Resumo: Este artigo busca tratar da proteção jurídica da pessoa disléxica no Brasil, abordando tanto a criança disléxica e a questão da educação, até direitos dos adultos disléxicos. É objetivo desse artigo apresentar uma discussão sobre os projetos de lei e leis existentes, que tratam da proteção da pessoa disléxica, no âmbito federal e estadual, além de disponibilizar o conteúdo das leis, muitas vezes de difícil acesso.
Palavras-chave: direitos humanos, dislexia, direitos das pessoas disléxicas
Abstract: This article seeks to deal with the legal protection of the dyslexic person in Brazil, addressing both the dyslexic child and the issue of education, even the rights of dyslexic adults. The purpose of this article is to present a discussion of existing bills and laws for dislexic people, at the federal and state levels, as well as making available the contents of laws, often difficult to access.
Key-words: human rights, dyslexia, rights of dyslexic people
Sumário: Introdução, 1. Uma tentativa de definição da classificação- disléxico, 2. Leis de proteção à criança disléxica, 3. Leis de proteção ao estudante disléxico, 4. Proteção legal ao adulto disléxico, 5.A questão do diagnóstico e do laudo clínico, Considerações Finais, Bibliografia
Sumary: Introduction, 1. An attempt to define dyslexic classification, 2. Dyslexic child protection laws, 3. Dyslexic student protection laws, 4. Legal protection of dyslexic adults, 5. The question of diagnosis and clinical report, Final Considerations, Bibliography
Introdução[i]
Há estudos sobre a dislexia nas mais diversas áreas do conhecimento: Psicologia, Psiquiatria, Neuropsicologia, Fonodiologia, Psicoterapia, Educação, Educação Física, Linguística, etc.. Porém, não há quase estudos sobre a questão dos direitos dos disléxicos. Esse artigo tem como objetivo tratar da dislexia no âmbito da legislação brasileira.
Assim, muito das discussões feitas sobre a dislexia em outros campos não serão aqui comentadas, nem citadas, por não ser o objeto do artigo. Quando se restringe a questão ao Direito há pouquíssima produção de pesquisas, livros e artigos no Brasil sobre o tema, isso porque a legislação brasileira e a jurisprudência dos tribunais são muito escassas. Alguns artigos sobre educação são os que tem mais referências a legislação, focando-se na legislação educacional. Porém, não há uma atenção para outras esferas que não a educacional, como a esfera do emprego e da acessibilidade.
Alguns sites e blogs trazem uma compilação da legislação que trata dos direitos dos disléxicos, porém nem todos têm um hall de normas atualizado e completo. Alguns deles trazem a legislação no âmbito federal e nesse ponto não há referência específica às palavras: disléxico ou dislexia. Somente há uma exceção- uma lei que institui o Dia de atenção à dislexia. No âmbito estadual existe uma lei paulista aborda à dislexia e esta foi considerada inconstitucional.
Os direitos dos disléxicos geralmente são defendidos por associações do tipo ONG. Não se tem notícia de uma associação de disléxicos de grande porte, mas há uma série de associações de dislexia. Essas associações fazem mediação de diagnósticos entre os profissionais e os alunos/seus pais. Geralmente estão voltadas para o público infantil e adolescente, dificilmente abordando o adulto disléxico. Uma dessas associações buscou fazer um mapa e o número de profissionais cadastrados, supera em muito o número de disléxicos:
Assim, não se fala em direito dos disléxicos em primeira pessoa. Mesmo a construção da identidade dos disléxicos não está consolidada. Poucas pessoas falam abertamente de sua dislexia e constroem uma parcela de sua identidade com os traços da dislexia. É possível ver em grupos de discussão nas redes sociais esse fenômeno começando a surgir. Desse modo, é ainda incipiente a construção de um sujeito de direito em torno da dislexia.
1. Uma tentativa de definição da classificação- disléxico
Um dos grandes problemas da luta pelos direitos dos disléxicos é a construção de uma identidade, que passe por algumas características que definem o que é dislexia e quem é o disléxico. Mesmo os estudos sobre dislexia apresentam características diferentes que uma pessoa pode ter e há ainda graus variados, que tornam a definição da dislexia complexa. Esse artigo não tem como propósito elencar e nem discutir esses sintomas, para tal há diversos artigos que podem ser consultados nas mais diversas áreas do conhecimento.
Há estudos que definem dislexia como: doença, problema de leitura, síndrome, dificuldade de leitura, etc. Atualmente os ditos sintomas da dislexia são tão grandes, que parecem abarcar mais do que somente um problema na leitura, como a palavra indica. Alguns especialistas tendem a chamar vários problemas como dislexia: dispraxia, disgrafia, discalculia, disortografia[1]. Não se fala de um aluno dispráxico, mas sim de um aluno disléxico.
Assim, a dislexia é altamente discutida na sociedade brasileira e a busca por diagnósticos cresce a cada dia. Porém, não é possível mapear com certeza se uma criança tem ou não dislexia. Um diagnóstico feito por vários profissionais, visa restringir essa imprecisão. Mas a dislexia sempre é definida a partir de uma subjetividade. Rubino destaca essa dualidade entre a euforia no diagnóstico e o problema da definição da dislexia:
“Nessa formulação maciçamente difundida de que a dislexia é o inimigo oculto por trás de boa parte dos impasses da escolarização, o que fica elidido é que o conceito de dislexia está longe de contar com uma definição e uma caracterização suficientemente precisas, como reconhecem muitos pesquisadores que estudam o problema. Salles, Parente e Machado (2004), por exemplo, indicam que “A definição do conceito de dislexia talvez seja um dos aspectos mais controversos da área. São tantas as nomenclaturas propostas e descrições das características das crianças, que fica difícil saber quando nos referimos à mesma síndrome e quando tratamos de quadros diferentes.” ( RUBINO, 2008, p. 112).
Para Rubino um dos grandes problemas de se buscar a proteção para as pessoas disléxicas é exatamente a sua definição, isso porque se conhece os sintomas clínicos, porém não há um posicionamento hegemônico para se encarar a dislexia:
Hout (2001), ao comentar a diversidade dos pontos de vista assumidos em relação a esse transtorno, afirma: “Paradoxalmente, apesar de tudo o que tem sido escrito, o principal debate sobre a dislexia continua sendo sua definição, sua própria existência.” (p. 17). (RUBINO, 2008, p.86)
Porém, o que se torna essencial para uma legislação sobre dislexia é poder definir quem é a pessoa disléxica. A pouca regulamentação que há sobre os direitos dos disléxicos não traz uma única definição do que é dislexia. Os estudos brasileiros variam ao tratar de dislexia, com as seguintes palavras: doença, transtorno, síndrome, condição, inabilidade (disability), dom, deficiência.
A legislação estrangeira, em especial dos países de língua inglesa, utiliza o termo: disability. Em português poderia ser traduzida como uma inabilidade, mas geralmente é traduzida por deficiência. Isso porque todos têm inabilidade para alguma tarefa. Porém, a distinção do que é deficiência, desvantagem ou incapacidade é discutida entre os próprios profissionais da saúde. Amiralian esclarece esses termos de acordo com a CID, para depois fazer uma crítica aos conceitos:
“Deficiência: perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente. Incluem-se nessas a ocorrência de uma anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo, inclusive das funções mentais. Representa a exteriorização de um estado patológico, refletindo um distúrbio orgânico, uma perturbação no órgão. Incapacidade: restrição, resultante de uma deficiência, da habilidade para desempenhar uma atividade considerada normal para o ser humano. Surge como consequência direta ou é resposta do indivíduo a uma deficiência psicológica, física, sensorial ou outra. Representa a objetivação da deficiência e reflete os distúrbios da própria pessoa, nas atividades e comportamentos essenciais à vida diária. Desvantagem: prejuízo para o indivíduo, resultante de uma deficiência ou uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de papéis de acordo coma idade, sexo, fatores sociais e culturais Caracteriza-se por uma discordância entre a capacidade individual de realização e as expectativas do indivíduo ou do seu grupo social. Representa a socialização da deficiência e relaciona-se às dificuldades nas habilidades de sobrevivência”. (AMIRALIAN, 2000, p.98)
Existe o modelo médico adotado pela CID e também um modelo de descrição que se foca no ambiente. Há modelos que buscam a combinação desses critérios médicos e sociais. Amiralian propõe em sua pesquisa:
“- adotar a CIDID como referencial; – privilegiar o modelo combinado entre os modelos médico e social de deficiência; – ampliar a especificação sobre o alcance das consequências das doenças no indivíduo, levando em conta sua atualização constante; – utilizar, ao se referir à relação pessoa/deficiência, preferencialmente preposições e verbos na voz ativa; – dar maior ênfase à descrição das possibilidades do indivíduo, enfocando as desvantagens resultantes de circunstâncias do ambiente físico e social”. (AMIRALIAN, 2000, p.102)
Entende-se aqui que a dislexia é uma inabilidade em algum grau para a leitura textual ou simbólica. A palavra deficiência é repleta de uma carga negativa e aponta para um capacitismo, enquanto inabilidade não.
“O termo “capacitismo” refere-se às atitudes preconceituosas voltadas para as pessoas com deficiência. Vamos explicar isso direito: sob uma visão capacitista, os indivíduos com deficiência são vistos como inferiores ou menos capazes que os demais. Por exemplo, ainda é comum vermos pessoas achando que os sujeitos com deficiência sejam incapazes de estudar em escolas de ensino regular e universidades, namorar, trabalhar, ter filhos… “(CARTILHA UFSC/CAE- Você sabe o que é capacitismo?)
Entende-se, portanto, que a melhor classificação seria a da CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, conhecida:
“O objectivo geral da classificação é proporcionar uma linguagem unificada e padronizada assim como uma estrutura de trabalho para a descrição da saúde e de estados relacionados com a saúde. A classificação define os componentes da saúde e alguns componentes do bem-estar relacionados com a saúde (tais como educação e trabalho). Os domínios contidos na CIF podem, portanto, ser considerados como domínios da saúde e domínios relacionados com a saúde. Estes domínios são descritos com base na perspectiva do corpo, do indivíduo e da sociedade em duas listas básicas: (1) Funções e Estruturas do Corpo, e (2) Actividades e Participação.2 Como classificação, a CIF agrupa sistematicamente diferentes domínios3 de uma pessoa com uma determinada condição de saúde (e.g. o que uma pessoa com uma doença ou perturbação faz ou pode fazer). A Funcionalidade é um termo que engloba todas as funções do corpo, actividades e participação; de maneira similar, incapacidade é um termo que inclui deficiências, limitação da actividade ou restrição na participação. A CIF também relaciona os factores ambientais que interagem com todos estes constructos. Neste sentido, a classificação permite ao utilizador registar perfis úteis da funcionalidade, incapacidade e saúde dos indivíduos em vários domínios. (CIF, 2004, p.5)
A dislexia também pode ser encarada como uma doença ou transtorno. Esses são os casos da classificação via CID (Classificação internacional de Doenças – CID 10) e DMS-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), como:
“CID-10- R48 – Dislexia e outras disfunções simbólicas, não classificadas em outra parte. CID-10- R48.0- Dislexia e alexia. CID-10- F81 Transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares. CID-10- F81.0 Transtorno específico de leitura. DSM-IV – dislexia -código 315.00 – Transtorno da Leitura – na seção sobre transtornos da Aprendizagem”
Se a dislexia pode ser caracterizada como doença, como vem sendo classificada no Catálogo internacional de doenças, é possível a medicalização/tratamento. É nesse ponto que o Conselho Federal de Psicologia vem alertando para a medicalização da educação:
“Uma vez classificadas como “doentes”, as pessoas tornam-se “pacientes” e consequentemente “consumidoras” de exames, tratamentos, terapias e medicamentos, que transformam seu corpo e sua subjetividade em problemas, alvos da lógica medicalizante, que deverão ser sanados individualmente. Por sua vez, supor que diagnosticar é atribuir um nome, leva-nos a um caminho pouco rigoroso, porque desconhece a variabilidade das determinações daquilo que é nomeado. Assim, um movimento de uma criança pode ser considerado normal ou patológico segundo o observador, bem como as dificuldades de linguagem podem ser localizadas como um “transtorno” específico ou como sintoma de dificuldades vinculares, segundo aquele que esteja “avaliando” essa criança. Portanto, as classificações tendem a agrupar problemas muito diferentes somente porque sua aparência é similar”. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p.17)
A dislexia também pode ser encarada como uma deficiência e nesse caso é possível incluir o disléxico no Estatuto da Pessoa com Deficiência (LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015) e na lei de cotas (LEI Nº 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991, lei de contratação de Deficientes nas Empresas. E Lei 8213/91, lei cotas para Deficientes e Pessoas com Deficiência dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência). Segundo o Estatuto da pessoa com deficiência no artigo 2, como:
“(…) aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
À pessoa com deficiência seria também garantido uma série de direitos, como os que estão respaldados na LEI Nº 7.853, DE 24 DE OUTUBRO DE 1989- que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público e define crimes.
Nessa mesma linha pode ser também utilizado para assegurar o direito das pessoas disléxicas, entendendo-as como portadoras de deficiência, o Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção.
Esse documento legal define as pessoas que seriam classificadas como portadoras de deficiência. É nessa definição que é difícil enquadrar a pessoa disléxica, isso porque o disléxico não tem uma deficiência física, nem auditiva, nem visual. A que mais se aproxima é a deficiência mental, com problemas na comunicação, na interação social e nas habilidades acadêmicas. Porém, o disléxico geralmente não tem funcionamento intelectual inferior à média. Como se pode ver na própria redação do artigo 4, do Decreto n.3298/99:
“Art. 4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias: I – deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004) II – deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004) III – deficiência visual – cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004) IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: a) comunicação; b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais; d) utilização da comunidade; d) utilização dos recursos da comunidade; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004); e) saúde e segurança; f) habilidades acadêmicas; g) lazer; e h) trabalho; V – deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências”.
Além desses instrumentos legais, também há o DECRETO Nº 6.949, DE 25 DE AGOSTO DE 2009- que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.
Há autores que entendem que a dislexia não pode ser encarada como um problema individualizado, mas dentro de um quadro em que a educação brasileira é negligenciada. RUBINO (2008) destaca a medicalização que a dislexia e o TDAH sofreram nos últimos anos, com um aumento significativo da venda de medicamentos. A autora também destaca a ligação direta que se faz entre dislexia e a proficiência na leitura, como se não pudesse existir simplesmente maus leitores (RUBINO, 2008). A autora destaca a medicalização nas seguintes palavras:
“Nessas reportagens, professores e pais são incentivados a considerar como sinais de alerta uma vasta gama de sintomas – como desatenção, lentidão na aprendizagem da leitura, desinteresse pelos livros, letra feia, demora em copiar as lições da lousa, troca de letras na escrita, entre muitos outros – que poderiam indicar um quadro de dislexia. Não surpreende, portanto, que um número cada vez maior de crianças chegue aos consultórios e serviços de saúde, às vezes antes mesmo de completarem 7 anos de idade, com uma suspeita de dislexia formulada pelo professor ou pela própria família. Também circulam na mídia artigos que assumem um tom marcadamente exaltado e alarmista, como é o caso do texto O massacre dos inocentes, de Gilberto Dimenstein, publicado no jornal Folha de São Paulo em 13 de maio de 2007: “Se seu filho ou aluno é esperto, mas tem muita dificuldade de aprender, preste atenção a estas estatísticas de associações psiquiátricas: entre 5% e 17% dos brasileiros sofrem de dislexia (…)” (RUBINO, 2008, p.85)
Também se pode entender que a classificação de algumas pessoas como disléxicas é produto de uma sociedade cada vez mais focada na escrita e não na oralidade. Desse modo, a dislexia é historicamente datada. A sociedade atual cheia de códigos e símbolos a serem lidos por todos, fez com que se pudesse detectar indivíduos que não fazem decodificações de modo tão rápido, nem do mesmo jeito. Somente quando uma grande parte da população tem acesso à escola formal, quando há o predomínio de meios de comunicação escritos, quando o analfabetismo diminui, se pode identificar indivíduos que tem uma outra dinâmica de alfabetização.
Também se pode entender a dislexia como um dom, como é apresentado no famoso livro: O dom da dislexia. Nesse livro o autor, Ronald DAVIS (2004), apresenta uma face positiva da dislexia, que é a criatividade. Essa visão é reforçada por várias associações ao trazer uma “galeria de disléxicos famosos”. Alguns dessas pessoas famosas se declaram disléxicas, ficando fácil entender sua presença nessas listas. Mas também há figuras históricas que também foram assim classificados. Essa visão positiva da dislexia aborda carreiras de sucesso de atores, chefs de cozinha, cineastas, empresários, artistas, etc. A dislexia aparece como um pequeno entrave, que levou a pessoa para caminhos melhores. Porém, há de se ter alguma crítica nessas histórias de sucesso, que encobrem sofrimentos, desilusões e dificuldades significativas. A dislexia assim, pode não ser um dom, mas a única saída para um disléxico, frente as dificuldades que encontra.
É certo que essa visão afirmativa da dislexia não é a maioria dos estudos sobre o tema. Não foi encontrado um único artigo ou livro com o nome: Dificuldade das pessoas léxicas na sala de aula de artes, Como fazer o aluno léxico ser mais criativo, O amor cura as pessoas léxicas da sua pobreza criativa, Nada além da norma: a vida triste de um adulto não disléxico, O diagnóstico da falta de criatividade, etc.. Nesse ponto, percebe-se que as características que são apontadas como problemas nos disléxicos, são valores sociais e estes são ditados como padrão. Há uma valorização do texto e esta é hegemônica na sociedade atual. As depressões e baixa estima, que são apontados nos alunos disléxicos, talvez sejam muito mais fruto do tratamento que recebem na sociedade do que de um problema biológico.
Há vários autores que buscam mapear o histórico de apreciações sobre a dislexia, como Giselle Massi e Ana Paula Santana no texto: A desconstrução do conceito de dislexia: conflito entre verdades. As autoras mapeiam dois grandes blocos de interpretes da dislexia, profissionais da saúde e profissionais das ciências humanas:
“Neste artigo discute-se a desconstrução do conceito de dislexia que se situa em dois polos: nas ciências da saúde que apresentam como causas da dislexia fatores orgânicos (funcionamento cerebral, fatores genéticos, dificuldades cognitivas) e nas ciências humanas, causas ligadas a fatores sociais (letramento, singularidades, fatores educacionais) cujas implicações recaem sobre dificuldades das crianças. Em um polo, há a construção de uma patologia, no outro, sua desconstrução por meio de conceitos como heterogeneidade e diferenças socioculturais. Trata-se de discussão relevante uma vez que os profissionais que trabalham nessas áreas tornam-se “cúmplices” ou “críticos” de uma dessas interpretações da realidade”. (MASSI & SANTANA, 2011, p.403)
2. Leis de proteção à criança e adolescente disléxico
Geralmente se pensa no disléxico no âmbito da educação formal, porém, a dislexia se manifesta em vários momentos da vida, inclusive no seio familiar, que também é responsável pela educação de crianças e adolescentes, como diz o artigo 205 da Constituição Federal de 1988:
“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
O ECA é uma das principais leis de proteção à criança e ao adolescente e as regras gerais presentes nele também cabem à criança adolescente. Há diversos dispositivos no ECA que garantem a proteção da criança e adolescente, mas nenhum deles trata especificamente da dislexia.
O artigo 7 do ECA garante o desenvolvimento sadio e harmonioso da criança, por meio de políticas sociais públicas, proporcionando condições dignas de existência. Muitas crianças disléxicas sofrem sem saber que suas inabilidades acadêmicas e sociais são entendidas como dislexia e não como problemas individuais, que a criança deveria superar. Não é raro crianças disléxicas depois de passar por um processo de educação formal desenvolver uma extrema timidez ou depressão, isso porque quase tudo que fazem não é valorizado e há uma cobrança extremada daquilo que não conseguem fazer ou que fazem fora do padrão pré-estabelecido.
O artigo 15 do ECA garante o direito ao respeito e à dignidade. Elas são consideradas pessoas humanas em processo de desenvolvimento e lhes é garantido os direitos civis, humanos e sociais, como um adulto. As crianças e adolescentes disléxicos quando não lhes são assegurados os direitos para que não sofram preconceitos na escola formal e também na sua vida social, podem ter a sua dignidade ameaçada.
O ECA ainda possui diversos artigos que tratam do direito das crianças e dos adolescentes, que podem ser utilizados na proteção de disléxicos, porém nenhum deles faz menção a questão em específico:
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
O artigo 53 do ECA trata especificamente do direito à educação, sendo esse artigo um dos mais utilizados para se fundamentar a proteção à criança e adolescente disléxico, que é visto quase sempre como um estudante:
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – direito de ser respeitado por seus educadores; III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores
3. Leis de proteção ao estudante disléxico
Uma das discussões mais estabelecidas sobre a dislexia é a do estudante disléxico. Isso porque a dislexia é geralmente associada ao mundo escolar formal. Há um consenso que a educação presente nos países ocidentais capitalistas é uma educação geralmente voltada para o trabalho ou para que se aprenda um saber de cultura formal, baseado muito mais na escrita do que na fala. A dislexia não costumava ser detectada, nem muito menos diagnosticada antes das escolas serem voltadas para uma grande massa da população . As escolas brasileiras, em sua grande maioria, não estão adaptadas e nem ao menos sabem receber estudantes disléxicos, sejam eles crianças ou adolescentes. Perez destaca como a escola não está preparada para as pessoas disléxicas:
“As pessoas são disléxicas e não estão disléxicas, esta é uma condição natural, pessoas nascem disléxicas ou não disléxicas, e assim permanecem por toda a vida, assim como pessoas nascem canhotas ou destras e assim o são por toda a vida. Os canhotos sofreram durante muitos anos discriminação e tentativas de "tratamento": colocar gesso na mão dominante é hoje considerado um crime, mas não era assim há alguns anos atrás. As bancas escolares eram feitas apenas para os destros, depois foram adaptadas para os canhotos também, assim é ser disléxico. O sistema escolar atual é desenvolvido para a maioria, que é não disléxica. Os disléxicos ficam à margem de um sistema educacional que os exclui e os aprisiona. Detalhando um pouco mais, é o professor quem vai conhecer ou desconhecer esses alunos e suas possibilidades, habilidades ou dificuldades”. (PEREZ, 2015, p.13-14)
Há uma discussão importante a se fazer quanto a pessoa disléxica e a educação: seria o disléxico sujeito da educação especial ou não? A educação especial está reservada a uma série de pessoas e ela se dá de acordo com a Lei nº 13.146 de 06 de Julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que diz no art. 27:
“Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem. Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação”.
A Associação Nacional de Dislexia, com sede no Rio de Janeiro, parece entender que os disléxicos deveriam ser enquadrados na legislação da educação especial. Em uma carta aberta ao MEC, a associação destaca que seria necessário explicitar a dislexia na legislação.
“AO GT DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA. A Associação Nacional de Dislexia – AND, vem parabenizar a Secretaria de Educação Especial do MEC (SEESP/MEC), pela iniciativa de atualizar o texto da Política Nacional de Educação Especial. Desejando colaborar dentro do prazo estabelecido a AND apresenta os seguintes comentários: 1. Lamentamos não ter participado dos eventos nos quais foram debatidos os importantes temas que constam do documento, embora a AND tenha promovido várias articulações com a SEESP/MEC, ao longo de 2006/07; 2. Igualmente sentimos falta de referências explícitas aos transtornos funcionais específicos, tais como: Dislexia, Disortografia, Disgrafia, Discalculia, Transtorno de Atenção e Hiperatividade dentre outros; 3. Cumpre esclarecer que tais manifestações não fazem parte dos Transtornos Globais do Desenvolvimento mencionados, mais de uma vez, no texto da nova Política; 4. O alunado com Transtornos Funcionais Específicos, descritos no DSM-IV e CID-10, ainda não está contemplado no texto da Política Nacional de Educação Especial, provavelmente porque é baixa a visibilidade do problema na medida em que pode ser confundido com outras manifestações de necessidades educacionais especiais. 5. Os altos índices de fracasso escolar, incluindo-se a evasão, provavelmente contém uma considerável população de alunos com Transtornos Funcionais Específicos, que não constam das estatísticas educacionais. Evidência desta afirmativa é que tais alunos não são mencionados no item 39 da versão preliminar do documento em análise. A Associação Nacional de Dislexia- AND vem, portanto solicitar que os Transtornos Funcionais Específicos constem claramente do texto definitivo da Política porque se manifestam em alunos, que igualmente apresentam necessidades educacionais especiais. Estes alunos podem ser atendidos em classes regulares como já vem ocorrendo com sucesso, em outros países, desde que recebam o apoio direcionado à especificidade do transtorno. A AND coloca-se, mais uma vez, à disposição da SEESP/MEC, para oferecer subsídios ao item VI- Orientações ao Sistema e se disponibiliza para qualquer tipo de ajuda que a SEESP/MEC julgar necessária." (BLOG DISLEXICOSAIBASEUSDIREITOS, 8-05-2008)
Um dos principais documentos que trata da questão é a Declaração de Salamanca de 1996- Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das necessidades educativas especiais. Nela o aluno disléxico pode ser entendido como alguém portador de necessidades especiais no âmbito da educação. O documento irá definir o que entende por pessoa com necessidades especiais e escola inclusiva, nos seguintes termos:
“No contexto desta Estrutura, o termo "necessidades educacionais especiais" refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades educacionais especiais se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem. Muitas crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e portanto possuem necessidades educacionais especiais em algum ponto durante a sua escolarização. Escolas devem buscar formas de educar tais crianças bem-sucedidamente, incluindo aquelas que possuam desvantagens severas. Existe um consenso emergente de que crianças e jovens com necessidades educacionais especiais devam ser incluídas em arranjos educacionais feitos para a maioria das crianças. Isto levou ao conceito de escola inclusiva. O desafio que confronta a escola inclusiva é no que diz respeito ao desenvolvimento de uma pedagogia centrada na criança e capaz de bem sucedidamente educar todas as crianças, incluindo aquelas que possuam desvantagens severa. O mérito de tais escolas não reside somente no fato de que elas sejam capazes de prover uma educação de alta qualidade a todas as crianças: o estabelecimento de tais escolas é um passo crucial no sentido de modificar atitudes discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras e de desenvolver uma sociedade inclusiva” (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1996)
Nas legislações federais que tratam da educação no Brasil não há referência direta ao educando com dislexia. Assim, não se sabe se esse estudante é considerado perante a legislação como uma pessoa deficiente ou se ele apenas necessita de atendimentos especiais.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)- Lei n.9394/96 estabelece a garantia a educação especial, que para alguns seria enquadrada as pessoas disléxicas. Porém, nem todos entendem que pessoas disléxicas poderiam ser enquadradas como deficientes. Os artigos 4 e 59 da LDB, asseguram o direito à uma educação especial:
“Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: III – atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)”
“Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013) I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora; V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular”.
Há vários documentos que são citados como protetivos de pessoas para a educação especial. Porém, os disléxicos somente serão atingidos por essas normas, se a dislexia for considerada uma deficiência. Nenhuma delas é específica para os disléxicos. Dentre elas destacam-se: Plano Nacional de Educação- Lei n.10172/2001, Política Nacional de Educação Especial- Portaria 555/2007, Portaria n.6/2008- MEC, Resolução do Conselho nacional de educação n.2/2001 e n.17/2001, Deliberações do Conselho Estadual de educação.
O Edital do ENEM- edital 13[2] , feito pelo INEP em 2017 permite aluno disléxico de ter mais tempo e também pode pedir ledor. Ao disléxico é oferecido um atendimento especializado. O ENEM permite dois tipos de apresentação declarações para os disléxicos: laudo do médico ou laudo de entidade. Depois de fazer o pedido, o estudante disléxico que irá prestar o Enem tem de esperar o deferimento de sua inscrição com pedido de atendimento especializado.
Apesar da normatização para a dislexia no ENEM há casos em que o recebimento e há muitos problemas na aceitação dos laudos. O jornal A Tarde noticia uma ação de um aluno contra o INEP, órgão responsável pelo Enem, devido a sua desclassificação. O candidato disléxico realizou a prova com atendimento especializado, mas sua nota no site não estava divulgada e havia uma mensagem que o candidato não atendeu os requisitos para o atendimento especializado. A mãe do candidato informa que enviou o laudo da Associação Brasileira de Dislexia (A TARDE, 18/01/2016)
O Instituto ABCD, em parceria com a FMU/FIAM/FAAM, desenvolveu um Guia para Escolas e Universidades sobre o aluno com dislexia e outros transtornos de aprendizado[3]. O documento é simples e busca dar os primeiros conceitos do que é dislexia, do diagnóstico e de ações para inclusão do estudante disléxico. A cartilha propõe uma série de ações para as avalições dos alunos disléxicos:
“a)Ledor – Profissional que, se necessário, pode ler questões de provas para o aluno; b) Transcritor – Profissional que auxilie, se necessário, a transcrever a redação e as questões discursivas; c) Maior tempo de prova – Recomendamos que os estudantes com transtornos de aprendizagem tenham, ao menos, 25% a mais de tempo para realização da prova; d) Calculadora ou Computador – Para pessoas com discalculia é importante o uso de ferramentas de calcular como apoio nas provas, pois o que deve ser valorizado é o raciocínio envolvido na solução e não as operações matemáticas.; e) Maneiras alternativas de avaliações – Prova oral, trabalhos em grupo, seminários e etc; f) Correção diferenciada – A ênfase da correção das provas dos disléxicos deve privilegiar o conteúdo e seu desenvolvimento argumentativo, sendo o quesito referente aos erros ortográficos o último a ser observado”.
Para as faculdades e universidades a Cartilha alerta que é necessário fornecer ao aluno adaptações de acordo com o Decreto n.3298/99. O documento alerta para o fato da dislexia não ser considerada uma deficiência, mas vem sendo encarada pelo ENEM- desde 2012- Exame Nacional do Ensino Médio como uma situação que permite o atendimento diferenciado para alunos com dislexia, dentre eles:
“a) Ledor – Profissional que lê em voz alta para o vestibulando; b) Transcritor – Profissional que auxilie a transcrever a redação, as questões discursivas e o gabarito; c) Maior tempo de prova – Recomendamos que os estudantes com transtornos de aprendizagem tenham, ao menos, 25% a mais de tempo para realização da prova”.
O guia ainda apresenta outras facilitações possíveis, divididas em grupos:
“1. Tempo: facilitações relacionadas ao tempo podem incluir várias flexibilizações. Exemplo: a) Permitir mais tempo nas avaliações; b) Permitir mais tempo nas atividades em classe (que envolvam a dificuldade em questão); c) Permitir mais tempo para entrega de trabalhos (que envolvam a dificuldade em questão); d) Permitir intervalos frequentes (em atividades específicas ou em avaliações); e) Permitir mais tempo no empréstimo de livros da biblioteca
2. Desenvolvimento das atividades: inclui alterações na forma como as atividades são desenvolvidas. Exemplo: a) Permitir que o aluno grave a aula em áudio ou em vídeo (para dificuldades de atenção, memória ou compreensão); b) Oferecer algum tipo de organizador da informação durante a aula (esquema impresso, por exemplo); c) Permitir uso de calculadora; d) Evitar atividades de cópia da lousa. Se necessário: dividir o quadro em partes, numerá-los, usar cores diferentes nas linhas ou parágrafos; e) Fornecer feedback constante e sempre promover a autoestima dos alunos.
3. Contexto: refere-se a modificações no ambiente do aluno. Exemplo: a) Fazer prova em uma sala a parte ou em um grupo pequeno; b) Sugerir assento preferencial; c) Diminuir estímulos distratores visuais ou auditivos; d) Incentivar uso de agendas e outros tipos de registros.
4. Respostas: flexibilizar a forma do aluno responder ao que é solicitado. Exemplo: a) Permitir respostas orais ou de outro tipo, sem que seja necessário o uso da escrita cursiva; b) Disponibilizar um ‘escriba’ para escrever as questões ditadas pelo aluno; c) Permitir gravador para gravar as respostas orais do aluno; d) Permitir uso de computador com corretor ortográfico; e) Permitir cálculos mentais ao invés de escritos; f) Oferecer espaço quadriculado, ao invés de espaço em branco, para resolução de problemas que envolvam cálculos; g) Oferecer linhas mais espaçadas; h) Evitar desencorajar diferentes formas de solução de problemas.
5. Apresentação do conteúdo: a) Apresentar o material aos alunos de uma forma diferente da tradicional; b) Incluir mudanças de forma e de organização do conteúdo. 5.1. Exemplos de mudanças de forma: a) Fornecer livros falados ou vídeos; b) Apresentar instruções oralmente; c) Apresentar o material com letras maiores; d) Diminuir o número de itens por página ou por linha; e) Usar indicadores visuais, como desenhos, esquemas, cores diferentes. 5.2. Exemplos de mudanças de organização do conteúdo: a) Apresentar novas ideias ou conceitos explicitamente; b) Fornecer sumário do novo tópico antes de iniciar a matéria (pode ser na aula anterior, para os alunos lerem em casa); c) Deixar claro quais são os objetivos e alvos de cada capítulo da matéria: informação essencial e complementar; d)Ao final, fornecer sumário das informações principais; e) Listar os fatos principais de um conteúdo e numerá-los; f) Durante as aulas e nas avaliações: evitar frases demasiadamente longas (faladas e escritas); g) Dar instruções passo a passo; h) Quebrar tarefas em partes menores; i) Incentivar revisões frequentes do conteúdo, pois dificuldades na memorização são comuns; j) Buscar ensino multissensorial e variedade dos formatos das atividades: ouvir, ver (texto, figuras, desenhos, diagramas), fazer (texto, diagrama, esquemas, cartões), conversar com colegas, realizar apresentações orais”.
4. Proteção legal ao adulto disléxico
Pouco se fala do adulto disléxico, mas ele existe e tem dificuldades semelhantes daquelas encontradas em crianças e adolescentes disléxicos. As associações que lidam com a dislexia no Brasil, geralmente se concentram nas crianças e adolescentes, e nos seus pais. Porém, é necessária uma proteção para pessoas disléxicas. A discussão se encontra no status da dislexia. Se a dislexia é considerada como doença, o adulto disléxico poderia fazer jus a uma série de direitos, se é considerada uma deficiência, seria possível enquadrar os disléxicos no Estatuto do Deficiente, etc..
Uma das dificuldades que o disléxico poderá ter na vida adulta é a de prestar concursos públicos, com provas escritas e não ter os mesmos direitos propiciados atualmente nas escolas e vestibulares, de tempo alargado ou mesmo com ledores. Esse direito de provas especiais, não está previsto em diversos concursos públicos. Porém, segundo a lei 7853/89 no artigo 8:
“Art. 8o Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) II – obstar inscrição em concurso público ou acesso de alguém a qualquer cargo ou emprego público, em razão de sua deficiência; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência); III – negar ou obstar emprego, trabalho ou promoção à pessoa em razão de sua deficiência; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)”.
Um dos projetos de lei sobre dislexia, talvez o mais amplo deles, Projeto de lei 4933/2009 do deputado Marcondes Gadelha, trata de “medidas para o emprego e social” para as pessoas disléxicas. O texto assegura no artigo 14 a igualdade de oportunidades para desenvolver a capacidade de inserção social e profissional. O texto não fala como essa igualdade deverá ser alcançada: quais políticas públicas, quais ações serão tomadas para isso, nem nos recursos para se atingir esse fim.
