Resenha do artigo etnocentrismo y colonialidad en los feminismos latinoamericanos: complicidades y consolidación de las hegemonías feministas em el espacio transnacional

Resumo: Este texto sobre o artigo “Etnocentrismo e Colonialidade…”, é uma resenha pedagógica, na qual o autor procurou ser o mais fiel possível ao texto original, apresentando breves considerações próprias. Inicialmente apresenta-se a autora, especificando alguns detalhes da sua trajetória acadêmica e política. Em seguida o artigo é introduzido e desde logo são apresentados os objetivos centrais, nos termos de Espinosa, quais sejam, analisar: (i) a constituição histórica do feminismo na A.L.; (ii) a desigual condição geopolítica, que produz dependência ideológica, pois o Primeiro Mundo que define o enfoque teórico; (iii) a dificuldade de produzir um pensamento e uma práxis situada e (iv) como reconhecer essa marca pós-colonial determinando a sujeita do feminismo da região, bem como os objetivos das suas políticas. Na sequência discute-se um pouco sobre Colonização Discursiva e no fim deste tópico é feito o link para a discussão sobre Sororidade (este tópico é de própria criação), sob a tutela teórica de bell hooks. Por fim, tem-se o último ponto trabalhado, a viabilidade da construção de uma comunidade transfronteiriça, vista como um modelo de prática feminista superada, tendo em vista que “só quem acredita em alianças globais são as dominantes”.

Palavras chaves Etnocentrismo – colonialidade – dependência ideológica – colonização discursiva – sororidade

Abstract: This text about the article “Ethnocentrism and Coloniality …” is a pedagogical review, in which the author tried to be as faithful as possible to the original text, presenting brief considerations of his own. Initially the author is presented, specifying some details of her academic and political trajectory. Then the article is introduced and the central objectives are presented, in Espinoza’s terms, namely: (i) the historical constitution of feminism in A.L .; (ii) the unequal geopolitical condition, which produces ideological dependence, since the First World defines the theoretical approach; (iii) the difficulty of producing a situated thought and praxis, and (iv) how to recognize this postcolonial brand by determining the subject of feminism in the region as well as the objectives of its policies. Following is a little discussion about Discursive Colonization and at the end of this topic the link to the discussion about Sisterhood (this topic is of own creation) is made, under the theoretical tutelage of bell hooks. Finally, we have the last point, the viability of building a cross-border community, seen as a model of feminist practice overcome, considering that “only those who believe in global alliances are the dominant ones.

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Key words: Ethnocentrism – coloniality – ideological dependence – discursive colonization – sisterhood

Sumário: Apresentação. Introdução. 1. Sobre a Colonização Discursiva. 2. A Sororidade – Laços Invisíveis. 3. A Possibilidade de Uma Comunidade Transfronteiriça Como Modelo de Prática Feminista Superada.

APRESENTAÇÃO

Logo no resumo a autora deixa clara a sua dúvida diante da possibilidade de uma superação em espaços de lutas transnacionais de epistemologias e práticas baseadas em ideologias etnocêntricas de classe, raça e heterossexualidade normativa. E nesse contexto denuncia a colaboração dos feminismos hegemônicos do Norte e do Sul, estes na posição de cúmplices dos projetos de recolonização.

Saliento, desde logo, que o tópico “A Sororidade – Laços Invisíveis” foi o único inovador. Os demais seguem a ordem do próprio artigo original, já que se tentou, ao máximo, ser fiel ao texto, bem como o padrão de uma resenha.

INTRODUÇÃO

Desde algumas décadas que o feminismo latino-americano[1] vem desenvolvendo pensamentos críticos e políticas levando em conta a desigualdade de raça e de classe, condições da maioria das mulheres na AL. Isso foi evidenciado desde o III Encontro Feminista da América Latina e do Caribe[2], realizado no Brasil em 1985, advogando quanto a necessidade de os feminismos incorporarem a problemática da mulher negra e de suas representantes.

Mas em que pese a aparição precoce deste tema, os privilégios de raça/etnia/classe são pouco debatidos ainda na AL, pois, por exemplo, a multiplicidade de origens e condições sociais das mulheres são discussão não ativas, reaparecendo, tão somente as vezes, como conflitos não resolvidos ou ainda como uma agenda das Nações Unidas, mas que não possuem força suficiente de impacto ou modificação substancial nas práticas dominantes dos feminismos regionais. A questão continua a ser posta em termos “do problema das mulheres negras e indígenas” a serem incluídas nos movimentos e em projetos de intervenção compensatória, mas em todo caso feitos por feministas das classes médias e brancas[3].

Houve, é claro, uma difusão destas questões, marcando as preocupações centrais dos feminismos a nível global, observados, por exemplo, na grande quantidade de textos acadêmicos que ao menos mencionam raça/gênero/classe/sexualidade, muitas vezes sob a pretensão de serem politicamente corretos. E também que ninguém admitiria hoje que um humano da raça X tenha necessariamente qualidades X, Y e Z[4]. Então, dentro desse cenário que pareceria favorecer a investigação desse tema ela tem interesse em identificar as condições que tem impedido historicamente um tratamento adequado a esses sistemas de opressão no feminismo da região.

Em resumo, Espinosa quer analisar: (i) a constituição histórica do feminismo na AL; (ii) a desigual condição geopolítica, que produz dependência ideológica, pois o Primeiro Mundo que define o enfoque teórico; (iii) a dificuldade de produzir um pensamento e uma práxis situada e (iv) como reconhecer essa marca pós-colonial determinando a sujeita do feminismo da região, bem como os objetivos das suas políticas.

Ora, na reflexão sobre sujeitos e corpos femininos não se articula com a pergunta pela maneira na qual as políticas de racialização e empobrecimento estariam também definindo esses corpos na AL, ou seja, há corpos expropriados dentro desta história. Quando se abre espaço para essas visibilidades, quais corpos passam a ser objeto da representação deste esquecimento e quais restam mais uma vez desconsiderados e por quê?

Considerando os limites do ensaio ela analisará a estratégia analítica de Chandra Mohanty em dois trabalhos específicos: “Bajo los Ojos de Occidente. Academia feminista y discurso colonial” (2008ª) e “De volta a Bajo los ojos de Occidente: la solidariedade feminista a través de las luchas anticapitalistas” (2008 b). São três as hipóteses extraídas de C. Mohanty:

– Há uma colonização discursiva na Academia, que é preciso desconstruir;

– Para reconstruir é preciso identificar os problemas das mulheres marginalizadas, adotando o privilégio epistêmico de cima para baixo, isto é, dos mais pobres e marginais;

– O contexto atual da necessidade de uma comunidade feminista transfronteiriça, sob a ideia das diferenças comuns.

Para o exame destas teses no contexto da AL ela traz aqui para contrapor duas teses de Gayatri Spivak que lhe são úteis para fundamentar a sua crítica:

– a impossibilidade de fala (ou de escuta) da subalterna;

– a denúncia da maneira na qual a razão pós-colonial criptografa o subalterno, exigindo-o ao mesmo tempo[5].

A inquietude de Espinosa se refere a possibilidade de um feminismo transnacional solidário e, assumindo o ponto de vista do privilégio, venha ajudar a superar o status de mudez e sub-representação da subalterna[6] na AL. Da perspectiva de Espinosa (junção de ativismo com academia) isso é ingênuo e teria a ver com a maneira na qual as feministas do Norte e do Sul, as cúmplices, estão bem alheias aos problemas das mulheres da região e do feminismo na AL.

1. SOBRE A COLONIZAÇÃO DISCURSIVA

Por Colonização Discursiva Mohanty entende aquela prática acadêmica do feminismo ocidental sobre as mulheres do terceiro mundo que tem repercussões em suas vidas e lutas (2008 b, p. 1). O conceito foi proposto em 1986, quando no ensaio Bajo los ojos de Occidente ela tenta revisar criticamente o labor teórico do feminismo ocidental. Ela pretendia neste ensaio denunciar o nexo entre Poder e Conhecimento e compreender as implicações políticas e materiais desta produção sobre a mulher. Para Mohanty (p. 42 de Espinosa): qualquer discussão sobre os feminismos do terceiro mundo deve tratar de dois projetos simultâneos: crítica interna aos feminismos hegemônicos do Ocidente; e a formulação de interesses e estratégias baseados na autonomia, geografia, história e cultura.

Espinosa então, a partir disso, vem fazer uma crítica interna aos feminismos com vocação de poder no Sul, na AL, e acima de tudo, em particular, sobre como a colonização discursiva sobre as mulheres tanto vem do Norte, mas também das cúmplices hegemônicas do Sul.

Todavia, segundo Espinosa, Mohany só anuncia a continuidade da colonialidade Norte e Sul, mas permanece focada em sua comunidade feminista. E resta, nesse sentido, muito ainda a se fazer porque as autocríticas não são bem acolhidas nos feminismos do Terceiro Mundo[7]. Mas como isto excede o texto, Espinosa propõe algumas questões:

1 – Curiel (2009) e Breny Mendoza (2008) apontam que há uma origem majoritariamente burguesa, branca, urbana e heteronormativa do feminismo na AL. Isso é importante porque aponta as influências que sofreram dos programas políticos e ideológicos noreuropeus. Se se alimentaram dessas ideias emancipatórias, é preciso admitir essa herança etnocêntrica.

2 – Mendoza (2008) denuncia a cumplicidade do feminismo hegemônico local, perpetuando a ideologia euronorcêntrica, e logo, dando continuidade ao projeto colonialista na AL. Francesca Gargallo (2004, p. 11) se pergunta por que na década de 90 o feminismo na AL deixou de buscar em suas próprias práticas e teorizações, Mendoza responde que sempre foi assim e assim, não haveria nada de novo sob o Sol. E porque isso é ruim? Porque os objetivos políticos elaborados visam atender exclusivamente a certas mulheres de classe, origem e sexualidade do continente, as dominantes nestes três recortes.

Exemplos disso são os projetos de democratização propostas pelos feminismos no final dos anos 80 aliados às políticas imperialistas neoliberais para os países da AL com o fim da Guerra Fria. A implantação deste ideal de democracia se desenvolveu através dos mecanismos de cooperação e do nascente espaço transnacional de produção de discursos e receitas para ajudar esse desenvolvimento, que foram formados ao redor das mega-conferências nas Nações Unidas. Segundo Mendoza esse cenário faz parte da estratégia de reconstituição dos vínculos coloniais entre Centro e Periferia e também internamente dentro de cada polo.

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Ela se recorda também das negociações feitas entre os feminismos hegemônicos na AL com os governos corruptos neoliberais dos anos 90 para tentar alcançar a igualdade que eles almejavam. Como que a AL continua sendo uma democracia cultivando uma estrutura sócio-econômica, política-cultural e ideias de gênero e raça, que em muitos aspectos conserva os legados da Colônia? Mendoza responde admitindo que lamentavelmente essas feministas não puderam desenvolver aparatos conceituais e estratégias políticas que lhes ajudasse a entender melhoras as relações neocoloniais que estruturam a vida do continente. Desloca-se o conhecimento da sua localidade geocultural a partir de teorias externas, normalmente vindas do Norte. O resultado? É o desconhecimento do que é verdadeiramente particular na AL e de uma prática política de maior impacto.

Nesse sentido a colonialidade não se restringe a uma estratégia de constituição das “outras”: mulheres afrodescendentes, indígenas, lésbicas, obreiras, trabalhadoras do sexo, campesinas, pobres; é também e entre as feministas daqui, do Sul, trazendo duas consequências:

– dependência dos feminismos do Norte imperial, das formas e olhares de preocupação e de atuação, não pensando por si mesmas, autonomamente;

– e a fagocitação das subalternas habitantes destas terras através da empresa da representação, feitas pelas elitizadas, pelas hegemônicas.

