Resumo: Trata-se de ensaio que estuda os requisitos do assédio moral no emprego.
O arcabouço teórico deste artigo tem como fundamento essencial o Assédio Moral no Emprego. O assédio moral é uma prática recorrente nos dias de hoje, de forma insistente até abalar a pessoa. Para Sergio Pinto Martins: “Assediar é importunar, molestar, aborrecer, incomodar, perseguir com insistência inoportuna. Implica cerco, insistência. Assédio que dizer cerco, limitação, humilhar até quebrar a sua força, quebrar a sua vontade.” (MARTINS, 2012, p. 12).
Quando o emprego era farto, as pessoas preferiam mudar de emprego, a conviver com o assédio. Mas, hoje, com a dificuldade da empregabilidade, resta ficar no emprego e ser vítima do assédio, mesmo porque hoje elas têm maior consciência dos seus direitos e da facilidade ao acesso à Justiça. (MARTINS, 2012, p. 32).
Para que ocorra o assédio moral alguns elementos devem ser considerados como: o prejuízo ou um dano ao empregado; a repetição, pois um mero ato isolado não caracteriza o assédio moral; a intenção deve existir para que caracterize o assédio moral; a premeditação não é elemento essencial, pois a pessoa pode começar uma ação contra a vítima de forma espontânea e o dano psíquico, que pode ocorrer ou não, pois se o assediado for uma pessoa forte ele pode absorver os ataques do assediador, sem lhe causar dano. Então, o dano psíquico não é elemento para a caracterização do assédio moral. (MARTINS, 2012, p. 21).
O empregador deve proporcionar um ambiente sadio ao empregado, pois este tem direito a um ambiente de trabalho moralmente sadio. O trabalhador merece respeito em relação à sua moral e a intimidade, assim como deve respeito ao seu empregador e seus prepostos. O empregador é responsabilizado de forma objetiva pelos atos dos seus prepostos em relação a terceiros (art. 932, III, do Código Civil). O ideal na empresa é que ela se utilize da prevenção para evitar o assédio moral por parte de seus empregados. (MARTINS, 2012, p. 33).
Nosso ordenamento jurídico prevê a possibilidade da utilização de alguns preceitos legais para a rescisão do contrato de trabalho. O empregado poderá pedir rescisão indireta com fundamento no art. 483 da CLT; e o empregador poderá demitir por justa causa o agressor que pratica o assédio moral com base no art. 482 da CLT. (MARTINS, 2012, p. 119).
Para que se caracterize o assédio moral é preciso que se identifique a causa do assédio e, também, o assediador, e é preciso que tenha os seguintes requisitos: (MARTINS, 2012, p. 34)
a) conduta abusiva;
b) ação repetida. Para caracterizar assédio moral, há necessidade de repetição no ato do empregador, ou de seus prepostos. Um ato isolado não caracteriza o assédio moral.
c) postura ofensiva à pessoa da vítima;
d) agressão psicológica: fere a intimidade e a dignidade do trabalhador;
e) que haja finalidade de exclusão do indivíduo. É necessário que a vítima se sinta excluída, pois o objetivo é este: excluir a vítima;
f) dano psíquico emocional: é uma consequência do assédio moral.
No Brasil não há uma legislação direcionada ao assédio moral a fim de evidenciar o seu nível de gravidade, existem algumas leis estaduais e municipais que combatem o assédio moral, o que precisa é uma lei de competência federal na legislação trabalhista. Porém, a grande dificuldade em punir os responsáveis pelo assédio moral é, muitas vezes, a falta de prova, por ter o assédio moral caráter subjetivo. A prova entre causa e consequência, essencial para a área jurídica nem sempre é visível a todos, nem mesmo aos que são assediados, tornando assim, a grande dificuldade de punir os culpados, pela carência de provas materiais, testemunhas e da conduta lesiva.
Ainda, no Direito do Trabalho os fatos são mais importantes do que os documentos. Com isso, conta com o Princípio da Primazia da Realidade que em caso de dissonância entre o que ocorre na realidade dos fatos e o que emerge de documento, deve-se privilegiar a verdade real. A primazia da Realidade emerge de um princípio maior: a proteção, por exemplo, da regra do artigo 9º, da CLT: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”. Sua repercussão é tão grande, entre nós, a ponto de o Estatuto Consolidado ter admitido a possibilidade de um contrato tácito, com os mesmos efeitos dos demais: CLT, Art. 442, caput: “Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”.
Dessa forma, urge a construção de um ambiente de trabalho seguro e saudável e que tem como objetivo a ser perseguido por indivíduos, grupos, empresas e instituições, para afastar o assédio moral. A lógica pós-moderna mostra a necessidade de cooperação frente à competição pela aquisição de um posto de trabalho, a educação emerge como salvadora e principal ferramenta da atualização, o trabalho torna-se mais escasso e seletivo, frente ao preterimento da ética e da dignidade humana. Com isso, temos que em qualquer ambiente de trabalho deve haver respeito e tolerância com o outro, e também com o diferente para que não haja discriminações e atos perversos para que seja resguardada a integridade e a dignidade do trabalhador. O trabalho nunca é indiferente à pessoa ou ele contribui para construí-la ou ele contribui para destruí-la e provocar doença.
