A reincidência de presos por delitos contra o patrimônio em relação ao sistema prisional: uma análise com base na Criminologia, Psicologia da Gestalt e Maslow

Resumo: Considerando que, no Brasil, há uma alta taxa de reincidência de presos por crimes contra o patrimônio, o presente trabalho teve como objetivo geral identificar fatores relacionados com o sistema penitenciário brasileiro que contribuem com a reincidência dos autores de delitos contra o patrimônio. Para tal, foram consideradas as sensações dos presos, com base na teoria da Pirâmide das Necessidades de Maslow, Psicologia da Gestalt e de outros pesquisadores da Criminologia, a respeito de dois presídios de Mato Grosso do Sul, sendo um de péssima reputação no estado e outro considerado um exemplo. Importa dizer que a investigação teve uma perspectiva qualitativa, do tipo correlacional, e foi encontrada uma relação entre a forma como os prisioneiros são tratados pelo sistema penitenciário e as condições gerais do cárcere, com a taxa de reincidência nos delitos contra o patrimônio.

Palavras-chave: Reincidência. Sistema Prisional. Maslow. Gestalt. Criminologia.

Resumen: Considerando que en Brasil hay una alta tasa de reincidencia de presos por crímenes contra el patrimonio, el presente trabajo tuvo como objetivo general identificar factores relacionados al sistema penitenciario brasileño que contribuyen con la reincidencia de los autores de delitos contra el patrimonio. Para ello, se consideraron las sensaciones de los presos, con base en la teoría de la Pirámide de las Necesidades de Maslow, Psicología de la Gestalt y de otros investigadores de Criminología, en respeto de dos cárceles de Mato Grosso del Sur, siendo uno de pésima reputación en el estado y otro considerado un ejemplo. s importante señalar que la investigación tuvo una perspectiva cualitativa, del tipo correlacional, y se encontró una relación entre la forma con que los prisioneros son tratados por el sistema penitenciario y las condiciones generales de la cárcel, con la tasa de reincidencia en delitos contra el patrimonio.

Palabras-clave: Reincidencia. Sistema Prisional. Maslow. Gestalt. Criminología.

Sumário:  Introdução. 1 Considerações iniciais. 1.1 Aspectos metodológicos. 1.2 Dados sobre reincidência nos presídios investigados. 1.3 Justificativa para a escolha bibliográfica. 2 Necessidades dos reclusos: base para a motivação. 2.1 Abraham Maslow e a Hierarquia das Necessidades. 2.2 Figura-Fundo e a Psicologia da Gestalt. 3 Importantes necessidades dos encarcerados. 3.1 Hierarquia das Necessidades de Maslow, Figura-Fundo da Gestalt, em relação às necessidades dos presos, nos estabelecimentos investigados. 3.1.1 Necessidades fisiológicas. 3.1.2 Necessidades de segurança. 3.1.3 Necessidades afetivo-sociais (amor e pertinência). 3.1.4 Necessidades de estima. 3.1.5 Necessidades de autoatualização. Conclusão.

Introdução

De modo geral, o sistema penitenciário, segundo investigadores, como Guimarães (2016), Sá (2007) e também Fernandes e Fernandes (2010), deve considerar duas premissas básicas da pena: caráter retributivo (castigo) e preventivo (reinserção social/reabilitação), na busca pela diminuição do crime. No entanto, estes dois aspectos podem chegar a ser imprecisos, e, quando não bem elaborados pelo sistema penitenciário, pode ocorrer de não alcançarem certa eficácia, favorecendo a reincidência.

Sá (2007) assinala que, enquanto cumprem a privação da liberdade, os presos por delitos contra o patrimônio são submetidos a um encarceramento em estabelecimentos com inadequada estrutura, e métodos de trabalho frequentemente genéricos, que não levam em conta as circunstâncias pessoais do recluso, que se encontra isolado de sua família e da sociedade, com a obrigação de conviver com outros delinquentes dos mais variados crimes.

Um ponto relevante é que, se o estabelecimento penitenciário não se apresenta de forma adequada, nem se preocupa em individualizar o tratamento, é provável que fracasse no objetivo ressocializador; isso porque tem uma pequena ou quase nula possibilidade de opções de tratamento para múltiplos tipos de necessidades individuais dos encarcerados. (SÁ, 2007).

É importante dizer que, além do Brasil como um todo, o estado de Mato Grosso do Sul, em particular, tem apresentado uma alta taxa de reincidência por parte dos presos por delito contra o patrimônio. Também existem presídios considerados bons e maus, a respeito de sua estrutura básica e sua metodologia. (GUIMARÃES, 2016).

Assim, a presente investigação, consequência de um trabalho final do autor em seu mestrado em Ciências Criminológico-Forenses, pretende responder à questão básica se há uma relação relevante entre o fenômeno da reincidência dos presos por delitos contra o patrimônio e o sistema penitenciário.

Importante dizer que a motivação para a pesquisa é que, segundo estudiosos do tema, como Guimarães (2016), a penalidade tem, entre seus principais objetivos, que o criminoso reduza a probabilidade de reincidir no crime. No entanto, cumpre aclarar que, acerca dos delitos contra o patrimônio, se percebe, através de investigações, que a reincidência no Brasil é considerada alta, apesar de a maioria dos criminosos cumprirem suas penas em um cárcere.

Assim, ainda que as variáveis que podem fazer com que um homem cometa um crime contra o patrimônio sejam multifatoriais (questões econômicas e sociais, por exemplo), é obrigação do Sistema Penitenciário, ao receber um recluso, analisar suas circunstâncias pessoais, sua periculosidade, administrar seu alojamento, as atividades do programa, supervisionar seu trabalho, com o fim de evitar que, ao sair da prisão, se produza a reincidência. (SÁ, 2007).

Sá (2007) afirma, ainda, que são falhas graves no Brasil:

“A prisão sem a mínima infraestrutura necessária, material e humana, para cumprir a pena; falta de recursos humanos e materiais para o avanço dos regimes progressistas das condições de encarceramento como estipulado no texto legal; superlotação, com todas as suas muitas consequências; violação da lei etc. Poderia dizer também outros, como a falta de pessoal administrativo, de segurança e disciplina, e pessoal técnico capacitado e qualificado para a função; pouco pessoal realmente dedicado.” (p.113).

Há que pensar que, se existe uma alta taxa de reincidência, obviamente, a prisão brasileira, incluindo Mato Grosso do Sul, não está alcançando seu objetivo. Como apresenta Sá (2007), é necessário, então, estudar as possíveis falhas, que podem estar favorecendo a ocorrência das reincidências, a fim de evitá-las.

Considerando isso, dizer hoje que a pena de prisão e o cárcere, por si mesmos, não recuperam ninguém é dizer algo que já é um consenso geral. O discurso de que a prisão, em lugar de promover a recuperação, promove a degradação, não é exclusivo da Criminologia Crítica. Com base em Sá (2007), devemos dizer que o principal objetivo desta investigação não é viver este assunto. Mesmo porque continuar simplesmente dizendo que “a pena de prisão está falida”, que “o sistema penitenciário está falido”, que “a ressocialização é um mito”, não traz nenhum proveito para o sistema penitenciário, e muito menos para os presos que estão ali purgando suas penas.

Desse modo, essa pesquisa buscou dar voz aos presos, e tentar entender por que eles não alcançam o objetivo ressocializador. Foi feita uma análise correlacional entre as variáveis, o que é de muita importância, sendo que esse estudo poderá servir de base para outros, com o fim de lograr grandes avanços na Criminologia teórica como também na aplicação prática de sua teoria.

1 Considerações iniciais

Importa deixar registrado como ocorreu a pesquisa, tanto no que tange aos aspectos metodológicos quanto da motivação para a escolha da unidade de análise e do aporte bibliográfico. A seguir, tais pontos serão esclarecidos.

1.1 Aspectos metodológicos

A presente pesquisa, que fez parte do trabalho de conclusão de curso do autor no Mestrado em Ciências Criminológico-Forenses, buscou uma realizar um análise correlacional, qualitativa, acerca do sistema penitenciário e do fenômeno da reincidência, e segundo Sampieri et al (2004), uma investigação é correlacional quando medem duas ou mais variáveis que se pretende ver se estão ou não relacionadas nos mesmos sujeitos e depois se analisa a correlação.

Com base em tal suporte bibliográfico, importa dizer que a unidade de análise da investigação foram os presos, por delitos contra o patrimônio em dois presídios de Mato Grosso do Sul-Brasil, que saíram em liberdade no ano de 2013.

Tendo sido uma pesquisa bibliográfico-conceitual e de campo, cumpre dizer que foram selecionados dois presídios brasileiros, em Mato Grosso do Sul (MS), que por uma questão ética e para que não seja confundido com críticas políticas contra os seus dirigentes, ambos receberão nomes fictícios, sendo o primeiro chamado de Presídio A (P.A.), e o segundo chamado de Presídio B (P.B.), durante todo o trabalho. O importante é destacar que foram escolhidos pelo fato de que o P.A. era, no momento, considerado o pior presídio do estado, de acordo com profissionais do setor, enquanto que o P.B. era considerado o melhor presídio.

A respeito dos dois, importa dizer que ambos atendem presos de todo tipo, mas o P.A. recebe, ainda, presos muito perigosos, com a presença do crime organizado, o que, como se verá, teve uma importância nos resultados da pesquisa.

Foram feitas revisões de documentos, por meio dos registros nos estabelecimentos, acerca dos presos que saíram em liberdade no ano de 2013. Também foram feitas buscas no banco de dados do Judiciário, para ver se os presos por delitos contra o patrimônio, que saíram do cárcere em 2013, voltaram a cometer outros crimes.

A reincidência foi monitorada de janeiro de 2013 até outubro de 2016, ou seja, com mais de 3 anos de liberdade da maioria dos investigados.

Importa dizer que foi feita uma pergunta aos presos por delitos contra o patrimônio, em julho de 2016: “Qual é a maior necessidade que você não satisfaz, na prisão, com exceção da liberdade?”. As respostas foram abertas, e serão apresentadas em discussão com o referencial teórico.

1.2 Dados sobre reincidência nos presídios investigados

Para se comprovar a reputação dos presídios investigados, em termos de reincidência, foram pesquisados todos os egressos que deixaram o cárcere em 2013, e analisados quantos voltaram a cometer delitos até outubro de 2016, segundo o banco de dados do poder judiciário. Cumpre dizer que, entre os dois presídios, existiu uma grande diferença acerca da reincidência dos presos por delitos contra o patrimônio: 39,04%, no P.A., e 21,95%, no P.B.; sendo que, no P.A., 79,86% dos que voltaram ao cárcere eram primários, porcentagem muito maior que no P.B., cujo número ficou em 55,56%.

1.3 Justificativa para a escolha bibliográfica

Como percebemos, o cárcere é considerado um mal por quase unanimidade dos investigadores, no entanto, é visto como um mal necessário pela maioria. Por outro lado, ao analisar o fenômeno da reincidência, assim como as dificuldades de reinserção social plena, por meio do encarceramento, é essencial que se entenda o que pode levar os seres humanos ao êxito.

Para isso, se deve ter em mente como funcionam as motivações humanas, já que os indivíduos são movidos por suas necessidades. Assim, serão apontadas as necessidades dos presos, que a literatura criminológica considera não ser providas, em geral, pelo sistema carcerário.

Ademais, considerando que tais necessidades precisam ser relativamente satisfeitas para que os indivíduos possam ser capazes de superar as dificuldades, e buscar alternativas de vida socialmente mais aceitáveis e admiradas, é significativo que o principal expoente do estudo das necessidades humanas, Maslow, esteja presente nesse trabalho, e que sua teoria possa servir de base para uma análise mais profunda da relação preso-cárcere. Além disso, cumpre dizer que o conceito de figura-fundo da Psicologia da Gestalt também pode contribuir com esse trabalho, especialmente, a respeito de como ocorre a relação entre sujeito e ambiente, e como podem as variáveis de um encarceramento com fins de reintegração social se converter em figuras, em meio a um fundo de possibilidades.

2 Necessidades dos reclusos: base para a motivação

Certamente, afirma Mathiesen (2003), pode-se dizer que o delito expõe a outros um sofrimento. É possível afirmá-lo assim quando as vítimas são indivíduos, e especialmente no caso daquela minoria vítima de delitos violentos. Como se sabe, aqueles que acabam no cárcere também são expostos a um sofrimento. As duas versões do sofrimento são entidades não mensuráveis. Dessa forma, não é possível “compensar” uma com a outra, como se estivéssemos manipulando um par de pratos de balança, com o plano de fundo de uma construção de valores de castigo, escalas de castigo e uma proporcionalidade final ou equilíbrio. Assim, devemos tentar reduzir ao máximo o padecimento na prisão.

Nesse sentido, cumpre dizer que a vida carcerária é uma vida em massa. Sobretudo para os presos, evidentemente. Como consequência, ela lhes acarreta, dependendo do tempo de duração da pena, uma verdadeira desorganização da personalidade, ingrediente central do processo de prisionização. Entre os principais efeitos dessa desorganização da personalidade, convém destacar: perda de identidade e aquisição de nova identidade; sentimento de inferioridade; empobrecimento psíquico, infantilização e regressão. “O empobrecimento psíquico leva, entre outras coisas, a estreitamento do horizonte psicológico, a pobreza de experiências, a dificuldade de elaboração de planos a médio e a longo prazo”. (SÁ, 2007, p. 116).

Nesta linha, devemos considerar o indivíduo privado de sua liberdade como um sujeito de direitos, que se por um lado cometeu um delito, não por isso deixou de pertencer à sociedade nem perdeu parte de suas capacidades. Pelo contrário, devemos compreender que se trata de uma pessoa dotada de vontade, possuidora de certas necessidades e potencialidades, e cujas demandas devem ser escutadas e atendidas. (SALINAS, 2006).

Ao ter dificultado o exercício dos direitos, precisamente pela privação da liberdade estatal, é o estado que deve prover, com particular diligência, tudo aquilo que seja necessário para fazer operativos os direitos dos reclusos. Ao ter reduzido seu âmbito de autodeterminação, os presos se veem necessariamente impedidos, e sem motivação, de procurarem eles mesmos os elementos necessários para o pleno acesso e exercício de seus direitos, tais como a segurança pessoal, a saúde, o trabalho, a educação, entre outros. (SALINAS, 2006).

Nessa linha de pensamento, Albergaria (1999) menciona algumas necessidades que devem ser satisfeitas, no cárcere, para uma verdadeira motivação, no processo de reintegração social do condenado. Afirma ele que os ordenamentos penitenciários enunciam os elementos de tratamento: instrução, cuidados físicos, assistência religiosa, assistência social, trabalho, atividades culturais, recreativas e desportivas, com oportunos contatos com o mundo exterior e a família, atendendo as aptidões físicas e mentais, disposições pessoais, duração da pena e perspectivas para depois da liberdade. Assevera que a aprendizagem profissional e a colocação em uma empresa, criação de relações de amizade na recreação e profissão, seriam meios dignos que poderiam levar à ressocialização.

2.1 Abraham Maslow e a Hierarquia das Necessidades

Abraham Maslow foi um dos defensores da Psicologia Humanista (considerada a “terceira força da Psicologia”), tendo surgido nos Estados Unidos e Europa na década de 1950, transmitindo a ideia de um ser humano criativo, com capacidade de autorreflexão, decisões, escolhas e valores, sem deixar de lado a emoção. (RIBEIRO, 2016).

Maslow, afirma Breitman (2008), “desenvolve a interessante teoria da motivação, segundo a qual as necessidades do homem são inumeráveis. Quando uma delas resta satisfeita, aparece outra em seu lugar. As necessidades humanas se organizam em una série de niveles, que se apresentam em uma certa hierarquia. No nível mais baixo, mas com importância preeminente, estão as necessidades fisiológicas; se o homem está privado de alimento, o alimento se converte em sua exigência fundamental. Quando as necessidades fisiológicas estão suficientemente satisfeitas, o comportamento humano começa a ser motivado por necessidades de ordem superior. A primeira delas é a necessidade de segurança, isto é, de proteção contra os perigos, a ameaça, as privações. Quando esta necessidade resta satisfeita, pedem importância as necessidades sociais, aquelas de pertinência, de associação, de amizade. Acima das necessidades sociais estão as relativas à estima. Finalmente, no topo da hierarquia estão as necessidades de autorrealização”.

Em resumo, Maslow apresenta, então, sua teoria para explicar as razões da motivação, na qual as necessidades humanas estão dispostas e organizadas em níveis (sob forma de pirâmide), uma hierarquia de importância e “influenciação”. As necessidades surgem e vão seguindo uma prioridade hierárquica, desde a primeira, de nível mais baixo, até a última, de nível mais alto, sendo que quando as de um nível estão relativamente satisfeitas, surge a do nível seguinte. (RIBEIRO, 2016).

Como visto, dentro das necessidades mais básicas se encontram as fisiológicas -fome, sono etc.; as de segurança – ordem, estabilidade etc.; as de amor y pertinência – afetos, família, amizade etc.; as de (auto)estima – reconhecimento, respeito dos outros, aprovação, respeito de si mesmo etc. (RIBEIRO, 2016). Além dessas necessidades básicas, “todo indivíduo tem necessidades de crescimento: uma necessidade de desenvolver seus potenciais e capacidades, e uma necessidade de autorrealização”. (FADIMAN & FRAGER, 2002, p. 268).

A motivação resulta da interação do sujeito e os objetos do meio, que podem satisfazê-las. A pirâmide a seguir ilustra como as necessidades estão dispostas, e a sequência em que o organismo volta sua atenção depois de compensadas as de determinado nível. (RIBEIRO, 2016).

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Preconiza Maslow (1970, p. 38) que:

“É completamente verdadeiro que o homem vive apenas de pão – quando não há pão -. No entanto, o que acontece com os desejos do homem quando há muito pão e sua barriga está cheia? Imediatamente, surgem outras (e superiores) necessidades, e são essas, em vez de apetites fisiológicos, que dominam seu organismo. E quando elas, por sua vez, estão satisfeitas, novamente novas surgem e assim por diante”.

As capacidades mais elevadas do ser humano só podem ser alcançadas a partir do momento em que suas necessidades mais fundamentais restam saciadas. De acordo com

Maslow (1968, p. 208):

“A natureza superior do homem repousa sobre a natureza inferior do homem, precisando desta última como alicerce e desmoronando se esse lhe faltar, isto é, para a grande massa da humanidade, a natureza superior do homem é inconcebível sem uma natureza inferior satisfeita como sua base.”

2.2 Figura-Fundo e a Psicologia da Gestalt

No desenvolvimento de seu trabalho, Maslow foi influenciado por Max Wertheimer, um dos fundadores da escola Gestalt de Psicologia, e percebia Wertheimer não apenas como um cientista brilhante e eminente, mas sim como um ser humano profundamente realizado e criativo. (RIBEIRO, 2016).

Max Wertheimer é considerado o principal nome da Psicologia da Gestalt; teoria que se desenvolveu no final do século XIX, e que acredita que a totalidade possui características particulares, que vão além da mera soma de suas partes constitutivas. Por exemplo: uma pintura é constituída por inúmeros pontinhos espalhados numa área de um quadro. Nenhum desses pontinhos, isoladamente, pode dizer coisa alguma sobre a figura, sendo que apenas quando se toma a totalidade dela, percebe-se a sua significação. Deste modo, não se pode dizer que há ali uma soma de pontinhos, pois a compreensão do todo deixa claro algo novo, diferente dos seus elementos. (FADIMAN & FRAGER, 2002).

A palavra alemã “gestalt” não tem uma tradução literal para o português, mas contém um sentido de “forma”, “configuração”, de “um todo que se orienta para uma definição”, de “estrutura organizada”, e Fadiman e Frager (2002, p. 129) a definem como “uma organização específica de partes que constitui um todo particular”.

Na década de 1950, o “ex-psicanalista” Frederick Salomon Perls investiu na estruturação de um campo clínico da teoria da Gestalt, fundando então a Gestalt-terapia, que teve como principal preocupação a formulação de técnicas que visam a dar ao homem as condições para o seu próprio crescimento. (RIBEIRO, 2016).

Em seu trabalho, Perls sofreu diversas influências, principalmente da Psicologia Humanista, que veio então apontar um novo modo de ver o homem, num interesse genuíno pelo potencial de desenvolvimento das suas capacidades inerentes. Assim, é lícito dizer que a Gestalt (teoria ou terapia) influenciou (conforme visto anteriormente) e foi influenciada pelo Humanismo, podendo-se entender o porquê de alguns pontos da Gestalt-terapia completarem tão bem conceitos da abordagem Humanista. (RIBEIRO, 2016).

Na Gestalt (terapia), a liberdade do homem reside no seu poder de escolha em suas ações a todo o momento (presente) da vida, sendo a causalidade espiral, ou seja, toda ação tem causas múltiplas e estas são determinadas, por sua vez, por outras causas.

O Zen-budismo, um dos pressupostos filosóficos da Gestalt, a influenciou principalmente em relação ao conceito de figura-fundo, que de certa forma expressa a maneira zen de perceber este processo de uma maneira unitária, pois, para o zen, tudo existe no mundo formando a si mesmo (figura) ao limitar uma parte do ser absoluto, e, portanto, o absoluto nunca deixou de estar presente, apesar de parte ficar no fundo, sendo que, sempre que necessário, pode-se retornar a ele. (FADIMAN & FRAGER, 2002).

Assim, pode-se dizer que tudo o que se encontra em foco é figura, e que todas as possibilidades de contato, que no momento se encontram não-focadas, é fundo, ficando o organismo a voltar sua atenção (foco) à necessidade mais emergente (gritante). Este é um processo dinâmico em que, a todo momento, há o aparecimento (e fechamento) de várias gestalten (plural de gestalt – figuras que emergem para serem resolvidas), sendo que apenas quando o “problema” é resolvido, o indivíduo consegue voltar-se, completamente presente, a outro objeto; caso contrário ocorre o que é comumente chamado de “corpo presente”, ou seja, o indivíduo está presente (em corpo) em um determinado lugar, mas, sua mente, pela condição de sua necessidade, está voltada para um outro ambiente, situação, ou tempo.

Segundo Perls (1979, p. 115), “todos os órgãos, os sentidos, os movimentos e os pensamentos subordinam-se a esta necessidade emergente e logo mudam sua lealdade e função assim que aquela seja satisfeita e passe então para o fundo”. Com uma visão holística, afirma ainda que “todas as partes do organismo se identificam temporariamente com a gestalt emergente”.

Desse modo, o conceito “figura-fundo” está voltado para a forma como um organismo seleciona o que é ou não é de seu interesse num dado momento. Por exemplo:

 “Para um homem sedento, um copo de água colocado entre seus pratos favoritos emerge como figura contra o fundo constituído pela comida; sua percepção adapta-se, capacitando-o, assim, a satisfazer suas necessidades. Uma vez satisfeita a sede, sua percepção do que é figura e do que é fundo provavelmente se modificará de acordo com uma mudança nos interesses e necessidades dominantes”. (FADIMAN & FRAGER, 2002, p. 130).

Pode-se considerar, então, que há todo o momento estamos “fechando e abrindo gestalten”, ou seja, estamos o tempo todo fazendo escolhas no ambiente com a intenção de resolver os conflitos que imediatamente surgem no nosso organismo.

3 Importantes necessidades dos encarcerados

Mathiesen (2003) menciona Sykes para enfatizar a privação de bens e serviços a que se submetem os presos. Em geral, no cárcere se satisfaz as necessidades materiais mínimas. “No entanto, um padrão de vida construído em termos de tantas calorias por dia, tantas horas de recreação, tantos metros cúbicos de espaço por indivíduo etc., não satisfaz, na realidade, a questão central.” (p. 214).

Um padecimento que enfoca Sykes (apud MATHIESEN, 2003), é a da privação mesma da liberdade. Seja como for, a cela é estreita e o dinheiro de bolso escasso. Ademais, visto desde dentro, as coisas são distintas, as diferenças que, de fora, parecem pequenas são, em geral, superdimensionadas ou amplificadas, atribuindo-lhes, em parte, uma importância vital.

Mathiesen (2003) assevera que a descrição e a análise dos padecimentos do encarceramento têm uma tradição na Criminologia e na Sociologia. Importa dizer que a Psicologia também pode ser utilizada para uma análise dessa dimensão, como a teoria das necessidades de Maslow e a Psicologia da Gestalt.

Com base nesse referencial, foram entrevistados os presos por crimes contra o patrimônio, no P.A. e no P.B. As respostas foram analisadas especialmente com base na pirâmide das necessidades de Maslow.

Ao serem questionados sobre qual a maior necessidade que sentem, com exceção da liberdade, os presos do P.A. responderam: fome (5%); sono (25%); higiene-banheiro (20%); segurança (20%); família (20%); amigos (5%); dinheiro para cigarro (5%). Já os presos do P.B. disseram: higiene-banheiro (30%); segurança (10%); trabalho (10%); respeito (10%); drogas (precisa de tratamento específico, fica como necessidade básica/10%); relacionamento amoroso (10%); valorização do esforço no trabalho (20%). 

Nota-se de imediato que os presos do P.A. tiveram suas respostas mais ligadas a necessidades mais básicas enquanto os do P.B. tiveram respostas em uma escala mais alta nos degraus da pirâmide de Maslow, como se verá a seguir. 

3.1 Hierarquia das Necessidades de Maslow, Figura-Fundo da Gestalt, em relação às necessidades dos presos, nos estabelecimentos investigados

Ao falar sobre hierarquia das necessidades (Maslow, Humanismo), há um conceito de outra abordagem “figura-fundo” (Gestalt-terapia) que deve ser considerado, pois sempre que se pensa em um, o outro está relacionado explicitamente ou não.

Desse modo, correlacionando esses conceitos e analisando a prática nas referidas instituições, resta visível que as emergências (figuras) desses presos, são, na grande maioria, em relação às necessidades mais básicas, deixando o processo de reinserção social, aprendizagem/trabalho, tudo necessário para uma melhor integração na sociedade, em segundo plano (fundo).

3.1.1 Necessidades fisiológicas

Como se nota das respostas dos presos-investigados, percebe-se que os encarcerados do P.A. estão mais fixados nesse degrau da pirâmide de Maslow, já que 55% dos investigados apontam alguma necessidade que pode ser considerada fisiológica, como: fome (5%); sono (25%); higiene-banheiro (20%); dinheiro para cigarros (5%) – nesse caso, cigarro sendo um vício necessita de tratamento, mas não deixa de ser uma necessidade primária. Já em relação ao P.B., 40% dos presos se encontram nesse degrau de necessidade, sendo: higiene-banheiro apontado por 30% dos investigados; e drogas (precisa de tratamento específico, considerado como necessidade primária) por 10%.  

 Enquanto a fome é uma necessidade fisiológica, e faz parte do piso da pirâmide das necessidades, não for saciada, considerando a alimentação não agradável apontada por 5% dos presos do P.A., eles não conseguirão voltar sua atenção para o que no momento é considerado fundo (o trabalho, o estudo, o programa de tratamento de modo geral etc) mas que deveria ser figura, pois se trata de uma busca de re(integração) social.

Embora o P.A. acabe expondo os presos a uma insalubridade maior, já que devido à superlotação há presos que dormem encostados em locais úmidos, onde se toma banho e fazem suas necessidades, as condições sanitárias precárias (falta de vaso sanitário, por exemplo) dos dois presídios explicam bem o porquê de necessidades ligadas ao banheiro tenham sido apontadas por relevante percentual, e dificultam a tais presos atingirem um degrau mais elevado da pirâmide das necessidades. 

Baratta (2013) acredita que o “regime de privações” tem efeitos negativos sobre a personalidade e contrários ao fim educativo do tratamento, não só direta como também indiretamente, através da maneira como se distribuem na comunidade carcerária os meios de satisfação das necessidades, conforme as relações informais de poder e de dominação que as caracterizam.

Nesse sentido, quando o alojamento, local em que dormem, especialmente no P.A., não é adequado, por conta da superlotação, os presos ficariam cansados, já que dormiriam mal, e, assim, incorremos sobre outro fator que se encontra também na base da pirâmide: sono/cansaço -a consequência é de que o cérebro não conseguirá aprender satisfatoriamente, o rendimento cai, e uma vez mais o que deveria ser figura (o processo educacional para reinserção) se torna fundo.

3.1.2 Necessidades de segurança

Para os presos que se encontram relativamente saciados, sem fome, sem nenhuma outra necessidade fisiológica ou mais primária presente no momento, outra necessidade emerge: segurança. No entanto, quando se constata a situação em que vivem, com presos perigosos, sem separação por periculosidade -além da questão da superpopulação-, entende-se porque o recluso não se sente seguro ao lidar com os demais, e esse comportamento faz com que o segundo degrau da pirâmide das necessidades não seja superado. Assim, deixam novamente o processo de aprendizagem (seja educativo, de trabalho ou qualquer outro) como fundo nesse momento. Por óbvio, considerando a atuação direta do crime organizado, a questão da segurança é mais apontada por presos do P.A. (20%) do que do P.B. (10%). E tal percentual não é maior apenas pelo fato de que a maioria dos presos está ainda no primeiro degrau da pirâmide de Maslow.

Nesse sentido, investigadores da Criminologia, como Arocena (2013), consideram que a pessoa que enfrenta um procedimento de ingresso cheio de violência, com golpes, gritos, ameaças têm incrementada a sensação de desconcerto e sobretudo de indefesa. Além disso, a percepção de perigo permanente e os níveis de violência produzem desconfiança recíproca, indiferença afetiva, instabilidade emocional, exagero ante as situações e ao mesmo tempo uma excessiva demanda afetiva, afirma Salinas (2006). Para Mathiesen (2003, p. 215), o “indivíduo preso se expõe a uma prolongada intimidade com homens que, em muitos casos, têm uma longa história de conduta violenta, agressiva”, em uma situação que provoca ansiedade, inclusive para o veterano reincidente. Há casos em que a ansiedade se reflete no fato de que muitos prisioneiros desejam expressamente viver em celas de isolamento. O isolamento, então, parece ser o mal menor. Além disso, existe a ansiedade gerada pela convivência com o pessoal carcerário: patrulhas de busca, revistas e interrogatórios repentinos por parte da polícia de narcóticos etc. – isso gera, sem dúvida, uma sensação de insegurança, medo e desconfiança. Assim, os presos dos presídios investigados não logram alcançar níveis mais elevados.

3.1.3 Necessidades afetivo-sociais (amor e pertinência)

No P.A., muitos presos não recebem visitas de familiares, o que torna compreensível que, em comparação com P.B., maior número deles (25%) tenha necessidades afetivas (família-20%; amigos-5%); já, no P.B, 10% apresentam necessidades de relacionamento amoroso. Tais necessidades sociais (amizade, afeto, amor) surgem à medida que as necessidades inferiores (fisiológicas e de segurança) se encontram relativamente satisfeitas. Assim, mesmo que os presos tenham se sentido relativamente satisfeitos em relação às necessidades mais básicas, ainda têm a necessidade de um tratamento humanizado, de atenção individual, de afeto; enfim, não logram sair do terceiro escalão, e não podem ter ainda o próximo degrau da pirâmide de Maslow como figura, o que faz dele e de todos os demais degraus fundos ofuscados pela figura das necessidades do terceiro degrau não satisfeitas.

Nesse caso, o grande perigo pode ser o efeito nocivo que o cárcere causa, quando não auxilia satisfazer tal necessidade, como explica a literatura criminológica. Como visto, a literatura criminológica, a exemplo de Arocena (2013), explica que o preso necessita da família externa para sobreviver, mas durante a permanência no cárcere também se integra a uma espécie de família interna, com a qual convive no confinamento, regida pelo princípio de antiguidade, segundo o qual manda “o mais velho”, o que tem mais tempo na instituição. Os reclusórios masculinos têm a característica de uma família “disfuncional” e golpeadora, mas também brinda certo apoio e, apesar de, muitas vezes, o afeto não ser verdadeiro, pode acabar ocupando um importante lugar, e facilitando aos presos ascenderem a uma vida de reincidência criminal.

3.1.4 Necessidades de estima

Ávilla e Gutiérrez (2014) assinalam que, ao ingressar em um cárcere, o cidadão privado de liberdade perde, junto com ela, parte de sua dignidade, e, com isso, seus outros direitos passam a ser “benefícios” que deve conquistar, ganhar, sobre a base de sua obediência ao Serviço.

Além disso, o ambiente hostil, responsável pela falta de dignidade da pessoa humana, em que são maltratados das mais variadas formas, acaba influenciando na autoestima desses presos, impedindo que o quarto degrau seja transposto. Importa dizer que nenhum preso do P.A. superou o terceiro degrau da pirâmide de Maslow, tendo suas necessidades fixadas nos pontos mais baixos da escala; já em relação ao P.B., 30% dos presos sentem a necessidade de autoestima (respeito-10%; valorização do esforço nas atividades-20%). 

A falta de escolha de trabalho, aliada à ausência de feedbacks e valorização do que fazem, também dificultam aos presos terem sua necessidade de autoestima relativamente satisfeita. Por outro lado, pode ocorrer a satisfação dessa necessidade com o acolhimento de grupos e organizações criminosas que valorizem os presos. Desse modo, outro caminho diferente ao da reinserção para não reincidência ocorrerá.  

3.1.5 Necessidades de autoatualização

Nenhum dos presos do P.A. atingiu esse degrau, e a maioria dos detentos do P.B. (75%) trabalham ou estudam. Ainda assim, a necessidade de trabalho foi mencionada por 10% dos presos do P.B., o que nos leva a entender que mesmo não podendo trabalhar, por falta de oportunidade, eles superaram os demais degraus e desejavam essa possibilidade. Tais presos, apesar de não se sentirem autoatualizados, têm como figura questões mais elevadas, diferente do que o ocorre com os presos do P.A. 

Albergaria (1999) considera que o trabalho penitenciário é um processo de formação profissional, moral e social, preparando a reinserção social do recluso, ao dar-lhe uma profissão a ser posta a serviço da comunidade livre. Nesse trabalho, predominaria o caráter educativo e humanitário ao ser considerado como instrumento de autorrealização e aperfeiçoamento do condenado.

Por outro lado, considerando que a maioria dos presos de ambos presídios, se encontram em degraus inferiores da Pirâmide de Maslow, a escolarização ou desempenho de um trabalho específico se devem tornar exaustivas, já que não são propícias as condições necessárias para a aprendizagem, isto é, a estimulação correta do ambiente, para uma motivação necessária do preso não se faz presente, e impossibilita alcançar o degrau de autoatualização, já que não o tem como figura, mas sim como fundo. Assim, mesmo os presos que trabalham e/ou estudam, se não se encontram com as necessidades mais básicas satisfeitas, o objetivo ressocializador não será efetivamente alcançado, sendo que estudarão ou trabalharão ou por obrigação ou objetivando uma recompensa: a remissão da pena -isso não faz com que se autoatualizem, de modo que podem voltar a reincidir no crime.

Não é de se surpreender que os presos não tenham sequer planos para o futuro, com metas e objetivos socialmente aceitáveis, e que acabem recaindo no crime, como apresentado estatisticamente. É óbvio que o percentual de não-reincidentes se trata de exceção: ou são pessoas que se sentiram relativamente satisfeitas em relação às necessidades mais básicas e conseguiram transpor os níveis inferiores, tendo como figura, e até superando, necessidades de autoatualização; ou são pessoas autoatualizadas, que conseguem planejar e desenvolver seu potencial, ainda que não tenham satisfeitas as necessidades de escalões inferiores. Estas últimas, por certo, são exceções das exceções.

Enfim, devido à maioria dos presos não conseguir transpor os degraus mais baixos da pirâmide das necessidades, o que se infere pelas estatísticas, as figuras deles são basicamente as necessidades mais basilares, não chegando às necessidades de autoatualização, ou melhor, não se preocupam com o uso e a exploração plena de talentos, capacidades, potencialidades etc., o que favorece a ocorrência do fenômeno de reincidência. E, nesses casos, haveria reincidência, apesar de os estabelecimentos prisionais fazerem o máximo para suprir as necessidades mais elevadas dos presos.  Ressalte-se, como visto, o P.A. falha muito mais que o P.B. em satisfação das necessidades mais basilares, o que justificaria um índice de reincidência criminal muito maior.

Conclusão

Afim de identificar os fatores relacionados com o sistema penitenciário brasileiro que contribuem com a reincidência dos autores de delitos contra o patrimônio, foi feita uma análise das queixas dos presos, suas necessidades imediatas, com base na Hierarquia das Necessidades de Maslow e na Figura-Fundo da Gestalt-terapia, além de teóricos da Criminologia, buscando respostas que pudessem justificar a disparidade dos índices de reincidência do P.A. e do P.B., especialmente a diferença que existe entre ambos.

Como percebemos, o cárcere é considerado um mal por quase unanimidade dos investigadores, no entanto, é visto como um mal necessário pela maioria. Por outro lado, ao analisar o fenômeno da reincidência assim como as dificuldades de reinserção social plena, por meio de um encarceramento, é essencial que se entenda o que pode levar os seres humanos ao êxito.

Desse modo, tendo por base criminólogos e as teorias de Maslow e da Psicologia da Gestalt, foi possível observar que, durante a reclusão, o sistema não está sendo capaz de satisfazer as necessidades mais básicas dos presos. Importa dizer que tais necessidades precisam ser relativamente satisfeitas para que os indivíduos sejam capazes de superar as dificuldades, a fim de que as variáveis da prisão com enfoque na reintegração social possam se converter em figuras, em meio a um fundo de possibilidades, minimizando os efeitos negativos do cárcere, e assim permitir que os reclusos, ao saírem, possam buscar alternativas de vida socialmente mais aceitas e admiradas, evitando o fenômeno da reincidência.

Nesse sentido, notou-se que, entre os presídios investigados, existiu uma grande diferença acerca da reincidência dos presos por delitos contra patrimônio: 39,04%, no P.A., e 21,95%, no P.B., sendo que no P.A., 79.86% dos que voltaram ao cárcere eram primários, porcentagem muito maior que no P.B., cujo número ficou em 55,56%.

Embora inúmeras variáveis, como as envolvendo condições pessoais e sociais dos reclusos, não foram objeto desse estudo, e por óbvio de alguma forma podem afetar no resultado, a análise sobre a vertente das necessidades não saciadas foi eficaz para justificar a diferença entre a reincidência nos presídios analisados, especialmente em relação aos presos primários, que ainda não tinham vivência de cárcere, já que os presos do P.A., onde o índice de reincidência resultou maior, as respostas dos presos demonstraram maior fixação nos degraus mais baixos da pirâmide de Maslow, fazendo com que essas questões inferiores se tornassem figuras, frente a um fundo de possibilidades, como o próprio tratamento prisional para a ressocialização.

Resta claro que apenas mais investigações, isolando questões individuais, por exemplo, serão capazes de atribuir mais elementos para a superação desse problema, fornecendo a proporção de cada um desses fatores no fenômeno da reincidência. No entanto, ficou visível que o processo de reinserção social desses presos apenas poderá se dar, plenamente, quando as necessidades mais básicas forem satisfeitas, e quando ocorrer uma estimulação adequada do ambiente, fazendo com que se sintam motivados a ter tal processo como figura, o que significa, em outras palavras, quando forem tratados com dignidade. Em caso contrário, qualquer tentativa de reintegração social será amargada com altos índices de reincidência, e o cárcere servirá exclusivamente para acumular pessoas, durante determinado período de tempo, permitindo que saiam piores do que entraram. Precisamente, o que observamos é que quanto menos dignidade se propicia a um preso no cárcere, mais possibilidade tem ele de voltar a delinquir.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Leandro de Moura Ribeiro

Mestre em Ciências Criminológico-Forenses. Advogado e Psicólogo. Especialista em Educação e Direito Constitucional


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