Garante-se no artigo 16 provas especiais para obtenção da carteira Nacional de Habilitação. Essa prova geralmente cobra a leitura de diversos sinais de transito, que podem ser trocados pelos disléxicos na leitura, mas que dificilmente são trocados na prática, uma vez que os sinais são quase auto-explicativos e mesmo uma pessoa com pouquíssima instrução para leitura poderia decodifica-los na prática de direção. A questão da dislexia seria ler e escrever essa prova. Sobre esse tema há jurisprudência negando o direito de pessoa dislexia de pedir uma prova lida:
TJRS – Direito público. Tutela antecipada. Concessão. Revogação. Carteira nacional de habilitação. Portador de dislexia. Condições de leitura. Necessidade. Auxílio de terceiro. Descabimento. Leitura de sinalização. Obrigatoriedade. Agravo de instrumento. Direito público não especificado. Detran. Habilitação. Prova teórica. Portador de dislexia. Tutela antecipada. Impossibilidade. Ausência de verossimilhança do direito alegado.
«Para o deferimento da tutela antecipada, devem estar demonstrados os requisitos previstos no art. 273 do CPC, situação inocorrente no caso concreto. O art. 140, II, da CTB exige, para a realização da prova teórica de habilitação para conduzir veículo, que o candidato demonstre saber ler e escrever, podendo entender as placas e sinais de trânsito, sendo indevida a pretensão de que o DETRAN autorize um de seus funcionários a ler a prova teórica para o portador de Dislexia. A medid(…)”.
O acórdão foi proferido pelo desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro, que ainda explica em seu voto:
‘‘Conveniente ressaltar que o trânsito é célere, e não é possível que se permita a habilitação de condutor sem a devida demonstração de que tem condições de ler sem o auxílio de terceiros; até porque, não terá sempre o auxílio necessário para a leitura, colocando em risco sua própria integridade física e, ainda, da própria coletividade, o que deve ser evitado’’.
Parece que a questão da dislexia é a de leitura e não de direção. Enquanto o projeto de lei busca assegurar esse direito, o posicionamento jurisprudencial, nega. Deve-se ressaltar que não há muitos casos sobre esse tema, tendo sido encontrado um único acórdão sobre o tema.
Além dos casos discutidos, também é interessante assegurar o direito do disléxico à acessibilidade em banco e instituições públicas. Esses órgãos geralmente pedem uma série de senhas e números de documentos para que a pessoa possa ter acesso aos serviços. Disléxicos geralmente não são muito hábeis em decorar senhas. A biometria é um dos instrumentos importante para a acessibilidade.
Nos sites seria importante a disponibilidade de ledores, como o “browsealoud”. Estes instrumentos permitem a leitura do texto para os disléxicos, tornando mais fácil o entendimento e permitindo com que as pessoas disléxicas tenham acesso mais seguro as informações. Isso também seria interessante para a assinatura de documentos. Permitir que fontes que são mais amigáveis para os disléxicos lerem, estejam disponíveis em sites, documentos, etc. Hoje em dia há duas letras que facilitam a leitura dos disléxicos e que podem ser baixadas na internet: dislexie, opendislexia. A existência de relógios adaptados para disléxicos lerem as horas também seria fundamental para que disléxicos, pudessem ler as horas em seus locais de trabalho.
No âmbito das empresas também seria interessante o treinamento para receber a pessoa trabalhadora com dislexia. A Britisch Dyslexia Association é uma das associações internacionais que faz treinamentos para empregadores. Esses treinamentos e cursos de capacitação são voltados para a área de contratação de pessoas, para os funcionários que trabalho em conjunto com pessoas disléxicas e também para pessoas disléxicas[4]. Essa preocupação existe porque há na legislação trabalhista inglesa a preocupação com a não discriminação no local de trabalho, pelo Equality act de 2010, que proíbe a discriminação nos locais de trabalho.
O acesso à Justiça e atuação dos disléxicos na Justiça também é um ponto a ser considerado. Isso porque a pessoa com dislexia pode ter dificuldade de atuar em um interrogatório, pois o stress da situação pode levar o aumento da falta de concentração ou mesmo a respostas proferidas sem que a pergunta tenha sido compreendida totalmente. Essas situações também podem ocorrer com pessoas não disléxicas, porém deveria ser assegurado um ledor ou um auxiliar que compreendesse a dislexia, para auxilio dessas pessoas. O mesmo poderia ser dito de pessoas disléxicas atuando como testemunhas. Nesse caso seria importante entender que dados poderiam ser trocados, sem que isso fosse intencional, não podendo levar a uma conclusão precipitada de falso testemunho ou mesmo de obstrução da justiça. Não se trata de afastar as pessoas disléxicas da Justiça, nem as considerar incapazes frente a um processo judicial, mas sim de buscar uma adequação e um auxílio para as pessoas disléxicas poderem ter acesso pleno à Justiça.
A British Dyslexia Association destaca em sua página a importância do acesso à justiça e apresenta um texto de uma consultora de dislexia (Melanie Jameson, Dyslexia Consultancy Malvern), dos problemas que pessoas disléxicas podem enfrentar nas cortes e como podem ser auxiliadas[5]. A autora chega a fazer em conjunto com a associação uma cartilha para que profissionais da justiça saibam lidar com pessoas disléxicas. Essa cartilha está endereçada a policiais, delegados, investigadores, promotores, magistrados, etc. (Good Practice Guide for Justice Professionals: Guidelines for supporting clientes and users of the justice system who have Dyslexia and other specific learning difficulties)
5. Leis e Projetos de lei específicos que abordam a Dislexia
O Brasil ainda não é um dos países em que as pessoas com dislexia podem ter seus direitos exercidos com facilidade. Muitas vezes é necessária uma luta imensa da pessoa, ou de seus pais/tutores para que a pessoa disléxica consiga garantir direitos essenciais, como a educação. Porém, não é somente na educação formal que a pessoa disléxica tem dificuldades. Mesmo fora das escolas formais, há dificuldades para a pessoa com dislexia em aulas de línguas, aulas de direção automotiva, utilização de sistema bancário, etc.. Nesse ponto, quase não há proteção à pessoa disléxica.
Poderia-se incluir a pessoa com dislexia na legislação sobre deficiência, porém a própria CID que define a dislexia não entende que essa seja uma deficiência. Por isso, a discussão sobre as leis sobre dislexia passa necessariamente por discutir o estatuto da dislexia na sociedade moderna brasileira. Essa definição não é algo técnico, que possa ser definida por um médico ou outro profissional da saúde, mas algo que deva ser acordado socialmente, e por enquanto não há entendimento fechado sobre o status do disléxico.
As poucas leis que foram aprovadas, foram revogadas por fruto de uma discussão e pressão social. Atualmente o disléxico não se encontra protegido e seus direitos são garantidos por leis de âmbito interno ou de pouco alcance. Para que ocorra uma proteção necessária ao disléxico é preciso que haja um reconhecimento das dificuldades da pessoa disléxica frente a um mundo que nem sempre é adaptado ou facilitador.
a) Âmbito Federal
O Brasil ainda não aprovou no âmbito federal nenhuma lei que garanta direitos especiais aos disléxicos. A lei 13.085/2015 atribui um dia destinado a dislexia, chamado: Dia Nacional de atenção à dislexia. Diz a lei:
Lei 13085/15 | Lei nº 13.085, de 8 de janeiro de 2015. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Fica instituído o Dia Nacional de Atenção à Dislexia, a ser comemorado no dia 16 de novembro de cada ano. /Parágrafo único. O Dia Nacional de Atenção à Dislexia será comemorado com eventos sociais, culturais e educativos destinados a difundir informações sobre a doença, conscientizar a sociedade e mostrar a importância do diagnóstico e tratamento precoces. /Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. /Brasília, 8 de janeiro de 2015; 194o da Independência e 127o da República. /DILMA ROUSSEFF
Essa lei apesar de não trazer uma definição do que seja dislexia, entende que ela é uma doença. A lei não define a dislexia, mas apenas fala da comemoração do dia. A parte explicativa da lei, no seu parágrafo único, porém denomina a dislexia como uma doença. Esse não é o único entendimento de dislexia possível, nem o que está de acordo com a CID.
Há muitos projetos de lei na esfera federal que visam tratar da dislexia. Grande parte deles não foi sequer votado.
O projeto de lei 3040/2008[6] trata somente da dislexia, sem falar de outros ditos “transtornos do aprendizado”. Esse projeto foi utilizado como base para algumas leis estaduais que trataram sobre o tema da dislexia, e que hoje se encontram prejudicadas por uma ação direta de inconstitucionalidade. Esse projeto visava o diagnóstico e tratamento de crianças que tivessem dislexia, já na primeira série do Ensino Fundamental no âmbito da Educação Pública e posteriormente na rede particular. Os educadores seriam os agentes que iriam fazer o primeiro apontamento e encaminhamento das crianças para as comissões multidisciplinares.
Este projeto como os outros que procuram fazer o diagnóstico da dislexia, precisam de professores muito treinados para tal tarefa e supõe-se que um mero programa de capacitação não dê conta de propiciar ao professor exercer essa tarefa. Depois, seria bem difícil o professor realizar mais essa tarefa de identificar alunos com problemas no aprendizado, uma vez que se encontram sobrecarregados em tarefas e possuem um número grande de alunos por sala. Detectar um problema no aprendizado logo nas primeiras séries do Ensino Fundamental não é tarefa fácil, isso porque se a dislexia existir ela ainda pode ser confundida com um aprendizado mais lento, com a dificuldade de adaptação da criança à escola, ou mesmo com tantos outros problemas, doenças e questões psicológicas e sociais. O prazo para a implantação do projeto também é bem curto, o que tornaria a capacitação complicada e o estabelecimento das diversas equipes multidisciplinares quase que impossível de ser implantada.
O Projeto de lei 5700/2009[7] não trata literalmente da dislexia, mas de transtornos de aprendizagem em geral. O projeto diz que os transtornos na leitura, que é geralmente caracterizado como dislexia. Ele busca a alteração da Lei de Diretrizes de Bases, para a inserção de uma previsão para avaliação e acompanhamento de transtornos de aprendizagem.
O Projeto de lei 4933/2009[8] proposto por Marcondes Gadelha é um dos mais completos, pois trata de vários aspectos da dislexia e propõe uma gama maior de proteções, que não se restringe ao âmbito escolar. O texto da lei irá definir a dislexia como um distúrbio/transtorno, porém o texto chega a falar em reabilitação do disléxico. A lei visa atingir crianças em idade de alfabetização. Esse projeto parece trazer uma grande vantagem quando somente fala da dislexia e não incorpora outros problemas de aprendizagem, como o T.D.A.H. Isso porque esses dois fenômenos são bem diferentes e as respostas sociais para eles, para serrem mais específicas também devem ser diferentes. Este projeto é o único que cuida dos adultos disléxicos, apontando medidas para o mercado de trabalho e provas de direção. Também há garantia para os pais de pessoas disléxicas, para que eles possam ficar mais com seus filhos e possibilitar um aprendizado com mais atenção.
Este projeto coloca foco na escola e na família como instituições importantes para garantir os direitos das pessoas disléxicas. É a escola que irá fazer os primeiros diagnósticos, fornecer condições de igualdade e incentivar o aprendizado da pessoa disléxica. Entende-se que os professores das escolas deveriam receber capacitação para essa tarefa e que toda a escola estivesse empenhada em promover a igualdade, ou seja, que fosse uma política escolar e não somente um ato isolado de um professor.
É um dos projetos de mais difícil implementação, pois impacta em diversas áreas e necessitaria de várias portarias para regulamentar como essas atividades ocorreriam na prática, a que órgãos do Estado ficariam as responsabilidades de promover essa igualdade, etc. Devido a essa complexidade, outras leis sobre dislexia não retomaram esse projeto e preferiram rediscutir um novo projeto, que somente se restringia a educação da criança e de maneira muito mais limitada.
O Projeto de lei 7081/2010[9] aborda a dislexia e o TDHA conjuntamente. Esse projeto é uma cópia dos projetos de lei do âmbito estadual, anteriores a ele. É um projeto que propõe o tratamento da dislexia e pouco preciso na hora de determinar como esses direitos serão efetivados pela pessoa disléxica. Esse problema poderia ser sanado por meio de portarias, porém o projeto atualmente se encontra prejudicado, uma vez que a lei estadual, com mesmo conteúdo foi considerada inconstitucional pelo S.T.F. A análise mais detalhada desse conteúdo está abaixo, nas leis de âmbito estadual.
O projeto Lei 8113/2014[10] busca proporcionar igualdade para as pessoas disléxicas em concursos e provas. Esse projeto vem suprir uma dificuldade na definição da dislexia, pois esta não é geralmente classificada como uma doença e sim um transtorno ou síndrome, logo para muitos, não seria aplicável a lei para pessoas deficientes, no caso de concursos. O projeto de lei entende que o candidato deverá apresentar um laudo para provar a dislexia, porém ao ser classificado no concurso, cabe a instituição fazer um exame com uma equipe multidisciplinar para verificação. Esse projeto prevê que a regulamentação de como ocorrerá essa garantia aos disléxicos virá a posteriori.
O quadro que segue sintetiza os projetos de lei sobre a questão da dislexia:
B) Âmbito Estadual
A legislação Estadual também não é muito mais protetiva do que a legislação federal, quase inexistente. Isso porque as muitas leis que foram criadas que tratavam da dislexia foram tidas como inconstitucionais. Essas leis geralmente tratavam de duas questões: da dislexia e do TDAH. Muitas entidades se posicionaram contra as leis e elas acabaram sendo deixadas de lado. Essas leis apresentam quase que a mesma redação e foram editadas como uma cópia em vários Estados. Assim, as discussões e problemas que essas leis apresentam são praticamente os mesmos.
A Lei estadual de São Paulo n.12.524/2007[11] foi objeto da ADIN TJ-SP n° 160.996 de 05/03/2008, em que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou procedente a ADI n. 160/996-0/2-00 e declarou inconstitucional a lei.
Esta lei entende que a dislexia é um distúrbio, conforme seu artigo primeiro. Buscava-se o estabelecimento de uma rede de diagnósticos, que começaria na educação, sendo depois encaminhada para um diagnóstico na rede de saúde. Haveria uma obrigatoriedade do programa seria para na rede estadual de educação. A ideia era obter um diagnóstico precoce da dislexia, com detecção na primeira série do ensino Fundamental. Os professores receberiam capacitação para diagnosticar a dislexia e outros distúrbios
Lei semelhante foi aprovada também em Brasília- Lei n.4095/2008[12]. Nessa lei não há a definição da dislexia. O diagnóstico também seria na lei feito logos nos primeiros anos escolares. Buscava-se garantir ao estudante com dislexia condições para um ensino adaptado, com materiais específicos. Esse diagnóstico, tratamento e apoio seriam oferecidos preferencialmente na rede pública de ensino, por equipes psicopedagógicas. Está prevista a cooperação com universidades e associações.
Além dessas legislações que foram aprovadas, mas não se encontram em vigor, há projetos de lei, também prejudicados, em vários estados. Esses projetos acabam não conseguindo a aprovação para lei, quando a lei de São Paulo é considerada inconstitucional pelo STF.
O Ceará é um dos Estados que copia na integra a lei paulista, para implantar o Programa Estadual para identificação e tratamento da Dislexia. Esse programa estava previsto no projeto n.131/2007[13].
O projeto de lei n.455 de 2007[14] do Estado do Rio de janeiro cita nominalmente na justificativa a utilização da lei paulistana como base, como pode ser visto no site da Assembleia do Rio de Janeiro (http://www2.alerj.rj.gov.br/lotus_notes/default.asp?id=59&url=L3NjcHJvMDcxMS5uc2YvZjRiNDZiM2NkYmJhOTkwMDgzMjU2Y2M5MDA3NDZjZjYvYzg3MmQ2ZjMwOTJhZjMwZDgzMjU3MmRlMDA1M2EwY2M/T3BlbkRvY3VtZW50). Esse projeto de lei não define a dislexia, mas fala em prevenção e tratamento dos estudantes com dislexia. O projeto tem como novidade propor uma atuação conjunta de uma rede de profissionais de três áreas: Psicologia, Psicopedagogia e Fonodiologia.
O Conselho Federal de Psicologia se posicionou contra os projetos de lei que versavam sobre a dislexia. O projeto de lei abordado é o que foi o que virou lei e esta foi considerada inconstitucional. (Lei estadual de São Paulo n.12.524/2007). Esse texto de lei é um dos mais repetidos nos projetos de lei e trata conjuntamente de dislexia e TDAH. Há pessoas que são diagnosticadas com TDAH e dislexia, mas há pessoas que não estão presentes os dois. Para os casos de TDAH o que se tem feito é medicalizar, ou seja, entender que a falta de atenção é um problema da pessoa e que ela será tratada por medicamentos prescritos por um médico. Outas instituições também contestam a falta de critério para a definição do que é o TDAH e o seu tratamento por fármacos. Em uma de suas cartilhas contra a medicalização da vida e da educação, o Conselho Federal de Psicologia afirma:
“Constatamos, também, uma forte presença de projetos de Lei tramitando em várias casas Legislativas, em âmbito federal, estadual e municipal que visam inserir no campo da educação, nas Secretarias de Educação ou para toda a rede pública, a criação de Serviços, Convênios, Programas de diagnóstico e tratamento de supostos transtornos, com destaque para a dislexia e para o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Desta forma, as políticas públicas de Educação, ao invés de reforçarem formas de investir na melhoria da qualidade da escola, estariam criando instâncias de diagnóstico e de avaliação de crianças e adolescentes que apresentam dificuldades no processo de escolarização e que acabam de se inserir no processo de alfabetização. Um levantamento feito até 2011 constatou que tramitam 18 proposições, no período de 2003 a 2011, na Câmara Federal, no Senado Federal, na Câmara Municipal de São Paulo e na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo, oriundos de diferentes legendas partidárias − PMDB, PTB, PT, DEM, PSB, PSDB, PRONA, PL, PR. Na esfera federal, encontramos proposituras oriundas dos seguintes estados: Amazonas, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Tais projetos se distribuem em quatro grupos de proposituras: a) os que propõem a inserção de programas de diagnóstico e tratamento de dislexia e /ou TDAH; b) os que propõem a criação de programas de apoio aos portadores desses supostos transtornos; c) projeto que ressalta a importância da dislexia criando o Dia Nacional da Dislexia e definindo o suposto transtorno por lei; d) a implantação de formas de avaliação do suposto transtorno para fins de carteira de habilitação para motoristas”. (CONSELHO FEDERAL DE PISICOLOGIA, 2013, p.8)
O Conselho Federal de Psicologia buscou realizar uma série de discussões para o projeto de lei, como aponta na sua cartilha:
Assim sendo, consideramos fundamental estabelecer instâncias de discussão, problematização e enfrentamento dessa situação. Para tanto, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, juntamente com o Sindicato de Psicólogos do Estado de São Paulo, o Grupo Interinstitucional Queixa Escolar e o Gabinete do Vereador Eliseu Gabriel, realizamos em 21/09/2009 um primeiro evento na Câmara Municipal de São Paulo intitulado “Dislexia: subsídios para políticas públicas”, os vídeos podem ser acessados pelo endereço eletrônico http://www.crpsp.org.br/medicalizacao/videos.aspx#2. (…) E foi assim que realizamos, de 11 a 13 de novembro de 2010, o I Seminário Internacional “A Educação Medicalizada: dislexia, TDAH e outros supostos transtornos”, na cidade de São Paulo, com aproximadamente 1.500 participantes, cujo registro das atividades encontra-se no endereço http://www.crpsp. org.br/medicalizacao/eventos.aspx e a instalação do Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade cujo manifesto encontra-se no endereço http://www.crpsp.org.br/medicalizacao/manifesto.aspx (CONSELHO FEDERAL DE PISICOLOGIA, 2013, p.13)
Esse Conselho ainda aponta para a mistura de esferas que está descrita nos projetos de lei. Esfera da saúde e da educação:
“Sabedores que somos de que tais supostos transtornos são passíveis do uso de medicação, tais projetos reforçam a necessidade de realização de diagnósticos e inserção da medicação no plano educacional de maneira institucional, por meio das redes de ensino. Tais projetos de lei, ao implantarem pretensos centros de tratamento e diagnóstico de distúrbio de aprendizagem e de comportamento, desconsideram os avanços presentes na sociedade brasileira em relação ao Sistema Único de Saúde, pois inserem no campo da educação ações que são prerrogativas da área da saúde ou de políticas intersetoriais.” (CONSELHO FEDERAL DE PISICOLOGIA, 2013, p.03)
O Conselho Federal de Psicologia ainda apresenta uma nota em sua página esclarecendo a posição frente ao projeto de lei :
“(…)Os argumentos do CFP não contestam a existência da dislexia e do TDAH. A instituição defende, em conformidade com as diretrizes do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, do qual o CFP é signatário, que o projeto de lei em debate está em desacordo com três princípios basilares para que se garanta uma política pública educacional de qualidade: reconhecimento e valorização do SUS; compreensão da produção social dos problemas escolares; e objetivos da intervenção psicológica no campo educacional./ Em parecer contrário ao PL, o CFP destaca que o crescimento vertiginoso do consumo de medicamentos receitados para esses transtornos, e consequente incremento da indústria farmacêutica, a aprendizagem e, em geral, os modos de ser e agir de cada indivíduo são tratados a partir de um discurso cuja tônica é a medicalização, sendo esta entendida como um processo artificializante e reducionista, em que “problemas de diferentes ordens são apresentados como doenças, transtornos e distúrbios”./ Segundo o Manifesto lançado pelo Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, a lógica medicalizante deixa claro que “uma vez classificadas como doentes, as pessoas tornam-se pacientes e consequentemente consumidoras de tratamentos, terapias e medicamentos, que transformam o seu próprio corpo no alvo dos problemas que deverão ser sanados individualmente”, desconsiderando as dimensões sócio-politicas envolvidas no tema./ Para o CFP, a aprovação do PL não contribuirá para a melhoria do atendimento educacional, nem para a maior inclusão dos alunos que porventura apresentem indícios de distúrbios e/ou transtornos, principalmente por estar investido de uma lógica medicalizante, embasada em concepções organicistas defasadas, que desconsideram a própria realidade escolar./ O CFP considera que o projeto não está orientado conforme as diretrizes das políticas públicas atuais, as quais visam defender princípios caros à Psicologia e à luta pelos direitos sociais no Brasil, definidos a partir da Constituição de 1988, principalmente o “direito universal à Educação de qualidade, pública, laica, gratuita e socialmente referenciada para todos e todas” e o “reconhecimento e promoção da Diversidade Humana como princípio da Educação”. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA-NOTÍCIAS, 5-5-2014)
Como a lei fala de TDAH e dislexia conjuntamente, ao barrar a proposta para o TDAH, também barra-se os direitos dos disléxicos, que não necessariamente querem ou precisam ser medicalizados.
Um dos últimos projetos de lei a ser aprovados foi o do Estado de Goiás, que trata da proteção aos disléxicos em concursos públicos e vestibulares. A lei 19.193[15] de 2017 visa dissipar a dúvida sobre a categoria de proteção aos disléxicos, que não se enquadrariam aos deficientes, mas mereceriam uma proteção especial. Assim, não é possível se pedir cotas, mas é aceito que se tenha mais tempo para resolução e avaliação por pessoas especializadas, que entendam da dislexia para corrigir as provas. A lei ainda prevê a possiblidade de solicitar um ledor e um transcritor.
6. A questão do diagnóstico e do laudo clínico
Vários dos projetos de lei existentes falam da necessidade de se ter o diagnóstico para dislexia. Atualmente esse diagnóstico somente é feito em algumas associações de dislexia e os preços limitam o acesso. A análise de diversos profissionais do âmbito da educação e da saúde e um diagnóstico que é por exclusão, tornam o diagnóstico demorado, caro e de certa forma impreciso. Quando feito logo cedo nas crianças, ainda é preciso maior cuidado, pois é possível se diagnosticar errado a dislexia.
Porém, sem o laudo de dislexia uma criança ou adolescente dificilmente poderá gozar dos poucos direitos a elas assegurados, como uma educação com programas e avaliações especiais. No vestibular de várias faculdades é possível obter alguma melhoria para fazer a prova, mas isso somente é possível com um laudo. Algumas faculdades somente aceitam o laudo de algumas associações de dislexia.
O diagnóstico para dislexia é feito de maneira excludente para outros distúrbios e doenças. Esse diagnóstico não leva a um “tratamento”, uma vez que a dislexia não está sendo entendida como doença. Assim, busca-se alguma melhoria na qualidade da leitura e na qualidade de vida dos disléxicos. Desse modo, o diagnóstico tem um efeito muito mais de assegurar direitos.
Ao mesmo tempo o diagnóstico pode levar a uma estigmatização das crianças e adolescentes nas escolas. Receber o diagnóstico é receber também um carimbo, que torna as pessoas diferentes das outras. Como a dislexia ainda é muito pouco conhecida e há muito tabu e informações errôneas a respeito dela, muitas crianças e adolescentes podem ficar marcados com uma espécie de “estrela da dislexia”. Sem o devido cuidado de professores, funcionários das escolas, diretores, etc. , ser disléxico com um laudo pode trazer mais prejuízos e estigmas do que direitos.
Muitas vezes o próprio diagnóstico pode gerar depressão na pessoa e na família. Passar por tantos profissionais para ser avaliada, a pessoa disléxica, acaba virando o centro de uma padronização e normatização, que é própria de tantos outros diagnósticos na área da saúde. Somente esse processo já pode ser invasor o bastante, especialmente se a pessoa é uma criança ou adolescente. Esse processo de adoecimento frente à medicalização, se chama de iatrogênese, como explica Ingrid Radd:
“Os efeitos causados pela medicalização e pelos seus agentes patogênicos- procedimentos médicos, terapeuticos, medicamentes, serviços clínicos e hospitalares- provocam uma doença epidêmica: a iatrogênese. Essa doença, quando não leva à morte, faz com que a pessoa perca o controle de seu destino, abidicando, consequentemente, de sua autonomia. Nesse processo, ela desenvolve uma dependência psicológica e um comportamento passivo” ( RADD, 2007, p,2)
O laudo também pode levar a um sentimento de pertencimento a um grupo de pessoas, que se denomina de disléxicas. Esse pertencimento nem sempre ocorre, pois, poucas pessoas se assumem disléxicas, mesmo se reconhecendo como tal ou tendo o diagnóstico. O estigma de “ter um problema” na escrita é tão grande em uma sociedade cada vez mais letrada, que poucos ousam se dizer disléxicos e buscam uma “passabilidade”, ou seja, tentam agir como se não fossem. Não se trata de fraqueza das pessoas, mas sim de um estigma social tão forte, que pode levar a perda de empregos, cargos e uma perda de status social. O sentimento de identidade fica mais difícil de ser construído, quando as pessoas sequer podem assumir serem disléxicas.
Não há lei que determine o diagnóstico da pessoa com dislexia. A única lei sobre o tema, não trata do diagnóstico e ainda é considerada inconstitucional. Há alguns projetos de lei buscavam fazer o diagnóstico no sistema de saúde.
O diagnóstico realizado geralmente nas associações e institutos de dislexia é muito caro. Ele é feito por vários profissionais: psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos e outros profissionais especializados. Como o diagnóstico da dislexia é excludente, é necessário que se excluam diversas doenças e diversos outros distúrbios do aprendizado, que podem se confundir com a dislexia. Porém, isso faz com que os laudos sejam caros de se obter.
Esses exames e análises por profissionais acabam resultando em um laudo, que pode ser utilizado para escolas e vestibulares. Há vestibulares que chegam a indicar que o laudo a ser entregue somente poderá ser de uma determinada instituição. Há instituições que requerem um laudo de avaliação multidisciplinar, como é encontrado no manual do candidato da FGV-Direito:
“Para comprovar sua necessidade especial, o candidato deverá enviar para o e-mail @@@@@@@@ um laudo médico, até 17/10/2016. Candidatos com Dislexia ou TDAH deverão entregar laudo contendo o diagnóstico de uma equipe multidisciplinar (Psicólogo (a), Fonoaudiólogo (a) e Psicopedagogo (a), Clínico(a), ou outros profissionais de saúde aptos a tal diagnóstico, mantendo-se, todavia, a multidisciplinaridade). O candidato deverá apresentar laudo médico contendo informações exatas e fidedignas, sob pena de responder contra a fé pública e de ser eliminado do Processo Seletivo”.
Outras Faculdades fazem a exigência do laudo ser atualizado, ou seja, que tenham sido emitidos a menos de um ano, como pode-se ver nas regras para edital de vestibular para a ESPM-2018, no site da instituição:
“Obs.: As pessoas portadoras de qualquer tipo de limitação ou necessidade especial participarão do vestibular em condições especiais, de acordo com a sua necessidade. Para tanto, será necessário que o candidato nos informe por e-mail, anexando a ele o laudo médico atualizado, com antecedência mínima de 20 dias da realização do exame. Para candidatos que tenham dislexia ou outras dificuldades, devem ser apresentados laudos, no máximo, com 1 (um) ano da data de sua expedição. O endereço é: @@@@@”
As exigências são variadas nos mais diversos vestibulares e não há uma diretriz geral. Isso muito porque a lei que fala de atender as necessidades especiais de cada candidato não faz a diferenciação para dislexia, permitindo que cada faculdade ou universidade estabeleça suas regras. A PUC-SP no manual do vestibular de verão de 2017 apresenta as recomendações para a pessoa disléxica pedir condições especiais:
“O candidato com necessidade especial ou outra condição que exija recursos específicos para realizar a prova deverá informar no campo específico do Formulário de Inscrição. O candidato deverá anexar ao Formulário: I) Cópia eletrônica de um relatório detalhado, em separado, contendo datas, desenvolvimento e evolução do quadro que precisará ser: a) emitido por um especialista na área ou por uma equipe multidisciplinar, assim discriminados: 1) No caso de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH, por uma equipe formada por um psicólogo ou pedagogo com especialização em psicopedagogia e um médico psiquiatra ou neurologista. 2) No caso de Dislexia, por uma equipe formada por neurologista, psicólogo, fonoaudiólogo e pedagogo. b) emitido em papel timbrado, há menos de 01 (um) ano; c) apresentado com a descrição da deficiência e o Código Internacional de Doenças (CID) ou Classificação Internacional de Funcionalidades (CIF), referente à deficiência ou à condição específica; d) apresentado com a indicação das condições especiais necessárias para a realização da prova devidamente fundamentada pelos profissionais”
Existe jurisprudência que trata da questão do diagnóstico. O magistrado entende nesse caso que o diagnóstico pode ser realizado no Sistema de Saúde Pública. Essa decisão permite que a menor possa fazer gratuitamente na rede pública, sem que se seja necessário pagar médicos e profissionais da rede particular para poder obter o laudo, como pode-se ver no acórdão:
“TJ-SP – Apelação : APL 00031138720128260374 SP 0003113-87.2012.8.26.0374 DIREITO À SAÚDE Menor com suspeita de dislexia e deficiência intelectual leve Pedido de realização de avaliação neuropsicológica Possibilidade Exame solicitado por médico da rede pública de saúde Observância do art. 196 da CF/88, da Lei nº 8.080/90 e do ECA Obrigação dos entes públicos Necessidade econômica Falta de interesse processual superveniente afastada Avaliação realizada por força de ordem judicial Ação procedente Recurso provido”.
Mesmo a forma do laudo parece não ser uma coisa conhecida pelos profissionais que podem fazer o diagnóstico. Algumas associações e sites que tratam de dislexia trazem modelos de laudos para que os profissionais possam saber qual forma tomar, quais indicações e argumentações utilizar. Há um laudo que geralmente é utilizado para as escolas (exemplo de laudo 1[16]) e outro para o ENEM (exemplo de laudo 2[17] ).
Nos EUA as regulações legais costumam falar em auto-declaração da pessoa como disléxica. Nesse país há um volume grande de legislação positivada sobre dislexia, porém elas variam de estado para estado da federação[18]. O diagnóstico é feito por profissionais especializados e há uma preocupação com a questão da inclusão na educação. A exigências de laudos no Brasil, passa por uma questão diferente, uma vez que os laudos são arcados por particulares e o Estado não assume os gastos com esses diagnósticos. A auto-declaração aqui não é aceita, salvo raríssimas exceções.
Caroline Ramos aponta para um lado perverso do laudo, que é a absorção do diferente, sem que ele seja incluido verdadeiramente no processo educacional.
“(…) fui me indagando sobre a presença do laudo e o que este produz na escolarização desses sujeitos. Parece‐me que a presença deste documento que descreva as anormalidades do sujeito, talvez tenha se constituído como uma das estratégias para se escolarizar os sujeitos que adentram os muros da escola sob o imperativo da inclusão. É preciso conhecer este sujeito, a partir de seus supostos desvios, assim tornando‐os conhecidos, se produz alguém menos estranho, mais capturável, mais governável. Partindo de uma necessidade de se conhecer os sujeitos incluídos, em articulação com um campo epistemologicamente distinto, como o campo da medicina e o campo de saberes da psi, percebo esta articulação como uma das práticas postas em funcionamento pela escola para melhor intervir, assim inventando possibilidades de normalizar e governar os ditos incluídos”. (RAMOS, 2014, p.8)
Os projetos de lei que trazem em seu corpo a necessidade de positivação e efetivação de um laudo para as pessoas dislexias, apenas tratam da primeira etapa de uma política pública para inclusão das pessoas disléxicas nas escolas, no emprego e em todas as esferas da vida. O laudo e o diagnóstico são elementos importantes, mas não se pode entender que somente com eles é possibilitada uma vida melhor aos disléxicos.
Considerações Finais
O Brasil não tem uma legislação eficiente o suficiente para proteger as pessoas disléxicas, sejam elas crianças ou adultos, em situação educacional ou professional. A dislexia não é totalmente conhecida, nem por especialistas da saúde e da educação, sendo difícil sua caracterização nos meios legais e judiciais. É muito recente a existência dos diagnósticos de dislexia, que ainda hoje no Brasil são feitos por exclusão. Nesse sentido alguns países, como a Inglaterra e EUA estão mais avançados na legislação e na proteção efetiva dos disléxicos.
Porém, há uma profusão de projetos de lei sobre o tema no Brasil, que infelizmente não foram transformados em legislação. Esses projetos seriam um grande avanço para os dislexicos, pois possibilitaria que muitos direitos não precisassem serem requeridos ao judiciário em pedidos individuais.
A proteção da pessoa disléxica deve ir além da legislação, mas sem esta é muito dificil o estabelecimento de políticas públicas para conter a discriminação e possibilitar um estudo mais inclusive. Essas políticas tem de entender a pessoa disléxica como portadora de direitos, ou seja, um novo sujeito de direitos, independende de sua idade. Assim, ainda há um grande caminho a percorrer para que se comece a olhar para o sujeito e não propriamente para a dislexia.
Informações Sobre o Autor
Gisele Mascarelli Salgado
Pós Doutora em Direito pela FD-USP Doutora e Mestre em Direito pela PUC-SP bacharel em História Direito e Filosofia
http://lattes.cnpq.br/7694043009061056