A globalização e o uso da informática passaram a exigir um novo tipo organização do trabalho com características de flexibilidade, aprendizagem contínua, custos em queda, desempenho elevados, grupos multiculturais e mobilidade. Empresas e indivíduos seriam incentivados a ser nômades, a desenvolver vínculos transitórios e a definir metas em curto prazo. O sucesso seria avaliado por ser o melhor e o de mudar sempre que possível ou mais rápido.
A violência na empresa, na maior parte das vezes, é psíquica, ligada às exigências paradoxais impostas pela organização. Participamos de um sistema que manipula as armadilhas de desejo do indivíduo; nele o indivíduo tem sentimento de impotência, pois a imagem de expansão sem limites que a empresa cultiva de si é repassada ao trabalhador pela sua cultura.
Desse modo, é forçoso ressaltar:
“O trabalhador depara nas empresas com a “quantofrenia” ou a doença da medida, que consiste em traduzir de maneira sistemática os fenômenos sociais e humanos em linguagem matemática. Essa doença da medida repousa sobre a crença de que a objetividade nada é senão a tradução da realidade em termos matemáticos. Isso representa que a empresa esquece que é, antes de tudo, um sistema social, uma produção humana e instável, aberta e incerta. Coloca sobre o mesmo plano a qualidade dos produtos, processos, resultados financeiros e da qualidade do compromisso dos empregados, o programa reduz o ser humano a um fator como outro qualquer. Nesse desprestígio, a pessoa é acometida da síndrome de burnout, isso ocorre quando se dá conta pela perda de energia, sem condições para qualquer desempenho físico ou mental.” (TERCIOTI, 2016).
A finalidade da sociedade não é promover grandes riquezas, mas produzir vínculos sociais e as instituições que lhe dão corpo precisam garantir os direitos e bem estar aos cidadãos que a integram.
Mas sabe-se que essa relação nutre-se de uma gestão que tem os maus-tratos, práticas sádicas, perversas na promoção de responsáveis organizacionais, o prazer em reforçar ou imprimir o sofrimento no ambiente de trabalho, em vez de minimizá-lo, embora essas práticas não sejam imunes de responsabilidades e podem responder pelas consequências.
Marie-France Hirigoyen foi a primeira a utilizar a expressão “assédio moral”, para falar da violência perversa no dia a dia das famílias e no trabalho. Nas organizações, a violência e o assédio se originam da inveja do poder do outro e da perversidade. O agressor sente uma intensa inveja daqueles que parecem possuir coisas que ele não tem, ou que só têm prazer com a própria vida.
O agressor pode lançar mão de vários tipos e abordagens de maldade no ataque, o que torna seu ataque poderoso e rápido, em seu intento de destruir o outro. A deterioração proposital das condições de trabalho ou retirar da vítima a sua autonomia; isolamento e recusa de comunicação, quando a vítima é interrompida muitas vezes; atentado contra a dignidade com insinuações desdenhosas, desprezíveis para qualifica-la e a violência verbal, física ou sexual, com ameaças de violência física, com agressão e sexualmente, é assediada ou agredida com gestos ou propostas.
A organização do trabalho, atualmente, se fundamenta unicamente no aspecto econômico, legitima a competição acirrada, isso faz parecer que os que têm emprego devem se submeter a esse ambiente deteriorado; quem tem emprego passa a ser ameaçado com o desemprego. Achar a violência normal é torná-la mais violenta. A violência acaba com o futuro, elimina a solidariedade e retira do homem a sua humanidade. A violência no seu desdobramento em assédio moral, como problema das organizações, precisou reverter num espaço para resgate de um ambiente mais colaborativo, mais honesto e mais saudável para as pessoas e os negócios.
Vários estudos constataram que o assédio moral gera desordens na vida psíquica, social, profissional, familiar e afetiva do indivíduo, provocando muitos problemas de saúde que podem desorganizar sua vida. Esses desarranjos costumam diminuir a capacidade de concentração do indivíduo, levá-lo ao erro e colocá-lo em risco tanto no seu trabalho como na sua vida.
A organização deve ter recursos para apurar, coibir, punir os responsáveis pela prática de assédio moral, o que implica criar mecanismos de controle e assumir abertamente que não existem pessoas intocáveis quando se quer melhorar o comportamento na organização e as condições do ambiente de trabalho. Ao ignorar esse fato, a organização se solidariza com um comportamento que fere o mais sagrado de nossos direitos: o de sermos tratados como ser humano. A informação é o antídoto mais poderoso e pode ser acessível na organização; a informação pode valer a vida.
Ao ignorar o outro, em sua humanidade, vendo-o como um ser que sente, reflete, tem necessidades e produz; os chefes, nas empresas, são identificados como frios e lógicos e, portanto, destituídos de bons sentimentos.
A violência psicológica pode ser compreendida como um incidente, em que as pessoas possam ser alvos de injustiças e de ilícitos. Esses atos isolados, desordenados e descontínuos caracterizam-se por agressões verbais, coações, constrangimentos, injúrias e outros malefícios.
No capitalismo, com o intento de grandes produções, observamos a inversão de valores: o aumento do valor das coisas e a diminuição do valor do ser humano. Se afirmarmos que os trabalhadores são responsáveis pelos sofrimentos, estamos, também, invertendo os fatos da condição real, subestimando as condições de trabalho e os limites impostos pelas relações de poder.
Hirigoyen julga pertinente um trabalho preventivo por parte dos advogados instruindo os empregados, desde seus primeiros contatos com o assédio dando-lhes informações para fazê-lo cessar. Nesse particular, os advogados trabalhistas foram os primeiros a se posicionar: ouvindo, aconselhando e explicando às vítimas como denunciar um agressor e como colher provas, providenciando um dossiê para instruir uma denúncia.
O assédio moral resulta de um ato de violência, é um processo. Os atos de violência psicológica têm estreito vínculo com o assédio moral. Eles acontecem em determinado contexto econômico e social, como numa estrutura de poder. Os transtornos à saúde possuem estreita relação com as condições de trabalho que implicam opressão, pressão, exigências, falta de reconhecimento, avaliações subjetivas, humilhações, desqualificações que vão minando a resistência e desorganizam a pessoa por inteiro, física, psíquica e emocionalmente. O assédio moral é fruto do aprendizado social internalizado no mais profundo dos homens. Hirigoyen afirma: “Para triunfar sobre a violência, é preciso substituí-la em seu contexto. Uma sociedade violenta e arrogante cria igualmente indivíduos violentos e arrogantes. Para que a sociedade mude, é preciso que cada indivíduo que a compõe repense seus valores e se esforce para mudar.”. (HIRIGOYEN, 2015, p. 214). Uma solução simples para o enfrentar o problema é um trabalho intenso de humanização do trabalho.
Para Hirigoyen, a solução deve ser multidisciplinar:
“A solução para um problema de assédio moral só pode ser encontrada de uma maneira multidisciplinar, e cada interveniente precisa estar no lugar adequado:
– os sindicatos e a fiscalização do trabalho devem intervir nos casos de abusos manifestos e em tudo que for coletivo;
– os médicos do trabalho ou o setor de medicina social devem intervir naquilo que é possível afetar a saúde e a proteção das pessoas. (HIRIGOYEN, 2015, p. 290).”
Para José Renato Nalini:
“O retorno à ética será a alternativa ao caos moral. Nenhuma sociedade resistirá por tempo indefinido à insensibilidade, à irresponsabilidade, à desenfreada busca da satisfação dos instintos, sem compromisso algum com a solidariedade e com a busca da harmonia. (…). Encontrará na moral empresarial a opção mais adequada à sobrevivência e aperfeiçoamento na turbulenta era do efêmero e do descartável em que a espécie humana já se encontra envolvida. (NALINI, 2015, p. 439).”
Uma política de combate ao assédio moral deve ser abrangente de caráter administrativo, jurídico e psicológico. Sugere-se: ações como um comitê multidisciplinar; um código de conduta da empresa; a criação de ouvidoria; cartilhas e informativos sobre o tema e outros. Já, inclusive, afirmamos:
“Acreditamos que uma prevenção eficiente, que conte com uma fiscalização constante do empregador, deve ser a medida a ser buscada pelas empresas para possuírem ambientes de trabalho saudáveis e harmônicos, seguros do problema do assédio moral.” (TERCIOTI, 2013, p. 115).
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
É essencial que o valor do mundo humano tenha muito mais importância do que o valor das coisas. A empresa deve propiciar boas relações entre seus colaboradores e um bom ambiente de trabalho com qualidade e não permitir que o assédio moral adentre esse ambiente.
Com a globalização e a automação, os empregados se veem ameaçados por várias razões, e a mais contundente é a falta de emprego que vivemos na contemporaneidade, isto os torna mais vulneráveis às investidas de um possível assédio moral, que podem fragilizá-lo e levá-lo a um quadro doentio muito grave. Com isto, todos saem perdendo: a empresa, o empregado e o Estado. A empresa por instalar um ambiente negativo e perverso, o empregado por ficar doente e o Estado por ter que arcar com o gasto decorrente do assédio: afastamento, tratamentos etc.
Diante desse quadro se faz necessário que o assédio seja tipificado como crime tal qual o assédio sexual. (MARTINS, 2012, p. 119).
A empresa deve investir na prevenção, prevendo punições ao agressor em casos de assédio moral. Os sindicatos devem batalhar em defesa da categoria para que os empregados não sofram com pressões psicológicas, assédio moral e outros males semelhantes.
Infelizmente, esse problema é resultante de uma lógica “paranoica” das organizações, decorrente de um sistema que manipula as armadilhas de desejo do indivíduo e do incentivo desregrado à excelência ou tantas armadilhas que evocam a perfeição. Diante dessas violências psíquicas, ligada às exigências paradoxais impostas pela organização, é preciso que o trabalho nas empresas não seja acometido pela perversidade, que se constitui o assédio moral.
Informações Sobre o Autor
Ana Carolina Godoy Tercioti
Advogada. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas