O livre planejamento familiar e o papel do estado como agente subsidiário de recursos e suportes para o desempenho do poder familiar responsável

Resumo: Este trabalho tem por escopo abordar o exercício do poder familiar responsável, a partir do estudo do livre planejamento familiar, explicando o que é e sua finalidade, elencando as consequências de sua inexistência, ilustrando a garantia de acesso a programas de saúde que conferem assistência à concepção e à contracepção, apesar da vedação da intervenção estatal nessa escolha; debatendo, ainda, sobre as políticas públicas que conferem acesso aos direitos fundamentais, voltados para viabilizar o pleno exercício do poder familiar ao detentor da potestade jurídica, impossibilitado de, por seus próprios meios, conferir à prole acesso a determinados recursos e serviços imprescindíveis para sua formação e desenvolvimento; discorrendo, por fim, sobre medidas que podem servir para conscientizar a população acerca de sua importância, elaboração e implementação.

Palavras – chave: Planejamento Familiar. Políticas Públicas. Papel do Estado. Princípios Norteadores. Conscientização populacional.

Sumário: Introdução. 1. Conceito de família. 2. Conceito e finalidade do planejamento familiar. 3. O papel do Estado no auxílio das famílias e seus membros. 4. A não intervenção do Estado no planejamento familiar. 5. Aplicação dos princípios da liberdade e autonomia da vontade no planejamento familiar. 6. Conceito, finalidade e princípios constitucionais norteadores das políticas públicas. 7. Programas sociais voltados para a família carente e sua prole. 8. Formas que o Brasil pode adotar para conscientizar a população para que o planejamento familiar seja programado de modo mais responsável a fim de evitar que as políticas públicas de auxílio sejam sobrecarregadas e afetem as outras políticas do governo.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva analisar a importância do planejamento familiar sob o viés dos princípios da paternidade responsável e da dignidade da pessoa humana, buscando uma maneira de conscientizar a população a esse respeito, mediante exposição de algumas consequências de sua inobservância pretendendo, com isso, mostrar as vantagens e proveitos que sua aplicação refletem tanto na esfera privada, compreendida pelo próprio núcleo familiar, como no setor público.

1) Conceito de Família

Para uma melhor compreensão quanto à importância do planejamento familiar tanto para o núcleo familiar em si como para a sociedade, primeiramente torna-se necessário conceituar família e fazer menção à sua potestade jurídica que está baseada em princípios, como os da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.

Roberto Senise Lisboa (2013, p. 36) afirma que "Família é a união de pessoas: a) constituída formalmente, pelo casamento civil; b) constituída informalmente, pela união estável; e c) constituída pela relação monoparental."

Paulo Nader (2009, p. 03) traz uma definição mais ampla ao afirmar que família é “(…) uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente descendem uma da outra ou de um tronco comum (…)”.

A Desembargadora Maria Berenice Dias (TARTUCE, 2008, p. 46) é ainda mais abrangente ao tratar das famílias plurais[1] que, segundo ela, "(…) funda-se sob os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo uma nova roupagem axiológica do direito de família", e acrescenta ainda que “A família-instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes, como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo Estado.”

Também fundada nos pilares da afetividade, Flávio Tartuce (2008, p. 48) cita, ainda, a "família mosaico" ou "família pluriparental", que representa os núcleos compostos por membros advindos de vários casamentos, uniões estáveis, ou do simples relacionamento de seus membros.  

Como se percebe, a doutrina tem definido "família" preocupando-se mais com seus valores morais, pilares afetivos e função social do que com sua composição, apesar de não ignorar as inúmeras possibilidades de reunião, ao cuidar das famílias que ultrapassam a clássica formação, compreendida pelos pais e filhos.

Não se pode olvidar que o termo "família" é bastante extenso, não devendo ser limitado de forma taxativa. Assim, é importante destacar que o rol contido no artigo 226, da Constituição Federal, de 1988, é meramente exemplificativo. Contudo, necessário se torna dizer que para a elaboração do presente estudo, deu-se enfoque à modalidade clássica, acima mencionada.

Ainda, ao discorrer sobre família, é demasiado importante expor, também, sobre potestade familiar, esta relacionada aos direitos-deveres do seu titular, que pratica atos em benefício de pessoa que seja incapaz de cuidar de seus próprios interesses. Ele age de acordo com a conveniência e necessidades da família. Sem a potestade a vida em família não alcança amplamente sua finalidade.

Por essa razão, a conscientização acerca do planejamento familiar merece especial atenção, pois para que os interesses materiais e extrapatrimoniais desses incapazes sejam plenamente atendidos pelo titular da potestade familiar, é preciso que a família seja composta por quantidade de membros a quem ela consiga proporcionar, com seus próprios recursos e dentro de suas possibilidades, todo o suporte necessário para o desenvolvimento de cada um dos membros, sobretudo da prole.

2) Conceito e finalidade do planejamento familiar

Conforme ensina Roberto Senise Lisboa, planejamento familiar é a liberdade de escolha de um casal acerca da formação de sua família com relação aos filhos e também da "limitação e aumento da prole", mormente, "a adoção dos meios lícitos necessários para o desenvolvimento físico, psíquico e intelectual dos integrantes da sua família" (2013, p. 40).

 O planejamento familiar serve para que os progenitores optem em formar sua prole de maneira consciente, dentro dos limites de suas possibilidades econômicas e sociais, a fim de que eles próprios sejam capazes de proporcionar aos filhos os meios materiais e imateriais para sua sobrevivência e pleno desenvolvimento físico, mental e intelectual, garantindo-lhes que cresçam com dignidade e se tornem pessoas úteis à sociedade e, igualmente, possuam meios de, posteriormente, criar a própria prole, proporcionando iguais ou melhores condições, sem que haja qualquer necessidade de dependência e utilização dos recursos estatais, instrumentalizados por meio de programas sociais.

Essa escolha está intimamente ligada a diversos princípios de direito regulamentados pela Constituição Federal, dentre os quais, o da dignidade da pessoa humana, o da liberdade, ou da não intervenção, o da autonomia da vontade, o da solidariedade e o da maternidade/paternidade responsável, sendo que este último está ligado aos deveres oriundos do pátrio poder, indicados o artigo 1.634 do Código Civil.

O planejamento familiar tem previsão legal na Constituição Federal, mais especificamente no artigo 226, § 6º, e é regulamentado pelo Código Civil no art. 1.565, § 2º, e pela Lei nº 9.263/96 que trata do planejamento familiar.

3) O papel do Estado no auxílio das famílias e seus membros

Quando os pais não fazem um planejamento familiar e, com isso, a quantidade de filhos ultrapassa os limites das possibilidades financeiras familiares de custear, até mesmo, o mais básico, como alimentação, moradia, educação e saúde – para não citar outros – nessas circunstâncias o Estado atua como um agente subsidiário provedor de recursos mínimos e indispensáveis para a realização, a contento, do poder familiar, à medida que fornece recursos educacionais, científicos, acesso à saúde, lazer, além de fomentar programas sociais, tudo em prol de viabilizar aos genitores estrutura para a criação e desenvolvimento de sua prole, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana, que visa a assegurar a todos os membros da família os seus direitos inerentes à personalidade.

Há quem confunda esse respaldo estatal como uma forma de "interferência" nas relações familiares. Como exemplo, pode-se citar Silvio Rodrigues (2004, p. 5):

“… a família constitui a base de toda a estrutura da sociedade. Nela se assentam não só as colunas econômicas, como se esteiam as raízes morais da organização social. De sorte que o Estado, na preservação de sua própria sobrevivência, tem interesse primário em proteger a família, por meio de leis que lhe assegurem o desenvolvimento estável e a intangibilidade de seus elementos institucionais. Daí a interferência, por vezes até exagerada, do Estado nas relações familiares.”

Entretanto, diverso do que entende o doutrinador, não se trata de uma intervenção no sentido de intromissão, de participação, de imposição, até porque tal conduta violaria o princípio da não intervenção, melhor tratado no próximo tópico.

O Estado desempenha importante papel, vez que a ele compete fornecer subsídios para o exercício da paternidade/maternidade responsável sempre quando os genitores não tiverem possibilidades de fazê-lo com seus próprios recursos, conforme estabelecem alguns artigos da Constituição Federal, de 1988.

É importante frisar que o Estado não atua no âmbito familiar de forma direta, posto ser tal comportamento repudiado e vedado.

Ele atua como colaborador dos detentores do poder familiar (independentemente de quem exerça a função de guardião/tutor da prole), disponibilizando serviços gratuitos, como os educacionais e aqueles voltados para a saúde, para que as famílias carentes tenham igual acesso a tais serviços e possam, também, desenvolver-se nas mesmas condições que as faixas populacionais mais abastadas, lembrando que o Estado pode atuar em todos os seguimentos, para atender aos mais variados interesses e direitos.

O Estado disponibiliza alguns de seus serviços por meio de programas sociais criados por políticas públicas voltadas para áreas de atuação específicas, como moradia, erradicação da fome e da pobreza extrema, ensino técnico, desenvolvimento científico, lazer etc.

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Assim, o papel do Estado é somente o de subsidiar às famílias os meios de exercer uma paternidade/maternidade responsável, mediante disponibilização de serviços gratuitos que garantem o acesso aos direitos fundamentais, por meio de programas sociais, inclusive aos de repasse direto de renda – este dirigido somente para determinadas pessoas, que preenchem alguns requisitos – a fim de viabilizar o acesso aos recursos, bens e serviços que o Ente Público não fornece diretamente, como alimentação e vestimentas, por exemplo.

4) A não intervenção do Estado no planejamento familiar

Como se viu, o planejamento familiar é norteado por alguns princípios de direito, dentre os quais sobressai o princípio da não intervenção, intimamente ligado aos princípios da liberdade e da autonomia privada. O princípio da não intervenção veda que qualquer pessoa de direito público ou privado interfira nas decisões das famílias. Por outras palavras, respeitada a liberdade de escolha de um casal no que se refere ao seu planejamento familiar, é proibida qualquer forma de coerção que se destine a intervir neste julgamento. O princípio da não intervenção é reforçado pelo artigo 1.513 e pelo parágrafo 2º, do artigo 1.565, ambos do Código Civil.

Contudo, o Estado pode incentivar o controle da natalidade por meio de ações preventivas e educativas relacionadas ao acesso a informações acerca das técnicas de controle da fecundidade, o que não significa desobediência a este princípio.

Nessa toada, podemos citar a Lei nº 9.263/96, que disciplina o planejamento familiar, conceituando-o da seguinte forma:

“Art. 2º Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.

Parágrafo único – É proibida a utilização das ações a que se refere o caput para qualquer tipo de controle demográfico.”

A lei supracitada, sem desrespeitar os princípios ora analisados, prevê que o sistema único de saúde – SUS – obriga-se a garantir programa de atenção integral à saúde que inclua, como atividade básica, a assistência à concepção e contracepção (art. 3º, I), devendo ser oferecidos todos os métodos e técnicas cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção (art. 9º).

Essa mesma legislação também tratou de disciplinar a esterilização, de homens e mulheres, dispondo acerca dos métodos permitidos e proibidos, esclarecendo que o candidato deve ter plena capacidade civil, ser maior de 25 (vinte e cinco) anos de idade OU ter mais de dois filhos vivos e, também, prevê a possibilidade de submissão ao procedimento cirúrgico quando houver risco para a vida ou a saúde da mulher ou do futuro concepto.

Por fim, em respeito ao princípio da não intervenção, previu crimes e as respectivas penas aos agentes que vierem realizar esterilização cirúrgica em desacordo com essa lei.

Outra forma que o Estado poderá atuar no planejamento familiar, sem que configure violação a qualquer dos princípios que o norteiam, será propiciando "… recursos educacionais e científicos necessários ao exercício desse direito…" sendo "… proibida qualquer forma de coerção." (MADALENO, 2011, p.172).

O acesso a educação e outros direitos, é assegurado pela Constituição Federal e, também, pela Lei 9.263/96, que não se omitiu de prever que:

“Art. 5º – É dever do Estado, através do Sistema Único de Saúde, em associação, no que couber, às instâncias componentes do sistema educacional, promover condições e recursos informativos, educacionais, técnicos e científicos que assegurem o livre exercício do planejamento familiar.”

Assim, pode-se dizer que os princípios constitucionais voltados para a regulamentação do planejamento familiar servem, justamente, para evitar que sejam adotadas políticas públicas coercitivas de esterilização, como forma de preservar a autonomia do casal. Isto porque "… Ignorar a autonomia individual nesse particular, mediante práticas forçadas, significaria dar à pessoa humana um tratamento de coisificação, oposto, portanto, ao da dignificação" (CANOTILHO, 2013, p. 2122).

Uma vez que o Estado está impossibilitado de interferir na escolha do casal ante os princípios constitucionais que norteiam este direito, "… apesar das dificuldades econômicas, sociais e culturais que interferem na capacitação dos filhos, muitas vezes abandonados e vivendo na pobreza e na marginalidade." (MADALENO, 2011, p. 172), a ele cabe, somente, lançar mão de políticas públicas voltadas tanto para a conscientização dessas famílias acerca da natalidade e responsabilidades dos pais para com seus filhos, como voltadas para o apoio dessas famílias carentes para que consigam prover sua prole com o mínimo de dignidade.

Portanto, o Estado apenas pode intervir no planejamento familiar com a criação de políticas públicas, também conhecidas como programas sociais, que visem atender aos melhores interesses da família, sempre respeitando sua liberdade na tomada de decisões.

5) Aplicação dos princípios da liberdade e autonomia da vontade no planejamento familiar

Como bem disciplinam o artigo 1.513 e o parágrafo 2º, e o artigo 1.565, ambos do Código Civil, é vedado qualquer tipo de interferência na comunhão de vida instituída pela família, bem como de coerção de instituições públicas ou privadas sobre a decisão do casal quanto ao planejamento familiar.

Nas palavras de Maria Helena Diniz (MADALENO, 2011, p. 89):

“O princípio da liberdade se faz muito presente no âmbito familiar, pela liberdade de escolha na constituição de uma unidade familiar, entre o casamento e a união estável, vetada a intervenção de pessoa pública ou privada (CC, art. 1.513); na livre-decisão acerca do planejamento familiar (CC, art. 1565, §2º), só intervindo o Estado para propiciar recursos educacionais e informações científicas;” (g.n.).

Nesse diapasão, não podemos nos olvidar de dizer que o planejamento familiar está ligado ao princípio da paternidade responsável, que visa a proteger a pessoa do filho.

Assim, embora a lei vede a interferência de terceiros no planejamento familiar, a própria essência do princípio da paternidade responsável atua como um limitador dos princípios da liberdade e autonomia da vontade, porque este princípio vincula os pais aos deveres de criação e sustento de sua prole (potestades), de maneira que devem limitar-se a ter somente os filhos que possam criar e dirigir educação.

Desta forma

“O direito ao planejamento familiar, assim, é um direito a ser livremente exercido, mas apenas no sentido de não admitir qualquer ingerência de outrem, estatal ou privada, com vistas a restringi-lo ou condicioná-lo, uma vez que a decisão sobre ter ou não prole, seu aumento ou redução vincula-se à privacidade e à intimidade do projeto de vida individual e parental dos envolvidos…” (CANOTILHO, 2013, p. 2122).

Nesse mesmo sentido, é a lição de Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2011, p. 88) ao ensinar que "Exercer com amplitude a autonomia da vontade não se configura em um poder absoluto, sem limites, o que seria impensável, porque nenhuma pessoa age completamente livre ou com total autonomia".

Pode-se concluir, portanto, que os princípios da liberdade e autonomia da vontade não podem se sobrepor a responsabilidade parental oriunda do Pátrio Poder.

6) Conceito, finalidade e princípios constitucionais norteadores das políticas públicas

As políticas públicas são instrumentos de ação das três esferas do governo para efetivar os direitos sociais fundamentais, em determinado setor social e espaço geográfico, nos quais pode haver a participação de entes públicos ou privados, cujo objetivo é o de garantir o acesso e o exercício dos direitos constitucionais assegurados pela Constituição Federal.

Nas palavras de Osvaldo Canela Júnior (2011, p. 53), política pública é o veículo material, o mecanismo estatal de efetivação dos direitos fundamentais sociais, destacando que "Os direitos fundamentais sociais protegem determinados bens da vida, cuja garantia… diminui os níveis de miséria, promovendo a igualdade substancial entre os homens…".

E, acrescenta que "… Estes bens da vida… constituem um núcleo irrevogável e complementar, a ser atendido por meio de atos materiais praticados pelo Estado."

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Assim, os instrumentos de ação do governo – políticas públicas – servem para alcançar melhorias, proporcionar bem-estar e diminuir a desigualdade.

Toda política está relacionada com algum interesse público e afeta, mesmo que indiretamente, todos os membros de uma sociedade, uma vez que, para sua execução, haverá a aplicação recursos financeiros públicos ou privados. Dependendo do espaço temporal dessas políticas públicas em relação à sua vigência, poderão ser consideradas políticas de governo (curto prazo) ou políticas de Estado (longo prazo).

Nas palavras de Mário Procopiuck (2013, p. 138 e 139) "A política pública diz respeito, portanto, à mobilização político-administrativa para articular e alocar recursos e esforços para tentar solucionar dado problema coletivo" e acrescenta que "… se transformaram em instrumentos de catalisação de esforços para aplicação de recursos… para resolver problemas coletivos atribuídos ao Estado".

O mais importante princípio que norteia as políticas públicas é o da dignidade da pessoa humana, seguido dos princípios da isonomia, da universalidade, da legalidade, eis que os programas sociais são constituídos e regulamentados por lei e sua aplicação deve "… evitar a discricionariedade absoluta dos atores, principalmente os governantes, sob pena de o afastamento desses ideais acarretar a responsabilização por atos de improbidade administrativa." (BOFF, 2015, p. 6 e 7).

Toda política pública possui uma estrutura administrativa que a regulamenta, organiza, destaca prioridades, define diretrizes, metas, modo de sua implantação, forma de atuação, tempo de duração, delineação do público alvo etc. Essa estrutura é instituída por lei e

“… permite o encaminhamento e tratamento do problema de forma mais razoável e possibilitando aos agentes causadores do problema em questão uma reconceitualização de si, de suas próprias ações frente ao mundo e da realidade de seu entorno…” (BUCCI, 2006, p. 57).

Nas palavras de Eduardo Gonçalves Rocha (2011, p. 80).

“… políticas públicas quando bem formuladas… têm o potencial de resgatar o auto-respeito e a auto-estima dos destinatários. Esses começam a se compreender como sujeito de direitos, reforçando o controle democrático.”

Porém, por não ser o ponto principal do presente estudo e face a sua complexidade, que demanda grande atenção, não iremos nos aprofundar nessa questão.

7) Programas sociais voltados para a família carente e sua prole

No Brasil, existem muitos programas sociais voltados para a população menos favorecida. A grande maioria tem especial preocupação com a educação. Isso se deve ao fato de ser por meio dela que o indivíduo se desenvolve plenamente, seja no aspecto intelectual, como no ético-moral, o que acarretará em "… melhor inserção individual e social." (VICTOR, 2011, p. 60).

Existem programas que, embora pareçam dirigidos para a erradicação da pobreza, como o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), dedicado para crianças e adolescentes menores de 16 (dezesseis) anos, na verdade sua principal função é a de viabilizar que essas pessoas possam dedicar-se aos estudos em detrimento da exploração de seu trabalho.

O que é essencial, porque

“… Sem que a pessoa detenha uma formação adequada, dificilmente alcançará subsistência digna. Suas Chances no mercado de trabalho serão mitigadas, de modo que a própria sobrevivência será dificultada. É, pois, importante catalisador para a erradicação da pobreza e marginalização…” (VICTOR, 2011, p. 61).

Vale dizer que mesmo se contar com excepcional estrutura escolar quando, por qualquer motivo, a família não garantir condições de aprendizagem no âmbito doméstico, o estudante não alcançará sucesso.

Outros importantes programas sociais voltados para a educação são o Prouni, que garante bolsas de estudos integral ou parcial no ensino superior; o Fies, que é um programa de financiamento dos estudos; o Sisutec, que garante vagas gratuitas no ensino técnico e, consequentemente, melhor oportunidade de trabalho; Também destinada ao ensino técnico encontramos o Pronatec, que beneficia jovens e adultos; o Ciência sem fronteiras, que garante bolsas de estudos; Programa Mais Educação e o Educa Mais Brasil, que garante bolsas de estudos de até 50% nos ensinos básico, técnico, superior, pós-graduação e de idiomas.

No campo das ações voltadas para a geração de emprego e renda, encontramos o PROGER (Programa de Geração de Emprego e Renda), que consiste na concessão de crédito a setores que tem irrelevante ou nenhum acesso ao sistema financeiro, tais como pequenos negócios, cooperativas e associações de produção.

Há, também, programas de repasse direto de renda, que vislumbram a satisfação das necessidades mais básicas, o "… combate às desigualdades econômicas e sociais…" e a "promoção de segurança alimentar" (ROCHA, 2011, p. 84 e 85), sendo o mais conhecido o Bolsa Família. Nessa modalidade há ainda o Brasil Sem Miséria, o Fome Zero, o Projovem Adolescente e o Brasil Carinhoso.

Na esfera da saúde temos o Sistema Único de Saúde e suas mais variadas campanhas, as quais objetivam a "… redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário… às ações e serviços de proteção, promoção e recuperação da saúde" (BUCCI, 2006, p. 64 e 65), podendo citar como exemplo aquelas de vacinação, outubro rosa, novembro azul.

Como resta evidente, as políticas públicas servem para garantir o acesso da população aos direitos sociais previstos nos dispositivos da Constituição Federal.

Desta forma, se as políticas públicas falharem ou forem mal organizadas e mal direcionadas, os maiores prejudicados serão seus destinatários, os quais ficarão desprovidos dos serviços e benefícios ofertados e proporcionados por estes programas, de tal forma que perdurarão as carências que visam suprir.

Ainda que o impacto seja menor do que o é para os beneficiários, por óbvio que o Estado também é atingido quando um programa social falha, pois toda sua estrutura é afetada. Note-se que para sua implantação, manutenção e execução são injetados recursos financeiros que custeiam toda esse alicerce, causando um déficit nos cofres públicos, sendo que um programa defeituoso equivale ao desperdício dos recursos do órgão ou ente que o implementou.

Nessa concepção o sistema público sofre prejuízos no sentido de investir seus recursos em algo que não atinja os resultados que eram almejados, enquanto poderia tê-los destinado para atender outra demanda populacional, menos instável, de igual abrangência e demanda.

8) Formas que o Brasil pode adotar para conscientizar a população para que o planejamento familiar seja programado de modo mais responsável a fim de evitar que as políticas públicas de auxílio sejam sobrecarregadas e afetem as outras políticas do governo

Enfim, cabe discorrer sobre o ponto e indagação que ensejou a elaboração do presente estudo, qual seja, como um país pode conscientizar seu povo acerca da adoção de uma conduta mais responsável para com sua família, de modo que não se torne plena e incessantemente dependente do Estado e suas Políticas Públicas.

É sabido que a educação é fundamental e essencial para a formação de uma pessoa, seja de forma cultural, intelectual e, até mesmo, de seu caráter.

Assim a educação, em suas várias vertentes, é transmitida, pelos pais, às crianças desde a mais tenra idade e, também, pela escola, sendo que cada qual tem seu próprio papel e eles não se confundem. Ou seja, aos pais compete amoldar o caráter de seus filhos com a transmissão de seus próprios valores e princípios, ensinando-lhes as regras sociais de convivência, ao passo que à escola cabe transmitir os ensinamentos direcionados à formação intelectual e cultural.

Um indivíduo necessita de toda essa instrução para tornar-se um cidadão consciente de seu papel para com a sociedade, tornando-se útil e apto a desempenhar uma função, um trabalho que sirva à esta mesma sociedade da qual faz parte.

Para tanto, entendemos que o indivíduo deve ser lapidado nos primórdios de sua educação, pois tal conscientização deve iniciar cedo para fazer parte de seus valores tornando-se, assim, um adulto responsável por suas escolhas, atos e as consequências que deles decorrerem.

Problema está quando os próprios progenitores carecem de tais concepções, sendo impossível transmitir aquilo que eles próprios não possuem.

Nessas hipóteses consideramos que, mais do que o Estado-Governo fornecer subsídios para auxiliar os pais na criação de sua prole, deve criar políticas públicas ou campanhas de conscientização, de larga divulgação e ampla abordagem que apontem primeiro a importância do planejamento familiar; segundo, como elaborar esse planejamento ou, se a família já tiver crescido de forma desordenada, de tal sorte que os pais encontrem dificuldades para criar seus filhos, mesmo com o auxílio governamental, que seja conferido a esses pais condições de orientar os filhos dessa grande família sobre a validade de constituir a própria família de forma programada, oportunizando maior qualidade de vida a seus integrantes que terão, com isso, maiores chances de desenvolvimento e crescimento pessoal.

Forma alternativa seria atribuir à escola programas de aconselhamento, de caráter extracurricular, que tenha como público alvo adolescentes na fase da puberdade ou jovens em idade núbil.

Outro meio que poderia ser utilizado para difundir tal questão e, talvez, até para estimular o interesse na obtenção da independência financeira, seria a criação de campanhas ou programas educativos veiculados nos meios de comunicação, tais como breves "anúncios", estes voltados para o público de todas as idades, sendo oportuno lembrar que a divulgação de informação é menos dispendiosa para o governo, do que alguns programas sociais.    

CONCLUSÃO

O termo "família" possui várias formas de definição, algumas voltadas para sua constituição; outras mais preocupadas com os membros que a integram; há, ainda, as dedicadas às questões afetivas que a envolvem e aos deveres dela decorrentes. Porém, apesar de tantas distinções, cada um dos diversos conceitos tem sua importância, apesar de ter sido considerada no presente estudo a formação clássica, composta pelos genitores e sua prole, a típica família ainda em fase de "construção", aquela à quem o planejamento familiar mais irá interessar.

Ou seja, a família que ainda está em fase de formação é aquela que está exercendo sua liberdade de escolha quanto à limitação ou aumento de sua prole, à qual também é garantido o acesso gratuito aos métodos conceptivos ou contraceptivos, e a que deve focar nos seus deveres para com os filhos que terão, apesar de todo o respaldo Estatal existente para o desempenho desse mister, por meio de programas sociais, cuja preocupação é a de garantir à todos um tratamento isonômico e o acesso igualitário a determinados direitos fundamentais, que garantem um desenvolvimento digno e que aquele indivíduo se torne um cidadão útil à sociedade.

Entretanto, mais eficaz do que o Estado criar programas sociais de suporte às famílias carentes, talvez seja o investimento em campanhas educativas, as quais podem gerar maior proveito, para fins de conscientização populacional acerca da paternidade responsável e, portanto, da importância da elaboração de um planejamento familiar.

 

Referências
Livros
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BRASIL. Constituição Federal (1988). VADE MECUM RT. Equipe RT (org.) 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011.
BOFF, Salete Oro; SOUZA, Liége Alendes de; STAHLHÕFER, Iásin Shãffer. Avaliação das Políticas Públicas de Persecução ao Cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. São Paulo: Letras Jurídicas. 2015.
BUCCI, Maria Paula Dallari (coord.). Políticas Públicas: Reflexões Sobre o Conceito Jurídico. São Paulo: Saraiva. 2006.
CANOTILHO, J. J. Gomes [et al] (coord.). Comentários à Constituição do Brasil. 1ª ed. São Paulo: Saraiva/Almedina. 2013.
JUNIOR, Osvaldo Canela. Controle Judicial de Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva. 2011.
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Direito de Família e Sucessões. 8. ed. São Paulo: Saraiva. 2013. v. 05.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense. 2011.
NADER, Paulo. Direito Civil: direito de família. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. 2009. v. 05.
PROCOPIUCK, Mário. Políticas Públicas e Fundamentos da Administração Pública: Análise e Avaliação Governança e Redes de Políticas Administração Judiciária. São Paulo: Atlas. 2013. p. 138.
ROCHA, Eduardo Gonçalves. Direito à Alimentação: Teoria constitucional-democrática e políticas públicas. LTR. 2011.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito de família. v. 6. 28ª ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 5.
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: família. v. 5. São Paulo: Método. 2008.
VICTOR, Rodrigo Albuquerque de. Judicialização de Políticas Públicas Para a Educação Infantil: características, limites e ferramentas para um controle judicial legítimo. São Paulo: Saraiva. 2011.
Sites
http://www.programadogoverno.org/
http://www.sul21.com.br/jornal/conheca-16-programas-sociais-que-podem-ser-acessados-por-familias-de-baixa-renda/
https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/conheca-o-programa-de-geracao-de-renda-proger,f5ed7b008b103410VgnVCM100000b272010aRCRD
 
Notas
[1] Ao falar da família plural, no Estatuto das Famílias, a Autora se refere a diversidade dos arranjos familiares, mais voltadas aos laços de afeto do que para sua composição, mostrando que a família não se enquadra num rol rígido ou taxativo.


Informações Sobre o Autor

Sabah Fachin de Vecchi

Advogada Especialista em Direito de Família e das Sucessões e em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Legale. Membro da Comissão de Direito de Família e das Sucessões da OAB/SP


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