Resumo: O presente estudo versa sobre a aceitação do "Direito ao Esquecimento" no ordenamento jurídico brasileiro, recentemente reconhecido em duas decisões do Superior Tribunal de Justiça. O referido direito será abordado como garantia da dignidade da pessoa humana, em face de uma sociedade de excessivas informações incorporadas ao espaço digital de forma a serem lembradas pela eternidade. O "Direito ao Esquecimento" aborda a necessidade de reintegrar uma pessoa ao meio social, vez que seu passado criminal é amplamente conhecido pela sociedade, cuja reputação tenha sido denegrida, mas já tenha cumprido com seu papel e pago à sociedade através de sanção penal.
Palavras- Chave: Direito ao Esquecimento; Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; Sociedade da Informação.
Abstract: This study deals with the acceptance of the "Right to Oblivion" in the Brazilian legal system, recently recognized in two decisions of the Supreme Court. This right will be addressed as a guarantee of human dignity in the face of excessive information society embedded in the digital space in order to be remembered for all eternity. The "Right to Oblivion" addresses the need to reintegrate a person to the social environment, since his criminal past is widely known by the company, whose reputation has been tarnished, but already fulfilled its role and paid to the society through penalty.
Keywords: Right to be forgotten; Principle of Human Dignity; Information Society.
Sumário: Considerações Iniciais. Desenvolvimento. Considerações Finais. Referências
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O avanço da tecnologia, em uma sociedade em que o conhecimento e a informação tem sido intensamente buscados e valorizados, propicia a propagação de informações de maneira ágil. As facilidades oferecidas por este constante avanço, de se difundir informações pelo mundo, apresentaram ao direito o desafio e a necessidade de se proteger o indivíduo na privacidade de informações referentes à sua vida pública e privada.
Não existe mais o limite para a capacidade da memória humana de armazenar fatos por um determinado período de tempo, a sociedade virtual eterniza fatos e informações ao publicá-los. O tempo torna-se incapaz de silenciar e colocar em esquecimento as dores e sofrimentos do indivíduo.
O atual contexto sobre a informação, que é de extrema importância para as diversas relações da vida, se tornou um desafio aos olhos dos juristas que buscam estabelecer formas de tornar o ambiente informacional digno e de acordo com os princípios e direitos fundamentais (RULLI JUNIOR, 2013,p.13).
A sociedade da informação vem sendo chamada, reiteradamente, pelos doutrinadores como superinformacionismo. Diante de tamanha inovação podemos nos perguntar: Até que ponto a vida do indivíduo pode ser exposta, invadida e observada? Como garantir ao indivíduo na sociedade da informação o direito do anonimato e como aplicar a esse indivíduo o "Direito ao Esquecimento"?
DESENVOLVIMENTO
Diante de uma sociedade superinformacional não se torna uma tarefa fácil tirar da memória destes os fatos, mesmo que distante no tempo, no espaço virtual estará sempre de fácil acesso. Tornando ao individuo que já pela lei esta livre do seu crime, na memória estará sempre preso aos seus atos e sob a tortura do julgamento contínuo da sociedade, negando a este individuo o direito de ter novas oportunidades de um recomeço, sem que sobre ele esteja o peso do julgamento permanente.
Nesse sentido, preleciona Rulli Junior (2013, p.19) ao discorrer:
"A pessoa é tão atingida que não tem como conseguir uma segunda chance, nem mesmo sobreviver autonomamente. Não se pode confundir existência de pena com necessário processo precedente, pois, 6 CF, art. 5º. inc. III :”ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” Vide ainda na prática, se tem uma verdadeira pena sem processo. O sujeito é punido pela sociedade, mesmo inocente ou sem ter sido processado, sentindo os efeitos da pena. De qualquer maneira, o tratamento degradante não pode ocorrer (RULLI JUNIOR, 2013, p.19)."
Foi recente a inserção da discussão sobre o direito ao esquecimento no nosso ordenamento. De fato, diante da evolução técnica e também cultural da sociedade, fica evidente o potencial de maior exposição de todas as informações, sejam de relevância pública, ou do âmbito privado. Com isso em mente, e apoiado no permissivo do Enunciado 531 da CJF[1], bem como no alargamento do alcance e tutela do princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, foi que a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por decisão de maioria, no primeiro semestre de 2013, aplicou a tese do “Direito ao Esquecimento” em duas decisões independentes, ambas relatadas pelo Ministro Luis Felipe Salomão, Recursos Especiais n. 1.334.097/RJ [2]e 1.335.153/RJ[3], que aqui merecem análise.
Tratam-se do caso da “Chacina da Candelária” e no caso “Aída Curi”, ambos propostos com o objetivo de condenar ao pagamento de indenizações por desrespeito ao direito da personalidade de “ser deixado em paz”, como sinônimo do direito de ser esquecido, e que ascenderam à corte superior devido à relevância do tema, haja vista a criação, se não de um novo direito, ao menos de um novo conceito na ordem jurídica nacional.
No primeiro dos casos, que gerou o Recurso Especial n. 1.334.097/RJ, um dos investigados como partícipe dos homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993 na cidade do Rio de Janeiro, em um episódio que ficou conhecido como a "Chacina da Candelária" – tendo sido absolvido ao final do julgamento – ajuizou ação contra a empresa Globo Comunicações e Participações S/A, veiculadora do programa “Linha Direta – Justiça”, por levar ao ar programa sobre o episódio, apontando-o como uma das figuras relevantes do evento, ainda que assinalando a sua absolvição (STJ, 2013a, p. 1).
Segundo o seu entender, resumidamente, reacendeu-se situação que já havia sido esquecida na sociedade, trazendo à comunidade onde vive a idéia de que seria um “chacinador”, o que feriria o seu direito ao anonimato, à privacidade e à paz (STJ, 2013a, p.1).
Em primeiro grau de julgamento, o Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ reconheceu no caso uma necessidade de confrontar o direito de imprensa e direito à informação (devido ao interesse público da notícia), com o direito ao anonimato e ao esquecimento, no qual saiu “vencedor” o primeiro, sendo julgado improcedente o pedido (STJ, 2013a, p. 1-2).
Ademais, considerou-se que a Globo Comunicações e Participações S/A não agiu com dolo de causar dano e nem ocasionou mácula à imagem ou honra do então autor da ação na medida em que retratou fielmente o ocorrido, deixando clara a inocência do investigado, que se tornou fato de extrema importância no relato da conturbada investigação policial que levou à acusação de três inocentes, entre os quais, o autor (TJ/RJ, 2009). Todavia, em apelação (TJ/RJ, 2008), cujo acórdão foi relatado pelo desembargador Eduardo Gusmão Alves Brito Neto, reformou-se a sentença, resultando na condenação da empresa apelada ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de danos morais, considerando que seria possível recontar a história da Chacina da Candelária sem mencionar o nome do investigado, que estivera envolvido no episódio apenas em caráter lateral e acessório, e que houvera retornado ao anonimato após o ocorrido.
Novamente os julgadores identificaram uma necessidade de sopesar os direitos constitucionais de informar e de ser esquecido, este último, segundo a corte, derivado da dignidade da pessoa humana, prevista no art.1º, III, da Constituição Federal (assim como o “direito de alcançar a felicidade”), porém, chegando-se ao resultado antagônico do juízo a quo. (TJ/RJ, 2008). Voto divergente foi o do desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, considerando que o trágico evento faria parte da história nacional, e por tal razão “deve ser contado e relembrado à população por inteiro, e não pela metade” (apud TJ/RJ, 2009, p. 4).
Opostos embargos infringentes, manteve-se o entendimento do tribunal, asseverando que se poderia ter desfigurado eletronicamente a imagem do Autor e usado de um pseudônimo para a veiculação da notícia, o que não deixaria menos informado o público e “consistiria em sacrifício mínimo à liberdade de expressão, em favor de um outro direito fundamental que, no caso concreto, merecia maior atenção e preponderância.” Esse direito mencionado seria o que os desembargadores consideraram como “Direito ao Esquecimento” ou o “direito de ser deixado em paz” (TJ/RJ, 2009, p. 7-8).
De modo geral, os argumentos de defesa foram todos no sentido de que o acolhimento de um direito ao esquecimento constitui atentado contra a liberdade de expressão e o direito de imprensa, representando a perda da memória da sociedade e, assim, a perda da própria história (STJ, 2013a, p. 17). Criar-se-ia no conceito de privacidade, uma nova forma de censura e de abolição de direitos, tendo em vista que a relação do indivíduo com a sociedade (também quanto ao seu direito de privacidade) já está protegido pelo nosso ordenamento e, em revés, o esquecimento simplesmente negaria aquela relação.
No segundo dos casos, Recurso Especial n. 1.335.153/RJ, os irmãos vivos de Aída Curi, vítima de homicídio em 1958, caso este que ficou nacionalmente conhecido devido à divulgação da época e às circunstâncias em que aconteceu o crime, ajuizaram ação de indenização de danos materiais, morais e à imagem, também contra a Globo Comunicações e Participações S/A, devido à re-veiculação da notícia anos após o ocorrido (STJ, 2013b, p. 1).
Afirmou-se, em suma, que a exploração do caso pela emissora fora ilícita, causando seu enriquecimento à custa da abertura de antiga ferida da família e fazendo emergir a lembrança de tragédia familiar passada, além de causar danos à imagem da falecida pelo seu uso comercial, mesmo sendo notificada previamente a não fazê-lo. (STJ, 2013b, p. 1). Os fundamentos da defesa foram os mesmos do caso anteriormente estudado.
Seguindo para julgamento, assim como ocorreu no caso da Chacina da Candelária, o Juízo de Direito da 47ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ julgou improcedentes os pedidos dos autores, tendo sido mantida a sentença por seus fundamentos em grau de apelação. (STJ, 2013b, p. 1).
Os pedidos foram julgados improcedentes, tanto em primeiro grau quanto no Tribunal, porque se considerou que “[…] a matéria jornalística não foi maliciosa nem extrapolou o objetivo de retratar os fatos acontecidos” (TJ/RJ, 2010, p. 1). Ademais, permanece o interesse social na divulgação dos crimes contra a honra da mulher em especial, pois infelizmente ainda são uma realidade nacional, além de o fato criminoso envolvendo Aída Curi ter sido amplamente noticiado à época do ocorrido, chocando toda a sociedade.
O dever de indenizar estaria apenas presente caso a informação tivesse a intenção e o condão de denegrir a pessoa retratada ou atingir a sua honra, bem como quando fosse utilizada indevidamente para fins comerciais, nenhuma das hipóteses sendo observada no caso, de modo que a Constituição Federal, ao proteger a liberdade de expressão livre de censura e independente de licença (art. 5o, IX) é fundamento suficiente para garantir o direito de exibição da notícia. Mais que isso, os fatos de interesse público nunca chegaram a cair no esquecimento, pelo contrário, foram amplamente discutidos e noticiados nos últimos cinquenta anos, inclusive nos meios acadêmicos. Até mesmo porque é função social dos meios de comunicação informar, alertar e abrir o debate sobre esses casos controvertidos, de modo que não se trata puramente de um direito seu, mas de um dever frente à coletividade de lembrar o passado para podermos aprender com ele. Como disse o desembargador: “O esquecimento não é o caminho salvador para tudo. Muitas vezes é necessário reviver o passado para que as novas gerações fiquem alertadas e repensem alguns procedimentos de conduta do presente” (TJ/RJ, 2010, p. 4).
Interpostos embargos de declaração, foram rejeitados, sobrevindo então recursos especial e extraordinário; este último não foi admitido. A fundamentação da decisão do Recurso Especial foi muitíssimo semelhante à do recurso referente ao caso da Chacina da Candelária, porém chegaram os ministros à conclusão de que não caberia indenização, por maioria dos votos, porque no caso mesmo que prevaleça a tese do “Direito ao Esquecimento”, como direito da personalidade, e que este se sobreponha à liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, e mesmo que não tenha contemporaneidade a notícia, não se verificou o dano, pois nesse caso consideraram que seria impossível desvincular o nome da vítima do crime dramatizado no programa televisivo (STJ, 2013b).
Nesses casos, deve-se recorrer a raciocínios analíticos, ou dialéticos, partindo de visões tradicionalmente aceitas e tentando justificar a melhor opinião. Observa-se ainda que, mesmo que nem sempre se esteja de acordo sobre a maneira de agir em determinada situação, pois várias soluções podem se mostrar igualmente razoáveis, existe normalmente, em um dado momento de uma comunidade humana, um amplo acordo sobre o que seria inaceitável ou intolerável (PERELMAN, 1996, p. 682).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O “Direito ao Esquecimento” entrou na pauta do cenário nacional devido à aceitação, em duas decisões proferidas pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça, as quais o indivíduo tem direito a exigir que não sejam publicadas informações a respeito de sua intimidade, ainda que haja o interesse público da notícia, desde que passado tempo suficiente para que a pessoa retorne à condição de “anonimato”.
Estamos aqui colocando a necessidade de proteção daquele que está em dia com a sociedade, após cumprida a pena, e tem sua vida novamente exposta, geralmente de forma desnecessária, colocando – o novamente ao ambiente do passado e todas suas peculiaridades e prejudiciais consequências. Isso seria facilmente evitado com uma mudança de nomes, preservação do anonimato, ou seja, uso de pseudônimos por exemplo.
O direito a informação pode ser reprimido a partir do momento em que seu interesse deixa de ser coletivo, ou ainda, não se fala aqui do esquecimento da história, mas da preservação da intimidade daqueles que dela participaram. A partir do momento em que esse individuo está quite com suas obrigações com a justiça, a não preservação do anonimato supracitado prejudica somente os envolvidos no seu âmbito social de comunidade, prejudicando – os, mas que em um modo geral não tiraria a importância, relevância e contexto histórico do ocorrido.
Sendo assim, o direito de ser esquecido está entre os direitos da personalidade, da privacidade e do próprio direito ao anonimato. Sendo fundamental salientar que o anonimato do envolvido não prejudica em forma alguma a história a ser contada ao grande público, é importante também dizer que tal entendimento é amparado pela Constituição Federal.
Acesso em 01 de agosto de 2016.
Acesso em 01 de agosto de 2016.
Informações Sobre os Autores
Sarah Kelley Câmara Marques Duarte
Acadêmica de Direito na Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas
Filipe Duarte Ferreira
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas. Especialista em Direito Civil Bancário e do Consumidor. Servidor Público