Como exemplo são os debates na academia e nos movimentos, assim como o que é estudado nos programas de estudos nas universidades, com alta predominância dos estudos de identidade, que, segundo Gioconda HERRERA (1999) se limitam a meras descrições, sem poder indagar sobre a formação dessas identidades em contextos específicos de poder. Além disso, também não se estuda sobre como essas identidades podem ser articuladas dentro de contextos específicos de poder e nem como as categorias de identidade podem ser articuladas entre si.

Lamentavelmente esses estudos, seguindo as estratégias do Centro, permanecem focados nas sexualidades dissidentes e na identidade de gênero, sem dar conta dos entrecruzamentos com raça/classe e nem como isso se forma no contexto da AL, de forte herança colonial e colonização discursiva. Segundo Herrera, concluindo, isso cria verdadeiros obstáculos ao desenvolvimento dos países da AL.

Portanto, a reflexão sobre a identidade e sobre os corpos femininos vem se desenvolvendo sob marcos conceituais importados, sem que haja uma reapropriação que permita concretizar esse corpo (muitas vezes abstrato na pergunta pelo gênero) na materialidade dos corpos racializados, empobrecidos, mistificados, colonizados das mulheres latino-americanas. Ainda seguindo Herrera também, houve uma influência considerável das Organizações Unidas e de outros organismos de ajuda ao desenvolvimento (como a Plataforma de Pequim) na definição do que investigar.

Então mesmo nesta etapa de descentramento do sujeito universal do feminismo ainda há essa centralidade “euronorcêntrica”. A partir deste exemplo acima representado, todos da proposta colonial tentam universalizar a produção dos marcos conceituais, contando com a Cumplicidade indefectível dos feminismos hegemônicos do Sul, dados os seus próprios interesses de classe, raça, sexualidade e gênero, sendo ainda beneficiados pelo uso desses marcos ocidentais e etnocêntricos, que produzem a mulher do terceiro mundo (negra, índia, pobre, lésbica e ignorante), impossibilitando a agência e a escuta da subalterna.

É devido a isto que Espinosa é cética com relação a proposta de Mohanty de adoção de um feminismo transfronteiriço da noção de privilégio epistêmico. Como na crítica de Spivak aos Estudos Subalternos, ela teme que ambos os feminismos hegemônicos (Norte e cúmplices do Sul) encripte, criptografe, sepulte a mulher do terceiro mundo. E como o encriptamento opera? Ele se produz na expulsão histórica das narrativas do ideal de nação branca e ocidental e a necessidade da sua existência como o Outro. Interessante é perceber que: se as feministas do Norte necessitam da figura da mulher do terceiro mundo, as feministas brancas/mestiças, burguesas do Sul necessitam e tem trabalhado para construir a sua Outra local, diferenciando-se.

Portanto, a mulher do terceiro mundo sofre uma dupla violência epistêmica[8], pois que para as sulistas comprometidas elas constituem a outra da outra, tendo em vista que as primeiras já são as outras do Norte. A partir disso depreende-se que essas mulheres são as mais despojadas do mundo. Tal como sustenta Spivak, a subalterna nada pode decidir, tendo a sua voz permanentemente eclipsada pelos discursos construídos sobre ela.

Mohanty com a sua noção de privilégio epistêmico parece querer acessar a representação adequada, verdadeira, objetiva das vidas das mulheres do terceiro mundo, mas isso vai fracassar. Será por quê? Porque não dá verdadeiramente ênfase no Privilégio epistêmico, mas em como mover a autoridade epistemológica, dado que esta autoridade é o que realmente importa no esforço por fazer que se escute o conhecimento insurgente (só troca a autoridade, em resumo e logo, a dominação permanece).

Talvez o que Ch. Mohanty, seguindo Sathya Mohanty, reconhecida pela sua defesa e desenvolvimento do conceito, está querendo nos dizer é sobre “a urgência e a necessidade de nos preocuparmos pela situação do oprimido e consequentemente que este reencontro nos faça revisar as nossas próprias crenças simplesmente pelo fato de descobrir que outros pensam diferente. Em um caso se trata só de um privilégio ou reconhecimento político e o outro de uma motivação heurística” (Tozzi, 2005).

É assim que o privilégio epistêmico não nos permite um acesso irrestrito a verdade alguma sobre a mulher do terceiro mundo, não havendo ilusão de fala que nos salve da pergunta ética:

– “Como podemos as feministas em melhores condições do Norte e do Sul assumir uma responsabilidade histórica com a transformação da vida das mulheres e do planeta? Como fazer para que nosso feminismo não termine sendo cúmplice dos interesses neocoloniais de produção material e simbólica de sujeitos para sua exploração e domínio?”

A pergunta, para Espinosa, não está fora, mas sim em nós mesmas. E é por isso que finalmente ela fará uma abordagem que Ch. Mohanty faz em seu ensaio. Mas antes disso, há uma conexão com o tema da sororidade (sisterhood), que, após mais alguns estudos, sobretudo com base na autora Bell Hooks, é perceptível a relação que há entre essa pergunta da Espinosa-Miñoso e o grande tema da sororidade.

2. A SORORIDADE[9] – LAÇOS INVISÍVEIS[10]

A pergunta de Espinosa sobre a responsabilidade histórica que se têm com a transformação das vidas femininas em todo o planeta e que este esforço se faça de uma forma não dominadora, opressora e violenta, sem muito esforço cognitivo te leva para a necessidade de sororidade entre as mulheres, tema este trabalhado por bell hooks, em um artigo precioso, no qual a autora norte-americana ressalta que quando as mulheres estão verdadeiramente engajadas nas lutas, elas precisam dar suporte entre si, e também a si mesmas, de uma forma a entender as diferenças, as necessidades específicas de cada uma; as mudanças acerca dos entendimentos e das práticas equivocadas, estabelecendo as bases concretas e sólidas para as experiências de solidariedade no âmbito político, mas também pessoal, afetivo, uma solidariedade que de fato se proponha a compreender as outras mulheres e que não seja apenas discursos vazios de sentimentos e de práticas transformadoras[11].

