Resumo: O presente trabalho busca evidenciar a incidência dos danos morais na seara previdenciária, analisando as discussões jurídicas pertinentes ao instituto do dano moral no ordenamento jurídico pátrio. Pretende-se expor considerações sobre a relevância dos benefícios previdenciários no âmbito moral que condicionam o bem-estar do segurado nos momentos de contingência. O beneficio previdenciário proporciona ao segurado e/ou seus respectivos dependentes uma garantia constitucional, com a finalidade de assegurar a sobrevivência do segurado, quando este se encontrar incapacitado para a vida laboral, e consequentemente impedido de manter a própria subsistência. Além disso, o benefício previdenciário possui caráter alimentar e os equívocos cometidos pela autarquia no momento de conceder ou manter benefícios previdenciários, acabam por deixar desguarnecidos os segurados, numa condição de vulnerabilidade social capaz de trazer efeitos lesivos à vida do segurado e à sua própria sobrevivência. Tem-se ainda, a intenção de avaliar o reconhecimento do instituto do dano moral na seara previdenciária e a reponsabilidade civil do Estado, em face da má prestação dos serviços públicos por parte da autarquia previdenciária, como o ressarcimento, a função pedagógica ou educativa e ainda, dissuadir e/ou prevenir nova prática do mesmo tipo de evento danoso. Tema que vem causando questionamentos entre doutrinadores e jurisprudência quanto à sua concessão, tornando-se imprescindível uma melhor percepção da aplicação deste instituto. Para a realização desta pesquisa utilizou-se a revisão de literatura, através de materiais anteriormente publicados sobre a temática em questão.
Palavras-chave: Dano moral. Dignidade da pessoa humana. Reparação civil. Direito Previdenciário.
Abstract: The present work seeks to highlight the incidence of moral damages in the social security sector, analyzing the legal discussions pertinent to the institute of moral damages in the legal order of the country. It is intended to expose considerations about the relevance of social security benefits in the moral sphere that condition the well-being of the insured in moments of contingency. The social security benefit provides the insured and / or their dependents with a constitutional guarantee, in order to ensure the survival of the insured, when the insured is incapacitated for the working life, and consequently prevented from maintaining their own subsistence. In addition, the social security benefit is food and the mistakes made by the municipality when granting or maintaining social security benefits, end up leaving uninsured the insured, in a condition of social vulnerability that can have harmful effects on the life of the insured and their own survival . It is also intended to evaluate the recognition of the institute of moral damages in the social security area and the civil responsibility of the State, due to the poor provision of public services by the social security authority, such as reimbursement, educational or educational function and furthermore, deter and / or prevent further practice of the same type of harmful event. This issue has been causing questions among legal scholars and jurisprudence regarding its grant, making it necessary to have a better perception of the application of this institute. For the accomplishment of this research the literature review was used, through previously published materials on the subject in question.
Keywords: Moral damage. Dignity of human person. Civil repairs. Social Security Law.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objetivo principal analisar a incidência do dano moral no direito previdenciário, nos casos da má prestação dos serviços públicos prestados pelos agentes da autarquia previdenciária, no momento da concessão ou manutenção dos benefícios previdenciários pleiteados pelos segurados e/ou seus dependentes.
O trabalho proposto pretende demonstrar que nos casos de erros cometidos na prestação do serviço público no momento da análise de concessão de benefícios previdenciários, caracteriza o dano moral, responsabilizando o Estado a reparar o dano causado ao segurado. E ainda, analisar como a legislação e a jurisprudência vêm se posicionando a respeito da temática em estudo.
O trabalho apresentado será dividido em quatro capítulos, nos quais serão tratados: o dano moral no âmbito previdenciário, o princípio da dignidade da pessoa humana, a reparação civil na seara previdenciária e o posicionamento da jurisprudência sobre a temática.
Serão abordados ainda neste trabalho, o caráter alimentar dos benefícios previdenciários e os erros decorrentes do indeferimento dos benefícios, os quais justificam a reparação por dano moral.
Enfim, a presente pesquisa propõe-se expor os vícios nos serviços administrativos de concessão ou manutenção dos benefícios previdenciários que acarretam para os segurados e/ou dependentes, o dever de reparação pelos danos morais aturados, e ainda, pretende apontar meios de coibir os atos lesivos aos segurados e dependentes da autarquia, por meio da obrigação de reparar.
1. DANO MORAL NO ÂMBITO PREVIDENCIÁRIO
Conforme define De Plácido e Silva, o vocábulo dano deriva do latim damnum, que significa mal ou ofensa que um indivíduo tenha causado a terceiros, do qual venha decorrer prejuízo a seu patrimônio. Juridicamente, dano é visto no sentido do resultado gerado: “é o prejuízo causado, em virtude de ato de outrem”. (DE PLÁCIDO E SILVA, 2010, p. 233).
O dicionário online de Português define o termo “moral” como sendo os “preceitos e regras que governam as ações dos indivíduos, segundo a justiça e a equidade natural; as leis da honestidade e do pudor; a moralidade”[1].
Ainda na lição de De Plácido e Silva, o dano para ser indenizável precisa fundar-se lesão de um bem juridicamente protegido. E, dentro deste conceito, diz-se dano moral, no caso em que a ofensa venha atingir os bens no âmbito moral, tais como a liberdade, a honra, a dignidade da pessoa humana. (DE PLÁCIDO E SILVA, 2010).
Além disso, a moral está devidamente amparada pelo artigo 5º, inciso V, da Constituição da República, que assim preceitua “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. (g.n.).
Do mesmo modo, o art. 186 e o art. 927, do Código Civil, assim estabelecem:
“Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Para Pierre, ocorre o dano moral quando o mal provocado pelo agente, é capaz de manchar a moralidade do indivíduo. Nesse caso, o mal resulta da dor e a dor não tem preço, daí nasce “a vergonha, o constrangimento, a ofensa a honra e o vexame”. (PIERRE, 2009, p. 103).
Face ao exposto, podemos definir o dano moral, como a lesão à dignidade humana do ofendido, trazendo graves danos no âmbito moral e/ou material da vítima. (VIEIRA; SILVA, 2017).
Dessa forma, tem-se que finalidade do instituto do dano moral é tentar restituir ao ofendido o seu estado anterior, ou seja, ressarcir a vítima pelos prejuízos causados por outrem. Tal ressarcimento deverá ter o condão de recompor a dignidade e a moral daquele que foi prejudicado. (LADENTHIN, 2013).
2. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A Constituição da República traz em seu bojo dentre os princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana, explícito em seu artigo 1º, inciso III, visando assim uma garantia constitucional ao cidadão.
Nas lições de De Plácido e Silva citado por Vieira e Silva, os princípios são componentes essenciais ao próprio direito, pois evidencia uma totalidade de diretrizes e ensinamentos, a fim de auxiliar na conduta a ser tida em qualquer procedimento jurídico. (DE PLÁCIDO E SILVA apud VIEIRA; SILVA, 2017).
Segundo Renk citada por Rodrigues e Garcia, o direito ao benefício previdenciário é uma garantia fundamental, que possui natureza alimentar, com a finalidade de assegurar a sobrevivência do segurado, quando este se encontrar incapacitado para a vida laboral, e consequentemente impedido de manter a própria subsistência. (RENK, apud RODRIGUES; GARCIA, 2015).
Ainda nos ensinamentos de Renk, os equívocos cometidos pela autarquia no momento de conceder ou manter benefícios previdenciários, acabam por deixar desguarnecidos os segurados, numa condição de vulnerabilidade social capaz de trazer efeitos lesivos à vida do segurado e à sua própria sobrevivência. (RENK, apud RODRIGUES; GARCIA, 2015).
Por certo então, os erros cometidos no indeferimento de concessão dos benefícios previdenciários ao segurado, configura-se desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois se trata de verba de natureza alimentar e garantia de sobrevivência do segurado, diante do estado de hipossuficiência no qual se encontra, fazendo valer assim os mandamentos constitucionais.
Nos termos da Lei nº 8.212/1991, em seu art. 3º, fica estabelecido que:
“Art. 3º: A Previdência Social tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente. […]”.
À vista disso, a dignidade da pessoa humana se destina a assegurar, a todo cidadão, a preservação de condições mínimas que garantam sua dignidade pessoal.
Logo, a negativa indevida de um benefício previdenciário que visa o sustento de pessoa incapaz de prover a própria subsistência, por motivo de verificação errônea dos fatos pelo INSS, causa sérios danos ao segurado e dependente, os quais poderão causar danos morais e/ou patrimoniais, possibilitando o dever de reparação.
