contudo, reconhecidamente, a lei já existente é ineficiente, e tal prática vem sendo alimentada e através do recrutamento de trabalhadores em abundancia para locais que usam da mão de obra forçada para desenvolver suas atividades de comércio ou de insumos, não ficando mais restrita a brasileiros, mas estrangeiros residentes ilegalmente no país.

2.1.1 Conceitos de Trabalho Análogo à escravidão

Não há no Brasil um entendimento pacificado sobre a conceituação doutrinária e legislativa do que seria trabalho análogo a escravidão, apesar das fontes, da lei penal e demais normas o definirem para fins de aplicação da lei penal e trabalhista ao caso concreto, permanecendo, enquanto isso, alguns milhares de empregados em escravidão análoga, não percebendo retorno das horas despendidas com sua força de trabalho e sofrendo por meses pressão psíquica, pois aqueles que deveriam estar cumprindo penas em regime fechado prisional permanecem inseridos na sociedade.

De acordo com o Ministério Público Federal, que também possui competência para ajuizar as ações coletivas pertinentes ao trabalho escravo, quando praticado no meio rural, o crime ocorre principalmente em atividades como a pecuária, em plantações, na extração de carvão vegetal, na agroindústria e no desmatamento. No meio urbano, os destaques vão para as confecções de roupas e para a construção civil. As vítimas são de todos os tipos: crianças, mulheres e homens mais jovens no geral, e quanto a isto não há desarmonia entre legislador, doutrinadores e pesquisadores do tema.

A divergência está, não exclusivamente, no caput do art. 149 do Código Penal que definiu, o que é o núcleo do tipo, tendo certo que se trata de reduzir alguém a trabalhador análogo à escravo.

Porém não há motivos para tal discussão, tendo em vista que o direito também se vale do concreto, do dano causado, da aferição de cada caso isoladamente, considerando-se que a aferição de trabalho indigno, em condições insalubres, por meio de coerção, falta de segurança (equipamentos de proteção) são visivelmente formas de trabalho degradante e exploratório quando ocorrem em conjunto.

Portanto o que diverge, ao que parece, é a justiça trabalhista condenar o empregador ao pagamento das verbas salariais e de rescisão de contrato tácito, pois nesta modalidade as carteiras são retidas e não devolvidas assinadas em 48h conforme a lei determina, e na seara penal absolver o empregador que se beneficiou economicamente da força do trabalho do seu explorado reduzindo-o a condição de coisa – res – assim como nos tempos do Código de Hammurabi, onde o homem coisificado era chamado de Wardum (escravo) e podia ser comprado e vendido até que conseguisse comprar sua liberdade.

Neste momento é apropriado observar um breve trecho de Relatório da OIT, que segue transcrito abaixo, para melhor compreender porque no Brasil ainda se usa a expressão trabalho escravo e como isso acaba por interferir no tipo penal abordado.

“Relatório da OIT – Maio/2005 (…) No Brasil, a expressão usual para referir-se à prática de trabalhos forçados em zonas remotas é ‘trabalho escravo’. Todas as situações abarcadas por esta expressão se enquadram no princípio (da proteção do trabalhador) dentro do âmbito de aplicação das Convenções da OIT sobre trabalho forçoso”.

2.1.2 Características – Reconhecidas pela lei e pela doutrina brasileira

O conceito de trabalho análogo a escravo esta íntima e diretamente ligado a suas características, visto que procura atender também o art. 5º, III da Constituição Federal, que imperativamente diz que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, se encaixando perfeitamente no caso em análise.

Somente em 2003 o legislador, através da Lei Ordinária 10.803 de 11.12.2003, relacionou quais condutas são consideradas típicas de agente que reduz outro a condição de escravo, não sendo ainda pacífico, se tal rol é taxativo, visto seu numerus clausus, ou exemplificativo, com numerus apertus, já que não encontram os juristas um conceito fechado para “trabalho análogo à de escravo”.

Partindo de tal observação, seguem tais características enumeradas na nova redação do art. 149 do CP:

“Caput – Submeter a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva trabalhador, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto;

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003);

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.” (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).