Todavia, hooks aponta que não significa apenas suporte, uma mera ajuda ocasional, de caráter pontual – quando a ajuda é oferecida e depois volta-se para os outros afazeres, os outros pontos elencados como dignos de atenção. Para uma experiência genuína de solidariedade, é preciso criar e manter uma comunhão de interesses, de crenças compartilhadas e de objetivos semelhantes, a fim se alcançarem a sororidade, ou “sisterhood”.

Nas palavras de bell hooks:

When women actively struggle in a truly supportive way to understand our differences, to change misgided, distorted perspectives, we lay the foundation for the experience of political solidarity. Solidarity is not the same as support. To experience solidarity, we must have a community of interests, shared beliefs and goals around which to unite, to build Sisterhood. Upport can be occasional. It can be given and just as easily withdrawn. Solidarity requires sustained, ongoing commitment. In feminism movement, there is need for diversity, disagreement, and difference if we are to grow[12].

Portanto, sororidade requer sustentação, compromisso e responsabilidade, tal como uma planta que exige cuidados constantes, no regar, no adubar, no oferecer carinho e amor, um estar presente como prática contínua e não apenas pontual.

Agindo assim, quaisquer lutas objetivando as melhorias de condições das melhores, seja do Norte, seja do Sul, afastarão as forma-produções (teóricas e práticas) dominadoras, exploratórios, que mantém a lógica operacional colonial, de submissão e assujeitamento, já que, frisa-se, haverá disposições no sentido de compreender as reais necessidades dos outros, as suas lutas, as suas histórias, de uma forma que todas poderão falar, mas além disso, de uma forma em que todas serão escutadas[13] e agirão com base nisso, sabendo que suas vidas importam para as demais do movimento, bastando-as em si, isto é, sendo elas próprias dignas de respeito, atenção e afeto, esses são os laços invisíveis da sororidade, que se torna cada vez mais uma necessidade nos tempos modernos, diante do fortalecimento do individualismo, em detrimento de práticas comunitárias, rigorosamente sociais, que levem em conta as outras vidas, mesmo que não sejam as mais próximas – isso é o amor, sentimento que oferece a base para a construção da sororidade e que ele cada vez mais apareça. Não há possibilidades de construção de um mundo melhor, mais igualitário, menos sexista, misógino, opressor, dominador, castrador quando na presença do amor genuíno, possibilitando o cuidado constante, mas o cuidado sem ferir, que demonstra ser capaz de estar presente cuidando, sem precisar desconsiderar o outro. Afinal, isto é uma marca do patriarcado e, olhando para o mundo, parece que ele não está em seus melhores dias.

No movimento feminista, continua hooks, há a necessidade de diversidade, porque afinal, ninguém é robô, nenhuma mulher é exatamente igual a outra, pelo contrário, cada uma é uma singularidade, com seus próprios sonhos e histórias de vida; também a exigência de desacordos e das diferenças, já que somente assim, vivendo, con-vivendo e trans-vivendo com outros olhares, com outras perspectivas, com outras singularidades é que se pode alcançar um crescimento[14] – só se cresce com a diferença, no “embate”, na “confrontação” de ideias, que não necessita ser uma prática agressiva, violenta, rude, mas justamente que se paute nesta sororidade.

Sororidade, portanto, é um laço afetivo, e ao nosso entender, bell hooks estava se referindo às mulheres negras, primacialmente (mas que pode ser levado para todo o movimento feminista, abrangendo todas as categorias de mulheres, indígenas, pobres, LGBTQs, entre outras), uma construção permanente de solidariedade e de irmandade entre as mulheres negras, denunciando a “suposta superação e união entre as mulheres de distintas raças e classes”, problematizando a invisibilização frequente das negras, que precisam se reconhecerem umas nas outras, pois, mesmo que todas as experiências sejam únicas, singulares e cada mulher negra tenham as suas próprias trajetórias de vida, há algo grave em comum, que é a experiência da discriminação, do preconceito, da hipersexualização, da exclusão sem rodeios[15].

É através da ancestralidade comum que essas mulheres poderão se verem, conhecerem e re-conhecerem-se umas nas outras, seja no cabelo crespo, nos traços negroides, mas acima de tudo nos desprezos e apagamentos que diariamente sofrem pela sociedade e pelo aparelho de Estado, ou seja, nas dores compartilhadas, nas decepções e desgostos sentidos, revelando o mito da democracia racial, a continuidade da casa-grande sob outros aspectos, formas e procedimentos, o deslumbramento dos seus corpos como mercadorias. O que isso gera? Uma auto-estima dilacerada, sobretudo para aquelas mulheres que não podem se dar ao luxo de preocuparem-se com as estéticas, com o embelezamento, ditado e imposto pelo padrão euro-nor-cêntrico, já que estão mais preocupadas em sobreviverem, em resistirem para tal, tanto elas próprias quanto os familiares, uma vez que a lógica da opressão e da sujeição atravessa vários corpos, influencia familiares e mais próximos, que juntos padecem. Com base nisso, pensar uma sororidade negra, entre mulhres negras, significa a construção coletiva fraterna e compreensiva, com base na ancestralidade que as constituem, olhando para cada uma e entre si como verdadeiras irmãs, sem as falsas e entorpecentes diferenciações, hierarquizações, distinções, que, em realidade, só fazem perpetuar a lógica da exploração e do domínio[16], características estas próprias do colonialismo e do neocolonialismo[17].