3. REPARAÇÃO CIVIL NA SEARA PREVIDENCIÁRIA
De acordo De Plácido e Silva, Reparação civil é o nome que se dá à “indenização do dano ou ao ressarcimento do dano” resultante do delito ou ato ilícito. Como também, condiz à sanção que se sujeita ao agente do ato lesivo, fundamentada na responsabilidade civil. Na reparação, a sanção refere-se no dever de indenizar ou de ressarcir os prejuízos que o ato ilícito tenha acarretado. (DE PLÁCIDO E SILVA, 2010, p.654). (g.n.).
A reparação civil se mostra ferramenta eficaz de concórdia e estabilidade nos tratos jurídicos, trazendo consigo reflexos significativos, tais como a reparação, a função educativa e ainda, dissuadir nova prática do mesmo tipo de evento danoso. (BITTAR, apud SALVADOR, 2011).
A Responsabilidade Civil nasce do dever de ressarcir um dano causado por outrem em virtude de ato ilícito. Assim, a responsabilidade civil do Estado se constitui na compensação de prejuízo provocado a terceiros, por ação ou omissão dos seus agentes, é o que preceitua o artigo 37, § 6º, da Constituição da República:
“Art. 37: […]
§ 6º: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras dos serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
No ponto de vista de Wânia Alice F. L. Campos, a responsabilidade do Estado na concessão de benefícios previdenciários nasce de “uma relação legal estabelecida entre o segurado e o INSS, no caso do beneficio previdenciário ou entre o contribuinte a União, no caso do custeio da Previdência Social”. (CAMPOS, apud RODRIGUES; GARCIA, 2015). (g.n.).
Outrossim, a reparação civil por parte do Estado comporta a responsabilidade por prejuízos materiais e morais. Assim, o Estado responde pelo detrimento causado ao indivíduo, devendo restituir a este tudo que perdeu ou deixou de ganhar. No que diz respeito ao dano moral, compete ao Estado compensar a vítima, com o intuito de abrandar o infortúnio moral consequente da ação ilícita da administração. (JUSTEN FILHO, apud RODRIGUES; GARCIA, 2015).
Enfim, recaindo sobre o Estado a responsabilidade pelos danos causados a outrem, é necessária a restauração do equilíbrio violado pelo prejuízo para se chegar ao objetivo principal dessa sanção. (VIEIRA; SILVA, 2017).
4. DA JURISPRUDÊNCIA
A partir de pesquisas realizadas em jurisprudências dos nossos Tribunais, verifica-se que o entendimento vem se firmando no reconhecimento das circunstâncias em que se configura o dano moral na seara do Direito Previdenciário.
Segundo a sapiência do Ministro do STJ, Relator do Recurso Especial: REsp 1228224 RS 2011/0002004-0, publicado no DJe em 10/05/2011, Herman Benjamin, para jurisprudência do STJ já se encontra pacificado o entendimento de que não se poderá negar o direito à indenização ou reparação civil dos prejuízos suportados pelo ofendido, quando reconhecida a responsabilidade do Estado, “mediante conjunção concomitante dos elementos dano, negligência administrativa e nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público”[2]. (g.n.).
Nesse sentido, podemos observar o julgado no qual se posiciona o TRF da 3ª Região, que por estarem presentes os elementos necessários à responsabilização do INSS no caso concreto, quais sejam: conduta ilícita; resultado danoso; e nexo de causalidade, incorrendo em conduta ilícita que resultou em injusta privação de verba alimentar, colocando em risco a subsistência da parte autora, dano moral configurado[3]:
“CÍVEL. APELAÇÃO. INDENIZAÇÃO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. INDEFERIMENTO INDEVIDO DO BENEFÍCIO. RESTRIÇÃO DE VERBA ALIMENTAR. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. DANO MORAL CONFIGURADO. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA. RECURSO PROVIDO.
1 – O caso deve ser apreciado à luz do art. 37, § 6º, da Constituição da República, que estabelece a responsabilidade objetiva das entidades de direito público e das prestadoras de serviço público, segundo a teoria do risco administrativo, no caso de condutas comissivas, e a teoria da culpa do serviço, para as condutas omissivas de tais entes, sem prejuízo da aplicação de outros diplomas legais, naquilo em que for pertinente, dentro do que recomenda o diálogo entre as fontes.
2 – A prova documental e testemunhal produzida demonstra estarem presentes os elementos necessários à responsabilização do INSS no caso concreto, quais sejam: conduta ilícita; resultado danoso; e nexo de causalidade.[…]
5 – O INSS deveria ter procedido com a devida diligência que se espera de uma entidade de direito público responsável pelo pagamento de benefícios previdenciários e assistenciais, cumprindo de pronto a determinação judicial de concessão do benefício. A Autarquia atuou de modo negligente para com o segurado, incorrendo em conduta ilícita que resultou em injusta privação de verba alimentar, colocando em risco a subsistência da parte autora.
6 – Dano moral configurado. É inexorável que o óbice injustificado ao pagamento da quantia referente ao benefício previdenciário do Requerente foi substancialmente relevante para ele. A violação a direitos da personalidade do Autor supera os aborrecimentos cotidianos, tendo atingido de forma efetiva a sua integridade psíquica, imagem e honra, na medida em que se trata de pessoa dependente dos valores a serem pagos pelo INSS para suprir suas necessidades vitais, dos quais foi indevida e injustamente privado. Precedentes.[…]
8 – Dá-se provimento ao recurso de apelação, para condenar o Instituto Nacional do Seguro Social ao pagamento de compensação por danos morais ao Autor, no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com incidência de correção monetária, contada a partir da data do seu arbitramento (Súmula 362, do STJ), e de juros moratórios, contados a partir da data do evento danoso (Súmula 54, do STJ), assim considerada a data do indevido indeferimento do benefício assistencial (24/05/2002).” (TRF-3 – AC: 000143614201040366114 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, Data de Julgamento: 21/02/2017, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA: 13/03/2017).
Ainda neste aspecto, segue o entendimento do Superior Tribunal de Justiça[4]:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ERRO NO INDEFERIMENTO DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NEXO CAUSAL E RESULTADO LESIVO RECONHECIDOS PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. REVALORAÇÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. REPARAÇÃO POR DANO MORAL.
1. O indeferimento de benefício previdenciário imotivado acarreta injusta privação de verba alimentar, colocando em risco a subsistência do segurado, sobretudo em casos de pessoas de baixa renda, como é o caso dos autos.
2. A compensação por danos morais foi feita, pelo juízo sentenciante, com esteio em extensa e minuciosa análise dos elementos probatórios da dor e das dificuldades pessoais que afligiu o agravado, que mesmo comprovando a gravidade da moléstia que o acometia, teve seu benefício negado, sendo obrigado, por mais de quatro anos, a sacrificar sua saúde e bem estar trabalhando no mercado informal como vendedor ambulante, a despeito do câncer de laringe em estado avançado que apresentava.
3. Constatado o nexo de causalidade entre o ato da Autarquia e o resultado lesivo suportado pelo segurado, é devida a reparação dos danos morais.
4. Agravo Regimental do INSS desprovido.” (STJ, AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 193.163 – SE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 24/04/2014).
Nota-se que, estando caracterizado o dano, é correta a condenação da autarquia previdenciária ao pagamento de indenização por danos morais.
No que diz respeito à sua quantificação, a jurisprudência orienta e disponibiliza medidas para a fixação da correspondente indenização. Assim, fixou o STJ, normas à aplicação das indenizações por dano moral, orientando que deverá ser determinada segundo o critério da razoabilidade e do não enriquecimento desarrazoado, nos seguintes termos[5]:
“[…] Há de orientar-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso.” (STJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in RT 776/195).
E mais, de acordo o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, o cancelamento indevido do benefício previdenciário, embora comprovada a incapacidade e o estado de miserabilidade pela parte requerente, acarretam danos no âmbito moral do individuo, afrontando assim o princípio da dignidade humana. É o que se vê a seguir[6]:
“PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. LEI Nº 8.742/93. INCAPACIDADE LABORAL COMPROVADA. REQUISITO ECONÔMICO. § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.742/93. HIPOSSUFICIÊNCIA VERIFICADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA NESTA PARTE. DANOS MORAIS. DAMNUM IN RE IPSA. PROVIMENTO DO RECURSO E NÃO PROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA.