Verificada as características descritas no art. 149 do CP, há que ser dito que na seara criminal o tipo penal não pode se valer de interpretações extensivas, pois carrega consigo a descrição de um fato ilícito que, portanto, implica a cominação de uma pena. É um dos elementos definidores do próprio crime, que segundo a teoria tripartite, é fato típico, antijurídico e culpável, ou seja, o tipo deve estar perfeitamente delimitado para o fim que quer atingir.

Destrinchando o caput do art. 149 do CP se encontra o núcleo do tipo penal, que é submeter alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva de trabalho, sem mais delongas.

Seguindo esta linha de raciocínio trabalho forçado pode se caracterizar por condições degradantes de trabalho, ou seja, conjunto de ilícitos que colocam em risco a vida do empregado, seja pela falta de equipamentos de segurança combinadas com atividades insalubres, não havendo prevenção contra doenças por contaminação ou exposição a materiais tóxicos, entre outros, e a servidão por dívida.

Neste lastro, a jornada exaustiva pode ser assim analisada como qualquer hora que se prolongue por mais de 10 horas diárias, já que o art. 58 da CLT traz em seu bojo a limitação de 8h diárias ou 44h semanais, podendo de forma suplementar e não habitual ser acrescida de 2 horas extraordinárias por dia, conforme art. 59 do mesmo Diploma Legal, sendo aplicável tanto ao trabalhador rural quanto ao urbano.

Por tal motivo, presume este artigo que a divergência quanto à aplicação da sanção penal, prejudica os trabalhadores e toda a sociedade, funcionando esta, analogamente, como uma norma de eficácia contida, necessitando com urgência de complementação legislativa para que funcione, o que não deveria ser o caso já que recentemente alterada para se adequar a esta questão de existência do tipo penal.

2.2. Tratados internacionais e a lei vigente no brasil

2.2.1. Dos alertas realizados pela OIT e a criação de legislação brasileira específica

Conforme se depreende da leitura do capítulo introdutório deste trabalho, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) já vinha chamando a atenção de países que toleravam de forma velada, por óbvio, o uso de trabalho escravo desde sua criação, em 1919, formalizando convenções, realizando acordos no que tange a escravidão em todo o mundo, a fim de abolí-la por completo, mas conforme o passar dos tempos, a evolução histórica e do maquinário, a situação de pessoas escravizadas para trabalho forçado e/ou exaustivo não sucumbiu, pelo contrário, ganhou status de clandestinidade.

No dia 15 de outubro de 2004, ou seja, há 10 anos, fora editada a Portaria nº 540 do MTE, que traz em seu esboço, mais precisamente no art. 1º, a criação do Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo, a fim de mantê-los em anotação de conduta contraria as leis trabalhistas vigentes aplicáveis ao caso concreto, a “Ficha Suja” dos empregadores.

Na época de sua edição, 153 empregadores foram incluídos no cadastro e ficaram proibidos de obter recursos financeiros junto a bancos privados, além de ter seus créditos suspensos junto aos bancos públicos, como o BNDES, o que em verdade só funcionou de forma inibidora até 2005, quando estes que formavam a lista conseguiram através de liminares retirar seus nomes do cadastro repressivo, enfraquecendo a intenção primordial desta que era os afastar do mercado, consequentemente, de formar novas relações trabalhistas temerárias.

Atualmente, o cadastro “lista suja” conta com 568 nomes de pessoas físicas e jurídicas, porém nenhuma conta com a sanção na esfera penal por ter praticado o crime de redução de subordinado a trabalho análogo a escravidão, e usam a falta de sentença penal para conseguir retirar seu nome ou da empresa do cadastro.

Importante finalizar este capítulo informando que se encerrou no último dia 16 de outubro a 18ª Reunião Regional Americana da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com a aprovação da Declaração de Lima, cidade peruana que recebeu o encontro, onde firmado documento, faz uma convocação para que os países da América Latina, inclusive o Brasil, promovam ações para combater a desigualdade, o que demonstra que a lei deve urgentemente ser efetivamente aplicada.

O texto defende que as políticas econômicas e sociais sejam integradas e busquem a promoção da inclusão social e do trabalho decente, reafirmando que há muito ainda para ser feito e planejado em termos de combate ao trabalho exploratório de mão de obra nos países da América Latina, o que corrobora com todas as impressões por este trabalho levantadas.

2.2.2. A não aplicação do artigo 149 do código penal

O art. 149 tem como bem protegido a liberdade e a dignidade da pessoa humana, já que em se tratando de sanção penal, é a própria vida e o bem jurídico maior a ser protegido.

Confirma a afirmação feita acima, e em capítulo anterior, a observação de Rogério Greco (ROGERIO GRECO – 2008), que leciona que “a lei penal refere-se às condições degradantes de trabalho, existem outros bens juridicamente protegidos: a vida, a saúde, bem como a segurança do trabalhador, além de sua liberdade”.

Logo no inicio este artigo se apresenta afirmando, em linhas gerais, que o Brasil somente tomou providencias quanto ao trabalho, pós Lei Áurea, escravo após 1948, porém, há que se fazer uma ressalva importantíssima, o Decreto Lei nº 2848/1940, promulgado por Getúlio Vargas, inseriu no rol de tipos penais puníveis, a redução de trabalho análogo a de escravo através do art. 149 do CP, na seção de crimes contra a liberdade.

Porém, tal comando jamais poderia ser efetivo, tendo em vista sua total atecnía jurídica, pois o tipo penal “reduzir a condição análoga” não trazia consigo um conceito ou qual a conduta faria surgir o fato típico, não havia um rol a ser observado ou fixando-o naquele contexto.

Finalmente, sob o mesmo ponto de vista, pressionou-se o Legislativo Pátrio para que corrigisse tal falta de elementos penais puníveis, a fim de trazer eficácia à norma existente, em suma, para aplicação de sanção corpórea ao agente que comete tal crime, o que em verdade não resultou em solução e sim em deveras discussões.

2.3. Fiscalização

2.3.1 Dados de trabalhadores escravizados e libertados de 1995 até 2013

O Brasil contabiliza mais de 46.000 trabalhadores libertos entre 1995 e 2013, segundo dados do MTE, porém este número, embora aparentemente expressivo, não desmontou ou desencorajou os empregadores do uso desta prática desumana.

Quando entrou em vigor, a Lei Ordinária 10.803/2003 causou uma explosão de autuações, conforme dados do MTE, quais sejam, nos anos de 2003 e 2004, foram realizadas um total de 3.883 autuações lavradas, tendo sido resgatados mais de 8.000 trabalhadores.

Isto ocorreu, hipoteticamente, porque a sensação de que a justiça penalista poderia adentrar a seara do trabalho era imensa, contudo, os efeitos iniciais da promulgação da referida Lei amainaram a seguir, e conforme o mesmo quadro geral do MTE em 2005 foram apenas 824 autos lavrados com 1.255 empregados escravizados liberados.

De acordo com pesquisa do jornal “O Globo”, de 13/05/2014, as empresas que figuram nesta relação conseguem se excluir por liminares na justiça, já que não há no âmbito administrativo jurisdição que obrigue a mantê-los cadastrados sem sentença judicial transitada em julgado, o que se mostra um lamentável erro jurisdicional, pois desta forma não meios de conhecer quais são as empresas ou pessoas físicas que se aproveitaram do trabalho braçal de forma subumana ou de trabalhadores desavisados.

2.3.2 Da Ausência de prevenção por parte do Estado

Todos os mecanismos estatais ate aqui criados funcionam a partir de denúncias, sendo certo que as equipes afetas a tal combate recebendo denuncia, rapidamente se dirigem ao local de origem daquela delação, com apuração dos fatos apontados, mas não possui uma prevenção, anterior a denuncia, com o objetivo de evitar o uso, ao menos, de trabalho exaustivo.

Toda a movimentação do Grupo Móvel (através do Gertraf), da DRT, do MPT e MTE só ocorre se houver denúncia de trabalho escravo em alguma região, não havendo verificação periódica das condições de trabalho nas circunscrições da Delegacia Regional do Trabalho.

Do mesmo modo, não há averiguação realizada por policiais ou auditores fiscais do trabalho, incursões de vigília de membros do MPT ou qualquer outro meio, fora se denunciadas as propriedades que se utilizam de trabalho escravo, o que facilita muito o surgimento de mais trabalhadores escravizados em regiões afastadas das regiões metropolitanas do país e cada vez mais empregadores se valendo de tal deficiência.

2.3.3 Dos julgados recentes

Há que se destacar que nos últimos 4 (quatro) anos, nenhum acusado por contratar trabalhadores e mantê-los em condições análogas à de escravo foi condenado em definitivo e, tampouco os anteriormente condenados iniciaram  seu cumprimento de pena pelo crime, pois a sentença não transitou em julgado até meados de 2014.

Saliente-se que nesse período foram ajuizados 469 (quatrocentos e sessenta e nove) processos nos Tribunais de todo o país, mas nenhum resultou em punição.

Para o Ministério Público Federal, a impunidade está ligada à demora do Judiciário em resolver as causas, mas, para muitos, a absolvição ou demora no cumprimento da pena está ligada diretamente a falta de um conceito fechado do que seja “reduzir alguém a trabalho análogo a de escravo” ou o que seja o próprio trabalho análogo ao de escravo.

A propósito, as decisões na esfera criminal e trabalhista são deveras contraditórias, visto que, muitos julgados na justiça do trabalho são fundamentados observando, sempre, que é irrefutável a caracterização de trabalho escravo naquela ação Reclamação Trabalhista ou ação coletiva proposta. Entretanto muitos inquéritos policiais são arquivados por atipicidade do crime de redução a trabalho análogo a de escravo e aqueles que são levados a frente tem como resposta a absolvição dos réus por não serem este considerados os verdadeiros empregadores ou dono das terras, conhecidos como laranjas, e que se utilizavam do trabalho indigno ou em condições subumanas.

Neste sentido, deve ser cuidadosamente observado que mesmo não sendo estes os reais proprietários, faziam efetiva e diretamente o uso do trabalho exploratório de pessoa humana, auferindo lucro ou dinheiro, afastando o principio da legalidade, da dignidade da pessoa humana e da liberdade, tanto quanto o empresário ou sócio do negócio, já que preposto deste.

Sendo assim, se “tipo penal”, conforme já visto, é a descrição concreta da conduta proibida e a matéria da proibição das prescrições jurídico penais, certo é que aqueles que funcionam como prepostos, também estão incursos no crime de redução de pessoa a trabalho análogo a de escravo, ou seja, concorreram para que o tipo penal sobreviesse, quando auxiliaram para a efetivação do ato punível exatamente conforme está descrito na Lei (o núcleo do tipo – formal) e a significativa lesão ao bem protegido (consumação do crime – material).

Tal afirmação, também pode ser verificada com a simples leitura de trechos do processo 01263-2007-048-03-00-4 RO, utilizado como exemplo, inclusive, por diversos autores e estudiosos da área do direito trabalhista, recurso este interposto por proprietário que teve o inquérito arquivado por atipicidade na esfera penal, em ação coletiva proposta pelo Ministério Público do Trabalho, e que tentava retirar seu nome do cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas a de escravo.

"Processo 01263-2007-048-003-00-4 RO – (…) não se pode pretender a absolvição trabalhista simplesmente porque o inquérito policial foi arquivado por atipicidade dos fatos investigados. O tipo penal encerra torneamento rígido, fechado hermeticamente sobre si próprio (nullum crimen, nulla poena sine lege[1]), não tolerando o seu brandor nenhuma impureza, tendo em vista o jus puniendi do Estado. (…) Se os trabalhadores, recrutados, arregimentados, andarilhados ou pré-contratados, pouco importando a questão semântica, já que não se trata de tipificação penal, para prestar serviços na colheita de cana, morando em alojamentos precários (…) ferindo a dignidade da pessoa humana, esses fatos não podem passar ao largo da percepção do juízo trabalhista, direta e imediatamente envolvido com os direitos sociais fundamentais, que não podem ser meras promessas, sonhos e fantasias para humildes trabalhadores, que prestam serviço exaustivo, no campo, realizando a colheita de cana, para a sustentação do programa de biocombustível".

Cumpre observar que não há uma relação legal sistemática entre a justiça trabalhista e penal, mesmo coexistindo leis que tratem do mesmo assunto, estas não dependem uma da outra para processar suas ações, correndo, assim, como nas ações da esfera cível, paralelamente.

Isto ocorre, porque na justiça do trabalho não há prisão ou esta não comporta a especializada criminal para delitos contra os trabalhadores, que veremos a frente ser uma alternativa para coibir o trabalho escravo no país.

2.4. A pec do trabalho escravo – ec 81/2014

A PEC 00057/1999, mais conhecida como PEC do Trabalho Escravo, fora elaborada como tentativa de endurecimento da legislação atual para uma real coerção dos abusos cometidos pelos donos de terras e empresas que mantem seus empregados em regime de trabalho análogo ao de escravo.

No dia 05 de junho de 2014 a referida PEC fora promulgada e sua publicação ocorreu no dia 06 de junho, colocando fim a mais de 14 anos de espera por sua aprovação. Tal Emenda Constitucional, EC 81/2014, alterou a redação do art. 243 da Constituição Federal e vigora com a seguinte redação, portanto:

"Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer  região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei".

O Senador Renan Calheiros, muito oportunamente, quando em discurso após promulgação da referida Emenda, sintetizou o que todo este trabalho em aprovar a PEC busca, que é a concretização de cumprimento às normas já existentes e asseverou que:

“As medidas coercitivas para submissão de trabalhador a regime análogo ao da escravidão não foram suficientes, pois a legislação praticamente não foi aplicada, deixando a sensação de impunidade. Por tudo isso, o Congresso Nacional decidiu medida mais drástica, para impor a expropriação de imóveis rurais e urbanos.”

Há que se dizer neste momento que, a divergência anteriormente apontada acaba por interferir diretamente na Emenda 81/2014, visto que sua aplicação não será possível de forma efetiva se um conceito não for definido.

Corrobora a afirmativa o relator da proposta, Senador Romero Jucá, quando tenciona que o termo precisa ser mais específico, ou melhor, definido no sentido do que seria uma jornada exaustiva e o que é um trabalho degradante. Além disso, muito bem avalia os contornos e limitações que precisam ser definidos, já que tal definição deverá ser direcionada para as classes e nichos profissionais onde realmente se extrapole a razoabilidade e se encaixe o tipo penal, não tomando qualquer trabalhador para si a aplicação da norma mais pesada ao seu contento, usando como exemplo trabalhador em São Paulo que afirma ser degradante trabalhar sem ar-condicionado, banalizando a intenção principal da Lei aplicável ao tema ora discutido.

Por tal, a Emenda aprovada e promulgada, por se tratar de norma de eficácia contida, deverá ser regulamentada por Lei Complementar, que deverá trazer em texto as definições e caracterizações pertinentes ao tema para que, efetivamente, esta exista no mundo jurídico e seja aplicável aos casos concretos existentes e que surgirem, retornando a discussão da efetividade do tipo penal contido no art. 149 do CP, já conjecturado neste artigo quando do capítulo de aplicação da norma sancionatória penal e das características descritas pelo tipo penal.

Vale ressaltar que, de toda a sorte, a complementação deveria ser editada de forma mais célere que o projeto de emenda, que levou mais de 10 anos para vir a existir no mundo jurídico, e por experiência, é sabido que o caminho será longo, porém não podendo ser desmerecido tal avanço legislativo.

3. Conclusão

Este artigo se prestou a tentar demonstrar em seu bojo a falta de efetividade e eficácia da norma já estabelecida e a maior parte de suas nuances e divergências, porém o tema não fora esgotado, tamanha complexidade e discussão no mundo jurídico.

Conclui-se, também, que algumas medidas seriam necessárias para que essa averiguação prévia ocorresse da forma desejada e atingisse seu objetivo de prevenção.

Primeiramente, a anotação de todas as propriedades que desenvolvem atividades empresariais em cadastros de sindicatos da categoria que ocupam, conforme a regional, para efetivar a liberação de suas licenças para a produção e/ou exploração da terra e, consequente, trabalho braçal.

Isto porque, atualmente os meios tecnológicos viabilizam a troca de informações entre sistemas, designando-se mês a mês, dias e locais a serem vistoriados, sem aviso prévio ao latifundiário ou empresário e seus prepostos, independentemente de denúncia por parte de qualquer individuo ou órgão classista, revertendo para si à velha máxima de que “a vantagem que o rato tem sobre o homem é saber quando o gato está chegando”.

Em segunda solução, o maior rigor na anotação dos empregadores “Fichas Sujas”, colocando não somente 1% de empresas ou propriedades rurais que lá se encontram, mas todos àqueles que já tiveram condenação transitada em julgado na justiça do trabalho, inclusive, não só na esfera penal, já que devidamente atendidos os princípios de ampla defesa e contraditório em todas as vias legais existentes na Ação Coletiva ou Reclamação Trabalhista.

Ainda nesta linha, criação de uma justiça trabalhista que tenha uma ramificação especializada de tratamento dos processos que tenham como sujeitos ativo e passivo, trabalhadores e empregadores envolvidos em lides que discutem a existência ou não de trabalho na propriedade.

E por fim, elaboração de programa que trabalhe diretamente a prevenção junto aos trabalhadores, com um centro de atendimento que informe o direito destes ou ainda, que chame a atenção para a existência de aliciadores na região, podendo este ocorrer até em associação de moradores em cidades pequenas do interior ou convocação geral em Praças e Câmara de Vereadores, provendo assim, educação para o trabalhador.

Ao final, se conclui, pela observação dos capítulos elaborados, que a melhor solução seria combater este mal na raiz, através da prevenção continuada, persistente, setorizada e organizada pelos órgãos já constituídos, buscando mais educação para o trabalhador, a fim de que este tenha condições de identificar quais de seus direitos estão sendo suprimidos ou quais estão ameaçados, fazendo assim uma grande corrente de vozes que ecoarão até aqueles que os poderão defender.

Referências
BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Trabalho Decente – Analise jurídica da Exploração do Trabalho – Trabalho escravo e outras formas de trabalho indigno, 3. Ed. São Paulo: LTr. 2013
BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Trabalho Escravo – Caracterização Jurídica – 1. Ed. São Paulo: LTr. 2014
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 26. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
PIOVESAN, Flávia. Trabalho escravo e degradante como forma de violação dos direitos humanos. Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação, NOCCHI, Andrea Saint Pastous; VELLOSO, Gabriel Napoleão; FAVA, Marcos Neves (coord.) 2. Ed São Paulo: LTr, 2011.­­­­­­­
PROJETO BURITI: história/organizadora Editora Moderna; obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna. 3 ed, São Paulo, 2013
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
REVISTA TRT 1ª REGIÃO: Trabalho Decente. Julho/dezembro 2011.
BRASIL, Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, RJ, 01 de maio 1943; 122. Da independência. 55. Da República – Getúlio Vargas – Alexandre Marcondes Filho.
BRASIL, Constituição da República Federativa do. Saraiva. 2014
BRASIL. Código Penal Brasileiro (atualizado). Saraiva. 2014
BRASIL. Manual de Combate ao Trabalho Escravo – TEM
BRASIL. Projeto de Emenda à Constituição nº 57A/1999 – PEC do Trabalho Escravo
GENÉBRA. Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU – 1948
GENÉBRA. Relatório OIT de maio de 2005.
MONTREAL. Carta de princípios e objetivos da OIT – 1944
Disponível em www.ambito-jurídico.com.br. Acesso em 10/10/2015
Disponível em www.mte.gov.br. Acesso em 20/08/2015
Disponível em www.reporterbrasil.org.br. Acesso em 20/08/2015
Disponível em www.senado.gov.br. Acesso em 20/08/2015
Disponível em www.trabalhoescravo.mpf.mp.br. Acesso em 20/08/2015
Disponível em www.trabalhoescravo.org.br. Acesso em 20/08/2015
 
Nota:
[1] Ninguém será punido sem que haja uma lei prévia (Princípio da Legalidade no direito penal).


Informações Sobre o Autor

Renata Lima Sequeira D’arrochella

Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá


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