Resumo: O Código Tributário Nacional (CTN) no seu art. 185 disciplina a fraude à execução nas situações de alienação ou oneração de bens pelo sujeito passivo, após a inscrição em dívida ativa, sem deixar bens reservados suficientes para pagamento do crédito público. Por outro lado, a Súmula 375 do Superior Tribunal Justiça impõe como requisitos para reconhecimento da fraude o registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. Todavia, em face das garantias e privilégios do qual estão revestidos os créditos tributários, a doutrina e a jurisprudência entende pela inaplicabilidade da referida súmula para caracterização da ineficácia da alienação na execução fiscal que tem por objetivo a cobrança de dívida dessa natureza. Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho é analisar o tema proposto sob o aspecto legal e jurisprudencial.
Palavras-Chave: Execução Fiscal, Fraude à Execução, Dívida Tributária
Abstract: The National Tax Code (CTN) in your art. 185 disciplines fraud to the execution in situations of alienation or encumbrance of goods by the taxable person, after the entry into active debt, without leaving sufficient reserved goods for the payment of the public credit. On the other hand, docket 375 of the Superior Court of Justice imposes as requirements for the recognition of fraud the registration of the attachment of the alienated good or the proof of bad faith of the third acquirer. However, in the face of the guarantees and privileges of which tax credits are covered, the doctrine and jurisprudence shall be understood by the inapplicability of the said docket to characterize the ineffectiveness of the alienation in the fiscal execution which aims to Debt collection of that nature. In this context, the objective of the present work is to analyze the proposed theme under the legal and judicial aspect.
Keywords: Fiscal Execution, Fraud to the execution, Tax debt
Sumário: Resumo. Palavras Chave. Abstract. Introdução – Breve exposição acerca da execução fiscal. 1. Fraude à execução fiscal e Inaplicabilidade da Súmula 375 do STJ. 2. Considerações Finais. 3. Referências.
1. Introdução – Breve exposição acerca da execução fiscal.
A Lei nº 6.830/1980 apresenta importantes regramentos a serem seguidos na cobrança judicial dos créditos públicos inscritos em Dívida Ativa.
De acordo com o referido diploma legal, a Dívida Ativa compreende a tributária, bem como a não tributária.
O art. 39 da Lei nº 4.320/1964 define cada uma delas da seguinte forma:
“Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias. (Redação dada pelo Decreto Lei nº 1.735, de 1979)
§ 1º – Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 1979)
§ 2º – Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 1979)
§ 3º – O valor do crédito da Fazenda Nacional em moeda estrangeira será convertido ao correspondente valor na moeda nacional à taxa cambial oficial, para compra, na data da notificação ou intimação do devedor, pela autoridade administrativa, ou, à sua falta, na data da inscrição da Dívida Ativa, incidindo, a partir da conversão, a atualização monetária e os juros de mora, de acordo com preceitos legais pertinentes aos débitos tributários. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 1979)
§ 4º – A receita da Dívida Ativa abrange os créditos mencionados nos parágrafos anteriores, bem como os valores correspondentes à respectiva atualização monetária, à multa e juros de mora e ao encargo de que tratam o art. 1º do Decreto-lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, e o art. 3º do Decreto-lei nº 1.645, de 11 de dezembro de 1978. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 1979)
§ 5º – A Dívida Ativa da União será apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda Nacional”. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 1979)
Segundo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), são espécies tributárias: impostos (art. 146,I,), taxas (146,II), contribuição de melhoria (146,III), empréstimos compulsórios (art. 148) e contribuições (art. 149).
Assim, a dívida tributária decorre da cobrança dos diversas espécies citadas acima e os seus acréscimos. Lado outro, a não tributária, de forma residual, é aquela proveniente dos demais créditos públicos, como, por exemplo, as multas decorrentes do exercício do poder de polícia, contratos não cumpridos, multa penal, dentre outras.
Da análise dos dispositivos supracitados, verifica-se que o art. 39 da Lei nº 4320/64 não pode ser interpretado isoladamente. Deve ser realizada uma interpretação sistemática com a Constituição de 1988. Isso porque atualmente os empréstimos compulsórios, bem como diversas contribuições estabelecidas constitucionalmente são considerados espécies tributárias.
Quanto à dívida tributária, a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.
Importante destacar que nem sempre a dívida de natureza não tributária terá o mesmo tratamento da tributária, pois alguns artigos do CTN se aplicam exclusivamente no âmbito desta, como é o caso do art. 185.
2. Fraude à Execução Fiscal – Inaplicabilidade da Súmula 375 do STJ
Inicialmente, para análise da fraude à execução, é importante verificar a data em que foi operada a alienação ou oneração de bens pelo sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública. Isso porque se a alienação ocorreu antes de 09/06/2005 aplica-se a redação antiga do CTN que exigia a citação do devedor na execução para configuração da fraude. Por outro lado, se a alienação ocorreu após 09/06/2005, aplica-se a nova redação do dispositivo, dada pela Lei Complementar 118/2005, no qual o marco foi antecipado para a inscrição do débito em dívida.
