Resumo: O Direito de Retrocessão na Desapropriação Pública abrange grande repercussão devido à discussão de sua natureza jurídica. Tal direito é representado por três correntes doutrinárias majoritárias, a que entende ser um direito real, um direito pessoal e uma corrente mista. A retrocessão está presente em nosso ordenamento jurídico de forma implícita, através de princípios e direitos fundamentais previstos no Texto Constitucional, e também pelo atual Código Civil. É uma garantia ao expropriado diante da Administração Pública, pois, não sendo utilizado o bem para a devida finalidade, o ex-proprietário poderá, conforme a doutrina, exercer seu direito de reivindicar o bem ou pleitear indenização por perdas e danos, ou ainda, conforme corrente mista, poderá exercer o direito de forma alternada. Contudo, a falta previsão em lei especifica, como não foi abordada nem mesmo pela Lei Geral de Desapropriação, passou a gerar uma enorme lacuna quanto a sua natureza jurídica. Este artigo tem como objetivo proporcionar uma melhor compreensão a respeito de qual seria a corrente doutrinária aplicável a esse direito. Com isso, tornou-se necessário no curso desta pesquisa, buscar análises históricas e decisões dos tribunais, além de obras renomadas que tratam sobre o assunto em especifico, chegando a um resultado final.
Palavras chave: Desapropriação. Retrocessão. Natureza Jurídica.
Abstract: The Right of Retrocession in the Public Expropriation covers big impact because of the discussion in your legal nature. This right is represented for three majority doctrinal current, to understand that is a real right, a personal right and mixed current. The retrocession is present in our law system implicit, through principles and fundamental rights provided by the Constitution Text, and also the current Civil Code. It's guarantee to the expropriate in front of the public administration, so, isn’t using the property, the former owner will, according to the law, practice your right of claim the property or plead compensation by losses and damages, or even, as the mixed current, might be exercise the right by alternative way. However, the absence of a specific law, since doesn’t covered by the General Expropriation Law, it passed to generate a huge omission about the legal nature. This article has the objective provide a better comprehension about the might be doctrinal current applicable to this right. By these means, it became necessary in progress of this research, search historic evaluations and decisions of courts, besides prestigious works that cover about the specific issue, getting a final result. Keywords: Expropriation. Retrocession. Nature Legal.
Sumário: Introdução. 1. Do Direito de Propriedade. 2. Da Desapropriação. 2.1. Utilidade e Necessidade Pública. 2.2. Interesse Social. 3. Da Retrocessão. 3.1. Da Tredestinação do Bem Desapropriado. 3.1.1. Tredestinação lícita. 3.1.2. Tredestinação ilícita. 4. Da Natureza Jurídica da Retrocessão. 4.1. Direito Real. 4.2. Direito Pessoal. 4.3. Corrente Mista. Conclusão.
Introdução:
O presente trabalho visa analisar o direito de retrocessão na desapropriação pública, qual abrange grande repercussão a respeito de sua natureza jurídica. Esse direito é representado por três correntes doutrinárias majoritárias: a que entende tratar-se de um direito real, outra de um direito pessoal e uma corrente mista.
A pesquisa se voltou, primeiramente, à propriedade, que é objeto principal da desapropriação, passando a abordar então o direito de propriedade e seu devido conceito e características, além do condicionamento através do cumprimento da função social.
Quanto ao instituto da desapropriação, se fez necessário apresentar a evolução histórica deste direito de forma geral, com conceitos, características, pressupostos e normas previstas.
Devido à desapropriação ser um pressuposto para o direito de retrocessão ao expropriado, foi necessário ainda, esclarecer o procedimento, os objetos passíveis à expropriação, às formas de pagamento a titulo de indenização, e por fim a destinação do bem desapropriado.
Nesse passo, foi possível abordar a temática do trabalho, a retrocessão, através do contexto histórico de suas previsões em normas antecedentes, para que adiante, fosse traçado seu conceito e características, e ainda, uma possível tese de qual seria sua natureza jurídica.
Chegando então a problemática do trabalho, foram apresentadas três correntes majoritárias que se referem à natureza jurídica da retrocessão, analisando-as de forma completa, apontando suas teses e características e, consequentemente, sendo possível chegar à conclusão do direito a ser aplicado ao instituto: real, pessoal ou conforme a corrente mista.
O trabalho teve seu desenvolvimento obtido por técnica de pesquisas bibliográficas, utilizando-se de livros e artigos de renomados autores. Além disso, o estudo foi feito pelo método dedutivo, com a intenção de garantir a precisão dos resultados, a fim de evitar distorções na análise de interpretações. Utilizou-se também meios de pesquisa documental, como a Constituição Federal, legislações concomitantes ao caso e jurisprudências relacionadas ao assunto.
1. Do Direito de Propriedade:
O direito de propriedade é direito individual previsto na Constituição Federal de 1988, no rol do artigo 5°. Como todo direito individual, o direito de propriedade é considerado clausula pétrea, não podendo ser alterado nem mesmo por Proposta de Emenda Constitucional (PEC). O Código Civil também traz previsão do direito de propriedade em seu artigo 1.228, ao passo que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la (…)” (BRASIL, 2002).
Costumava-se dizer, no que tange a respeito de suas características, que o direito de propriedade é um direito absoluto, exclusivo e perpétuo. Entende-se por absoluto, devido o proprietário ter sobre a coisa o poder jurídico permanente. Contudo, a exclusividade, de forma geral, passa a completar o absolutismo da propriedade, pelo motivo de o proprietário não ter nenhuma concorrência frente à coisa, ou ainda, que possa ter seu direito privado de forma alguma, salvo ao Estado, no processo expropriatório, onde prevalecerá o interesse público sobre o privado. Considera um direito perpétuo, no sentido de que ela só poder se extinguir pela vontade do proprietário através da alienação, e ainda, visto que, a propriedade tem duração ilimitada, e mesmo que transmitida a terceiros, ainda se caracteriza perpétua.
Em conformidade, segundo Cunha Gonçalves apud Rodrigues (2009, p. 78), o direito se define como, “aquele que uma pessoa singular ou coletiva efetivamente exerce numa coisa determinada, em regra perpetuamente, de modo normalmente absoluto sempre exclusivo, e que todas as outras pessoas são obrigadas a respeitar.”
No mesmo entendimento, Celso Ribeiro Bastos (1994, p. 169), conceitua o direito de propriedade como: “Um direito subjetivo, consistente em assegurar a uma pessoa o monopólio da exploração de um bem e de fazer valer essa faculdade contra todos os que eventualmente que a ela se opor […]. Nos Estados de doutrina individualista, o direito de propriedade erige-se num dos direitos fundamentais do homem.”
Neste interim, deve notar-se que o direito de propriedade está condicionado ao cumprimento da função social previsto na Lei Maior, qual exige que o proprietário cumpra os requisitos previstos no texto.
Tratando-se de um direito fundamental, é notório ressaltar que qualquer restrição a este, só pode ser considerada licita quando prevista na própria Constituição, como é o caso da intervenção do Estado por meio da desapropriação, fundada nos Princípios da Supremacia do Interesse Público, bem como da Função Social da Propriedade.
Assim, o Estado poderá intervir na propriedade privada em face do bem estar público, obedecendo aos limites constitucionalmente previstos. Caso a propriedade esteja cumprindo sua função social, poderá o Poder Público intervir somente com base na supremacia do interesse público sobre o particular, indenizando proprietário de forma prévia, justa e em dinheiro. Por outro lado, se a propriedade não estiver cumprindo sua função social, haverá a tomada da propriedade para que integre ao patrimônio público, fazendo sua redistribuição para que possa cumpri-la, indenizando o ex-proprietário com títulos da dívida pública.
2. Da Desapropriação:
A desapropriação é o procedimento pelo qual o Estado transforma compulsoriamente uma propriedade privada em propriedade pública. Trata-se então, de um direito público voltado ao direito de propriedade, onde ambos caminham, no geral, lado a lado. Quando se refere ao instituto da desapropriação, é inevitável não direcionar o pensamento ao direito de propriedade.
Com base nisso, Clóvis Beznos (2006, p. 17), reforça o entendimento e afirma que “o instituto da desapropriação caminha, historicamente, em paralelo com a noção de propriedade individual.”
Nesse passo, a “desapropriação, vista pelo ângulo do direito civil, é perda da propriedade, mas, encarada sob o ângulo do direito público, é o procedimento complexo que leva o Estado à aquisição da propriedade.” (SALLES, 1992, p. 13). Objetivamente é, ao mesmo tempo, perda e aquisição, onde através de atos realizados pelo Estado, obriga o titular do bem a transferir-lhe a propriedade mediante indenização, para atender a necessidade.
A doutrina brasileira tem excelente contribuição para a definição do instituto da desapropriação, que é apresentada com os mais variados conceitos. Alguns adotam o conceito mais elaborado, como o apresentado por José Carlos de Moraes Salles, segundo o qual, desapropriação seria: “Instituto de direito público, que se consubstancia em procedimentos pelo qual o Poder Público (União, Estados-membros, Territórios, Distrito Federal e Municípios), as autarquias ou as entidades delegadas autorizadas por lei ou contrato, ocorrendo caso de necessidade ou de utilidade pública, ou, ainda, de interesse social, retiram determinado bem de pessoa física ou jurídica mediante justa indenização, que, em regra, será prévia e em dinheiro, podendo ser paga, entretanto, em títulos da dívida pública ou da dívida agrária, com cláusula de preservação do seu valor real, nos casos de inadequado aproveitamento do solo urbano ou de reforma agrária rural, observados os prazos de resgate estabelecidos nas normas constitucionais respectivas” (SALLES, 1992, s.p).
Outros como Diogenes Gasparini (2009, p. 832), por sua vez, apresentam conceitos simplórios, e define desapropriação como: “O procedimento administrativo pelo qual o estado compulsoriamente, retira de alguém certo bem, por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social e o adquire, originariamente, para si ou para outrem, mediante prévia e justa indenização, paga em dinheiro, salvo os casos que a própria constituição enumera, em que o pagamento é feito com títulos da dívida pública (art. 182, § 4°, III) ou da dívida agrária (art. 184).”
É de se notar, que a definição de desapropriação dificilmente consegue compor-se a algo universal, até por que outros países conceituam o instituto de forma diferenciada em partes, mas mesmo assim, não se perde a essência do procedimento expropriatório.
Além de sua previsão normativa Decreto-Lei n°. 3.365, de 21 de Junho de 1941, constitucionalmente a desapropriação é regulada nos seguintes artigos: Art. 5°, XXIV, Art. 182, §4°, art. 184 e art. 243, todos da Constituição Federal.
Sendo assim, sabendo que a desapropriação gera a perda da propriedade do particular, ao contrario das outras intervenções, como as servidões e as limitações, se torna, portanto, o procedimento expropriatório, a forma mais radical de intervenção da Administração Pública nos bens privados.
2.1. Utilidade e Necessidade Pública:
A desapropriação é possível desde que a Administração Pública obedeça às condições de: necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, pagamento de indenização prévia, justa e em dinheiro, no caso de desapropriação comum e em títulos especiais da dívida pública quando se tratar de desapropriação para política urbana ou para reforma agrária, nos termos e condições dos artigos 182 e 184 e ss., respectivamente.
A utilidade pública existe quando a transferência da propriedade privada é conveniente e vantajosa ao interesse público, mas não constitui imperativo irremovível.
Já a necessidade pública surge quando a Administração se encontra diante de um problema inadiável e premente, isto é, que não pode ser removido nem procrastinado e para cuja solução é indispensável incorporar no domínio do Estado o bem particular. Segundo Salles (2009, p. 81), os conceitos se definem em: “A utilidade pública se apresenta quando a transferência de bens de terceiros para a Administração é conveniente, embora não seja imprescindível. A necessidade pública surge quando a Administração defronta situações de emergência, que, para serem resolvidas satisfatoriamente exigem a transferência urgente de bens de terceiros para o seu domínio e uso imediato”.
É correto ressalvar que a noção de necessidade pública já está inserida na de utilidade pública, pois suas qualidades são muito relativas, assim sendo, o que para alguns é apenas útil, para outros, é necessário.
O exemplo clássico dos economistas Oliveira e Cruz apud Cretella Júnior (1972, p.29), ensina que: “a capa esfarrapada de um pobre lhe é absolutamente necessária, já para lhe cobrir-lhe a nudez […]; para o menos pobre, será apenas útil; para o remediado e para o rico, inteiramente inútil”.
As hipóteses de necessidade e utilidade pública estão previstas no Decreto nº. 3.365/41, o qual não faz qualquer distinção entre esses dois pressupostos.
Nesse sentido Eurico Sodré (1955, p. 51), em sua obra afirma que: “Necessidade e utilidade pública se equiparam quando se trata de desapropriar, podendo, por isto, ser consideradas como sinônimas, para esse efeito. Tanto isto é certo que a lei vigente – Dec. 3.365/41 – aboliu a distinção entre elas, catalogando como de utilidade pública todos os casos outrora contemplados como de necessidade pública, nas leis extravagantes e no Código Civil.”
De fato o Decreto 3.365/41 ao estabelecer as hipóteses de necessidade ou utilidade pública em seu artigo 5º caput, não fez diferenciação entre elas, apenas descreveu todas as possibilidades como de utilidades públicas.
Para alguns autores, inclusive, os pressupostos da desapropriação (necessidade pública, utilidade pública, ou ainda, interesse social) poderiam reduzir-se a um único: o de utilidade pública. No entanto, outros, consideram útil a divisão por realçar melhor os casos em que a desapropriação é permitida.
2.2 Interesse Social:
O interesse social, como pressuposto para a desapropriação, surge quando o ato expropriatório se destine a solucionar os chamados problemas sociais, isto é, aqueles diretamente atinentes às classes pobres, aos trabalhadores e a massa do povo em geral, pela melhoria nas condições de vida e pela mais equitativa distribuição da riqueza, ou seja, pela atenuação das desigualdades sociais. No geral, seu caráter fundamental consiste nas hipóteses em que realça a função social, aplicada ao proprietário que não a cumpre.
Para Salles (2009, p. 81), se resume da seguinte forma: “O interesse social ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição ou condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade, ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do Poder Público.”
Dentre as hipóteses de desapropriação por interesse social, a primeira é aquela feita pela união para fins de reforma agrária, que recai sobre imóveis rurais que descumprem a função social. Vale lembrar que devem ser preenchidos simultaneamente requisitos para que se atenda a função social da propriedade rural, que são: o bem estar de empregados e proprietários; obedeça às exigências mínimas de produtividade; cumpra a legislação ambiental; observe a legislação pertinente às relações de trabalho. Faltando algum dos requisitos, o imóvel desatende a função social e se torna passível para fins de reforma agrária.
Já a outra, é a desapropriação feita pelo município para fins de política urbana. A desapropriação urbanística é de competência exclusiva do município e recai sobre imóveis urbanos que descumpram a função social, qual diverge da rural. O Imóvel urbano cumpre sua função quando atende as exigências estabelecidas no plano diretor, que é uma lei municipal e que fixa as diretrizes de uso e ocupação do solo urbano.
Por sua vez, as hipóteses não vieram disciplinadas no Decreto 3.365/41, isto, pois, foi editado sob a égide da Constituição de 1937, que não previa a desapropriação por interesse social. Esta só veio a ser mencionada na Constituição de 1946 (§16 do art. 141), de sorte que apenas em 1962 veio à luz o primeiro diploma legal sobre desapropriação por interesse social, a Lei nº. 4.132, seguido mais tarde pela Lei 4.504 de 1964 (Estatuto da Terra), que estabeleceu outros casos de desapropriação dessa natureza.
Percebe-se, portanto, que esta modalidade será utilizada para promover a justa distribuição da propriedade (reforma agrária) ou então, para fazer uso ao bem estar social, ou seja, a propriedade a ser expropriada precisa estar desatendendo sua função social.
3. Da Retrocessão:
Historicamente, entende-se que o instituto da retrocessão sempre esteve previsto nas Constituições já existentes no Brasil, mesmo que em alguns momentos de forma implícita no conteúdo do direito de propriedade. Além disso, teve uma considerável previsão na Lei da Província de São Paulo e no Código Civil de 1916.
No entanto, o instituto da retrocessão apareceu em nosso direito positivo, de forma embrionária, no artigo 5° da Lei n° 57 de 1836, quando deu ao proprietário o direito de recurso ordinário para a Assembleia Legislativa Provincial, caso pretendesse a restituição da propriedade.
A palavra retrocessão surgiu do latim “retrocessos”, que significa retrocesso, retrocedimento, recuo, regredimento. O instituto exprime a ação de voltar para trás, de retroagir, de regressar ou retroceder. É também denominada reversão ou reaquisição, ou ainda, tecnicamente significa “o ato por meio do qual aquele que adquire determinado bem transfere este para a pessoa de quem o adquira.” (FERREIRA, s.d, p. 1242).
Esse direito é titularizado pelo expropriado em reaver o bem desapropriado pelo preço da indenização, devidamente atualizado – em razão de eventuais melhorias ou deterioramentos provocados após a desapropriação –, nos casos em que se comprovar que a destinação do bem não foi de natureza pública, independente da modalidade de desapropriação empregada.
A retrocessão em sua problemática conceitual, de modo geral, é o ato pelo qual um bem expropriado retorna ao patrimônio do ex-proprietário, quando não é utilizada para uma finalidade pública.
Para Hely Lopes Meirelles (1998, p. 507), em sua obra, a “retrocessão é uma obrigação que se impõe ao expropriante de oferecer o bem ao expropriado, mediante a devolução do valor da indenização, quando não lhe der o destino declarado no ato expropriatório”.
Na mesma linha de raciocínio, Celso Ribeiro Bastos (2001, p. 260) preleciona que: “A retrocessão é a obrigação que tem o poder público de oferecer o bem ao expropriado mediante devolução do valor da indenização, quando não lhe der o destino declarado na declaração expropriatória, ou por ter cessado a utilidade pública ou o interesse social, ou por desvio de finalidade.”
Na pratica, retrocessão “é, portanto, a devolução do domínio expropriado, para que se integre ou regresse ao patrimônio daquele de quem foi tirado, pelo mesmo preço da desapropriação” (SILVA, 1991, p.138).
Contudo, a retrocessão possui três principais correntes doutrinárias, as quais distinguem a natureza jurídica desse direito. Com isso, ao decorrer dos tempos o direito de retrocessão foi tomando novos contornos diante de sua definição, inclusive após o novo Código Civil de 2002, sendo definido por alguns autores de forma diferente. Mas ainda sim, as diferentes definições não perderam entre si sua essência a respeito deste direito.
Outro ponto a destacar seria quanto ao prazo, na qual se entende consumar o direito de retrocessão, motivo de grande controvérsia entre os estudiosos. A dúvida se volta ao não-uso da propriedade, ou seja, desapropria o bem e não se dá utilização nenhuma, presumindo a desistência do expropriante. Alguns sustentam que tal desistência se caracteriza no prazo de cinco anos, com base no prazo de validade de utilidade pública (art. 10 do Decreto-Lei 3.365, de 21.6.41).[1] Por outro lado, a posição dominante quanto ao assunto, afirma que cada situação tem que ser examinada em concreto.
Quanto a sua prescrição, entende-se que violando o direito de preferência, o expropriado terá o prazo de cinco anos para intentar ação pleiteando perdas e danos, com base no artigo 1° do Decreto-Lei n° 20.910, de 6.1.32,[2]. Em contrapartida, o direito de reaver o bem, ou seja, o direito real, foi regido pelo artigo 177 do Código Civil de 1916, que previa o prazo de 10 anos entre presentes e 15 entre ausentes.
Chegando aos dias atuais, o Código Civil, no entanto, em seu artigo 205, não fez distinção entre direito pessoal e direito real, apenas previu a fixação do prazo prescricional de dez anos.
Em conformidade, afirma Di Pietro (2009, s.n) que: “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal deve ser adaptada, para entender-se que a prescrição, na retrocessão, ocorre no prazo de 10 anos, desde que mantido o entendimento de que a retrocessão é direito real. Caso contrário o prazo será quinquenal, válido para as ações contra a Fazenda Pública.”
Nas hipóteses de desapropriação por interesse social, é exigido ao poder expropriante que, em dois anos, a partir do processo expropriatório, o mesmo efetue a desapropriação e destine o bem ao devido aproveitamento, sendo que passado este prazo, começa a correr o prazo prescricional para a retrocessão, segundo a previsão da Lei n°4.132/62 em seu artigo 3°.[3]
Já nas hipóteses de desapropriação para reforma agrária, o prazo é de três anos, contados a partir do registro do titulo translativo de domínio, para que o poder expropriante destine à área as benfeitorias da reforma agrária. Passado esse prazo começa a correr o prazo prescricional para retrocessão, segundo o artigo 16 da Lei n° 8.629/93.[4]
Na desapropriação por interesse social o prazo já é maior, sendo que o município tem cinco anos para proceder ao adequado aproveitamento, a contar da incorporação do bem ao Patrimônio Público, segundo previsão da Lei n° 10.257/01 em seu artigo 8°.[5]
Por fim, é notório ressaltar a importância da retrocessão no direito brasileiro, através do voto do Exm° Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros em decisão no Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2003), afirmou que a obrigação de retroceder: “Homenageia a moralidade administrativa, pois evita que o Administrador – abusando da desapropriação – locuplete-se ilicitamente às custas do proprietário. Não fosse o dever de retroceder, o saudável instituto da desapropriação pode servir de instrumentos a perseguições políticas e, ainda ao enriquecimento particular dos eventuais detentores do Poder” (grifo nosso).
Sendo assim, apresentado seu conceito e suas devidas características, desde as correntes doutrinárias e seu devido prazo, pode se chegar a conclusão de que se trata de um direito ao expropriado na à desapropriação.
3.1. Da Tredestinação do bem desapropriado:
Na desapropriação pode acontecer do Poder Público não atender devidamente as finalidades para as quais foi efetivado o processo expropriatório. Assim, pode ser que a Administração Pública não atinja o destino do bem para o qual foi desapropriado, sendo chamada de tredestinação, que segundo Carvalho Filho (2010, p.964), “significa destinação desconforme com o plano inicialmente previsto”.
Insta salientar, que há duas hipóteses de tredestinação do bem desapropriado, e que genericamente são chamadas de tredestinação lícita e tredestinação ilícita.
3.1.1. Tredestinação Lícita:
A tredestinação lícita tem como conceito jurídico à destinação do bem desapropriado a uma finalidade diversa daquela pretendida no processo expropriatório, mas ainda de natureza pública.
Segundo Carvalho Filho (Idem) é “aquela que ocorre, quando, persistindo o interesse público, o expropriante dispense ao bem desapropriado destino diverso do que planejara no inicio”.
Essa espécie de tredestinação, contudo não é considerada um pressuposto para que haja o direito de retrocessão, pois entende-se que mesmo sendo finalidade distinta da inicial da declaração de utilidade pública, seu motivo continua ainda revestido de interesse público. Melhor exemplificando a Administração Pública desapropria um bem para a construção de um Hospital público, mas no fim, o bem é destinado para a construção de uma escola.
Nesse sentido, não há nenhuma ilicitude quanto ao ato, sendo que apenas alterou o aspecto especifico dentro do mesmo interesse público. O Código Civil Brasileiro expressamente deixa claro sobre o assunto em seu art. 519, demonstrando que não há ilicitude quanto ao referido ato.
Então, se o bem não tiver o destino da época da declaração de utilidade pública, ainda poderá ser destinado a obras ou serviços, que obrigatoriamente atingirão outra finalidade de interesse público, não sendo caracterizada como ato ilícito.
Portanto, conclui-se que a tredestinação ilícita permite ao Poder Público destinar o bem desapropriado para outra finalidade, mas que essa finalidade continue a ser de interesse público.
3.1.2. Tredestinação Ilícita:
A tredestinação ilícita tem como conceito jurídico no sentido de desvio de finalidade, que consiste na não destinação do bem ao interesse público, mas sim a interesses privados ou de terceiros estranhos ao interesse público, ou ainda quando o bem simplesmente não é utilizado para nenhum fim.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 206), afirma que: “a propósito do uso de um ato para alcançar finalidade diversa da que lhe é própria, costuma-se falar em desvio de poder ou desvio de finalidade”.
De forma abrangente afirma Carvalho Filho (2010, p. 964) sobre o assunto: “A retrocessão se relaciona com a tredestinação ilícita, qual seja, aquela pela qual o Estado, desistindo dos fins da desapropriação, transfere a terceiro o bem desapropriado ou pratica desvio de finalidade, permitindo que alguém se beneficie de sua utilização.”
Os aspectos apresentados pela tredestinação ilícita demostram que a Administração Pública realmente está desistindo da desapropriação, não havendo mais se quer motivos de interesse sobre o bem para sua utilidade, já que o Poder Público passou a destinar o bem expropriado à terceiro ou qualquer outro meio que caracterize desvio de finalidade, não atingindo o fim público a que se comprometeu à época da declaração de utilidade pública, o que faz a desapropriação tornar-se ilegítima.
Caio Tácito (1993, p. 01), ressalta sobre o assunto em que “qualquer ato administrativo esta vinculado a um fim público, ainda que a norma de competência a ela não se refira”.
Esse desvio de poder ou de finalidade, também dado à tredestinação ilícita, atualmente de modo geral, é considerado um pressuposto para que surja ao expropriado o direito de retrocessão. Prevê o Código Civil atual em seu art. 519, o direito de retrocessão na forma de preferencia, caso haja o desvio de finalidade.
Sendo assim, a tredestinação ilícita se volta ao não cumprimento de uma finalidade pública, onde a Administração Pública destina o bem a terceiro particular ou simplesmente não atinge o interesse público.
4. Da Natureza Jurídica da Retrocessão:
uanto à natureza jurídica do instituto da retrocessão, considerado algo polêmico e também estudado por muitos profissionais do direito administrativo, existem três principais correntes doutrinárias: a que diz ser um direito real, tendo o direito à reinvindicação do imóvel expropriado; a que entende que o direito é pessoal, sendo o direito do expropriado resolvido em perdas e danos; e também uma corrente mista de direito real e pessoal, cabendo ao expropriado a ação de preempção ou preferencia ou, se preferir, perdas e danos.
4.1. Direito Real:
A corrente doutrinária qual entende ter o direito de retrocessão sua natureza real, afirma que o expropriado tem o direito de reaver o seu imóvel caso a finalidade pública da desapropriação não seja atingida.
De modo geral, este direito incide sobre o bem no sentido de que o expropriado, ex-proprietário, possa exigir a reincorporação do mesmo ao seu patrimônio, caso haja tredestinação ilícita.
Munhoz apud Lacerda (1983, p. 21), em conformidade, ensinam sobre o assunto: “retrocessão é o direito que tem o expropriado de readquirir o bem ao qual não dera o poder expropriante a finalidade específica para que fora o mesmo desapropriado.”
Assim, o que sustenta a tese é o direito de propriedade assegurado constitucionalmente no art. 5°, incisos XXII e XXIV. Estes preceitos garantem o direito de propriedade e só admitem a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, e, não estando presentes esses pressupostos, a desapropriação se tornará ilícita, sendo certo e justo que o bem retorne ao ex-proprietário. Não se refere apenas a uma reivindicação, mas sim a um descumprimento de uma norma determinada pela Constituição Federal.
Ainda, em conformidade, o atual Código Civil em seu artigo 1.228, prevê de acordo com o entendimento de que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (BRASIL, 2002).
Na linha de entendimento acima, Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 760), defensor da natureza real, assevera que a “retrocessão, em sentido técnico próprio, é um direito real, o do ex-proprietário de reaver o bem expropriado, mas não preposto a finalidade pública.”
E ainda, nessa mesma senda, Seabra Fagundes (In RDA 78/15 – 16), ressalta que: “Admitir que o direito do expropriado, diante da pessoa jurídica expropriante se reduza a perdas e danos (salvo no caso em que tenha perecido a coisa a ela tomada por pessoa de Direito Público e transferida sem razão de interesse coletivo a terceiro) é frustrar a garantia constitucional. Com base nesse entendimento, a Administração poderá desapropriar qualquer bem, sob a alegação de atender ao interesse público, e, em seguida transferi-lo, sem perigo de retomada do mesmo pelo ex-proprietário, a terceiro cujos interesses pessoais queira satisfazer.”
Continuando com o preceito constitucional que abrange a retrocessão como direito real, Hauriou (1927, p.456) afirma, e ao mesmo tempo demonstra também sua frustração quando não atendido o direito de forma real: “o indivíduo que tiver sido privado do domínio de coisa sua, no pressuposto de que tal ocorreu para atender ao interesse público, terá que assistir ao desfrute do bem por outrem, talvez até um concorrente seu em negócios, conformando-se em ver apenas o preço que ele recebeu acrescer-se de perdas e danos. É a porta aberta ao abuso e à fraude. É a frustação, mascarada de legitimidade, da garantia constitucional, em cujos termos só a necessidade pública, ou o interesse social, autoriza o Estado a privar alguém de coisa de sua propriedade”.
Historicamente, a retrocessão teve sua natureza jurídica na maioria das vezes ao decorrer do tempo como um direito real. Além das Constituições anteriores, teve sua previsão no Código Civil de 1916 e principalmente teve também, como pontapé inicial, sua previsão na Lei da Província de São Paulo de N° 57 de 1836.
Atualmente a retrocessão como direito real não tem mais sua previsão no Código Civil, pois o que está previsto entende-se ser o direito pessoal. A Lei Geral das Desapropriações também não previu nem mesmo a retrocessão em si.
Referindo-se ao direito real, o que apenas prevê no Decreto-Lei 3.365/41 é em seu art. 35, em contradição, o qual não permite que os bens afetados pelo Poder Público voltem ao domínio anterior, tendo de ser resolvido o caso em perdas e danos. Para os doutrinadores dessa corrente, essa hipótese somente poderá ser aplicada se a desapropriação obedecer aos preceitos constitucionais, do contrario esse artigo não tem efeito.
O Supremo Tribunal Federal prevalecia com a tese favorável à natureza de direito pessoal da retrocessão. No entanto, com a modificação do entendimento majoritário da Excelsa. Corte, a retrocessão passou a ser tida como direito real, seja sob o fundamento da inaplicabilidade do art. 1.156 (atual art. 518 do CC/02) e art. 1.150 do CC/16 (atual art. 519 do CC/02), como, posteriormente, ao fundamento constitucional do jus proprietatis[6]. Assim, vindo a decidir de forma contraria, passando a conferir ao instituto caráter real, fez com que o expropriado tenha o direito de reaver o bem.
Em conformidade, Salles apud Mello (2010, p. 896), ressalta sobre essa mudança do entendimento e afirma que: “é pois, com satisfação que vemos, agora, a mudança de orientação anterior do STF, cuja jurisprudência mais recente vem afirmando a natureza real do direito de retrocessão, como se esclarece no acórdão estampado na RT 620/221 (especialmente p. 223), datado de 11.3.87 e de que foi relator o Min. Djaci Falcão. Verifique-se também, no mesmo sentido, a RTJ 104/468, que contém magistral voto do Min. Moreira Alves. Confira-se, ainda, a RTJ 117/790 (especialmente p. 794).”
Na mesma linha de raciocínio, o julgamento do Recurso Especial n° 62.506-8-PR no ano de 1995, da relatoria do Ministro Demócrito Reinaldo, entendeu a primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, que a ação de retrocessão tem natureza real, e que por consequência do desvio de finalidade o direito de retrocessão é evidente (BRASIL, 1995).
E ainda, o Superior Tribunal de Justiça em outra decisão, já no ano de 2005, afirmou que o direito de retrocessão é de natureza real, cabendo o retorno da propriedade aos expropriados, sendo que o Poder Público não atingiu uma finalidade pública, e que a quantia paga na forma de indenização fosse devolvida pelos autores a Administração Pública (BRASIL, 2005).
Na mesma seara, o Superior Tribunal de Justiça no ano de 2007 em sede de recurso especial (REsp. N° 868.655/MG), decidiu juntamente com o entendimento do Superior Tribunal Federal, conforme ementa que a retrocessão tem por natureza de ser um direito real.
As decisões transmitem a prevalência desta corrente doutrinária frente ao instituto da retrocessão no direito brasileiro, onde se nota que no entendimento da Corte Maior passou a ser majoritária e melhor aplicada para garantir ao expropriado seu direito no processo de desapropriação.
Sendo assim, é possível ressaltar que a corrente doutrinaria que aponta o direito de retrocessão ser de natureza um direito real, é voltada aos preceitos constitucionais da propriedade, e que o ato contrário a esse direito estaria por extinguir a garantia do proprietário frente à Administração Pública diante da desapropriação.
Portanto, sua tese aparenta ser de grande importância ao direito e sua fundamentação não é simplesmente no retorno do bem ao expropriado, mas sim no descumprimento pelo Poder Público de uma norma prevista na Lei Maior voltada aos direitos fundamentais.
4.2. Direito Pessoal:
A corrente doutrinária que entende ser a retrocessão um direito de natureza pessoal, passou a ser adotada com o Código Civil de 1916, tendo como preceito os artigos 1.150 e 1.1.56, e também o artigo 35 do Decreto-Lei n° 3.365/41, denominada Lei Geral de Desapropriação.
O artigo 1.150 do Código Civil de 1916 (art. 519 do novo Código Civil) expressava: “A União, o Estado, ou o Município, oferecerá ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço que o foi, caso não tenha o destino, para que se desapropriou” (BRASIL, 1916). E, no caso de o Poder Público não oferecer ao ex-proprietário, alegavam os doutrinadores que caberiam perdas e danos, em conformidade com o artigo 1.156 do Código Civil anterior (art. 518 do novo Código Civil): “Responderá por perdas e danos o comprador, se ao vendedor não der ciência do preço e das vantagens, que lhe oferecem pela coisa” (idem).
Outro ponto a ser adotado por essa corrente doutrinária é o disposto no Decreto-Lei 3.365/41, que não previu a retrocessão, mas em seu artigo 35, determinou: “Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reinvindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos” (BRASIL, 1941).
Baseando suas teses nos dispositivos apresentados acima, os doutrinadores dessa corrente entendem que a retrocessão é um direito pessoal e que cabe indenização por perdas e danos, – no caso de improcedência do pedido – se o poder expropriante não utilizar o bem conforme foi desapropriado, ou seja, deverá dar destinação contida no decreto, ou ainda podendo ser outra, mas desde que atinja o fim social e, caso contrário, caberá ao expropriado o direito.
Em conformidade, afirma Ebert Chamoun (1959, p. 38/39), que: “o direito do expropriado não é, evidentemente um direito real, porque o direito real não se contrapõe, jamais, um mero dever de oferecer. E, por outro lado, se o expropriante não perde a propriedade nem o expropriado a adquire, com o simples fato da inadequada destinação é óbvio que a reivindicação, que protege o direito de domínio, e que incumbe apenas ao proprietário, o expropriado não pode ter.”
Adiante afirma em face do artigo 35 da Lei Geral das Desapropriações, que: “o direito do ex-proprietário perante o poder desapropriante que não deu à coisa desapropriada o destino de utilidade pública permanece, portanto, no direito positivo brasileiro, como direito nítido e irretorquivelmente pessoal, direito que não se manifesta em face de terceiros, eventuais adquirentes da coisa, nem ela adere, senão exclusivamente à pessoa do expropriante. Destarte o poder desapropriante apesar de desrespeitar as finalidades da desapropriação, desprezando os motivos constantes do decreto desapropriatório, não perde a propriedade da coisa expropriada, que ele conserva em sua Fazenda com as mesmas características que possuía quando da sua aquisição” (idem p. 45).
Na mesma linha de entendimento, vale ressaltar, que a maioria dos defensores da corrente da natureza pessoal da retrocessão utilizou também o artigo 1.157 do Código Civil de 1916 (Art. 520 do novo Código Civil), que regulava o direito de preferência, “o direito de preferência não se pode ceder, nem passar aos herdeiros”, para afirmar que a retrocessão também é um direito intransmissível (BRASIL, 2002).
Em conformidade, defendendo a retrocessão como um direito de natureza pessoal, e que o mesmo é intransmissível, Hely Lopes Meirelles (2004, p. 599), afirma que: “A retrocessão é pois uma obrigação pessoal de devolver o bem ao expropriado e não um instituto invalidatório da desapropriação, nem um direito real inerente ao bem. Daí o consequente entendimento de que a retrocessão só é devida ao antigo proprietário, mas não seus herdeiros, sucessores e cessionários.”
Contudo, a respeito desse posicionamento, é notório ressaltar que existe jurisprudência com o entendimento de que mesmo sendo a retrocessão um direito pessoal, é transmissível.
De forma precisa, essa doutrina entende que o instituto da retrocessão não existe em nosso ordenamento jurídico, havendo somente o direito pessoal ao expropriado de postular uma indenização baseada em perdas e danos, em face do direito de preempção. Sendo assim, mesmo havendo a tredestinação ilícita do bem, só caberia ao ex-proprietário o direito indenizatório, ou melhor, de forma geral, não haveria o direito de retrocessão.
Em conformidade com entendimento desta corrente, se mostra o julgado no ano de 1983, da Corte Maior, onde o caso se deu pelo município de Vitória/ES, que desapropriou a propriedade para a construção de um logradouro público, embora destinada inicialmente à implantação de uma praça, veio a ser logo mais alienada à Petrobras Distribuidora, para a instalação de um posto de abastecimento de gasolina, por cessão feita por uma companhia urbanizadora estadual, com a anuência do Estado, pleiteando o expropriado, ação de retrocessão (BRASIL, 1993).
No julgado, obteve o entendimento de que o direito de retrocessão do expropriado se deu ao pagamento de indenização por perdas e danos – já que a construção já havia sido realizada, tendo assim, o Município e o Estado condenados solidariamente.
Ainda, no mesmo raciocínio, o entendimento novamente se mostrou no julgado no ano de 2000, desta vez no Superior Tribunal de Justiça, caso em que se deu, devido à desapropriação por Decreto Municipal, onde a propriedade teria sua destinação para a construção de uma quadra poliesportiva, o que não aconteceu e o expropriado ajuizou ação de retrocessão (BRASIL, 2000).
Sendo assim, a retrocessão como um direito pessoal, corrente defendida tanto quanto a de direito real, tem como fundamento trazer ao expropriado apenas o direito pleitear por perdas e danos, de forma indenizatória, ao contrario da corrente anterior.
4.3. Corrente Mista:
Os doutrinadores que adotam a tese de que a retrocessão tem sua natureza mista (real/pessoal), afirmam que cabe ao expropriado optar por reaver o bem ou pleitear por perdas e danos. A corrente mista como o próprio nome já diz, se trata de dois direitos perfeitamente distintos e que podem ser alternativamente utilizados pelo ex-proprietário.
Com isso, “se houver violação do direito de preferência, o expropriado, tanto poderá se valer do citado preceptivo, pleiteando perdas e danos, quanto ao invés disto, optar pela ação de retrocessão, a fim de reaver o bem” (MELLO, 2010, p.877). Deve ressaltar que, os dois direitos não podem ser utilizados de forma simultânea, devendo o expropriado escolher apenas um, isto porque um exclui o outro.
Essa corrente se perfaz devido à retrocessão ter sido tratada como um direito real, no entanto, a reivindicação do bem muitas vezes passou a se tornar um problema em decorrência de alguns fatores, por exemplo, se o bem já tiver sofrido diversas alterações ou se tiver sido transferidos a terceiros. Com isso, fez com que o expropriado nestes casos pudesse pleitear por perdas e danos a titulo de indenização, com valores atualizados e de forma justa.
Em conformidade com o entendimento acima, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p.187), uma das principais defensoras desta corrente afirma que: “essa terceira corrente era e é a que melhor se coaduna com a proteção ao direito de propriedade: em princípio, a retrocessão é um direito real, já que o artigo 1.150 do anterior Código Civil mandava que o expropriante oferecesse de volta o imóvel; podia ocorrer, no entanto, que a devolução do imóvel tivesse se tornado problemática, em decorrência de sua transferência a terceiros, de alterações nele introduzidas, de sua deterioração ou perda, da realização de benfeitorias; nesse caso, podia o ex-proprietário pleitear indenização, que corresponderia ao mesmo preço da desapropriação, devidamente corrigido, com alterações para mais ou para menos, conforme as melhorias ou deteriorações incidentes sobre o imóvel.”
De forma a exemplificar, se mostra em conformidade o julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em matéria jurisprudencial, onde no caso, restou decidido como direito do expropriado o de pleitear a devolução do bem, devido o Poder Público não ter dado o destino declarado, e nem outro de interesse público, contudo, na impossibilidade desta restituição do bem ao ex-proprietário, foi considerada admissível a conversão em perdas e danos (BRASIL, s.d)
Esse Julgado expressou de forma clara a característica dessa corrente, onde foi reconhecido ao expropriado os dois direitos (real e pessoal) de forma alternada, fazendo com que na impossibilidade de um, aplicasse o outro, garantindo o direito de retrocessão.
Sendo assim, conforme exposto, a natureza jurídica da retrocessão defendida pela corrente mista, faz com que o direito do desapropriado fique limitado ao exercício de reivindicar o bem ou, se preferir, perdas e danos.
Conclusão:
Sendo assim, face à possibilidade de desapropriação pelo Poder Público de propriedades particulares, através dos pressupostos intitulados, utilidade e necessidade pública e interesse social, e em obediência ao pilar principiológico da Supremacia do Interesse Público, destacou-se divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza jurídica do direito de retrocessão.
A doutrina apresenta três correntes, quais sejam, de direito real, de direito pessoal, ou mista, sendo esta ultima considerada minoritária. Buscou-se, no entanto ressaltar que não há uma corrente predominante sobre o referido instituto, em que pese, a corrente que entende ser a retrocessão um direito real ao expropriado, é a mais adequada a se aplicar.
O direito real frente à retrocessão traz ao expropriado o direito de reivindicar o bem que foi desapropriado pela Administração Pública, e que não teve sua devida destinação conforme declarado no inicio do processo expropriatório. Ainda, se apresenta como a melhor maneira de trazer ao expropriado uma segurança jurídica e garantia frente ao Poder Público, fazendo com que a desapropriação não seja alvo de abuso por parte do Administrador Público, ou ainda, um instrumento de perseguições politicas.
De fato, se o próprio Estado desiste do que pretendia com o bem expropriado, evidentemente a desapropriação terá se revelado sem razão de existir, devendo restituir à coisa ao estado anterior, ou seja, deve gerar um estado de normalidade, obrigando-se a devolver o bem ao seu antigo proprietário.
Porquanto, a retrocessão como um direito real é sede de matéria Constitucional, baseada no direito de propriedade assegurado e, não estando presentes os pressupostos previstos, a desapropriação se torna ilícita, ou ainda, inconstitucional, sendo certo e justo o retorno do bem ao ex-proprietário. Nota-se que não se refere apenas a uma reivindicação do bem, mas sim de um descumprimento da Lei Maior.
Porém, de fato, não se pode deixar de aplicar outras medidas alternativas caso o bem desapropriado se encontre em situações que seja impossível sua reversão ao ex-proprietário.
Ademais, nota-se a falta de uma legislação administrativa e sistematizada que trate da matéria a respeito da retrocessão, qual não é tratada de maneira explicita no ordenamento jurídico, e se quer na Lei Geral de Desapropriação.
Desta forma, concluindo, sua previsão normativa é o que se faz necessário para que possa extinguir ou diminuir ao menos as dúvidas e incertezas que assaltam a doutrina e jurisprudência no direito brasileiro.
Informações Sobre o Autor
Leonardo Fontes Dores
Advogado, Graduado em Direito pela Faculdade de Administração de Santa Cruz do Rio Pardo – FASC e Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá