Resumo: As relações de consumo visam o estabelecimento de uma relação comercial entre fornecedores e consumidores a fim de fazer a moeda circular, de gerar empregos e de manter a economia do país. Contudo, para que esta relação seja saudável para todos os envolvidos, sobretudo, para os usuários, foi necessário promover por força da lei a proteção ao consumidor, que é o elo mais fraco desta relação. Assim, as relações de consumo passaram a ter natureza jurídica de modo a possui lei específica destinada a garantir ao consumidor proteção contra abusos e má fé dos fornecedores. Tal lei denominada Código de Defesa do Consumidor foi instituída tendo por bases os princípios constitucionais como a dignidade humana, a ordem econômica, os valores sociais do trabalho e a justiça social.
Palavras-chave: comércio – consumidor – deveres – defesa – direitos – relação – proteção.
Abstract: Consumer relations are aimed at establishing a commercial relationship between suppliers and consumers in order to circulate money, generate jobs and maintain the economy of the country. However, for this relationship to be healthy for all involved, especially for users, it was necessary to promote by law the protection of consumers, which is the weakest link in this relationship. Thus, consumer relations have become legal in nature so as to have specific law designed to guarantee the consumer protection against abuse and bad faith of suppliers. This law, called the Code of Consumer Protection, was instituted based on constitutional principles such as human dignity, economic order, social values of labor and social justice.
Keywords: trade – consumer – duties – defense – rights – relationship – protection.
Sumário: 1. O Direito do Consumidor no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 2.A Ordem Econômica. 2.1 A Constituição Federal e o Consumidor. 2.2 O Direito do Consumidor Como Meio de Proteção. 2.3 As Relações de Consumo e o Código Civil. 3. A Proteção ao Consumidor como Direito Fundamental Constitucional. Referências
1 O DIREITO DO CONSUMIDOR NO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO
Uma das mais importantes relações existentes na economia é a relação de consumo. Tal relação tem grande destaque também no ordenamento jurídico brasileiro, de tal modo que há uma legislação específica a fim de tutelar as relações de consumo assegurando total proteção ao consumidor, que é o elo mais fraco da relação. Este ramo do Direito evoluiu com o tempo até se tornar valor essencial para o ordenamento brasileiro, sobre este aspecto Rafael Alencar Xavier esclarece:
"A evolução do Direito do Consumidor deu-se com o aumento das indústrias, com a introdução da robótica e da informática ocorrida durante a Revolução Industrial. Em conseqüência desse momento histórico, tivemos o crescimento das relações de consumo. A princípio, os negócios eram realizados interpessoalmente, onde os fornecedores (produtores) mantinham uma ligação contratual direita e imediata com seus consumidores, que compravam mercadorias específicas, àquelas destinadas a sua sobrevivência. Com o advento da industrialização, conjugada com a produção em larga escala, fizeram aumentar o volume de negócios, que passaram a ser pluripessoais e difusos. Esse período ficou conhecido como “movimento consumerista”. Atualmente não é diferente. Desenvolvemos nossa legislação para atenderem aos anseios da população. Vivemos em uma comunidade consumerista, e por isso que devemos estar sempre atentos aos nossos direitos e deveres. Em razão do aumento da oferta e demanda de produtos e serviços, notadamente tivemos uma ampliação exorbitante das relações negociais. Começamos, então, a observar a necessidade da criação de institutos que fossem capazes de dirimirem conflitos advindos dos atos negociais ocorridos entre consumidores e fornecedores. Principiou-se, então, o surgimento de pequenas organizações direcionadas para a solução de conflitos nas relações de consumo. A partir deste momento, buscou-se resguardar os interesses das pessoas mais vulneráveis na transação comercial, e ao mesmo tempo defender os direitos da parte inversa na relação negocial, que é denominado de empresário (reclamado). A proteção e defesa do consumidor tiveram acento na Constituição da República de 1988, não sendo ponderada em Constituições anteriores. Em suas prescrições podemos notar a determinação da competência do Estado em promover, na forma prevista em Lei, a defesa do consumidor. (XAVIER, 2016:1-2)"
A partir do momento que os povos se organizaram como uma sociedade, o comércio passou a existir, logo desde os primórdios da sociedade acontecem relações comerciais, que a princípio eram baseados na confiança e na boa-fé. Este é o pensamento apresentado por Eliane de Andrade Rodrigues
"O desenvolvimento da sociedade faz aprimorar o comércio, transformando uma sociedade em que o comércio era realizado para subsistência para um comércio de consumidores. A atividade econômica mantém profunda ligação com a estrutura jurídica do sistema, vez que compete à Lei situar o homem, a empresa e a sociedade diante do poder político e da natureza, definindo seus direitos e suas responsabilidades e também fixando as balizas dentro das quais poderá ser exercida a liberdade de ação de cada um dos agentes da atividade econômica. (RODRIGUES, 2010:1-2)"
As relações comerciais sempre existiram em função da necessidade da sociedade de se organizar economicamente, pois as pessoas precisavam de alguns produtos que outros possuíam e vice-versa, e assim foi se construindo o comércio e os negócios baseados primeiramente em trocas, depois no dinheiro. Para Eliane de Andrade Rodrigues:
"A Revolução Industrial, já na segunda metade do século XVIII, com o surgimento das fábricas e a produção e comercialização de bens em larga escala foi tornando as relações comerciais cada vez mais complexas. Inseriu-se uma série de intermediários entre o fabricante e o adquirente final do produto. A prestação de serviços também se aperfeiçoou e a publicidade foi se tornando cada vez mais ostensiva, com vistas a convencer as pessoas a consumir e a contratar, influenciando, assim, na mudança de hábitos da sociedade. Seria o início da denominada sociedade de consumo. Neste mesmo período surgem as ideias do liberalismo econômico, cujo principal pensador foi o escocês Adam Smith, para quem o Estado não deveria intervir nas relações econômicas, mas deixar que o próprio mercado ditasse suas regras. Acontece que com o passar do tempo, o poder econômico e organizacional dos detentores dos meios de produção foi pouco a pouco sufocando os consumidores, os quais, vulneráveis, passaram a sofrer inúmeros prejuízos com a inserção no mercado de bens e serviços de péssima qualidade, que colocavam em risco a saúde, a dignidade e as próprias vidas das pessoas. Verifica-se grande desenvolvimento da atividade econômica, especialmente nas relações de consumo, atingidas pela globalização. (RODRIGUES, 2010:2)"
Foi neste momento que se viu a necessidade de promover a proteção das relações do consumo, deixando-a cargo do Estado. Assim, a intervenção estatal na economia, pretendia corrigir distorções e promover o equilíbrio nas relações comerciais.
As relações consumeristas são regidas, portanto, pelo Código de Defesa do Consumidor. Este código destina-se a concretizar nos moldes da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 a proteção e a defesa do consumidor, que é de ordem pública e interesse social (art. 1°, CDC).
As relações de consumo se configuram pela relação entre bem consumível, se há quem presta e quem consome esse bem, há o consumo e, portanto, ao se estabelecer uma relação entre quem presta e quem consome, há uma relação que deve ser regida tendo por base os direitos e deveres de ambos os envolvidos, regidos pelo CDC. O CDC prevê no 1º artigo que:
"Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. (BRASIL, 2015:789)"
A transposição do Estado Liberal para o Estado Social permite-nos observar os efeitos sociais e jurídicos no que tange aos direitos sociais e coletivos, dando ao Estado o dever de proteger o homem podendo assim, intervir e normatizar a ordem econômica, sobretudo nas relações de mercado e consumo. Nas palavras de Camila Pinheiro e Débora Simone Bezerra Cordeiro
"O capitalismo clássico do séc. XIX embasava-se em um pequeno número de princípios, dentre os quais vale destacar o princípio da liberdade econômica e o princípio da propriedade privada. O primeiro surge como uma conseqüência da natureza humana, tendo o homem direito de exercer suas faculdades de desenvolver-se nas relações com a sociedade. A liberdade de consumo consistia no direito inerente a cada indivíduo de empregar da melhor maneira os recursos que lhe pertençam. A propriedade privada, por sua vez, consistia no direito do homem sobre determinada coisa, podendo este usar e dela poder retirar toda a utilidade da qual necessite. A liberdade individual era característica de uma política liberal, uma vez que os indivíduos eram livres, no que tange a ordem econômica, devendo o papel do Estado ser reduzido ao mínimo nessa seara. O Estado Liberal realçava o princípio da liberdade e consagrou os chamados direitos de primeira geração, direitos políticos e civis reconhecidos na Revolução Francesa e Americana. O dever de abstenção do Estado em relação à autodeterminação do indivíduo era a principal característica do período. Entendia-se que as relações sociais e a vivência coletiva seriam reguladas pelo próprio homem, devendo o Estado garantir somente meios eficazes na defesa das liberdades individuais. Somente no séc. XX surgiram os ideais de segunda geração. Acentuava-se o princípio da igualdade entre os homens e o surgimento de direitos econômicos, sociais e culturais. O Estado social era centrado na proteção dos hipossuficientes e na busca da igualdade material. Na transposição do Estado liberal para o Social, verificou-se a presença do Poder Público e da incidência de normas jurídicas nas relações econômicas, entre indivíduos e entre o mercado e estes. Deixar que o homem conduzisse ao seu modo as relações comerciais e de consumo resultou numa gritante desigualdade social e na exploração do indivíduo por ele mesmo, desta forma o Estado deveria ser o promotor de civilização e bem-estar, devendo intervir de forma a regular a economia privada. (PINHEIRO; CORDEIRO, 2014:39)"
Este momento histórico ensejou, portanto, o surgimento de diversas leis visando regulamentar relações econômicas e de consumo. Assim, proveu-se o start para a proteção do indivíduo em função de sua vulnerabilidade em face ao mercado. As normas protetivas então destinam-se a garantir uma existência digna aos consumidores.
Deste modo, a proteção assegurada ao consumidor assume posição importante nos fundamentos da República enquanto se configura como um Estado Democrático de Direito com função social. Camila Pinheiro e Débora Simone Bezerra Cordeiro lecionam que
"O direito do consumidor está ligado a uma situação de subordinação estrutural, segundo Norbert Reich, quando afirma que tal direito possui escopo constitucional na cláusula do Estado social, justificando que o Estado deve intervir quando as situações de desigualdade e desequilibro social não podem ser corrigidas utilizando-se simplesmente de medidas econômicas. Desta forma, faz-se necessária a edição de uma série de normas que possibilitem assegurar a defesa dos hipossuficientes no que tange às relações de consumo e garantir a ordem econômica. Assim, se afirma que a proteção jurídica ao consumidor é um direito fundamental, moldado nos idéias sociais dos direitos de segunda geração sendo primordial a importância a ser dada ao Código de Defesa do Consumidor neste contexto. […] Neste contexto, a Constituição da República Federativa do Brasil, dentre os direitos fundamentais positivados, consagrou a defesa do consumidor como um dever do Estado. Ademais, revelando a importância e a publicização da matéria, outros dispositivos constitucionais também foram direcionados ao Direito do Consumidor, o qual, diferentemente do direito privado clássico pautado na igualdade formal e na extensa liberdade individual, passou a acolher normas de ordem pública e de interesse social. Foi nesse cenário que, reconhecendo os riscos e o desequilíbrio em que está inserido a figura do consumidor, o Estado passou a intervir em uma relação essencialmente protagonizado por particulares para exigir, entre eles, a obediência aos direitos fundamentais. Assim, houve uma relativização da autonomia da vontade viabilizando a coexistência de outros valores essenciais como a dignidade da pessoa humana. (PINHEIRO; CORDEIRO, 2014: 41)"
Assim, a proteção do consumidor é garantia constitucional que provê a regulação das relações econômicas e consumeristas, bem como a regulação da ordem econômica brasileira. Ao longo deste trabalho, serão desmontrados aspectos relevantes que justifiquem a proteção constitucional ao consumidor brasileiro.
2 A ORDEM ECONÔMICA
Um dos fundamentos da União é a ordem econômica. O modelo adotado pelo país é o capitalismo franqueando liberdade ao particular. Tal pensamento é firmado por José Afonso da Silva
"Em primeiro lugar que dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que, embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. Conquanto se trate da declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de orientar a intervenção do Estado na economia, a fim de valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, constituem o fundamento não só da ordem econômica, mas da própria República Federativa do Brasil (art. 1º, IV). (SILVA, 2017:720)"
Ao considerar a ordem econômica e os valores sociais do trabalho como preceitos fundamentais da República, torna necessário aplicá-los de forma coordenada, conforme esclarece-nos Tupinambá Miguel Castro do Nascimento:
"A ideia extraída da Constituição é que os dois fundamentos atuam coordenadamente entre eles. Daí cada um se relativizar diante do outro, nenhum sendo absoluto. São ideias e compreensões que se interpretam axiologicamente entrelaçadas. O próprio texto constitucional é suficientemente claro a respeito. O artigo 1º, inciso IV, indica, como um dos fundamentos da República, “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. Sem enfatizar este ou aquele, o entendimento que afasta qualquer exclusividade ou maior relevância de qualquer dos fundamentos, está em conformidade constitucional. Deve-se, por isso, interpretar estes dois fundamentos. (NASCIMENTO, 1997:19)"
O modelo econômico possui, portanto, fundamentos que sustentam a ação estatal na economia, mediante políticas públicas. Tanto a ordem econômica quanto os valores sociais do trabalho são de grande importância para o Estado e precisam ser resguardados. Pela ordem economia propõe-se assegurar uma existência digna a todos por meio dos ditames da justiça social.
Assegurar uma existência digna a todas as pessoas é preceito constitucional da República de tal modo que as leis infraconstitucionais se pautam por este importante princípio republicano. Neste sentido, Ingo Wolfgang Sarlet define para nosso entendimento o conceito de dignidade como:
" […] qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2002: 22)"
Para Eros Roberto Grau a dignidade é
"Assume a mais pronunciada relevância, visto compreender todo o exercício da atividade econômica, em sentido amplo – e em especial – com o programa de proteção da existência digna, de que, repito, todos devem gozar. Daí porque se encontram constitucionalmente empenhados na realização desse programa – dessa política pública maior – tanto o setor público quanto o setor privado. Logo, o exercício de qualquer parcela da atividade econômica de modo não adequado àquela promoção expressará violação do princípio duplamente contemplado na Constituição. (GRAU, 2003:177)"
Assim, promove-se a justiça social, por meio da concretização da dignidade de pessoa humana proveniente de diversos fatores essenciais para as bases do Estado, quais sejam eles: a ordem econômica, os valores sociais do trabalho, o respeito e a dignidade. A justiça social corresponde, segundo Eros Roberto Grau a
"Justiça social, inicialmente, quer significar superação das injustiças na repartição, a nível pessoa, do produto econômico. Com o passar do tempo, contudo, passa a conotar cuidados, referidos à repartição do produto econômico, não apenas inspirados em razão micro, porém macroeconômicas: as correções na injustiça da repartição deixam de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista (GRAU, 2003:204)"
Sobre os fins da ordem econômica, Fernando Antnio Sacchetim Cervo ressalta:
"Os fins da ordem econômica explicitam em última análise comando-valores e elasticidade ao ordenamento jurídico, indicando prescrições a serem atendidas pelo Poder Público, em verdadeiro conteúdo programático. Portanto, quando se descreve que a ordem econômica tem como fim assegurar a todos uma existência digna conforme os ditames da justiça social, nela se encontra o dado finalístico, o ponto de chegada a ser alcançado, originário necessariamente dos fundamentos da ordem econômica. (CERVO, 2014:1)"
2.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O CONSUMIDOR
A Constituição Federal retrata o dever do Estado de tratar igualmente a todos e, por conseguinte promover a defesa do consumidor nos termos da lei:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (BRASIL, 2015:7)"
Para tal fim instituiu-se o CDC com a finalidade de promover a proteção à vontade manifesta do consumidor, que é a parte mais fraca da relação de consumo. É possível por meio do CDC proteger a vontade do consumidor mediante a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de crédito, tendo por base a teoria de negócio jurídico.
Até a promulgação da CRFB/88 o consumidor não possuía tanta relevância no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, a instituição desta Lei Maior do país promoveu garantias fundamentais ao consumidor, tais como a função da União, Estados e Distrito Federal de legislar sobre produção e consumo, conforme consta no artigo 24, inciso V: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: […] V – produção e consumo;” (BRASIL, 2015:17). Outra disposição da CRFB/88 consta no artigo
"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […] V – defesa do consumidor; (BRASIL, 2015:59)"
E, ainda no Ato de Disposições Constitucionais Transitórias ficou determinado que é o Congresso Nacional que deveria elaborar a lei de defesa do consumidor: “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.” (BRASIL, 2015:82). Contamos ainda com a previsão do artigo 150 da CRFB/88, em que ficou determinado que, pela lei, serão estabelecidas medidas para que os consumidores saibam sobre impostos que incidem sobre as mercadorias e serviços que adquire: “Art. 150. […] § 5º – A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.” (BRASIL, 2015:52). Já no artigo 175, inciso II, da CFRB/88 há a definição da previsão dos direitos dos usuários, prevendo que o Poder Público disporá sobre estes direitos dos usuários dos serviços públicos na forma de lei:
"Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: […] II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado. (BRASIL, 2015:60)"
Diante destas previsões, nota-se que com o passar dos tempos as relações consumeristas passaram a ter grande importância para a seara jurídica, pois é base para a ordem econômica, valor de proteção estatal. A ordem econômica é definida por Vital Moreira:
"[…] -em um primeiro sentido, "ordem econômica" é o modo de ser empírico de uma determinada economia concreta; a expressão, aqui, é termo de um conceito de fato (é conceito do mundo do ser, portanto);o que o caracteriza é a circunstância de referir-se não a um conjunto de regras ou a normas reguladoras de relações sociais, mas sim a uma relação entre fenômenos econômicos e matérias, ou seja, relação entre fatores econômicos concretos;conceito do mundo do ser, exprime a realidade de uma inerente articulação do econômico como fato; – em um segundo sentido, "ordem econômica"é expressão que designa o conjunto de todas as normas(ou regras de conduta), qualquer que seja a sua natureza(jurídica, religiosa, moral etc.), que respeitam à regulação do comportamento dos sujeitos econômicos; é o sistema normativo( no sentido sociológico) da ação econômica; – em um terceiro sentido, "ordem econômica"significa ordem jurídica da economia. (MOREIRA, 1973:69-70)"
Segundo Carlos Maximiliano
"Não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica. […] As mudanças econômicas e sociais constituem o fundo e a razão de ser de toda a evolução jurídica; e o direito é feito para traduzir em disposições positivas e imperativas toda a evolução social. (MAXIMILIANO, 1997:157)"
Tal fato dota as relações de consumo de boa-fé, confiança e a reveste de direitos e deveres para ambos os componentes da relação, o consumidor e o fornecedor de serviços ou bens. As normas produzidas pelo legislador voltam-se a concretizar os direitos fundamentais da relação de consumo, assegurando ao hipossuficiente, os maiores prejudicados em uma relação de consumo.
2.2 O DIREITO DO CONSUMIDOR COMO MEIO DE PROTEÇÃO
O Estado precisa atual por meio da justiça na busca por soluções tanto para as empresas quanto para o consumidor, efetivando relações de consumo estáveis. O CDC define no seu 2º artigo a figura do consumidor:
"Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. (BRASIL, 2015:789)"
Já no artigo 3º define-se a figura do fornecedor e os elementos que caracterizam sua função, note:
"Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (BRASIL, 2015:789)"
Não está previsto no CDC a definição da relação de consumo. O CDC trata somente dos elementos desta relação, que é composta por elementos subjetivos e objetivos. Os elementos, portanto, são responsáveis por delinear a relação de consumo que é uma relação jurídica. Para Clarisse Teixeira Paiva, estes elementos que compõem a relação jurídica de consumo são:
"[…] a) Elementos subjetivos: o credor, o devedor e o consensualismo que deve existir entre eles como uma convergência de vontades para que o acordo seja pactuado sem vícios e sem prejuízo de igualdade entre os sujeitos envolvidos; b) Elementos objetivos: o negócio celebrado entre as partes, como um instrumento para a concretização e formalização do vínculo jurídico, e o bem, seja móvel, imóvel, corpóreo ou incorpóreo, objeto mediato da relação jurídica. (PAIVA, 2014:12)"
Consumidor e fornecedor são, portanto, elementos subjetivos. Produtos e serviços são definidos como elementos objetivos. Sendo, assim, ambos são pontos pilares da estrutura da relação de consumo. Sem estes elementos não existe relação de consumo. O Código de Defesa do Consumidor prevê no artigo 4° que a atuação do Estado é importante na proteção e defesa do consumidor:
"Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV – educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V – incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;
VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; VII – racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII – estudo constante das modificações do mercado de consumo. (BRASIL, 2015:789)"
Para a aplicação efetiva da Política Nacional das Relações de Consumo alguns instrumentos foram definidos no CDC:
"Art. 5° Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros: I – manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente; II – instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público; III – criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo; IV – criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo; V – concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor. (BRASIL, 2015:789-790)"
E está previsto neste artigo ainda a importância da educação e informação do consumidor, a fim de dotar a relação consumerista de informações relevantes evitando lesões ao consumidor. Tal previsão conta no artigo 6º do CDC, in verbis:
"Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; (BRASIL, 2015:790)"
Cumpre ainda dizer que o consumidor recebe por força de lei proteção do Estado em razão de ser a parte mais fraca dessa relação de consumo. Claudia Lima Marques informa sobre tal aspecto que
"[…] necessitamos de uma lei que tente prevenir o superendividamento dos consumidores e preveja algum “tratamento” ou remédios caso o consumidor (e sua família, pois acaba sempre sendo um problema familiar) caia em superendividamento. (MARQUES, 2006:34)"
O Código de Defesa do Consumidor em seus incisos VI, VII e VIII do artigo 6° do CDC demonstram mais alguns dos direitos do consumidor que reforçam a ideia acima:
"Art. 6º São direitos básicos do consumidor: […] VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; (BRASIL, 2015:790)"
Assim, o consumidor possui acesso a órgãos judiciários e administrativos para prevenir e reparar danos causados nas relações de consumo. Além disso, é direito do consumidor prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos oriundos dos problemas nas relações de consumo. Neste sentido, foi desenvolvida a Política Nacional das Relações de Consumo, no intuito de assegurar proteção e respeito aos consumidores (artigo 4°, caput).