A sororidade, portanto, se aproxima da amizade, que tal como ela, tem seus alicerces no afeto do amor em seu sentido mais amplo, verdadeira demonstração de zelo, de carinho, de devoção e respeito perante a outra, afastando as construções sociais e psicológicas patriarcais, que, desde cedo, inculcam nas mentes das mulheres que estas são, “essencialmente”, inimigas naturais umas das outras, estão em permanentes disputas, não podem jamais confiar umas nas outras e as frases semelhantes que costumeiramente ainda se ouve[18].

Assim Janice Raymonds, por exemplo, percebe a realidade como socialmente fabricada e orientada a um referente masculino, em ambiente heteronormativo, estimulando essa noção de mulheres como inimigas, que precisam competir por um homem e com os homens[19]. Uma amizade, uma sororidade não acontece (ou pelo menos torna-se bastante difícil) em contextos hostis, de competição e de falta de confiança, sendo esta uma das bases da Sisterhood, que por sua vez sendo igualmente uma construção, exige, como reiterado neste tópico, uma prática “árdua”, no sentido de exigir repetições e repetições, tornando-se paulatinamente um hábito, haja vista que noções construídas, repassadas e perpassadas durante séculos não são facilmente extinguíveis de um dia para outro, são precisos esforços consideráveis, tanto em intensidade quanto na locução tempo-espaço, para que constructos tão sedimentados sejam arrefecidos e então destruídos. Por isso que as mulheres dos movimentos dizem ser a luta constante.

Retornando ao ponto da diferença, a nosso ver fundamental para a edificação sólida, bem assentada da sororidade, hooks encerra o seu perspicaz e histórico artigo sobre a desnecessidade de erradicar as diferenças para a criatura poder sentir solidariedade (afinal, esta não se pauta na igualdade, neste sentido de não se pode ter diferença alguma); a desnecessidade de compartilhar opressões e dominações comuns para lutar por igualdade e pelo fim das opressões; bem como a desnecessidade de sentimentos anti-masculinos para a união conjunta das mulheres, tendo em vista a riqueza de experiências, de culturas, de vivências, de histórias, de pensamentos, que elas possuem e que podem compartilhar umas com as outras, sem a necessidade de “pisar” nelas mesmas e em outras, de rechaçar os diferentes para alcançar uma falsa superioridade. Mulheres podem ser irmãs sem estes exercícios que perpetuam as explorações e dominações inerentes à produção material e simbólica do colonialismo e todas as suas formas; bastam estarem unidas por interesses e crenças compartilhadas, unidas na apreciação e valorização da diversidade e ainda assim unidas fortemente na luta pelo fim da opressão tirânica, humilhante e vexatória sexista, unidos, enfim, em uma rede amistosa, fraterna e compreensiva de solidariedade política[20].

É por isso que Espinosa disse que a pergunta está “em nós”, nas mulheres, não é um fora, não é ou constitui um exterior, mas sim interna, na qual cada uma precisa constantemente realizar o exercício de crítica e de auto-crítica, porque, ao fazer assim estando unidas em objetivos comuns, compartilhados, as mulheres podem, conscientemente, aproveitarem-se positivamente das suas diferenças e limitações (todas e todos possuem), apontando o que precisa ser mudado e ajudando neste processo de transformação. No popular, é a articulação expressa de transformar uma coisa ruim em uma coisa boa, de modificar-se interiormente, apagando legítima e sinceramente os defeitos e edificando com alegria e irmandade as qualidades. Dessa forma, ninguém se arvorará como superiora, como detentora da verdade, como possuindo a prática política mais sagaz, como sendo a melhor teórica, a melhor feminista, porque isto nem será uma questão[21].

3. A POSSIBILIDADE DE UMA COMUNIDADE TRANSFRONTEIRIÇA COMO MODELO DE PRÁTICA FEMINISTA SUPERADA

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Na revisão de seu “Bajo los ojos de Occidente” Mohanty aponta que é possível uma prática acadêmica global comprometida com a justiça para além das fronteiras do primeiro mundo, formando o que seria uma prática transcultural igualitária e não colonizadora, acreditando fielmente que os antagonismos entre o Norte e o Sul não seriam tão grandes a ponto de impedir a solidariedade entre eles. Mohanty estaria ainda esperançada pelo entusiasmo das lutas dos movimentos transfronteiriços contra a globalização do capital e admitindo a desmobilização atual dos feminismos do primeiro mundo, propondo então a sua comunidade de transfronteiras articulando lutas anticapitalistas, antipatriarcais e antirracistas.

Essa ilusão de Mohanty é compartilhada, por exemplo, com outras ativistas da sua geração, como Nancy Fraser [22]. O processo para a IV Conferência Mundial da Mulher das Nações Unidas aglutinou mulheres de todas as partes do planeta em uma mobilização sem precedentes. A partir daí esse grande mercado desterritorializado de confluências se diversificou sob o patrocínio da ONU, de organismos bilaterais e multilaterais para ajuda e desenvolvimento, fazendo nascerem organizações e redes globais de lutas por direitos humanos e também, segundo MENDOZA (2008, p. 172) um deslocamento do ativismo local para o internacional.

Nesse sentido é que a mobilização para Pequim em 1995 caracteriza a nova etapa política de reconfiguração unipolar do mundo depois da queda do bloco socialista e o fim da Guerra Fria, mas algumas acadêmicas do Sul dos EUA não partilharam destes contentamentos e Mendoza demonstrou a conexão que houve entre a desmobilização feminista a nível local e a aposta crescente por esta agenda transnacional bancada fortemente pelos organismos internacionais, deixando clara a imposição das suas agendas conforme os seus interesses e talvez até mesmo para enfraquecer as lutas, ao tentar mundializá-las.

Nos anos 90 houve uma fratura no interior do movimento feminista na AL entre as Autônomas e as Institucionalizadas, a partir da IV Conferência da Mulher, na qual havia lideranças feministas ancoradas e apoiadas por ONGS privadas e suas bases; e um pequeno, mas potente grupo de feministas da região denominado Las Cómplices[23], que fizeram uma análise consciente dessas conjunturas, fazendo a advertência da cooptação no VI Encontro Feminista da América Latina e Caribe, realizado em El Salvador em 1993, que criou uma polarização irreconciliável no movimento, como apontado no início deste parágrafo.

O que no Norte pode ser celebrado com bons olhos teve consequências nefastas para o movimento na AL. A solidariedade feminista sem fronteiras tem sido um espaço solidário usufruído pelas poucas privilegiadas do Sul, que possuem financiamentos, prestígio e alcançaram melhora do status individual. Isso acaba por desconectar as lideranças feministas das suas bases, ou ainda uma profissionalização, especialização, tecnocratização do feminismo, com a sequela gravíssima de fragmentar a luta, implicando, como não poderia deixar de ser, na formação de uma elite com visíveis alianças junto às feministas do Norte. Essas diretrizes são alvo de uma negociação sem fim com os poderes econômicos mundiais nas instâncias internacionais e consensuados com os interesses do Norte e dessa forma as mulheres do terceiro mundo não são ou estão ali representadas. Se alguém está falando por ela, isto é, as do Norte e as comprometidas do Sul, ela definitivamente não está ali.

Segundo aponta Spivak, a crença da possibilidade de alianças políticas globais é generalizada entre as mulheres de grupos dominantes interessados no feminismo internacional nos países compradores. No outro extremo da escala, aqueles mais separados de qualquer possibilidade de aliança entre as mulheres, estão as mulheres do subproletariado urbano. Nesse caso, a negação e a salvaguarda do consumismo e a estrutura da exploração estão ligadas às relações sociais patriarcais. “No outro lado da divisão internacional do trabalho, o sujeito da exploração não pode falar e nem conhecer o texto da exploração feminina, mesmo que seja alcançado o absurdo de fazer um espaço para a mulher falar em nome do intelectual que ela não representa”.

Se há uma necessidade de afinar os laços feministas a nível internacional, certamente não é este espaço novo globalizado que servirá. Não há que esquecer que as feministas, tal como a esquerda, tem sido sempre internacionais e os encontros feministas da AL e do Caribe desde o início dos anos 80 demonstram esse intento. A aposta atual para Espinosa é tentar recuperar o espaço pequeno da comunidade, em seu sentido múltiplo, pondo em mira os processos locais, como o MST no Brasil, a luta pelos territórios dos Mapuches no Chile, o Feminismo Comunitário na Bolívia, os levantes amazônicos contra o TLC[24] (Acordos de Livre Comércio) no Peru.

Por fim, as feministas comprometidas sabem que têm grandes dívidas com as mulheres despojadas do mundo, mas a esperança não está nelas adquirirem voz audível para os nossos discursos, porque esse requerimento só floresce a encenação que tem atrapalhado e condenado historicamente.

 

Referências
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Notas
[1] A autora coloca uma nota afirmando estar ciente do uso sempre problemático de certas categorias identitárias como “feminismo latino-americano”, “do Sul”, “ocidental”, etc. assumindo a postura crítica de autoras como Chandra Mohanty, no sentido de que o uso desses termos não visa a homogeneização alguma, muito pelo contrário, pois devem ser contextualizados sempre, a partir da geopolítica e da história. Ela vai demonstrar ao longo do artigo que o entendimento “feminismo do 3º mundo” no espaço transcional, por exemplo, é resultado de hegemonias dentro de contextos locais. E termina esta nota apontando que a representação sempre implica jogos de podes e lutas dentro do próprio grupo pela definição da própria representação.
[2] Este encontro foi desenvolvido, aponta Espinosa, graças aos esforços de um grupo de mulheres negras e pobres provenientes das favelas do Rio de Janeiro que gostariam de entrar gratuitamente no evento. Segundo Sonia Alvarez, 2003, p. 548, esse grupo apontou que as questões de raça/classe não ocupavam um lugar central na agenda do Encontro e mesmo que as mulheres destas posições não haviam tido uma participação significativa na construção desta agenda. Neste link há uma breve explicação sobre o encontro: < http://feminismo.org.br/iii-eflac-bertioga-brasil-1985/>.
[3] Esse tratamento setorial ou fragmentado das categorias de opressão, segundo M. LUGONES (2005, 66-68) é a maneira usual da resposta do feminismo às demandas de representação que tem surgido do desmoronamento do sujeito mulher universal do feminismo branco heterocêntrico ocidental. Para o projeto civilizatório ocidental é muito mais fácil somar, como se a diferença fosse uma questão de aritmética, de categorias, como aponta AMALIA FISCHER, 2002. Tentando sair deste atoleiro essencialista, o trabalho dos movimentos das mulheres de cor e lésbicas têm sido fundamentais.
Ela aponta que LUGONES, 2005 tem um trabalho sobre essa fragmentação identitária a partir da “interseccionalidade” de K. CRENSHAW; e também vale a pena conferir o programa do XI Encontro Feminista Latinoamericano e do Caribe celebrado em março de 2009 na Cidade do México.
[4] F. FANON em Os Condenados da Terra, na segunda parte, aponta para nós os estudos que eram feitos com os negros da Argélia na Europa, nos quais apontavam para a inferioridade intelectual desses, bem como a predominância da corporeidade e sensualidade e a tese de que o argelino seria um criminoso nato, claro que contaminados pelas crenças racistas e preconceituosas dos acadêmicos da época (não todos), além da crença obstinada e quase cega na ciência, que não poderia ser contestada e nem se equivocar, servindo de ilustração do ponto levantado por ESPINOSA. Segue trechos da obra de Fanon:
p. 255: “Quantas vêzes, em Paris ou em Aix, em Argel ou em Basse-Terre, vimos colonizados protestar com veemência contra a pretensa preguiça do negro, do argelino, do vietnamita. E, não obstante, a verdade é que, num regime colonial, o felá dedicado ao trabalho, o negro que recusasse o repouso seriam simplesmente individualidades patológicas. A preguiça do colonizado é a sabotagem consciente da máquina colonial; é, no plano biológico, um sistema de autoproteção notável e é em todo o caso um retardamento evidente aplicado ao domínio do ocupante sôbre a totalidade: do país.” p. 256: “Entre as características do povo argelino estabelecidas pelo colonialismo examinaremos a sua assombrosa criminalidade. Antes de 1954 os magistrados, os policiais, os advogados, os jornalistas, os médicos legistas eram unânimes em dizer que a criminalidade do argelino causava problema. O argelino, afirmavam, é um criminoso nato. Formularam uma teoria, apresentaram provas científicas. Essa teoria foi objeto, durante mais de 20 anos, de ensino universitário.” p. 257: “Assim, os médicos argelinos diploma dos pela Faculdade de Argel tiveram de ouvir’ e aprender que o argelino é um criminoso nato. Ainda me lembro de um colega que expunha soIenemente essas teorias e acrescentava: “É duro engolir isso mas está cientificamente estabelecido”. O norte-africano é um criminoso, seu instinto predatório é conhecido, sua agressividade maciça fàcilmente perceptível. O norte-africano gosta dos extremos; por isso não se pode confiar integralmente nêle. Hoje o maior amigo, amanhã o maior inimigo. Impermeável às nuanças, o cartesianismo lhe é fundamentalmente estranho, o senso do equilíbrio, da ponderação, da medida contraria suas disposiçõe mais íntimas. O norte-africano é um violento, hereditàriamente violento. Há nêle uma impossibilidade de se disciplinar, de canalizar seus impulsos. Sim, o argelino é um impulsivo congênito.
[5] Ambas as críticas estão expostas em várias obras, mas, sobretudo em: SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o Subalterno Falar?. Belo Horizonte: Editora UFMG, 133p., 2010 [1985]. Tradução do original em inglês: Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa e André Pereira Feitosa, pp. 19 e seguintes.
[6] Ela traz uma nota explicando que o termo procede da teoria política de Gramsci e que o grupo Estudos Subalternos surgidos nos anos 80 concedem sentido tanto econômico quanto político ao termo, significando de forma geral os excluídos de qualquer forma de ordem e de agência. Para Spivak, a figura do subalterno em sua máxima intensidade é a da mulher negra pobre do terceiro mundo.
[7] Ela menciona a cumplicidade dos feminismos AL com projetos alheios à transformação radical do patriarcado, que são deslegitimados pelos feminismos hegemônicos, incluindo a academia dos estudos de gênero. O exemplo bem conhecido disso é a crítica direcionada ao uso das bases de pensamentos autônomos do feminismo.
[8] Por violência epistêmica ela entende, a partir de Maritza Belasteguigoitia, 2001, uma forma de inviabilizar o outro, expropriando-o da sua possibilidade de representação.
[9] Hooks, bell (2000). Feminism is for everybody: passionate politics. Cambridge, MA: South End Press, pp. 7-13. No primeiro capítulo desta obra hooks vai apontar que a medida que o feminismo contemporâneo foi progredindo as mulheres foram percebendo que os homens não eram os únicos a sustentarem os pensamentos sexistas e o pensamento anti-homem foi se desvinculando do movimento. Então o foco passou a ser em criar um sistema de justiça de gênero. Todavia, as mulheres para se unirem precisam enfrentar nelas mesmas e no movimento o pensamento sexista – nesse contexto a sororidade não poderia ser forte, porque as mulheres estavam vivendo com o pensamento de guerra entra elas. Visões utópicas da sororidade também foram se rompendo, porque atuavam na base da consciência única, isto é, de que todas as mulheres estavam vitimadas pela dominação masculina, e daí começaram os atravessamentos de classe e de raça, historicamente nesta ordem. Mas mesmo antes da reça se tornar uma questão a ser debatida dentro do movimento feminista, as mulheres negras, consoante hooks, já percebiam que elas e as suas aliadas na luta jamais teriam igualdade dentro do “patriarcado de supremacia branca capitalista existente”. Isso aponta para duas coisas: o movimento feminista, desde o início já estava dividido e a sororidade apresenta por bell hooks tem claramente o traço racial.
[10] O termo Laços Invisíveis foi retirado do texto Sororidade Negra: Laços Invisíveis, de Fernanda Sousa e Mariana Pimentel, postado no Blog “BlogueirasNegras”, em 10 de março de 2014. Referência completa: SOUSA, Fernanda; PIMENTEL, Mariana. Sororidade Negra: Laços Invisíveis. In: Site Blogueiras Negras. 10 de março de 2014. Disponível em: <http://blogueirasnegras.org/2014/03/10/sororidade-negra-lacos-invisiveis/>. Acesso em 28 de dezembro de 2017.
[11] “É preciso um povoado para criar uma criança, diz um provérbio africano, hoje famoso graças a Hillary Clinton. Mas há uma máxima africana mais profunda que se refere não só a educação de crianças, mas também ao relacionamento do indivíduo com a sociedade. Ela diz simplesmente: Existo porque existimos, existimos porque existo 13. Essa mensage, difundida por toda a mitologia e espiritualidade africanas, deveria ser a base das histórias que contamos aos jovens heróis e heroínas do nosso meio. Porque, ao entender que a minha existência depende da dos outros e a existência deles depende da minha, devo também entender que ao ser violento com os outros estou sendo violento comigo mesmo”. FORD, Clyde W. O Heroi com Rosto Africano – Mitos da África. São Paulo: Editora Selo Negro, 1999, pp. 39 e 40.
[12] hooks, bell (1984). Feminist Theory: From Margin To Center (1st ed.). Cambridge, MA: South End Press, p. 64.
[13] Na ótica da “subalternidade” de Spivak, a autora foca que as mulheres, subalternas, não podem falar; e se não podem falar, obviamente não serão ouvidas. Mas a partir da própria autora, em uma leitura estendida do seu texto, vem a pergunta, construída no debate intra-classe, e quando falam, as mulheres são realmente ouvidas? Na parte final do livro “Pode o Subalterno Falar?” discute o sacrifício das viúvas indianas (sati), a partir das tradições hinduístas destas, considerando especialmente a resposta colonial britânica em face destes sacrifícios. Neste ponto a autora tenta responder a pergunta que dá nome ao livro, quando, por exemplo, toma o caso da jovem indiana que suicidou-se em Calcutá, em 1926, que estava menstruada quando do cometimento deste ato. A primeira resposta era de que ela estava em relacionamento amoro ilícito ou estava grávida, mas o fato dela estar menstruada contrariava isso. Então o ato foi visto como delirante, sem sentido, alucinado. E a partir de pesquisas junto à família da jovem, Spivak demonstrou que ela integrava uma determinada organização política e estava com a tarefa de realizar um atentado contra uma autoridade estatal, levando a crer que o suicídio se deu em razão deste fato, isto é, a sua “incapacidade” frente a tarefa do assassinato político (não importam os motivos dessa incapacidade no caso) e por conseguinte, a impossibilidade de viver consigo mesma sem cumprir a tarefa. O fato de esperar a chegada da menstruação já demonstraria, segundo Spivak, uma prática desafiadora aos padrões impostos para a mulher subalterna da Índia (a jovem sabia que o ato seria visto como fruto de uma paixão ilegítima); e por não ser compreendida, este seria um exemplo contundente de como o subalterno não pode falar e muito menos ser ouvido. O ato de ser ouvido é que me parece fundamental, o mais importante e significativo, justamente porque demonstra esse respeito e consideração pela outra pessoa, sem querer representá-la ou modificar-lhe a voz. SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o Subalterno Falar?. Belo Horizonte: Editora UFMG, 133p., 2010 [1985]. Tradução do original em inglês: Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa e André Pereira Feitosa, p. 123 e seguintes.
[14] hooks, bell (1984). Feminist Theory: From Margin To Center (1st ed.). Cambridge, MA: South End Press, p. 64.
[15] SOUSA, Fernanda; PIMENTEL, Mariana. Sororidade Negra: Laços Invisíveis. In: Site Blogueiras Negras. 10 de março de 2014. Disponível em: <http://blogueirasnegras.org/2014/03/10/sororidade-negra-lacos-invisiveis/>. Acesso em 28 de dezembro de 2017.
[16] hooks, bell (2000). Feminism is for everybody: passionate politics. Cambridge, MA: South End Press, p. 6: “Concurrently there can be no such thing as “power feminism” if the vision of power evoked is power gained through the exploitation and oppression of others”. Portanto, nas próprias palavras de hooks, não há verdadeira eliminação da opressão sexista se a visão de poder está distorcida, sendo este obtido a partir da exploração, dominação, subjugação, afetação negativa e hierarquizada sobre outras pessoas, mulheres ou não. Historicamente, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, por exemplo, essa exploração se mostra mais agressiva, concreta e de uns tempos para cá implícita (por vezes) sobre os negros, em especial, as mulheres negras.
[17] SOUSA, Fernanda; PIMENTEL, Mariana. Sororidade Negra: Laços Invisíveis. In: Site Blogueiras Negras. 10 de março de 2014. Disponível em: <http://blogueirasnegras.org/2014/03/10/sororidade-negra-lacos-invisiveis/>. Acesso em 28 de dezembro de 2017.
[18] hooks, bell (1984). Feminist Theory: From Margin To Center (1st ed.). Cambridge, MA: South End Press, p. 43.
[19] RAYMONDS, Janice G. A passion for friends. Boston, Beacon Press, 1986 apud GONÇALVES, Eliane. Vidas no Singular: noções sobre mulheres “sós” no Brasil Contemporâneo. 2007. Tese de Doutorado em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP. Orientadora: Adriana Garcia Piscitelli, p. 205.
[20] hooks, bell (1984). Feminist Theory: From Margin To Center (1st ed.). Cambridge, MA: South End Press, p. 65.
[21] “’The same appreciation of the reality of contradiction underlies the concept of criticism and self-criticism. Criticism and self-criticism is the way in which individuals who are united by common goals can consciously utilize their differences and their limitations, i.e., the negative, in order to accelerate their positive advance. The popular formulation for this process is “changing a bad thing into a good thing.’”. LEE BOGGS, Grace; LEE BOGGS, James. Revolution and Evolution in The Twentieth Century. January 1974. 308 p. p, 133. Disponível em: <http://www.boggscenter.org/dialectics_revolution.html>. Acesso em 28 de dezembro de 2017.
[22] Fraser (2004, p. 4) vê como bons olhos a produção desse espaço de confluência a nível global, considerando que a terceira fase do Feminismo é esse de políticas transnacionais, que pode melhorar os aspectos das fases anteriores e criando uma nova síntese.
[23] Esse documento foi chamado de “Manifiesto de las Cómplices a sus compañeras de ruta”, assinado por Pisano, Bedregal, Gargallo, Amalia Fischer, Gaviola, Lidid e Rosa Rojas.
[24] Quem quiser saber mais sobre os TLCs peruanos, consulte o site do próprio governo. Disponível em: <http://www.acuerdoscomerciales.gob.pe/index.php?option=com_content&view=article&id=48%3Alo-que-debemos-saber-de-los-tlc&catid=44%3Alo-que-debemos-saber-de-los-tlc&Itemid=81>. Acesso em 06 de novembro de 2017.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Dorival Fagundes Cotrim Júnior

 

Mestrando em Direito Constitucional e Teoria do Estado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC Rio. Graduado em Direito na Faculdade Nacional de Direito FND/UFRJ. Advogado atuante em Administrativo e Civil

 


 

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