Neste sentido, segue abaixo a antiga redação do artigo 185 do CTN e a atual que está em vigor, respectivamente:
“Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados pelo devedor bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida em fase de execução.
Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita.” (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
Assim, com a nova redação do disposto retromencionado, para a caracterização da fraude à execução, basta alienação do bem depois da inscrição da dívida, não sendo mais necessário que seja iniciada a execução fiscal, como antes previsto.
Além disso, merece destacar que a doutrina entende que, a alienação após a inscrição em dívida ativa, trata-se de presunção absoluta de fraude, não admitindo prova em contrário. Assim, no curso da execução, não se discute a boa-fé ou a má-fé do adquirente, mas tão somente se busca a declaração da ineficácia da alienação, já que com a venda trouxe prejuízos à satisfação do crédito público.
Quanto ao enunciado da Súmula 375 do STJ que preceitua que para “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” entende-se que esta não se aplica às execuções fiscais.
Registre-se que o CTN, norma especial que disciplina o sistema tributário nacional, não trouxe qualquer exigência nesse sentido.
Dessa forma, a transferência de bens do devedor ocorrida após a inscrição do débito tributário em dívida ativa configura fraude contra a execução fiscal, independentemente de haver qualquer registro de penhora e de ser provada a má-fé do adquirente.
Nesse sentido, confira, in verbis, o entendimento do STJ:
“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BEM POSTERIOR À CITAÇÃO DO DEVEDOR. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO REALIZADO APÓS A CITAÇÃO. ART. 185 DO CTN, COM A REDAÇÃO ANTERIOR À LC N. 118/2005. SÚMULA 375/STJ. INAPLICABILIDADE. MATÉRIA SUBMETIDA AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. SUCESSIVAS ALIENAÇÕES.
1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.141.990/PR, de Relatoria do Min. Luiz Fux, submetido ao rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ, consolidou entendimento segundo o qual não se aplica à execução fiscal a Súmula 375/STJ: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.
2. A caracterização da má-fé do terceiro adquirente ou mesmo a prova do conluio não é necessária para caracterização da fraude à execução. A natureza jurídica do crédito tributário conduz a que a simples alienação de bens pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta de fraude à execução, mesmo no caso da existência de sucessivas alienações.
3. Hipótese em que muito embora tenha ocorrido duas alienações do imóvel penhorado, a citação do executado se deu em momento anterior a transferência do bem para o primeiro adquirente e deste para ora agravante, o que, de acordo com a jurisprudência colacionada, se caracteriza como fraude à execução fiscal. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg no AREsp: 135539 SP 2012/0003674-7, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 10/12/2013, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/06/2014) (Destacou-se)
Destaca-se que o mesmo não ocorre com a fraude civil, visto que para sua configuração é necessário a prova dos requisitos previstos na súmula 375 do STJ.
A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, visto que o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas.
Importante destacar, ainda, que na fraude à execução o ato não é nulo, inválido, mas sim ineficaz em relação ao credor/exequente.(RESP n.º 3.771-GO – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 05/11/1990, p.12432).
De mais a mais, as alienações ou onerações devem ser de tal modo que tenha reduzido o devedor a insolvência. Se houver reserva de bens suficientes, não há que se falar em ocorrência de fraude.
Portanto, a fraude à execução fiscal presume-se de forma absoluta, nos termos do art. 185 do CTN, independentemente do adquirente estar de boa-fé ou não e haver o registro da penhora
4. Considerações Finais
A fraude à execução é um importante instituto que visa proteger o credor das alienações ou onerações fraudulentas realizadas pelos devedores, com o intuito de promover o esvaziamento patrimonial e se esquivar do pagamento da dívida.
Com a sua declaração, não se torna o negócio nulo, mas ineficaz contra o credor/exequente.
Tudo isso, com o objetivo de assegurar a satisfação do crédito cobrado em juízo e promover a efetividade da execução.
Embora a Súmula 375 do STJ disponha que é necessário o registro da penhora ou prova da má-fé do adquirente para configuração da fraude, entende que tal disposição não se aplica nas hipóteses de declaração de ineficácia de dívidas tributarias, haja vista que o CTN, regra especial, não trouxe tal exigência.
Portanto, o tema em estudo é fundamental para garantir maior efetividade na prestação judicial e recuperação dos créditos tributários aos cofres públicos, tudo isso para assegurar a efetivação das políticas públicas de interesse coletivo.
Informações Sobre o Autor
Jorda’Anna Maria Lopes Gusmão
Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros, Procuradora da Fazenda Nacional