2.3 AS RELAÇÕES DE CONSUMO E O CÓDIGO CIVIL
Prima-se por dizer que o Direito Civil rege as relações entre os particulares. Em se tratando de contratos, no Código Civil de 2002 fica estabelecido que critério de grande importância para uma relação estável entre cliente e banco, tal previsão encontra-se no artigo 422 do CC: “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” (BRASIL, 2013:157)
Tais considerações de probidade e boa-fé são essenciais para a concretização de uma relação contratual estável e segura. A incidência do CDC tem caráter preventivo, e assim regula as relações de consumo buscando evitar danos à parte mais fraca da relação, o cliente. Por isso é necessário submeter às instituições financeiras ao regime jurídico previsto do CDC.
3. A PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL CONSTITUCIONAL
As relações de consumo existem desde o início da humanidade. Sempre existiu quem produzisse e quem necessita daquilo que era produzido. Mesmo que as formas de fazer comércio da antiguidade não tenham semelhança com os métodos comerciais da contemporaneidade, a relação de consumo se manteve por séculos e se mantém ainda hoje.
A base do modelo comercial é a mesma, alguém produz algo que outra pessoa deseja ou precisa. Esta relação a princípio era baseada em trocas, os negociantes trocam suas mercadorias e realizavam seu comércio. Com o passar dos tempos, principalmente após a revolução industrial a forma de fazer comércio se modificou profundamente, empresas passaram a produzir para vender, os consumidores só poderiam adquirir algum produto por meio do dinheiro, moeda corrente.
O avanço da indústria fez com que diversas empresas surgissem e assim, foi surgindo também a necessidade de assegurar ao consumidor mecanismos para lhe assegurar que não fosse lesado ao adquirir algum produto ou serviço. É neste ponto da história que começam a surgir mecanismos jurídicos destinados a fornecer proteção ao consumidor deixando a cargo do Estado a instituição de normas para regulamentar as relações consumeristas, conforme prega a CRFB/88 e a partir desta surgiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC), o instrumento legal específico para determinar os deveres dos forneceres e direitos dos consumidores.
O CDC foi instituído tendo por base os princípios constitucionais que formam os pilares da República Federativa do Brasil. Dentre estes princípios estão a dignidade de pessoa humana, a igualdade material e formal, os valores sociais do trabalho, a ordem econômica e a justiça social. Todos estes princípios regem a relações de consumo a fim de evitar danos ao consumidor que não tem como se precaver de possíveis danos a não ser a partir da tutela do Estado.
Para tutelar os direitos do consumidor, portanto, o Estado, tem o dever de garantir a proteção do consumidor por meio de políticas públicas e acesso à órgãos específicos que possam resolver os problemas oriundos da relação comercial. A proteção ao consumidor, portanto, tem grande valor para a sociedade moderna, em que o comércio é realizado a todo o momento e, principalmente, a partir as novas formas de fazer comércio, que pode ser realizado em função da tecnologia, sobre plataformas digitais. Por serem as relações de consumo são de grande importância para a República, o Estado precisa regê-las e regulamentá-las efetivando os dispositivos legais de proteção à relação.
Informações Sobre os Autores
Filipe Duarte Ferreira
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas. Especialista em Direito Civil Bancário e do Consumidor. Servidor Público
Sarah Kelley Câmara Marques Duarte
Acadêmica de Direito na Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas