Resumo: Há anos, especialmente na via administrativa, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS ilegitimamente não tem reconhecido o cômputo, como atividade especial, do período em que o segurado especial ficou afastado pelo benefício do auxílio-doença previdenciário. Contudo, em recente decisão, a Egrégia Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região reconheceu o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR e, por unanimidade, decidiu solver o tema para estabelecer que o período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade especial antes do afastamento. Com efeito, o presente artigo científico abordará uma análise crítica quanto a necessária aplicação dos princípios constitucionais e a nova abordagem tratada no julgamento do IRDR, esperando-se que o tema sirva como parâmetro para uniformizar o entendimento nos Tribunais Regionais Federais das demais regiões.
Palavras chave: Cômputo como atividade especial. Auxílio acidente previdenciário. Princípios constitucionais. Fonte de custeio. Uniformização da jurisprudência.
Abstract: For years, especially on the administrative route, the Instituto Nacional do Seguro Social – INSS illegitimately has not recognized the statement, as a special activity, of the period in which the special insured was removed for the benefit of the aid-pension disease. However, in a recent decision, the egregiously class of the Federal Regional Court of the 4th region recognized the Incident of Resolution of Repetitive Demands – IRRD and unanimously decided to solve the issue to establish that the period of aid-sickness of a social security nature, Independent of proof of the relationship of the disease with the professional activity of the insured, it should be considered as special time when worker exercised special activity before the removal. In fact, this scientific article will address a critical analysis of the necessary application of the constitutional principles and the new approach treated in the IRDR trial, and the theme is expected to serve as a parameter to standardize the understanding in the courts Regional governments of the other regions.
Keywords: Reckoning as a special activity. Welfare accident assistance. Constitutional principles. Source of costing. Uniformity of jurisprudence
Sumário: 1. Introdução. 2. Princípio da isonomia – art. 5º, caput, da constituição federal de 1988. 3. Contradição ao princípio da legalidade – art. 5º, II da constituição federal de 1988. 4. Quanto a fonte de custeio. 5. Da finalidade social dos benefícios por incapacidade. 6. Da jurisprudência. Conclusão. Referências
1. INTRODUÇÃO
No texto original do art. 65 do Decreto Lei nº 3.048/99, computava-se como tempo especial os períodos correspondentes ao exercício de atividade permanente e habitual sujeita a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física do contribuinte, inclusive quanto aos períodos de férias, licença médica e o auxílio doença decorrente do exercício dessas atividades.
Destarte, comprovada a exposição do segurado a condições especiais que prejudicassem a sua saúde e a integridade física, na forma exigida pela legislação, reconhecer-se-ia a especialidade pelo período de afastamento em que o segurado permanecesse em gozo de auxílio doença, seja este acidentário ou previdenciário.
Contudo, com a publicação do Decreto Lei nº 4.882/03, que adicionou o parágrafo único ao art. 65 do Decreto Lei nº 3.048/99, passou-se a reconhecer como cômputo especial somente o período em que o segurado especial ficasse afastado em gozo auxílio doença acidentário, excluindo-se, assim, a contagem especial pelo afastamento na modalidade não acidentária (previdenciária). Com isto, caso o segurado especial fosse afastado de suas atividades habituais especiais por motivos de auxílio doença não acidentário, o período de afastamento seria computado como tempo de atividade comum.
Contudo, este entendimento é contrário aos princípios legais e constitucionais insculpidos na Legislação pátria, vez que ultrapassam o limite do poder regulamentar do Estado e, ainda, restringem ilegalmente a proteção exclusiva dada pela Previdência Social ao trabalhador sujeito a condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física.
Neste sentido, o presente artigo científico abordará o posicionamento jurisprudencial dado pelo recente julgamento do IRDR proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, por unanimidade, julgou procedente o cômputo especial pelo período em que o segurado ficou afastado em gozo do benefício de auxílio doença não acidentário, trazendo uma visão histórica, jurídica, legal e constitucional ao tema.
2. PRINCÍPIO DA ISONOMIA – ART. 5º, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Inicialmente, destaca-se que o princípio da isonomia é uma das bases de sustentação do regime democrático brasileiro que, aliado ao princípio da dignidade da pessoa humana, constituem as duas vigas mestras da Carta Magna de 1988.
Assim, possibilitar o tratamento diferenciado entre o benefício de auxílio-doença acidentário e o previdenciário, para fins de computo de tempo como atividade especial, afronta diretamente ao princípio constitucional e aos direitos e garantias fundamentais do segurado contribuinte.
Contudo, em entendimento contrário, a nova redação do parágrafo único do artigo 65 do Decreto nº 3.048/99[1], alterado pelo Decreto nº 4.882/03, suprimiu equivocadamente a condição especial ao período de afastamento oriundo do benefício de auxílio-doença previdenciário, presumindo-se que esta percepção do benefício trazia ínsita a ideia de que o evento infortunístico não decorreu em razão do ambiente de trabalho especial.
Em momento anterior, ressalta-se que o § 3º do art. 57 da Lei 8.213/91, alterado pela Lei 9.032/95, já havia impossibilitado a conversão do tempo de atividade comum em tempo de atividade especial para fins de aposentadoria. Inclusive, neste sentido, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS passou a não reconhecer os benefícios de aposentadoria especial requeridos por contribuintes que utilizaram como contagem especial o período em que haviam ficado afastado por auxílio doença não acidentário, sob o fundamento de que tal benesse havia sido revogada expressamente do texto legal e que se torna impossível a conversão do período comum em período especial.
Em contrapartida, a jurisprudência foi relutante quanto ao posicionamento administrativo da Autarquia Federal, vez que tal alteração legislativa afetava diretamente direitos e garantias fundamentais constitucionais, motivo que levou a Turma Regional de Uniformização da 4ª Região a uniformizar sua jurisprudência, aceitando o computo do período de auxílio doença para fins de tempo especial, independente do benefício ser acidentário ou não, decisão também consolidada nos autos do processo nº 5002451-60.2012.404.7107, cuja a ementa se transcreve abaixo:
“PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL PARA COMUM. PERÍODO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSSIBILIDADE. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO. 1. O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse período como especial. 2. Incidente de Uniformização parcialmente provido.” (5002451-60.2012.404.7107, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator p/ Acórdão Ana Cristina Monteiro de Andrade Silva, D.E. 09/07/2012” (G.N)
Isto posto, a jurisprudência já havia denotado a pouco provável sustentação da tese jurídica expressa no parágrafo único do art. 65 do Decreto nº 3048/99, haja vista que o novo texto legal prevê um tratamento anti-isonômico aos segurados acidentados por benefício previdenciário, o que contraria a norma jurídica legal e constitucional.
Por fim, cabe refletir que desde a publicação da Lei n° 9.032/95 promoveu-se, entre outras modificações, o fim das desigualdades existente entre os benefícios por incapacidade acidentários e não acidentários, restando tão somente a estabilidade trabalhista como a única diferenciação legal entre estes, pois cabe apenas à modalidade acidentária. Ainda, que o próprio art. 65 do Decreto nº 3048/99 assegura ao segurado especial em gozo do benefício de salário-maternidade ou de férias – afastamentos que, como o auxílio-doença previdenciário, também suspendem o contrato de trabalho – o cômputo do período do afastamento como atividade especial, motivo que ratifica a impossibilidade do tratamento anti-isonômico dado ao benefício acidentário em sua modalidade previdenciária.
3. CONTRADIÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – ART. 5º, II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Quanto ao princípio da legalidade, faz mister expor inicialmente que o sistema constitucional brasileiro, em seus direitos e garantias fundamentais constitucionais, constitui que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei, in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [….]
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”
Com efeito, cabe ressaltar que a Lei n° 8.213/91 nada se referiu quanto a diferenciação entre o benefício de auxílio-doença acidentário e o não acidentário; por outro lado, a Lei n° 9.032/95 ampliou a aproximação da natureza jurídica dos dois institutos; e por fim, o § 6º do artigo 57 da Lei 8.213/91 determinou expressamente que o benefício previdenciário à aposentadoria especial será financiado com os recursos provenientes da contribuição deque trata o art. 22, II da Lei 8.212/91, cujas alíquotas são acrescidas conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa.
Ora, veja-se que as três legislações ordinárias supracitadas, que são hierarquicamente superiores ao Decreto 3.048/99, demonstram a finalidade do legislador em dar um tratamento isonômico aos benefícios de auxílio-doença acidentário e o não acidentário, já que ambos obedecem a lógica da prévia fonte de custeio.
Expõe-se que o presente artigo não se pretende desprestigiar o valor legal de um Decreto-lei, mas tão somente objetiva-se cotejá-lo com a fonte principiológica constitucional que se rege no sistema de seguridade social, especificamente as expressas nos artigo 193 e 194 da Constituição Federal. Veja-se:
“Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
V – equidade na forma de participação no custeio;
VI – diversidade da base de financiamento;”
Nota-se, nitidamente, que a supressão expressa no parágrafo único do art. 65 do Decreto nº 3048/99 deixa de regulamentar a matéria e passa a aplicar supressão de direitos garantidos aos segurados, algo que, pelo princípio da legalidade, somente a Lei Federal poderia restringir.
Com efeito, a ação administrativa que impossibilita o cômputo especial pelo período de afastamento em benefício de auxílio doença previdenciário viola o princípio da legalidade e promove o retrocesso social à previdência, principalmente porque sabe-se que a previdência social é direito social fundamental por expressa disposição do artigo 6° da Constituição Federal de 1988. Destarte, direitos de tal magnitude se justificam especificamente pela sua proteção da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento Republicano que consta expressamente no artigo 1°, inciso III da CF/88.
Porém, mesmo diante de toda a explanação técnica e jurídica constitucional, não se tem um posicionamento pacificado entre os Tribunais Regionais Federais das regiões do Brasil, o que aumenta a promoção de injustiças e insegurança jurídica ao mundo moderno.
Isto posto, acredita-se que o recente julgamento procedente do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, julgado pela Egrégia Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, acredita-se que o tema tornar-se-á parâmetro para uniformização da jurisprudência nos Tribunais Regionais Federais das demais regiões do Brasil.
4. QUANTO A FONTE DE CUSTEIO
Atualmente, diante dos acalorados debate de uma reforma previdenciária como o único meio de se promover a sustentabilidade prolongada da previdência social, mostra-se adequado expor um olhar voltado à fonte de custeio ao benefício de aposentadoria especial, tanto para se afastar quaisquer dúvidas sobre a existência de sua fonte, como para assegurar que o direito do contribuinte especial já fora objeto de custeio e, portanto, legítima será a contraprestação Estatal.
A esse respeito, o § 6º do art. 57 da Lei 8.213/91[2] expõe que a fonte de custeio deve ser recolhida ao benefício de aposentadoria especial de forma geral, através de alíquotas individualizadas sobre a folha de pagamento das empresas que recolhem a contribuição do contribuinte, à luz do art. 22, inc. II da Lei 8212/91 (Lei de Custeio – LC), in verbis:
‘Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
II – para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei ne 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja ativídade preponderante esse risco seja considerado grave.”
Nesse sentido, nota-se que o custeio do “tempo de contribuição especial” se dá por intermédio de fonte que não é diretamente relacionada à natureza dada ao benefício por incapacidade concedido ao segurado, mas sim quanto ao grau preponderante de risco existente no local de trabalho deste, o que importa concluir que, estando ou não afastado por benefício movido por acidente do trabalho, o segurado exposto a condições nocivas à sua saúde promove a ocorrência do fato gerador da contribuição previdenciária destinada ao custeio do benefício de aposentadoria especial.
Tal questionamento se faz necessário, porque cabe à Previdência Social a cobertura do risco social das contingências sociais, especialmente, sob pena de ferimento ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, na forma do art. 1º, inciso III, da Carta Magna.
Doravante, cabe ainda esclarecer que o sistema previdenciário Brasileiro é um sistema solidário, no qual é dever da sociedade contribuir para o sistema previdenciário, inclusive por meio de seus impostos, independente deste vier a se beneficiar de todos os seus benefícios sociais futuramente, promovendo-se um princípio norteador de bem estar e a justiça social.
Deste modo, negar ao trabalhador o computo do tempo especial apenas em razão da natureza do afastamento do auxílio-doença, revela-se um tratamento contrário ao princípio da contrapartida social, cuja decisão nos autos da MC na ADI ne 2.010, de relatoria do Min. Celso de Mello, bem delimita sua eficácia:
“[…] O REGIME CONTRIBUTIVO É, POR ESSÊNCIA, UM REGIME DE CARÁTER EMINENTEMENTE RETRIBUTIVO. A QUESTÃO DO EQUIL(BR.’O ATUARIAL (CF, ART. 195, § 52). CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL SOBRE PENSÕES E PROVENTOS: AUSÊNCIA DE CAUSA SUFICIENTE. – Sem causa suficiente, não se justifica a instituição (ou a majoração) da contribuição de seguridade social, pois, no regime de previdência de caráter contributivo, deve haver, necessariamente, correlação entre custo e benefício. A existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correcão da fórmuia segundo a qual não pode haver contribuicão sem benefício nem benefício sem contribuição. Doutrina. Precedente do STF. […]” – (Grifou-se)
Pelo exposto, haja vista que tanto o período de afastamento acidentário quanto o previdenciário geram a mesma fonte custeio ao benefício à aposentadoria especial, há por bem afastar a dicotomia ainda julgada administrativamente, para que se promova uma aplicação igualitária aos contribuintes afastado por motivos incapacitantes.
5. DA FINALIDADE SOCIAL DOS BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE.
É importante termos em mente que os benefícios por incapacidade, sejam eles de natureza acidentária ou não, tem por finalidade a proteção social por risco não programado ocasionado ao contribuinte, tratando-se de prevenção ao evento fortuito que resulta na incapacidade para o exercício de atividade laboral que lhe garantia o sustento.
E certo que o reconhecimento da natureza acidentária ao auxílio oportuniza ao contribuinte, assim como o gozo de benefício auxílio-acidente, a relativização da carência para a concessão do benefício, lhe assegura a estabilidade e a percepção de vantagens pecuniárias como o depósito fundiário.
Reforça-se que, com o passar dos anos, as características dos benefícios por incapacidade acidentário ou previdenciário tem adotado a mesma metodologia de cálculo para ambas as prestações, revelando uma tendência natural de aplicar às hipóteses que tutelam o mesmo risco, mesmo tratamento.
Contudo, a nova redação do parágrafo único do art. 65 do Decreto 3048/99, sequer possuí coerência lógica com as demais hipóteses de afastamento laboral previstas em seu texto legal, principalmente porque aceita a contagem especial nos casos de afastamento por benefício de salário-maternidade, férias e outros de suspensão trabalhista.
Percebe-se, então, que a restrição imposta a partir do advento do Decreto ne 4.882, de 18 de novembro de 2003, revelou-se manifestamente inconstitucional por afronta ao princípio da isonomia, vez que adota tratamento diferenciado sem qualquer justificação razoável.
Outrossim, a restrição exclusiva ao benefício de auxílio-doença previdenciário não se amolda à finalidade social da norma, que impõe ao segurado ônus excessivo de ter que abrir mão de se aposentar mais cedo, para poder gozar do benefício incapacitante, o que consiste em delimitação manifestamente incompatível com o princípio da razoabilidade e da isonomia, sem contabilizar a quebra na contrapartida exigível entre o custeio e as prestações asseguradas pela Previdência Social.
Neste sentido, percebe-se que a restrição trazida pelo Decreto Lei 3.048/99não cumpre com a finalidade social pela qual se cria um benefício, motivo que se revela justo e lídimo a sua expurgação do mundo jurídico.
6. DA JURISPRUDÊNCIA
Inicialmente, cabe ressaltar que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região promoveu julgados dos quais consolidaram o entendimento de que, em razão das alterações legislativas, os períodos de afastamento por auxílio doença não acidentário, anteriores a publicação do Decreto 4.882/03, deveriam ser contabilizados como período especial, face ao direito adquirido do contribuinte. Em contrapartida, o período de afastamento por auxílio-doença previdenciário concedidos após a publicação, seriam computados como tempo comum. Veja-se:
“PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. ATIVIDADE DE PEDREIRO. EXPOSIÇÃO A ÁLCALIS CÁUSTICOS. PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. 1. A Lei nº 9.711/98 e o Regulamento Geral da Previdência Social aprovado pelo Decreto nº 3.048/99 resguardam o direito adquirido de os segurados terem convertido o tempo de serviço especial em comum, mesmo que posteriores a 28-05-1998, observada, para fins de enquadramento, a legislação vigente à época da prestação do serviço. 2. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 3. Havendo nos autos prova pericial atestatória de que o segurado exerceu a atividade de pedreiro, de forma habitual e permanente, ficando exposto ao agente insalubre álcalis cáusticos, impõe-se o reconhecimento da especialidade do labor. Precedentes desta Corte. 4. Após a alteração do art. 65 do Decreto nº 3.048/99 pelo Decreto nº 4.882/03, somente é possível a consideração de período em gozo de auxílio-doença como tempo especial caso o benefício tenha sido decorrente de acidente do trabalho.” (TRF4, EINF 5002381-29.2010.404.7102, Terceira Seção, Relator Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 02/09/2014)
Contudo, em alguns de seus julgados, a Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência da 4ª Região firmou entendimento possibilitando o cômputo como especial pelo período em que o segurado especial ficasse afastado do labor em gozo de auxílio-doença previdenciário. Veja-se, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL PARA COMUM. PERÍODO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSSIBILIDADE. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO. 1. ‘O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse período como especial’ (IUJEF n.º 5002451- 60.2012.404.7107, TRU – 4ª Região). 2. Incidente de Uniformização provido.” (IUJEF 50090629220134047107, Relator Osório Ávila Neto, D.E. 28/04/2014).(G.N)
“PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. CÔMPUTO DE PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSSIBILIDADE. 1. ‘O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse período como especial’ (IUJEF n.º 5002451-60.2012.404.7107, TRU -4ª Região) 2. Recurso provido”. (5006010-37.2012.404.7006, TERCEIRA TURMA RECURSAL DO PR, Relatora p/ Acórdão BIANCA GEORGIA ARENHART MUNHOZ DA CUNHA, julgado em 22/04/2015). (G.N)
“PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO COMUM EM ESPECIAL. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE NA ÉPOCA DA APOSENTADORIA. QUESTÃO DE ORDEM Nº 13 DA TNU. PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO COMO TEMPO ESPECIAL. 1. A lei que rege o direito a converter tempo de serviço comum em especial é a lei vigente na época da concessão da aposentadoria, quando preenchidos todos os requisitos necessários à aposentação. 2. Não é possível a conversão de tempo de serviço comum em especial, para fins de obtenção de aposentadoria especial, mesmo que prestado anteriormente à Lei nº 9.032/95, quando, como no caso, os requisitos necessários à concessão do benefício foram preenchidos somente após o referido diploma legal. 3. De acordo com o sistema previdenciário vigente após o advento da Lei nº 9.032/1995, somente cabe a concessão de aposentadoria especial para quem exerceu todo o tempo de serviço previsto no art. 57 da Lei nº 8.213/1991 (15, 20 ou 25 anos, conforme o caso) em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. 4. Aplicação analógica da Questão de Ordem nº 13 da TNU. 5. O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse período como especial, independentemente de qualquer tipo de nexo ou vinculação com a atividade especial desenvolvida pelo segurado, conforme já uniformizado por esta Turma Regional. 6. Pedido conhecido em parte, e, na parte conhecida, provido, com retorno à Turma Recursal de origem para adequação.” (5000819-29.2013.404.7118, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relatora JACQUELINE MICHELS BILHALVA, juntado aos autos em 17/04/2017). (G.N)
Isto posto, percebeu-se que, ao contrário do entendimento adotado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência da 4ª Região prezou pelos princípios constitucionais e afastou o posicionamento antes julgado pelas suas turmas.
CONCLUSÃO
De proêmio, insta salientar que o presente Artigo Científico expõe uma análise crítica ao tema julgado no Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva pelo Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência da 4ª Região – processo nº 5017896-60.2016.4.04.0000 (Tema nº 08 do TRF 4ª Região), com o desígnio de se uniformizar e parametrizá-lo com os demais Tribunais Regionais Federais do Brasil, buscando-se o respeito e obediência aos princípios constitucionais de isonomia, contrapartida e legalidade, para se alcançar o ideal de solidariedade social o qual norteia as relações de Seguridade Social.
Mostra-se que, à unanimidade, os Desembargadores daquele tribunal, estabeleceram tese jurídica de que o período de auxílio-doença de natureza previdenciária, independente de comprovação da relação da moléstia com a atividade profissional do segurado, deve ser considerado como tempo especial quando trabalhador exercia atividade especial antes do afastamento.
Assim, busca-se mostrar o retrocesso social que se promove com os julgamentos que afastam o direito do segurado de ter a sua contagem diferenciada de tempo de serviço para fins de aposentadoria especial, independente se esta concessão foi anterior a publicação do Decreto nº 4.882/03, em especial porque o contribuinte não tinha como prever a necessidade de percepção deste benefício.
Isto posto, acredita-se que o presente Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas servirá como entendimento balizador dos demais Tribunais Regionais Federais do Brasil, para que se alcance a Justiça ao segurado.
Informações Sobre o Autor
Igor Gonçalves Barros
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Centro Universitário do Estado do Pará – CESUPA. Pós-graduando em Direito Previdenciário e Seguridade Social. Cursando MBA em Direito Previdenciário