Resumo: O contexto científico aqui abordado, exsurge para melhor contextualizar a retórica do direito penal do inimigo no cenário social moderno e a função às avessas do processo penal. Ao evidenciar esta dualidade, perpassando pela penologia em que se estuda os diversos meios de repressão e prevenção, neste trabalho, deu-se suporte para analisar os pontos importantes da dicotomia entre funcionalismos radical e moderado. Por fim, ainda que de maneira, rápida, foram trazidos à baila posicionamentos jurisprudenciais acerca do tema.
Palavras-chaves: Retórica. Direito Penal do Inimigo. Processo Penal. Finalismo. Funcionalismo.
Abstract: The scientific context discussed here exsurges to better contextualise the rhetoric of the criminal law of the enemy in the modern social scene and the reverse function of the criminal process. By highlighting this duality, through the penology in which the various means of repression and prevention are studied, this work gave support to analyze the important points of the dichotomy between radical and moderate functionalism. Finally, although in a very quick manner, jurisprudential positions on the subject were brought to the fore.
Keywords: Rhetoric. Criminal Law of the Enemy. Criminal proceedings. Finalism. Functionalism.
Sumário: Introdução. 1. Funcionalismo moderado e radical. 2. Direito penal do inimigo. 3. Processo penal e jurisprudência comentada. Conclusão. Referências.
Introdução
Antes de adentrar efetivamente no tema proposto, importante mencionar os aspectos teleológicos da Penologia, ciência esta que para muitos é parte integrante da Criminologia, já para outra corrente, deve ser aquela reconhecida como uma ciência autônoma. Questões estas que não entraremos no mérito.
Conceitualmente falando, a Penologia é definida pelo estudo dos diversos meios de repressão e prevenção do delito. Não fica restrita esta ciência unicamente a análise da aplicação da pena; um dos objetos de estudo da Penologia é a periculosidade do indivíduo. Nesta seara, imprescindível destacar que tal ciência, seja ela autônoma ou não, tem por destinação maior o homem desviante com fins à prevenção do delito.
1. Funcionalismo Moderado e Radical
Superada a explanação sobre a Penologia, instituto este que indiretamente mantém relação com o funcionalismo moderado de Claus Roxin (1970), especialmente no quesito responsabilidade/reprovabilidade; dito isto, o funcionalismo de Roxin rompe com a teoria finalista de Hans Welzel, vez que aquela não vislumbra mais o crime como uma conduta humana voluntária e dirigida a um fim, premissa maior dos finalistas; para os funcionalistas o Direito Penal obrigatoriamente tem uma missão.
Com isto, alguns estudiosos de países como Alemanha, Espanha e Portugal, discordaram das ideias finalistas trazidas por Welzel, assim discorreu Luis Greco nos seguintes termos (2000, p. 39):
“A definição de dolo eventual e sua delimitação da culpa consciente. Welzel resolve o problema através de considerações meramente ontológicas, sem perguntar um instante sequer pela valoração jurídico-penal: a finalidade é a vontade da realização; como tal, ela compreende não só o que autor efetivamente almeja; como as conseqüências que sabe necessárias e as que consideram possíveis e que assume o risco de produzir. Assim sendo, conclui Welzel que o dolo, por ser finalidade jurídico-penalmente relevante, finalidade esta dirigida à realização de um tipo, abrange as conseqüências típicas cuja produção o autor assume o risco de produzir. O pré-jurídico não é modificado pela valoração jurídica; a finalidade permanece finalidade, ainda que agora seja chamada de dolo. E aqui é surge a crítica elaborada pela escola funcionalista. O funcionalista já formula a sua pergunta de modo distinto. Não lhe interessa primariamente até que ponto vai a estrutura lógico-real da finalidade; pois ainda que uma tal coisa exista e seja unicamente cognoscível, o problema que se tem à frente é um problema jurídico, normativo, a saber: o de quando se mostra necessária a pena por crime doloso. O funcionalista sabe que, quanto mais exigir para o dolo, mais acrescenta na liberdade dos cidadãos, às custas da proteção de bens jurídicos; e que quanto menos exigências formular para que haja dolo, mais protege bens jurídicos, e mais limita a liberdade dos cidadãos.”
Isto posto, o renomado penalista alemão (Roxin), faz uma “reformulação” do grau de incidência do Direito Penal, devendo ser utilizado de forma subsidiária e fragmentária, intervindo de forma mínima. A proteção ao bem jurídico vem em primeiro plano. Discorre Luis Greco:
“O finalismo pensa que a realidade é unívoca (primeiro engano), e que basta conhece-la para resolver os problemas jurídicos (segundo engano – falácia naturalista); o funcionalismo admite serem várias as interpretações possíveis da realidade, de modo que o problema jurídico só pode ser resolvido através de considerações axiológicas, isto é, que digam respeito à eficácia e a legitimidade da atuação do Direito Penal.”
Ultrapassado o entendimento acerca do funcionalismo moderado, temos a premissa “a missão do Direito Penal é assegurar a vigência e o império da norma”, restou caracterizado o funcionalismo radical o sistêmico de Günther Jakobs. Aqui a proteção ao bem jurídico é posto em segundo plano.
Partindo do pressuposto de que para Jakobs e Luhmann o Direito Penal é um sistema autopoiético, ou seja, capaz de sobreviver em suas próprias regras, o núcleo de preocupação é a regulação e controle da convivência social.
2. Direito Penal do Inimigo
Corroborando neste contexto, Günther Jakobs indo além de seu funcionalismo radical, em 1985 utilizou pela primeira vez a expressão Direito Penal do Inimigo. Foi ao longo de 5 (cinco) anos, até chegar em 1990 que esta teoria estava madura. Quis ele (Jakobs) fazer uma comparação entre Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo.
O desdobramento desta comparação tem alicerce no positivismo exacerbado da norma jurídica. Para Jakobs cidadão é aquele que respeita o contrato social, agindo dentro do socialmente adequado; já o inimigo é taxado como indivíduo desprovido de qualquer tipo de direitos e garantias processuais, haja vista a sua relevância criminosa; com esta afirmação Günther mostra que seguiu a ideia de Hobbes.
Direito Penal do Autor na visão dele é aquele destinado ao inimigo do Estado, ficando claro que esse inimigo não é o delinquente ocasional, mas sim aquele que realmente impõe ao Estado o status de alerta por sua periculosidade; o Direito Penal do Cidadão é configurado em face daquele que furta, rouba e etc.
Resta evidenciado que o Direito Penal Nazista é configurado pela punição majorada ao indivíduo que tenha cometido crimes de alta relevância e ofensividade ao Estado, sabendo-se que o inimigo é também punido pela cogitação de atos criminosos. O Direito Penal do Cidadão é aquele que embora tenha cometido um injusto penal, este não põe em risco a integridade do sistema penal.
3. Processo Penal e Jurisprudência Comentada
Olhando agora o sistema processual penal brasileiro, percebe-se que as sentenças estão permeadas do simbolismo penal, bem como do Direito Penal do Inimigo. Dois acórdãos ratificam o acima mencionado. O primeiro trata-se de um HC impetrado perante o STJ (STJ – HABEAS CORPUS HC 203857 AC 2011/0084684-2), vez que a Juiza a quo teria violado garantias constitucionais, além de violar a competência do Juízo da execução penal ao incluir os réus em regime disciplinar diferenciado.
Isto posto, não menos importante, o HC impetrado perante o TRF-1 (TRF-1 – HABEAS CORPUS HC 57598 PA 2009.01.00.057598-5 TRF-1), neste episódio o MM Juiz a quo taxou a decisão da Turma que concedeu habeas corpus ao paciente por não estar demonstrada a necessidade da prisão preventiva para garantir a ordem pública de absurda, pois o Magistrado fundamentou sua sentença em considerações abstratas a respeito do paciente.
Conclusão
Conclui-se, portanto que, conforme os acórdãos acima o devido processo legal bem como as garantias constitucionais foram deixados de lado configurando claramente um processo penal às avessas. Entretanto, o fundamento da subsidiariedade e fragmentariedade da norma penal de Claus Roxin e do escopo da Penologia, dá suporte à afirmação de que a retórica do Direito Penal do Inimigo não pode prevalecer em um Estado Constitucional e Humanista de Direito.
Informações Sobre o Autor
Guilherme Lucas Pinheiro
Advogado; Pós-graduando em Direito Processual PUC-Minas