Os limites do Poder Constituinte


O poder constituinte derivado, ou de reforma, divide-se em dois: o poder de emenda e o poder de revisão, enquanto o poder originário pertence a uma assembléia eleita com finalidade de elaborar a Constituição, deixando de existir quando cumprida sua função, sendo um poder temporário, o poder de reforma é um poder latente, que pode se manifestar a qualquer momento, desde que cumpridos os requisitos formais e observados os seus limites materiais.


O poder de reforma por meio de emendas pode em geral se manifestar a qualquer tempo, sofrendo limites materiais, circunstanciais, formais e algumas vezes temporais. Este poder consiste em alterar pontualmente uma determinada matéria constitucional, adicionando, suprimindo, modificando alínea(s), inciso(s), artigo(s) da Constituição.


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O poder de revisão em geral tem limites temporais, além dos limites circunstanciais, formais e materiais, ocorrendo, em algumas Constituições, sua manifestação periódica, como na Constituição portuguesa de 5 em 5 anos. Na nossa Constituição, houve a previsão de manifestação de poder uma única vez não podendo ocorrer de novo, pois estava prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A revisão é mais ampla que a emenda, pois como sugere o nome trata-se de uma revisão sistêmica do texto, respeitados os limites. No Brasil, entretanto, a nossa revisão foi atípica, se manifestando através de emendas. Entretanto, bem ou mal feita, o que ocorreu foi uma revisão, pois se deu, respeitados os aspectos formais processuais da revisão prevista no ADCT.


Além do poder de reforma encontraremos nos estados federais (e apenas nos estados federais) o poder decorrente que pertence aos entes federados seja dos estados membros no federalismo de dois níveis, sejam dos estados membros e municípios no federalismo de três níveis. Este poder também é subordinado e limitado, tendo limites expressos e devendo respeitar os princípios fundamentais e estruturantes da Constituição Federal.


Quanto aos limites do poder constituinte podemos dizer o seguinte:


– limites materiais: os limites materiais dizem respeito as matérias que não podem ser objeto de emenda expressos ou implicitos;


– os limites materiais implícitos dizem respeito à própria essência do poder de reforma. Mesmo que não existam limites expressos, a segurança jurídica exige que o poder de reforma não se transforme, por falta de limites materiais, em um poder originário. O poder de reforma pode modificar mantendo a essência da Constituição, ou seja, os princípios fundantes e estruturantes da Constituição, pois reforma não é construir outro, mas modificar mantendo a estrutura e os fundamentos;


– são, portanto limites materiais implícitos o respeito aos princípios fundamentais e estruturais da constituição, que só poderão ser modificados através de outra assembléia constituinte, ou seja, através de um outro poder constituinte originário;


– o artigo 60 parágrafo 4 incisos I a IV da CF trazem os limites materiais expressos, dispondo que é vedada emenda tendente a abolir a forma federal, os direitos individuais e suas garantias, a separação de poderes e a democracia;


– já estudamos a teoria da indivisibilidade dos direitos fundamentais e podemos afirmar com muita tranqüilidade que não podem existir emendas que venham de alguma forma limitar os direitos individuais, políticos, sociais e econômicos;


– podem existir emendas sobre a separação de poderes, a democracia, os direitos individuais e suas garantias e o federalismo, desde que sejam para aperfeiçoar, jamais para restringir;


– como já estudado no tomo II do Curso de Direito Constitucional, a proteção ao federalismo, significa a proteção ao processo de descentralização essencial ao nosso federalismo centrífugo;


– além dos limites materiais expressos no artigo 60 parágrafo 4 da CF 88 encontramos limites circunstanciais, que proíbem emendas ou revisão durante situações de grave comprometimento da estabilidade democrática como o estado de sitio, estado de defesa  e intervenção federal;


– como afirmado acima, existem limites materiais implícitos que representam a própria essência do poder constituinte derivado;


– o poder de reforma, como o nome sugere, diz respeito a alteração de elementos secundários de uma ordem jurídica, pois não é possível através de emenda ou revisão alterar os princípios fundamentais ou estruturais de uma ordem constitucional;


– os princípios fundamentais e estruturantes  são a essência da Constituição  e mesmo que não haja clausula expressa que proíba emenda ou revisão, a essência não pode ser alterada;


– reforma significa alterar normas secundárias, as regras, mas, jamais, a estrutura, a essência, o fundamento de uma ordem jurídica;


– reforma não significa a construção de novo;

– outro limite implícito obvio diz respeito as regras constitucionais referentes ao funcionamento ao poder constituinte de reforma;


– estas regras não podem ser objeto de emenda;


– as regras de funcionamento do poder constituinte derivado, o poder de reforma, por motivos óbvios, não podem ser objeto de emenda ou revisão, pois, caso contrario estaríamos condenados a mais absoluta insegurança jurídica;


– alem disto são limites ao poder de reforma, a proibição de revisão antes de cinco anos contados da promulgação da Constituição (limite temporal);


– a proibição do funcionamento do poder de reforma (emendas ou revisão) durante estado de defesa, de sitio ou intervenção federal constituem limites circunstanciais como já mencionado;


– os limites formais obrigam que a emenda de dê através de quorum de 3 quintos em dois turnos de votação em seção bicameral enquanto a revisão (contrariando a lógica doutrinaria que exigia processo mais qualificado) ocorreu em seção unicameral por maioria absoluta (50% mais um de todos os representantes);


– quanto aos limites temporais a Constituição de 88 estabeleceu que a revisão ocorreria após cinco anos da promulgação da Constituição, não existindo limites temporais para a reforma por meio de emendas;

Esta discussão não é nova e encontramos nos clássicos do Direito Constitucional nacional e estrangeira varias referencias a amplitude do poder constituinte e o poder de reforma.


NELSON DE SOUZA SAMPAIO, afirmava que o poder reformador está abaixo do Poder Constituinte e jamais poderá ser ilimitado como este. Seja como se queira chamar este poder reformador, seja de Poder constituinte constituído como faz SANCHES AGESTA; poder constituinte derivado como faz PELAYO e BARACHO, ou poder constituinte instituído segundo BURDEAU, devemos encará-lo como faz PONTES de MIRANDA, como uma atividade constituidora diferida ou um poder constituinte de segundo como faz também ROSAH RUSSOMANO.[1]



Notas:

[1] Entre as publicações consideradas clássicas do Direito Constitucional e da Teoria da Constituição que tratam do assunto podemos citar: HAURIOU, André. Droit Constitutionnel et Institutions Politiques. Editions Montchrestien, 4eme edition, Paris, 1970. SAMPAIO, Nelson de Souza. O Poder de Reforma Constitucional, Livraria Progresso Editora, Salvador, 1954. BARACHO, José Alfredo de Oliveira, Teoria Geral do Poder Constituinte, separata do n.52 da Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, 1981. RUSSOMANO, Rosah. Curso de Direito Constitucional, 3 edição revista e ampliada, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1978. VERDU, Pablo Lucas. Curso de Derecho Político. Volume I e II, Madrid, Editora Tecnos. 1980. LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constitucion, 2 ed., Barcelona, Editora Nacional, 1982.

SCHIMITT, Carl. Teoria de la Constitución, México, Editora Nacional, 1973. BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional, Editora Forense, Rios de Janeiro, 1980. VIAMONTE, Carlos Sanchez. Derecho Constitucional, Tomo I, Poder Constituyente, Editorial Kapelusz & Cia. Buenos Aires, Argentina, 1945.


Informações Sobre o Autor

José Luiz Quadros de Magalhães

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Especialista, mestre e doutor em Direito Constitucional pela UFMG Professor da graduação, mestrado e doutorado da PUC-MINAS e UFMG.


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