Prerrogativas e limites da atividade fiscalizatória do ministério do trabalho e emprego

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Resumo:Considerando as polêmicas existentes acerca da competência fiscalizatória do Ministério do Trabalho e Emprego, seus limites e atribuições, busca-se no presente artigo, a partir de um estudo pormenorizado da doutrina e jurisprudência, identificar as diferentes correntes existentes, analisando criticamente seus fundamentos e refletindo sobre suas repercussões práticas.

Palavras-chave:Fiscalização do trabalho; Ministério do Trabalho e Emprego; Auditor fiscal do trabalho.

Sumário: 1 Introdução; 2 Reconhecimento de Vínculo de emprego; 2.1 Art. 41 da CLT. Peculiaridades da Administração Pública; 3 Fiscalização na vigência do TAC; 4 Verificação de agente perigoso; 5 Verificação da norma coletiva aplicável; 6 Conclusão.

1 Introdução

O papel interventor e tutelar do Estado no âmbito trabalhista é exercido tanto através da edição de atos normativos, como mediante atos de fiscalização do efetivo cumprimento das leis[1].

Em relação à atividade de inspeção e fiscalização do trabalho, destaca-se a atuação do Poder Executivo, através do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e de seus auditores-fiscais, a quem incumbe velar pelo respeito e observância dos direitos trabalhistas mínimos.

No Ordenamento Jurídico brasileiro, essa atividade fiscalizatória do Estado goza de proteção tantoem âmbito constitucional, conforme se depreende dos art. 22 XXIV e art. 114 VII da Constituição Federal de 1988 (CF/88), como infraconstitucional, com destaque para os art. 626 e ss. da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Lei 10.593/02, art. 27, XXI da Lei 10.683/2003 e Decreto 4552/02 que aprovou o Regulamento da Inspeção do Trabalho (RIT).

Em âmbito internacional, destaca-se ainda a Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificada pelo Brasil através do Decreto 41.721/57.

Enquanto manifestação do poder de polícia, essa atividade fiscalizatória e punitiva consiste em verdadeiro poder-dever, não tendo o auditor fiscal a discricionariedade de optar ou não por autuar e sancionar aquele que infringir as leis trabalhistas.

Por outro lado, à luz do princípio da legalidade, que rege todo e qualquer ato administrativo, essa fiscalização deve ser exercida dentro dos limites legais, sob pena de configurar excesso ou abuso de poder.

É justamente nessa contraposição entre o dever legal de agir de um lado, ea necessária observância dos limites legais de outro,que surgem controvérsias acerca da abrangência das prerrogativas e atribuições do auditor fiscal do trabalho, sobretudo considerando a existência de competências concorrentes atribuídas a outros entes como o Poder Judiciário e Ministério Público do Trabalho (MPT).

Diante desse contexto, busca-se no presente artigo, através de um estudo comparado da doutrina e jurisprudência, investigar e analisar criticamente quais as prerrogativas e limites do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)no exercício de sua atividade fiscalizatória.

2 Reconhecimento de vínculo de emprego

Uma das primeiras polêmicas que surgiu acerca dos limites e prerrogativas do MTE foi em relação à possibilidade ou não de reconhecimento de vínculo de emprego pelos auditores-fiscais do trabalho, quando verificada a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego (art. 3º, caput, da CLT[2]).

Há quem entenda pela incompetência do MTE, pois caberia exclusivamente ao Poder Judiciário reconhecer ou não a existência de vínculo empregatício, não tendo o Poder Executivo, através de seus auditores fiscais, competência para tanto.

Do contrário, representaria verdadeira usurpação da competência do Judiciário pelo Executivo, em violação à separação constitucional dos poderes (art. 2º CF/88[3])

No entanto, o entendimento prevalecente tem sido no sentido de que se tratam de competências concorrentes e que não se confundem. De fato, as atividades fiscalizatória e jurisdicional possuem, cada qual, peculiaridades próprias, não havendo falar em usurpação ou confusão de competências.

Isso porque, enquanto o MTE exerce de ofício atividade fiscalizatória, tendo o auditor o poder-dever de autuar em casos de irregularidades, sob pena de responsabilidade administrativa (art. 626 CLT), ao judiciário cabe decidir sobre os casos concretos levados pelos jurisdicionados, decisão esta com aptidão para formar coisa julgada.

O Judiciário, informado pelo princípio da demanda, é inerte, só podendo agir quando acionado (art. 2, 128, 262 e 460 do Código de Processo Civil de 1973). Justamente por isso, ganha ainda mais relevância a atuação concomitante do MTE, que tem a prerrogativa (e o dever) de agir de ofício. Do contrário, o fiel cumprimento da legislação trabalhista dependeria da postura proativa dos jurisdicionados de acionarem o Poder Judiciário.

Sobre o tema, esclarecedora a seguinte ementa:

“AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO POR NÃO APLICAÇÃO DE CLÁUSULA DE CONVENÇÃO COLETIVA MAIS FAVORÁVEL AOS EMPREGADOS DA RECLAMADA. NULIDADE. LIMITES DA ATUAÇÃO DO AUDITOR-FISCAL DO TRABALHO.

(…) Como decorre da própria repartição constitucional de funções entre os três Poderes estatais, enquanto ao Poder Legislativo compete, precipuamente, editar as leis, tanto ao Poder Executivo quanto ao Poder Judiciário cabe aplicar as leis já em vigor, para tanto interpretando-as em cada caso concreto. A diferença fundamental entre a atividade administrativa e a atividade jurisdicional não está, portanto, em que somente o Poder Judiciário teria a competência para interpretar e aplicar as leis, estando o Poder Executivo (e, mais especificamente, os seus agentes incumbidos das suas atividades de inspeção ou fiscalização, seja ela tributária, sanitária, previdenciária ou trabalhista) impedido de fazê-lo. Muito ao contrário, a fiscalização do Estado, como todos os demais agentes da administração pública, tem o poder-dever, de ofício e diante de cada caso concreto, de interpretar as leis imperativas em vigor, à luz das circunstâncias fáticas com que se defrontar, aplicando ou não as sanções correspondentes também na lei prescritas. Ao Poder Judiciário, que não age de ofício, caberá, se regularmente acionado pela parte interessada, examinar as circunstâncias fáticas e os aspectos jurídicos da controvérsia instaurada, interpretando as mesmas leis antes aplicadas pelo Poder Executivo, para dirimi-la de forma definitiva e com a autoridade de coisa julgada, controlando eventuais abusos e má aplicação das leis.(…)

Ademais, reitera-se que o desempenho das atribuições constitucionais e legais cometidas ao auditor fiscal do trabalho decorre do poder de polícia administrativa, e não de competência jurisdicional, sendo as penalidades aplicadas pelo auditor passíveis de impugnação na esfera administrativa ou de revisão diretamente pela via judicial. Logo, não configura invasão da competência jurisdicional desta Justiça especializada a prática de atos administrativos de aplicação da lei pelo agente ou servidor do Poder Executivo que, nos termos da Constituição e das leis, detém atribuições administrativas de fiscalização. Portanto, o auditor-fiscal, no caso, agiu de acordo com o que determina o artigo 628 da CLT, visto que nada mais fez do que lavrar o auto de infração em situação de aparente ofensa ao artigo 620 da CLT.Recurso de revista conhecido e provido.” (RR 5086-51.2010.5.01.0000, Ministro Relator: Renato de Lacerda Paiva, Ministro Redator Designado José Roberto Freire Pimenta, Data de julgamento: 19/03/2015, 2ª turma, Data de publicação: DEJT 15/04/2014)(grifo nosso)

Alinhando-se a essa corrente de pensamento, leciona Gustavo Filipe Barbosa Garcia[4]:

“Como se pode notar, a fiscalização das condições de trabalho, ainda que atividade estatal, não possui natureza jurisdicional, mas sim administrativa. Portanto, a garantia constitucional do controle jurisdicional estará franqueada àquele que sofrer lesão ou ameaça de lesão a direito (CF/1988, art. 5º, inciso XXXV).

O direito à tutela jurisdicional, não obstante, não afasta o poder-dever da Administração Pública de fiscalizar o cumprimento das normas de proteção do trabalho (CLT, art. 26).” (grifos do autor)

E no que tange especificamente à questão da competência para reconhecimento de vínculo de emprego, esclarece ainda que[5]:

“A competência da Justiça do Trabalho para reconhecer a relação de emprego, prevista no art. 114 da CF/88, refere-se ao exercício de atividade jurisdicional por esse ramo do Poder Judiciário. Como a atividade de inspeção do trabalho não é jurisdicional, este dispositivo (que regula distribuição de jurisdição) a ela não se contrapõe."

Inclusive, a própria legislação brasileira sinaliza neste sentido, a exemplos do art. 11, II, da Lei 10.593/02[6] e art. 17 da Lei 12.690/12[7] (Lei de Cooperativas) que preveem a competência para verificar eventuais situações de trabalho informal, sem o registro em CTPS ou através de intermediação fraudulenta de mão de obra pelas cooperativas.

Na mesma linha, cite-se ainda o art. 5º da Instrução Normativa MTb/GM  nº03/97 do Ministério do Trabalho e Emprego, a ver:

“Art. 5º. Cabe à Fiscalização do Trabalho, quando da inspeção na empresa de prestação de serviços a terceiros ou na contratante, observar as disposições contidas nesta Instrução Normativa, especialmente no que se refere à: (…) PARÁGRAFO ÚNICO: Presentes os requisitos configuradores da relação de emprego entre a contratante e os empregados da empresa de prestação de serviços a terceiros ou desvio de função destes, lavrar-se-á, em desfavor da contratante, o competente auto de infração, pela caracterização do vínculo empregatício.”

Esse vem sendo o entendimento majoritário o C. Tribunal Superior do Trabalho (TST), conforme se depreende dos seguintes julgado:

“INSPEÇÃO DO TRABALHO. LIMITES LEGAIS. COMPETÊNCIA. AUTO DE INFRAÇÃO. AUDITOR FISCAL DO TRABALHO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO. POSSIBILIDADE. A decisão regional se alinha à esteira de precedentes desta Corte que confirma a regularidade da atuação da fiscalização do trabalho destinada a assegurar a aplicação de dispositivos legais e regulamentares de natureza trabalhista, sendo, pois, o agente de fiscalização competente para identificar a existência de relação de emprego irregular e, constatando-a, aplicar as sanções legalmente cabíveis. Desprovido. TERCEIRIZAÇÃO IRREGULAR. ATIVIDADE FIM. VÍNCULO DE EMPREGO. CARACTERIZAÇÃO. O quadro fático inscrito no acórdão regional revela o acerto da atuação dos agentes da inspeção do trabalho, ao verificar o empreendimento de terceirização, diante da inserção de mão-de-obra terceirizada no núcleo da atividade empresarial da tomadora dos serviços.Agravo de instrumento desprovido.” (AIRR-2235-82.2012.5.03.0139, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de julgamento: 21/10/2015; 5ª Turma; Data de publicação: DEJT 29/10/2015)(grifo nosso)

"RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO PELA EMPRESA AUTORA. RECURSO DE REVISTA. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO POR AUDITOR FISCAL. APLICAÇÃO DE MULTA. INVASÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. A Constituição Federal, em seu art. 21, XXIV, disciplina que compete à União, -organizar, manter e executar a inspeção do trabalho-, e o art. 14, XIX, -c-, da Lei n° 9.649/1998 determina que compete ao Ministério do Trabalho e Emprego a fiscalização do trabalho, bem como a aplicação das sanções previstas em normas legais ou coletivas. 2. Por outro lado, conforme disciplinado pela Lei nº 10.593/2002, cabe ao auditor fiscal do trabalho assegurar a aplicação de dispositivos legais e regulamentares de natureza trabalhista. 3. Por conseguinte, conclui-se que o agente de fiscalização é competente para identificar a existência de relação de emprego irregular e, constatando-a, aplicar as sanções legalmente cabíveis. Recurso de embargos conhecido e não provido." (E-RR-18800-14.2007.5.15.0091, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 13/02/2014, SDI-1, Data de Publicação: DEJT 21/02/2014)(grifo nosso)

"I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO – COMPETÊNCIA DO AUDITOR FISCAL PARA RECONHECER FRAUDE. Ante a possível ofensa ao art. 21, XXIV, da Constituição Federal, de se prover o agravo de instrumento para melhor análise do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. II – RECURSOS DE REVISTA. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO – COMPETÊNCIA DO AUDITOR FISCAL PARA RECONHECER FRAUDE. Dispõe o art. 21, XXIV, da Constituição Federal que compete à União organizar, manter e executar a inspeção do trabalho. Em compasso com a norma constitucional, o art. 11 da Lei nº 10.593/2002 atribuiu aos Auditores-Fiscais do Trabalho o dever de assegurar, em todo território nacional, o cumprimento de disposições legais e regulamentares no âmbito das relações de trabalho e de emprego. Já o art. 628 da CLT determina que, nas hipóteses em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal, deverá ser lavrado auto de infração, sob pena de responsabilidade administrativa. Conclui-se, portanto, que o ordenamento jurídico pátrio impõe aos Auditores-Fiscais do Trabalho o múnus público de zelar pela correta aplicação da legislação trabalhista, prevendo, inclusive, severa punição para as hipóteses em que este dever é descumprido. A jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de que o Auditor-Fiscal possui competência não somente para constatar violações aos direitos trabalhistas, como também para verificar a própria existência da relação de emprego. Constata-se, portanto, que a decisão do e. Tribunal Regional, que concluiu pela incompetência do Auditor-Fiscal do Trabalho para constatar o desvirtuamento da natureza de parcela paga ao empregado, ofende o art. 21, XXIV, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido." (RR – 1006-61.2010.5.03.0138, Relator Desembargador Convocado: Valdir Florindo, Data de Julgamento: 12/03/2014, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/03/2014) (grifo nosso)

Registre-se, ainda, que o Judiciário poderá controlar os atos praticados pelo auditor-fiscal e, se for o caso, rever eventual entendimento acerca da existência ou não de vínculo de emprego. Conquanto os autos de infração, enquanto ato administrativo, gozem de presunção de veracidade, esta é meramente relativa, podendo ser submetida à apreciação jurisdicional.

Nesse sentido os seguintes julgados do C. TST:

"[…] AUTO DE INFRAÇÃO. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE AFASTADA. SÚMULA Nº 126. VIOLAÇÃO DE COMPETÊNCIAS. INEXISTÊNCIA. NÃO PROVIMENTO. O egrégio Tribunal Regional, soberano na análise de fatos e provas (Súmula nº 126), consignou que, apesar da fé pública dos autos de infração lavrados pelo auditor fiscal do trabalho, restou demonstrado que estes se embasaram em documentos que sequer permitiriam comprovar ou presumir o suposto labor extraordinário. Deve-se esclarecer que os atos administrativos, dentre eles os autos de infração lavrados pela administração pública, gozam de presunção de legitimidade, que se traduz num misto de presunção de legalidade, respeito à lei, e veracidade, congruência entre os fatos narrados e a realidade. A presunção gerada por tais atos é relativa, -iuris tantum-. Em outras palavras, existindo provas em sentido contrário, a validade do ato administrativo emanado do Poder Público pode, e deve, ser afastada, seja pela própria administração pública, seja pelo Poder Judiciário, que tem, também, o dever de controle da legalidade dos atos públicos, nos termos do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Inexistente, assim, qualquer usurpação de competências constitucionais. Agravo de instrumento a que se nega provimento.[…]" (AIRR – 195600-64.2007.5.02.0023 , Ministro Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 08/10/2014, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/10/2014) (grifo nosso)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. UNIÃO. EXECUÇÃO FISCAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. INVASÃO DE COMPETÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE E LEGITIMIDADE AFASTADA. A análise do acórdão recorrido revela que a Corte de origem não adotou tese explícita acerca da invasão de competência, pelo Judiciário, nas atribuições do Poder Executivo. Não foram opostos embargos de declaração. Assim, nesse ponto, o recurso de revista encontra óbice na ausência do prequestionamento a que se refere a Súmula nº 297 do TST. No mais, a presunção de legitimidade e veracidade, ostentada pelos atos administrativos em geral, que transfere ao administrado o ônus de comprovar que o agente administrativo agiu de modo ilegítimo, não é absoluta, podendo ser elidida por prova em sentido contrário, o que se verificou no presente caso. Agravo de instrumento a que se nega provimento.(AIRR-1279-24.2012.5.03.0153, Ministro Relator: Cláudio Brandão, Data de julgamento: 14/10/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/11/2015) (grifo nosso)

Inclusive, fundamentando-se no princípio da razoabilidade, a 1ª turma do TST no julgamento do AIRR-1217-87.2012.5.19.0007 entendeu pela nulidade da multa imposta a uma empresa pelo descumprimento do percentual mínimo exigido no art. 93 da Lei 8213/91. A ver:

“AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MULTA PELO DESCUMPRIMENTO DO PERCENTUAL MÍNIMO DISPOSTO NO ARTIGO 93 DA LEI N.º 8.213/91. NÃO CUMPRIMENTO POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS À VONTADE DA EMPRESA. 1. Não merece provimento o Agravo quando as razões apresentadas não conseguem invalidar os fundamentos expendidos na decisão mediante a qual se denegou seguimento ao Agravo de Instrumento.2. Não se mostra razoável a aplicação de multa à empresa que, de boa fé, empreendeu esforços para atender a cota mínima prevista no artigo 93, da Lei n.º 8.213/91, como na hipótese em apreço, onde resultou demonstrada a enorme dificuldade de se encontrar profissionais que se enquadram nas condições elencadas no aludido dispositivo de lei, tendo, assim, a empresa autora, descumprido o percentual mínimo por circunstâncias alheias a sua vontade.3.Agravo a que se nega provimento.(AIRR-1217-87.2012.5.19.0007, Desembargador Convocado Relator: Marcelo Lamego pertence, Data de julgamento:21/10/2015, 1ª Turma, Data de publicação: DEJT 23/10/2015)(grifo nosso)

Sendo assim, seja por se tratar de um poder-dever do auditor fiscal a lavratura do auto de infração sob pena de responsabilidade (art. 626 CLT), seja porque as competências fiscalizatórias e jurisdicionais não se confundem, tendo inclusive o Judiciário o poder de rever os autos de infração lavrados pelo auditor, tem-se que a competência do Poder Judiciário para declarar o vínculo de emprego não é empecilho para o desempenho das atribuições constitucionais e legais acometidas ao Fiscal do Trabalho (art. 21, XXIV, CF/88 e art. 11, II, Lei 10.593/02).

2.1 ART. 41 DA CLT. PECULIARIDADES DA ADMINSITRAÇÃO PÚBLICA

Tema relacionado com a questão da competência do auditor-fiscal para reconhecer eventual vínculo de emprego, é a questão acerca da aplicabilidade da multa prevista no art. 41 da CLT[8].

Em regra, constatado o descumprimento das disposições legais e reconhecido o vínculo empregatício, o Auditor Fiscal do Trabalho deve proceder à autuação da empresa por falta de registro do empregado e aplicar a multa cominada no art. 41 da CLT.

Não obstante, em recente precedente o C. TST fez interessante ressalva em relação aos entes da Administração Pública. No caso, registrou que,mesmo se constatada a fraude na contratação de mão de obra pelo ente público, considerando que a exigência constitucional de concurso público (art. 37, II, CF/88) impossibilita o reconhecimento do vínculo, não será possível a aplicação da multa celetista, já que a Administração sequer poderia realizar o registro do respectivo trabalhador. O julgado ficou assim ementado:

“EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 11.496/2007. AÇÃO ANULATÓRIA. AUTO DE INFRAÇÃO. LAVRATURA. MULTA ADMINISTRATIVA. DESCUMPRIMENTO DO ARTIGO 41 DA CLT. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. FALTA DE REGISTRO DE EMPREGADOS. EMPRESA TOMADORA INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. INVALIDADE. PROVIMENTO.

1. Ainda que ilícita a terceirização de serviços, não se reveste de validade o auto de infração lavrado em face da empresa tomadora com fundamento no descumprimento do artigo 41 da CLT, se a sua condição de sociedade de economia mista obstaculiza o registro dos trabalhadores em situação irregular, por encontrar-se sujeita à regra constante do artigo 37, II, da Constituição Federal, que exige a prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos para a admissão de empregados nos quadros da Administração pública direta e indireta. Registre-se, por oportuno, que o artigo 41 da CLT, para ser aplicado, pressupõe a possibilidade de livre contratação de empregados, o que não se verifica nos autos, em face da natureza jurídica ostentada pela empresa autuada.2. Neste sentido, precedentes desta Corte Superior.3. Recurso de embargos conhecido e provido.”(E-ED-RR-113600-56.2008.5.18.0013, Ministro Relator: Caputo Bastos, Data de julgamento: 11/12/2014, SBI-1, Data de publicação:20/02/2015)(grifo nosso)

Sendo assim, nos casos envolvendo a Administração Pública, o auditor fiscal não terá competência nem para reconhecer o vínculo nem para aplicar a multa do art. 41 da CLT, diante da exigência constitucional do concurso público.

3 Fiszalização na vigência do tac

Outra questão polêmica acerca das prerrogativas e limites dos auditores-fiscais do trabalho diz respeito à possibilidade de autuação nos casos em que a empresa autuada já tenha celebrado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT).

Há quem defenda que atuação concomitante de ambos os órgãos (MTE e MPT) configuraria bis in idem, pelo o que não seria dado aos auditores autuarem uma empresa quando esta já houver firmado um TAC com o MPT.

Ademais, argumenta-se ainda que essa autuação violaria a própria boa fé e segurança jurídica, considerando que a empresa se comprometeu, perante o Ministério Público do Trabalho, a ajustar suas conditas à legislação trabalhista, no período de tempo que lhe fora concedido.

Esse foi o entendimento adotado pela 3ª Turma do C. TST em acórdão de relatoria do Ministro Alexandre Agra Belmonte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO QUANDO A MATÉRIA ESTÁ SUB JUDICIE. AUTUAÇÃO PROCEDIDA PELO AUDITOR FISCAL DO TRABALHO NA VIGÊNCIA DO PRAZO DO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA PARA A EMPRESA SE ADEQUAR. O eg. TRT manteve a r. sentença que julgou procedente o pedido de nulidade da multa administrativa decorrente do descumprimento do art. 93, caput, da Lei nº 8.213/91, que dispõe acerca dos percentuais de reserva de cargos para empregados portadores de deficiência ou reabilitados. Assentou que a imposição de multa administrativa configura dupla penalidade, tendo em vista a existência de ação civil pública discutindo exatamente a mesma matéria, por meio da qual o Ministério Público do Trabalho e a empresa recorrida celebraram acordo no sentido de se aguardar o prazo determinado no TAC – Termo de Ajustamento de Conduta (24 meses), para que a empresa atenda às disposições do mencionado dispositivo legal, tendo havido inclusive uma cominação pecuniária no importe de R$100,00 mensais por pessoa não contratada e ainda uma indenização por dano moral coletivo, no valor R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Diante desse quadro fático-probatório, não há falar em violação literal e direta aos arts. 2º da CF e 21, XXIV, da CF, nos termos do art. 896, "c", da CLT. Não se pode considerar válida a imposição de multa administrativa em face de uma situação que se encontra subjudice, sob pena de se incorrer em bis in idem. Precedente desta c. Corte. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (AIRR 1782-02.2013.5.03.0059, Ministro Relator: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 21/20/2015, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/10/2015)(grifo nosso)

Entendimento semelhante foi adotado pela 7ª Turma do C. TST no julgamento do AIRR-93900-37.2009.5.02.0003. No caso, ressaltou-se que a atuação somente poderia ocorrer depois de transcorrido o prazo avençado no TAC, caso verificada a subsistência da afronta à lei.

O Ministro Relator Cláudio Brandão ainda esclareceu que caso fossem descumpridas as cláusulas do TAC, durante a sua vigência, seria cabível sua execução direta na Justiça do Trabalho (art. 876 da CLT), o que também impossibilitaria a atuação concomitante do MTE no período estipulado pelo MPT para cumprimento da obrigação.

Por ser esclarecedora, merece transcrição a ementa do julgado:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. INSPEÇÃO DO TRABALHO. AUTUAÇÃO DA EMPRESA NA VIGÊNCIA DO TAC. AUSÊNCIA DE VALIDADE DO ATO. O debate refere-se à validade do auto de infração pelo descumprimento da lei que determina a contratação de pessoas com deficiência, aplicado à empresa que havia firmado termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público do Trabalho, ainda em vigência à época do referido termo. De acordo com o artigo 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85, o Ministério Público do Trabalho pode firmar com os interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial, competindo à Justiça do Trabalho a execução pelo descumprimento do avençado. Se a empresa assumiu espontaneamente o encargo de contratar pessoas com de deficiência, nos termos do artigo 93 da Lei nº 8.213/91, não poderia ser autuada pela mesma conduta dentro do período estipulado para cumprimento da obrigação até porque, uma vez descumprida as cláusulas do TAC, é permitida sua execução direta, consoante dispõe o artigo 876 CLT. Ademais, o artigo 627-A da CLT, estabelece que o Auditor-Fiscal do Trabalho pode instaurar procedimento especial objetivando a orientação quanto ao cumprimento da lei. Na hipótese, seria o caso de instauração, na medida em que a empresa havia firmado compromisso com o MPT para regularizar a situação de ilegalidade. Somente depois de decorrido o prazo avençado poderia autuar à empresa pela conduta anterior, acaso verificado que a afronta à lei subsistia. Por outro lado, não se está promovendo a interdição da atribuição conferida aos auditores-fiscais de, diante da ocorrência de infrações, promover as respectivas autuações, mas, ao contrário, preservando o cumprimento da obrigação na forma pactuada no título executivo extrajudicial ainda em vigor e em relação ao qual não se identificou a ocorrência de fatos novos que revelassem inadimplemento. Justamente o contrário. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (AIRR-93900-37.2009.5.02.0003, Ministro Relator: Cláudio Brandão, Data de julgamento: 16/09/2015, 7ª Turma, Data de publicação: 06/11/2015)

Por outro lado, há quem defendaa legitimidade da inspeção pelos auditores-fiscais, mesmos nos casos em que já tenha sido firmado o TAC, vez que ambos os ministérios (MTE e MPT) são independentes e autônomos entre si.

Ademais, argumenta-se ainda que o termo celebrado (TAC) não poderia representar o perdão das irregularidades já praticadas e que possuem justa sanção pecuniária prevista em lei.

Nesse sentido, afirma Ricardo Resende (2014, pg. 877) que “não há qualquer relação, salvo o supramencionado espírito de colaboração, entre a atuação do MTE e do MPT, pelo o que o TAC não vincula a atividade da fiscalização”.

Essa mesma linha de pensamento também pode ser observada em alguns precedentes mais antigos do TST[9].

Esse, inclusive, foi entendimento consolidado pela ANMATRA no Enunciado 55 da sua 1ª Jornada de Direito e Processo do Trabalho:

“55. TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA – ALCANCE. A celebração de TAC não importa em remissão dos atos de infração anteriores, os quais têm justa sanção pecuniária como resposta às irregularidades trabalhistas constatadas pela DRT.”

Seguindo uma linha mais intermediária, Raimundo Simão de Melo[10]ressalva que é preciso examinar cada caso concreto e suas particularidades. Nesse sentido, esclarece que:

“(…) realmente o Termo de Ajuste de Conduta tanto pode solucionar o problema em relação ao passado ou somente para o futuro. Nessa última hipótese, porque os direitos metaindividuais são indisponíveis, nada obsta a atuação fiscalizatória do Ministério do Trabalho, como também nada impede, por exemplo, o ajuizamento de uma ação judicial pelos interessados individualmente ou por um legitimado coletivo buscando a devida reparação. (…)

Assim, é preciso examinar cada caso e, como se observa das duas decisões acima, cada uma apresentou particularidades que fundamentaram suas conclusões.”

Mais adiante[11], adotando linha de pensamento semelhante à do C. TST no AIRR-93900-37.2009.5.02.0003 acima transcrito, explicou que regra geral essa atuação do MTE deverá se limitar a questões não abrangidas pelo TAC ou após transcorrido o prazo avençado:

“O que precisa ser visto são as cláusulas e alcance do Termo de Ajuste de Conduta e, no que não contemplado pelo mesmo, aí sim tem todo cabimento a atuação dos órgãos de fiscalização. Ao contrário, o jurisdicionado trabalhista não terá segurança alguma para firmar um ajuste com o Ministério Público do Trabalho, sabendo que a qualquer momento poderá ser fiscalizado e autuado por outros órgãos.(…)

Diante do exposto, numa primeira reflexão entendemos que, assinado um Termo de Ajuste de Conduta com o Ministério Público do Trabalho, a posterior atuação do Ministério do Trabalho somente é válida em relação às questões não abrangidas pelo ajuste, sob pena de tornar-se inócua e sem qualquer valor a atuação do parquet (…).”

Zelando pelo prestígio que deve ser atribuído ao TAC, mas sem negar a importância da atividade fiscalizatória dos auditores fiscais, o doutrinador defende umaespécie de atuação residual do Ministério do Trabalho e Emprego, limitando-se às questões não abrangidas pelo ajuste.

Em interessante passagem, através de um diálogo entre o Direito do Trabalho e o Direito Penal, defende o doutrinador que[12]:

“À semelhança é o que ocorre e reconhecem a doutrina e a jurisprudência no que tange à possibilidade de persecução penal na seara ambiental, que, pela teoria da mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal, o Ministério Público pode deixar de oferecer denúncia em determinados casos por razões de conveniência e oportunidade, tendo em vista a assinatura e integral cumprimento das cláusulas assumidas num TAC. É o que analogicamente deve ocorrer no Direito do Trabalho, com a mitigação da obrigatoriedade de autuação da fiscalização do trabalho nos termos dos arts. 626 e 628 da CLT e na Lei 10.593/2002, a exemplo do que já acontece na chamada dupla visita dos Auditores Fiscais do Trabalho, orientando as empresas na atuação correta em relação à matéria que está sob a análise do fiscal (…)”.

De fato, conquanto louvável esse entendimento intermediário, por representar uma boa política institucional, não se pode desconsiderar que até o momento inexiste qualquer regulamentação normativa orientando essa atuação harmoniosa e conjunta entre os Ministérios, nem preceito de lei vedando a atividade fiscalizatória dos auditores-fiscais nos casos em que já houver sido firmado um TAC.

Pelo contrário, o ordenamento jurídico pátrio contempla ambas as competências em sede constitucional (art. 21XXIV e 129 CF/88), e impõe ao MTE o exercício da atividade fiscalizatória enquanto um poder-dever, sob pena de responsabilidade administrativa (art. 628 da CLT).

Sendo assim, o TAC celebrado pelo MPT e o auto de infração lavrado pelo MTE são medidas que, antes de se excluírem, se somam. Inclusive, essa dupla atuação ministerial, mais enfática e rigorosa, fortalece as funções inibitórias e pedagógicas da pena, vez que a fiscalização e punição mais rígidas inibem a prática e reiteração dos ilícitos. Não bastasse, proporciona ainda uma tutela mais efetiva dos direitos fundamentais mínimos dos trabalhadores, questão de grande relevância no atual contexto histórico em que o grande desafio consiste não mais na justificação desses direitos, mas sim a busca pela sua proteção e efetivação.

4Verificação de agente perigoso

Outra interessante questão envolvendo a temática das atribuições e limites dos auditores-fiscais foi enfrentada recentemente pelo C. TST no julgamento do AgR-AIRR-192400-50.2008.5.15.0056.

No caso, ao concluir pela existência de agentes perigosos nas atividades desenvolvidas em uma determinada empresa, o auditor-fiscal do trabalho lavrou auto de infração reconhecendo o direito dos trabalhadores ao pagamento do respectivo adicional de periculosidade.

A empresa autuada ajuizou Ação Trabalhista pugnando pela declaração de nulidade do auto lavrado argumentando que o auditor, por não ser perito, não teria a competência nem o conhecimento técnico necessário para averiguar a existência ou não de agentes perigosos.

Na hipótese, a 1ª Turma do C. TST manteve a decisão da Corte Regional que entendeu pela competência do agente administrativo (auditor-fiscal) para, verificando o risco e periculosidade da área de trabalho, reconhecer o direito à percepção do adicional correspondente.

No caso, o Regional havia esclarecido que, por se tratar de mero ato de interpretação e aplicação da norma, no iter procedimental para aplicação da penalidade administrativa, a ver:

“É certo que a realização da prova técnica para apuração da periculosidade se faz necessária para se constatar a exposição, ou não, de situações de risco no local de trabalho e decorre de imperativo legal (art. 195, da CLT).

Entretanto, na presente hipótese, em que pese não ter sido realizada a prova técnica pericial, incontroversamente trata-se de uma destilaria de álcool e que os empregados citados no auto de infração são destiladores ou fermentadores, que inequivocamente exercem suas funções na bacia de risco. (…)

Destarte, com todo respeito à insistência da empresa, aqui, o auditor fiscal tem competência administrativa para, ao entender ilegal um ato, aplicar a multa correspondente. Como iter procedimental para aplicação de uma penalidade administrativa, necessariamente o agente deve fazer a subsunção do fato à norma. Se entender que o fato não observa a norma trabalhista, o auditor fiscal aplica a multa, sob pena de prevaricação.

Noutras palavras, o auditor fiscal pratica um ato de interpretação e aplicação da norma e, de acordo com o atributo da auto-exedutoriedade dos atos administrativos, procede à lavratura do auto de infração respectivo. Assim fazendo, cumpre seu papel, conforme fixado no já transcrito artigo 11 da Lei 10.593/02.

Com efeito, ao Judiciário cabe a palavra final sobre os fatos que lhe são trazidos, comumente dizendo-se que as decisões judiciais fazem coisa julgada material enquanto as decisões administrativas são passíveis de revisão pela própria Administração Pública, bem como pelo Poder Judiciário (art. 5°, XXXV, da CF/88).

Destarte, o agente administrativo detém competência, para considerar que os trabalhadores que atuam no parque industrial e na área de risco de destilaria de álcool têm direito ao recebimento do adicional de periculosidade.

Logo, presentes os requisitos competência, forma, finalidade e objeto, entendo que o motivo indicado para a lavratura das multas está em consonância com toda a legislação vigente e que rege a matéria.” (grifo nosso)

A ementa da decisão proferida pelo C. TST restou assim redigida:

“AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. AUTOS DE INFRAÇÃO. COMPETÊNCIA DO AUDITOR FISCAL. VERIFICAÇÃO DE AGENTE PERIGOSO.

A parte agravante não apresenta argumentos novos capazes de desconstituir a juridicidade da decisão agravada, no sentido de que o recurso de revista não observou pressuposto intrínseco previsto no art. 896 da CLT. Na hipótese vertente, o Tribunal Regional decidiu em consonância com a iterativa, notória e atual jurisprudência desta Corte, segundo a qual, insere-se nas atribuições legalmente definidas do AuditorFiscal do Trabalho, no exercício do Poder de Polícia Administrativa, a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho, inclusive as relacionadas à segurança e à medicina do trabalho, sendo válido o auto de infração quando constatada a ocorrência de violação de preceito de lei (CLT, art. 193), porque a sanção é passível de ser afastada, tanto na esfera administrativa como pela via judicial, desde que existente prova inequívoca em sentido contrário, o que não ocorreu na hipótese.Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgR-AIRR-192400-50.2008.5.15.0056, Ministro Relator: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 04/02/2015, 1ª Turma, Data de publicação: 06/02/2015)

Mais uma vez, verifica-se na jurisprudência do C. TST a predominância do entendimento que, ampliando o campo de abrangência da atuação fiscalizatória do Estado, proporciona uma tutela mais enfática e rigorosa das normas trabalhistas e dos direitos mínimos do trabalhador.

5 Verificação da norma coletiva aplicável

Seguindo essa mesma tendência ampliativa, o C. TST entendeu também que o auditor fiscal possui competência tanto para assegurar o cumprimento das leis trabalhistas, acordos e convenções, como para verificar qual a norma coletiva aplicável a determinada categoria.

No caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região havia entendido pela incompetência do auditor-fiscal e nulidade do auto de infração lavrado, pelos seguintes fundamentos:

“(…)Isso porque não se insere dentre suas atribuições a emissão de juízo de valor para indicar qual a norma coletiva aplicável no âmbito de determinada empresa, quando existe conflito de normas. Significa, em síntese, que o Ministério do Trabalho não tem legitimidade para estabelecer qual a norma aplicável ao caso concreto, mas sim para fiscalizar a efetiva aplicação de determinada norma. Cabe ao Poder Judiciário declarar qual a norma a ser aplicável no caso de existir insurgência das partes envolvidas. No caso, tendo a empresa apontado o acordo coletivo de trabalho como norma aplicável aos seus trabalhadores, incumbia à Auditora Fiscal limitar-se a verificar se a referida normatividade estaria sendo cumprida em seus exatos termos.(…)”

O TST, contudo, reformou tal entendimento, para concluir pela competência do MTE, tendo ressaltado inclusive que os seus precedentes vem reconhecendo a relevante atuação do Ministério do Trabalho, diante das inúmeras constatações de fraude à legislação trabalhista.

A ementa restou assim redigida:

“RECURSO DE REVISTA. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO POR NÃO APLICAÇÃO DE CLÁUSULA DE CONVENÇÃO COLETIVA MAIS FAVORÁVEL AOS EMPREGADOS DA RECLAMADA. NULIDADE INEXISTENTE. LIMITES DA ATUAÇÃO DO AUDITOR-FISCAL DO TRABALHO. A jurisprudência desta Corte Superior tem se posicionado no sentido de que o auditor-fiscal do trabalho possui competência não só para assegurar o cumprimento da legislação trabalhista e do pactuado em norma coletiva, como também para verificar qual a norma coletiva a ser aplicada a determinada categoria. Precedente. Ressalte-se que este Tribunal Superior vem destacando a relevante atuação dos auditores fiscais do trabalho, consolidando o entendimento no sentido de que, diante de diversas situações de fraude à legislação trabalhista, cabe ao auditor fiscal do trabalho proceder à autuação da empresa, sem que isso implique invasão de competência da Justiça do Trabalho. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido.” (RR-564-34.2012.5.04.0741, Desembargador Convocado Relator: Marcelo Lamego Pertence, Data de julgamento: 25/11/2014; 5ª turma, Data de publicação: DEJT 06/02/2015)

Cumpre registrar, contudo, que a situação enfrentada pelo precedente acima não se confunde com a hipótese de nulidade das cláusulas convencionais.

No caso do julgado, o C. TST entendeu que o auditor fiscal possui competência para, diante de duas normas convencionais igualmente válidas, dizer qual a aplicável ao caso.

Por outro lado, em se tratando de norma coletiva invalidade, por ser incompatível com a legislação trabalhista, há quem entenda pela incompetência administrativa do auditor fiscal para declarar tal nulidade, pois seria atribuição do Ministério Público do Trabalho mediante ação anulatória.

No caso, detectada eventual nulidade das clausulas normativa, argumenta-se que o auditor-fiscal só poderá formular denúncia ao MPT, que então terá a competência para promover eventual ação de anulação.

Nesse sentido Sérgio Pinto Martins (2015, p. 746):

“A incompatibilidade entre cláusulas referentes às condições de trabalho pactuadas em convenção ou acordo coletivo e a legislação ensejará apenas a denúncia à Procuradoria Regional do Trabalho, nos termos dos incisos I, III e IV do art. 83 da Lei Complementar nº 75/93 que promoverá a ação contra a referida norma coletiva. O Ministério do Trabalho não tem competência para declarar a legalidade ou não da cláusula (…).

Assim, havendo incompatibilidade entre a lei e a norma coletiva, o fiscal do tralho não poderá autuar a empresa, justamente porque não tem competência para tratar da legalidade ou não da cláusula da norma coletiva ou entrar no mérito de suas disposições.

O inciso IV, do art. 83, da Lei Complementar nº 75/93 estabelece que o Ministério Público do trabalho tem a competência para propor ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores.” (grifos nossos)

6 Conclusão

Diante do escasso tratamento legislativo dado à questão da competência do Ministério do Trabalho e Emprego, somado à competência fiscalizatória concorrente que é atribuída a outros entes e órgãos, surgem controvérsias acerca dos limites e atribuições da atividade de inspeção dos auditores fiscais do trabalho.

Nesse contexto, buscou-se no presente artigo investigar as tendências doutrinárias e jurisprudenciais, analisando criticamente cada uma das correntes adotadas e seus fundamentos.

 A partir desse estudo, constatou-se o crescimento de uma preocupação em prestigiar a atuação dos auditores fiscais, destacando o relevante papel desempenhado, inspecionando e autuando as empresas irregulares diante dos inúmeros casos de fraude à legislação trabalhista.

Tratam-se de atribuições e competências que gozam de expressa previsão constitucional (art. 21 XXIV CF/88), infraconstitucional (art. 626 e ss. CLT c/c Leis 10.593/02, 10.683/2003 e Decreto 4552/02) e internacional (Convenção 81 da OIT), o que enfraquece a tese de invasão de competência do Judiciário ou do Ministério Público do Trabalho.

Sendo assim, a tendência observada na doutrina e jurisprudência no sentido de atribuir uma maior amplitude à competência do MTE merece ser prestigiada, seja por gozar de farta e expressa previsão normativa,podendo eventual abstenção implicar em responsabilidade administrativa (art. 626 CLT), seja por proporcionar uma tutela mais enfática e rigorosa da legislação trabalhista, contribuindo assim para uma maior efetividade dos direitos fundamentais mínimos dos trabalhadores.

Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. 44ª ed. São Paulo: Saraiva. 2015.
BRASIL. VadeMedum Saraiva OAB e Concursos. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: MÉTODO, 2015.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.
MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho.  4ª ed. São Paulo: LTR, 2012.
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. 8ª ed. São Paulo: LTR, 2014.
RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho Esquematizado. 4ª ed. São Paulo: MÉTODO, 2014.
 
Notas:
[1] Conforme leciona Sergio Pinto Martins (2015, p. 739), “foi na Inglaterra que surgiu o conceito de fiscalização do trabalho, com a promulgação do Althorp’sAct, de 19833”.

[2] “Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”

[3] “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

[4] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: MÉTODO, 2015, pg. 649.

[5] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: MÉTODO, 2015, pg. 649.

[6] “Art. 11. (…) II – A verificação em registros de Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, visando a redução dos índices de informalidade.”

[7] “Art. 17.  Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego, no âmbito de sua competência, a fiscalização do cumprimento do disposto nesta Lei. § 1o  A Cooperativa de Trabalho que intermediar mão de obra subordinada e os contratantes de seus serviços estarão sujeitos à multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por trabalhador prejudicado, dobrada na reincidência, a ser revertida em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. § 2o  Presumir-se-á intermediação de mão de obra subordinada a relação contratual estabelecida entre a empresa contratante e as Cooperativas de Trabalho que não cumprirem o disposto no § 6o do art. 7o desta Lei. § 3o  As penalidades serão aplicadas pela autoridade competente do Ministério do Trabalho e Emprego, de acordo com o estabelecido no Título VII da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.”

[8] “Art. 41 – Em todas as atividades será obrigatório para o empregador o registro dos respectivos trabalhadores, podendo ser adotados livros, fichas ou sistema eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho. (Redação dada pela Lei nº 7.855, de 24.10.1989) Parágrafo único – Além da qualificação civil ou profissional de cada trabalhador, deverão ser anotados todos os dados relativos à sua admissão no emprego, duração e efetividade do trabalho, a férias, acidentes e demais circunstâncias que interessem à proteção do trabalhador. (Redação dada pela Lei nº 7.855, de 24.10.1989).”

[9] TST-RR-71000-80.2009.5.02.0061 e TST-RR-89500-45.2006.5.02.0080.

[10] MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho.  4ª ed. São Paulo: LTR, 2012, p. 130.

[11]MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho.  4ª ed. São Paulo: LTR, 2012, p. 131.

[12] MELO, Raimundo Simão de. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho.  4ª ed. São Paulo: LTR, 2012, p. 132.


Informações Sobre o Autor

Marina Pereira Ximenes

Graduada em Direito pela Universidade Salvador (UNIFACS). Pós-graduada em Direito do Estado pelo Instituto Excelência Ltda. (PODIVM) em parceria com a Faculdade Baiana de Direito e Gestão. Advogada Trabalhista


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