Resumo: O presente artigo tem como objetivo um estudo sobre o direito real de habitação na união estável. Para bem entendermos o tema, primeiramente é necessário uma análise sobre a sucessão na união estável e as recentes mudanças trazidas pelo Supremo Tribunal Federal. Em seguida, passaremos por um breve estudo sobre a garantia constitucional do direito a habitação tanto do cônjuge quanto do companheiro. Após, faremos um estudo sobre o instituto do direito real de habitação. Por fim, analisaremos o direito real de habitação na união estável.
Palavras-chave: Sucessão. União Estável. Direito Real de Habitação.
Abstract: The present article aims to study the real right of housing in the stable union. In order to understand the issue, it is first necessary to analyze the succession in the stable union and the recent changes brought by the Federal Supreme Court. Next, we will go through a brief study on the constitutional guarantee of the right to housing of both the spouse and the partner. After, we will do a study on the institute of real housing law. Finally, we will analyze the real right of housing in the stable union.
Keywords: Succession. Stable union. Real Estate Law.
Sumário: Introdução. 1. Da Sucessão na união estável. 2. Da garantia constitucional do direito real de habitação. 3. Do direito real de habitação. 4. Do direito real de habitação na união estável. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O direito real de habitação do companheiro sobrevivente estava previsto no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei nº 9.278/1996, paragrafo único do artigo 7º.
O referido artigo previa o direito real de habitação do companheiro sobrevivente enquanto vivo, ou seja, habitação vitalícia, desde que não fosse constituída nova união estável ou casamento.
Com o advento do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.046/02), o legislador ao tratar do direito real de habitação na sucessão, não incluiu o companheiro, fazendo menção apenas ao cônjuge.
No entanto, seria correto considerar revogada a Lei nº 9.278/96 diante da imissão do legislador? Certamente que não, pois se assim o fosse estaríamos contrariando o objetivo principal do instituto que é garantir a moradia ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, diante das dificuldades enfrentadas pela perda do ente querido.
Desta forma, ao tratarmos do direito real de habitação do companheiro sobrevivente, devemos fazer uma interpretação a luz da Constituição Federal de 1988, bem como da jurisprudência dos tribunais superiores, os quais reconhecem a união estável como entidade familiar e equiparam o companheiro ao cônjuge.
1 DA SUCESSÃO NA UNIÃO ESTAVEL
Quanto ao conceito de união estável, Azevedo (2000) afirma que é: A convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato.
Complementando, Pizzolante (1999, p.150), que diz ser: […] meio legítimo de constituição de entidade familiar, havida, nos termos estudados, por aqueles que não tenham impedimentos referentes à sua união, com efeito de constituição de família.
Assim, para ser considerada entidade familiar a união estável deverá ser de convivência duradoura, pública, continua e com o objetivo de constituir familiar, conforme descreve o caput do artigo 1.723 do Código Civil:
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
No que tange o direito sucessório na união estável, recentemente o Supremo Tribunal Federal, nos julgamentos dos Recursos Extraordinários 646721 e 878694, ambos em sede de repercussão geral, equipararam os companheiros aos cônjuges, inclusive em uniões homoafetivas.
“DIREITO DAS SUCESSÕES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DISPOSITIVOS DO CÓDIGO CIVIL QUE PREVEEM DIREITOS DISTINTOS AO CÔNJUGE E AO COMPANHEIRO. ATRIBUIÇÃO DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. Possui caráter constitucional a controvérsia acerca da validade do art. 1.790 do Código Civil, que prevê ao companheiro direitos sucessórios distintos daqueles outorgados ao cônjuge pelo art. 1.829 do mesmo Código. 2. Questão de relevância social e jurídica que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. 3. Repercussão geral reconhecida”.(RE 878694 RG, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 16/04/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 18-05-2015 PUBLIC 19-05-2015 )
“DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. APLICAÇÃO DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL À SUCESSÃO EM UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. INCONSTITUCIONALIDADE DA DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável, hetero ou homoafetivas. O STF já reconheceu a “inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se a união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesas consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011) 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nº 8.971/1994 e nº 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso. 3. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 4. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. (RE 646721, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 08-09-2017 PUBLIC 11-09-2017)
A referida decisão considera inconstitucional o artigo 1790 do Código Civil, que estabelecia condições menos favoráveis ao companheiro e a companheira, na sucessão de um ou de outro, equiparando-os, todos, às condições de sucessão aplicáveis aos cônjuges em geral (art. 1.829 do CC).
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.”
Assim, quem vive em união estável inclusive decorrente de relação homoafetiva terá o direito de participar da sucessão do outro, com base nas mesmas regras aplicáveis aos cônjuges.
Pela redação do artigo 1790 do Código Civil, o qual foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, a companheira ou companheiro participava da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, segundo concorresse, ou não, com filhos comuns ou descendentes apenas do autor da herança.
“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”
Com a decisão do Supremo Tribunal Federal, a sucessão, inclusive em relação homoafetiva, se dará conforme as mesmas regras previstas no artigo 1.829 do Código Civil.
2 DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO
O fundamento justificador do direito real de habitação na sucessão esta descrito no caput do artigo 6º, o qual garante o direito fundamental a moradia, e no §3º do artigo 226, ambos da Constituição Federal de 1988.
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
Os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, solidariedade e mutua assistência, normas regentes do direito real de habitação, visam garantir tanto aos cônjuges quanto aos companheiros sobreviventes o direito de continuar a residir no imóvel comum.
Lembramos ainda que o Supremo Tribunal Federal reconheceu ao união estável homoafetiva e lhe garantiu os mesmo direitos.
3 DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO
O direito real de habitação esta previsto entre os artigos 1.414 e 1.416 do Código Civil e tem por objetivo garantir o direito fundamental à moradia (art. 6º, caput, da CF/88) e o postulado da dignidade da pessoa humana (art. art. 1º, III).
Segundo Almeida (2003, p.219): […] um direito de habitar gratuitamente casa alheia ou, no caso, imóvel que pode ser parcialmente alheio. Não se pode emprestar ou alugar, mas apenas ocupar. É direito real personalíssimo, que não se transmite, quer por ato intervimos, que por atos causa-mortes.
O direito real de habitação é o direito que tem o cônjuge supérstite, de permanecer residindo na morada do casal após o falecimento de seu consorte desde que este imóvel fosse o “único do gênero a inventariar”, conforme preceitua o art. 1.831 de C.C.
“Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.”
Para Rodrigues (p.116), “o legislador quer preservar as condições de vida, o ambiente, as relações, enfim, evitar que a viúva ou o viúvo tenha de se mudar, de ser privado de sua moradia.”
No Código Civil de 1916, o direito permanecia com o titular enquanto durasse o estado de viuvez. No entanto, esta restrição não foi mantida pelo Código Civil de 2002, ou seja, mesmo após contrair novas núpcias o titular do direito real de habitação continua com este direito assegurado.
Além disso, o direito real de habitação não é um direito exercido automaticamente, nem mesmo pode ser presumido ou tácito, bem como não o pode ser sua renúncia.
Este direito deve ser requerido pelo cônjuge sobrevivente, preferencialmente, no processo de inventário, ou ao termino deste, desde que tempestivamente.
Em se tratando de direito real sobre coisa alheia, após sua concessão judicial, ele deverá contar na matricula do imóvel. Após o estabelecimento judicial o direito real de habitação retroage ao momento da morte do autor da herança, de forma que, desde a abertura da sucessão, o cônjuge titular do direito à habitação já o detém, mesmo que não tenha exercido.
Portanto, ainda que o cônjuge sobrevivente não tenha requerido expressamente o direito à habitação, fazendo dentro do prazo, poderá opor o seu direito contra terceiros ou, até mesmo, contra os herdeiros e interessados no inventário e na partilha dos bens.
Ressalta-se ainda que o direito ora tratado é de moradia e não de usufruto, não podendo o cônjuge sobrevivente transferir sua posse direta, de maneira onerosa ou gratuita.
Por fim, quanto ao valor do imóvel no qual recairá o direito real de habitação, não há na legislação um limite previsto, não cabendo os argumentos de que o cônjuge não necessitará daquele imóvel por ser muito grande ou de valor muito alto.
4 DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA UNIÃO ESTAVEL
Conforme relatado acima, nos julgamentos dos Recurso Extraordinários 646721 e 878694, o Supremo Tribunal Federal equiparou os companheiros aos cônjuges, inclusive em uniões homoafetivas.
Desta forma, quanto ao direito real de habitação, conclui-se que os companheiros terão os mesmos direito dos cônjuges, seguindo o que dispõe o art. 1.831 do Código Civil.
“Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.”
Ou seja, o companheiro também terá o direito de residir no imóvel destinado à residência da família, desde que este seja o único bem desta natureza a inventariar, até o seu falecimento, ainda que constitua união estável com outra pessoa ou mesmo se case novamente.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, concluímos que o direito sucessório com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, não havia dado o devido amparo ao direito real de habitação na união estável.
No entanto, os companheiros que viviam em união estável não poderiam fica desamparados frente a omissão do legislador que suprimiu um direito anteriormente previsto pela Lei nº 9.278/1996.
Fazendo uma interpretação a luz da Constituição Federal de 1988, temos que o direito real de habitação encontra-se garantido tanto aos cônjuges quanto aos companheiros.
Além disso, recentes julgados do Supremo Tribunal Federal reconhecem a união estável como entidade familiar e equiparam o companheiro ao cônjuge, garantindo-lhes os mesmo direito de sucessão.
Portanto, o direto real de habitação contido no artigo 1.831 do Código Civil deve ser aplicado também ao companheiro sobrevivente.
Informações Sobre os Autores
Joseval Martins Viana
Graduado em Letras e em Direito. Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
Mario Pereira Gomes Filho
Graduado em Direito pelo Centro Universitário UNIFAFIBE