1. No caso, verifica-se que a prova do estado de miserabilidade do autor restou comprovada, tendo em vista o Auto de Constatação de fls. 86/87, não impugnado nos autos, no qual o Oficial de Justiça relata as péssimas condições de moradia do requerente, bem como a aparente situação de pobreza extrema. […]
3. No tocante ao segundo requisito, qual seja, o previsto no § 2º do artigo 20 supramencionado, conclui-se, pela documentação dos autos, que este também restou atendido, eis que o autor é portador de "Síndrome Orofaciodigital (CID Q87.0), condição genética, congênita e incurável no momento atual da medicina", conforme Laudo Médico assinado por Médica do Centro de Genética Médica do Instituto Fernandes Figueira – Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ. […]
8. No que tange ao pedido de indenização por danos morais, contudo, assiste razão ao apelante. Conforme se extrai dos autos, o INSS deixou de conceder o beneficio previdenciário mesmo depois de uma perícia realizada pela própria autarquia constatar que o autor possui "Síndrome de Mohr, apresenta polidactilia em mãos e pés, encurtamento de mmss e mmiis, fenda labial, não tem pênis embutido, só tem um orifício por onde sai a urina, tem pé ligeiramente torto", doença congênita e incurável.
9. Conclui-se, assim, que a supressão indevida do benefício previdenciário, no caso em questão, apesar das evidentes provas de incapacidade e de miserabilidade apresentadas pela parte autora, acarretou lesão na esfera moral do individuo, constituindo verdadeira afronta ao princípio da dignidade humana. Destarte, diante do o damnum in re ipsa, a demonstração do sofrimento pela parte se torna desnecessária.
10. Como bem afirmou o ilustre representante do MPF: "acredito que não tem o INSS o direito de ignorar as manifestas provas de incapacidade e de miserabilidade apresentadas pela parte autora, em patente afronta à dignidade do menor, Daniel do Nascimento Miranda. No presente caso, além de a negativa administrativa ter sido ilegítima, a prova dos autos se mostrou suficiente para firmar a convicção de que se tratou de indeferimento indigno ou teratológico.(…) Veja que, em decorrência do indeferimento administrativo, o autor, pessoa miserável e incapaz, só obteve êxito na sua pretensão na via judicial, tendo que suportar um longo período desprovido de qualquer fonte de renda. Portanto, a indenização por danos morais se impõe."
11. Em tal contexto, fixo a condenação do INSS ao pagamento de danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a fim de compensar o dano sofrido pelo autor e evidenciar o caráter educativo da medida, como forma de prevenir situações dessa natureza. 12. Recurso de apelação provido. Remessa oficial não provida.” (TRF-2 – REEX: 201151020027560, Relator: Desembargador Federal ABEL GOMES, Data de Julgamento: 15/05/2014, PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 30/05/2014).
Assim, o que se compreende nos posicionamentos dos nossos Tribunais é o reconhecimento do instituto do dano moral na seara previdenciária e a responsabilidade civil do Estado, em face da má prestação dos serviços públicos por parte da autarquia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O dano moral consiste na lesão à dignidade humana do ofendido, provocando alteração do estado no qual se encontrava o lesado.
Verifica-se, que objetivo primordial do instituto do dano moral é ressarcir a vítima pelos prejuízos causados por outrem, de maneira a recompor a dignidade e a moral daquele que foi prejudicado.
Fica evidente, que o Direito Previdenciário é uma garantia constitucional ao segurado e seus dependentes nos casos em que lhes sobrevenham alguma contingência. Nesse caso, caberá ao Estado, por meio da Previdência Social, resguardar o trabalhador, assegurando-lhe os benefícios e serviços adequados.
O benefício pretendido pelo cidadão possui caráter alimentar, o qual não poderá ser negado por abusividade ou erros da Previdência Social. Pois se destina a subsistência do segurado, custear suas necessidades básicas, tais como, saúde, alimentação, moradia, higiene, vestuário, educação.
Por conseguinte, conclui-se que a reparação civil é o meio de coibir a reiteração das práticas abusivas por parte da autarquia previdenciária, promovendo assim o ressarcimento dos danos causados, a função educativa e ainda, prevenir nova prática do mesmo tipo de evento danoso.
Notas
Informações Sobre o Autor
Raquel Melo de Carvalho
Advogada e pós-graduanda em Direito da Seguridade Social pela Universidade Cândido Mendes e Faculdade Legale