Tutela ambiental e sustentabilidade: o despertar da civilização

Resumo: A presente pesquisa destina-se a analisar os primórdios da tutela ambiental Brasileira partindo de uma teoria contratualista da origem social, abordando a tutela constitucional e a relação com os direitos fundamentais, bem como o efeito borboleta aplicado nas relações de meio ambiente em face da importante função desempenhada pelos recursos naturais ao longo da vida humana terrena. Para elaborar a presente pesquisa utilizou-se o método indutivo, tanto na fase de investigação como no relato dos resultados, utilizando-se de fichamentos, pesquisa bibliográfica e jurisprudência, culminando com a constatação de uma atuação humana morosa quanto à tutela do meio ambiente em face da suprema importância dos recursos naturais para a manutenção da vida humana na Terra em contrapartida a finitude dos elementos da natureza. Em face da imprescindibilidade dos bens naturais para a vida intra e interespécies, intra e intergerações o meio ambiente alcança inequívoca classificação de direito um fundamental como decorrência da dignidade da pessoa humana, pilar do Estado Democrático de Direito, ao mesmo tempo em que é dever de todos na condição de cidadãos transnacionais de um mundo globalizado, concluindo pela relevância do pensar globalmente e agir localmente com relação ao meio ambiente.

Palavras-chaves: Ambiente, Origens, Tutela, Constitucional, Dignidade.

Abstract: The present research aims to analyze the beginnings of the Brazilian environmental protection starting from a contractualist theory of social origin, addressing the constitutional tutelage and the relation with the fundamental rights, as well as the butterfly effect applied in the environmental relations in the face of the important natural resources throughout human earthly life. In order to elaborate the present research, the inductive method was used, both in the research phase and in the reporting of the results, using records, bibliographical research and jurisprudence, culminating in the finding of a slow human performance regarding the protection of the environment in in view of the supreme importance of natural resources for the maintenance of human life on the earth in counterpart to the finitude of the elements of nature. In the face of the indispensability of natural goods for intra and inter-species life, intra and intergeneric, the environment achieves an unequivocal classification of right as a fundamental consequence of the dignity of the human being, a pillar of the Democratic State of Law, at the same time as it is a duty of all as transnational citizens of a globalized world, concluding on the relevance of thinking globally and acting locally with respect to the environment.

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Key-words: Environment. Origins. Tutorship. Constitutional. Dignity.

Sumário: Introdução; 1. Os primórdios da tutela ao meio ambiente; 2. Tutela ambiental e as constituições brasileiras; 3. Tutela ambiental como direito fundamental; 4. O efeito borboleta na tutela ambiental. Considerações Finais.

INTRODUÇÃO

O meio ambiente é assunto de suma importância tanto em âmbito local como global, uma vez que seus efeitos ultrapassam fronteiras, assim a ação deve ser objeto de atenção local resumindo na máxima “pensar globalmente agir localmente”, devido a sua sistemática, ação local e efeitos globais, o meio ambiente ecológico é assunto multidisciplinar, abordado sobre diferentes enfoques como o jurídico, o político e o social.

O objeto do presente artigo é a investigar a origem e como se desenvolveu a tutela ao meio ambiente, analisar a proteção jurídica constitucional e avaliar a  preservação do meio ambiente como direito fundamental intra e interespécie, intra e intergeracional.

O meio ambiente que se refere neste trabalho é o meio ambiente ecológico, a ser tutelado tanto em beneficio do ser humano como de todos os seres vivos que habitam na Terra, mas especialmente considerando o ambiente ecologicamente equilibrado como elemento integrante da dignidade da pessoa humana, pilar do ordenamento jurídico brasileiro.

1. OS PRIMÓRDIOS DA TUTELA AO MEIO AMBIENTE

A origem da sociedade foi objeto de estudo de muitos filósofos na antiguidade. As razões que levaram o ser humano a organizar-se administrativa, política e legislativamente e como se deu tal processo histórico ainda é objeto que intriga estudiosos de diferentes áreas do conhecimento.

A teoria mais aceita remete a ideia do filósofo Jean-Jacques Rosseau que, em seu livro intitulado o contrato social, firmou a tese da união de homens livres em busca do bem comum.

O homem em seu estado natural teria se sentido ameaçado pelas outras espécies de vida na Terra, o que fez com que se reunisse a outros da mesma espécie para garantir sua sobrevivência e a manutenção de seus bens. Assim, o homem natural abre mão de sua liberdade ilimitada em face de garantias de segurança e bem-estar. O autor relata o princípio da sociedade em seu aspecto fático e político. (ROSSEAU. 2007, passim).

O princípio da união dos seres humanos se deu na família, onde os filhos viviam com os pais até poderem viver sozinhos, assim obedeciam às leis paternas até o momento de sua emancipação (ROSSEAU. 2007, p. 24).

Assim, após o surgimento de agrupamentos humanos pela formação familiar, o homem viu-se na necessidade de agrupar-se a outros semelhantes para fins de manutenção e facilitação de sua espécie e o fez através de um contrato social tácito de convivência, em que os indivíduos abrem mão de sua liberdade ilimitada em busca de proteção do todo para tutela de sua vida e da propriedade de seus bens, pois os homens unidos eram mais fortes do que em sua singularidade.

Assim, o conjunto de pessoas vivendo sob um acordo comum foi denominado de Cidades (ROSSEAU, 2007, p. 34), cuja convivência era regulada por regras pré-estabelecidas de comum acordo entre os homens livres. A única lei que vinculava o ser humano na era primitiva, a de manter a própria sobrevivência, cede espaço para as leis que se destinam a regular a convivência social, dessa forma a liberdade natural dá lugar a liberdade civil (ROSSEAU, 2007, p. 24).

O homem natural é transformado no homem moral, com consciente do bem comum ao grupo a que pertence.

Da mesma forma é a análise histórica humana de Hegel (2001, passim) com enfoque no desenvolvimento da consciência humana, ele concorda com o enfoque histórico de Rosseau, mas o analisa com base na razão humana, afirmando que a primeira natureza do homem é a animal, bárbaro e violento no seu estado natural, o qual passa a natureza moral com o desenvolvimento da consciência e vontade.

Nas sociedades primitivas a Terra é o que dava alimento e condições de existência ao homem, em razão disso a defesa da natureza pode ser notada no aspecto politeísta das cidades primitivas, onde os elementos da natureza eram relacionados a deuses e suas alterações entendidas como fúria do respectivo deus com seu povo. (HEGEL, 2001, p. 59).

Nesse sentido também menciona Klaus Bosselmann ao lembrar as antigas civilizações Inca e Maia[1].

Com a cisão da religião e política, herança iluminista, o homem passa a conscientizar-se de sua importância como sujeito de direito. Assim, o homem que era submisso à natureza por reconhecer seus elementos como ser divino passa a ocupar o centro do universo, porque único detentor da razão, para o qual toda a natureza contribui. A mudança na consciência humana originada pelo movimento iluminista foi representa também na arte, a exemplo da obra o homem vitruviano.

Do iluminismo adveio a revolução industrial acentuando a indiferença do homem para com a natureza, os valores foram alterados e o que era supremo passou a ser apenas matéria prima.

Nesse sentido, Ulrick Beck menciona que “Em lugar de Deus e da Igreja, entraram em cena as forças produtivas e aquelas que as desenvolvem e administram – a ciência e a econômica.”(BECK, 2011, p. 315) Ele ainda esclarece que com os valores trazidos pela revolução industrial de busca pelo aumento de lucros através da produção em série e o gosto pelos bens materiais, fizeram com que os riscos ambientais que eram individualizados passassem a ser globalizados. ( BECK, 2011, p. 9).

Somente com as primeiras crises naturais o homem resgata a consciência da importância do meio ambiente ecológico para o meio ambiente humano. Conforme relata Klaus Bosselmann (2015. p. 30) a Europa somente passou a se preocupar com a tutela ambiental quando, 600 anos antes do final do século XX, sofreu uma grave crise ecológica “sem florestas não havia madeira para aquecimento, cozinha, construção de casas e fabricação de ferramentas”.

Nesse contexto, Ulrick Beck (2011, p. 89) traça um paralelo entre os riscos das sociedades primitivas e da atual sociedade de riscos: “Esse traço teórico fundamental da consciência do risco tem um significado antropológico: as ameaças da civilização fazem surgir uma espécie de novos “reino das trevas”, comparável com os deuses e demônios da Antiguidade, que se ocultavam por trás do mundo invisível e ameaçavam a vida humana no planeta. Hoje em dia, não nos comunicamos mais com os “espíritos” que se escondem nas coisas, mas nos vemos expostos a “irradiações”, ingerimos “teores tóxicos” e somos perseguidos até nos sonhos pelos temores de um “holocausto nuclear”.”

A partir da conscientização humana quanto à relevância da preservação dos recursos naturais para a vida humana desenvolveu-se um conceito de sustentabilidade na tentativa de harmonizar tutela ambiental e desenvolvimento social.

Em 1983, a Organização das Nações Unidas estabeleceu uma Comissão Mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento, presidida pela médica Gro Harlem Brundtland, que deu nome a Comissão, a qual no ano de 1987 publicou o relatório denominado Nosso Futuro Comum, também conhecido como relatório Brundtland, no qual apresentou o conceito de desenvolvimento sustentável, como sendo o que encontra as necessidades atuais sem comprometer a habilidade das futuras gerações de manter suas próprias necessidades[2].  

Segundo o professor alemão Klaus Bosselmann (2015, p.50), o relatório de Brundtlad é um apelo por justiça distributiva global entre ricos e pobres, gerações presentes e futuras e entre os seres humanos, no sentido de satisfazer as necessidades das gerações presentes sem comprometer os recursos para satisfação das necessidades das gerações futuras.

O conceito de desenvolvimento sustentável varia entre os estudiosos da matéria, sendo certo que envolve a necessidade de desenvolvimento da sociedade presente com respeito e preservação dos recursos naturais para satisfação das necessidades das futuras gerações, como critério de justiça intra e intergerações.

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Sustentabilidade para Juarez Freitas (2012, p.50) é, em síntese, um princípio constitucional que assegura no presente e no futuro, o direito ao bem-estar.

Nesse sentido, alguns autores (LATOUCHE, 2009. p.10) alertam para o fato de que, não raramente, grupos com interesses econômicos utilizam a sustentabilidade apenas como uma maneira de conservar lucros e evitar mudança de comportamentos, utilizando a sustentabilidade apenas em discursos midiáticos populistas a fim de desviar a atenção para comportamentos de fato nocivos ao meio ambiente.

Enfim, o que se nota nas sociedades modernas é que embora o homem tenha consciência da imprescindibilidade do meio ambiente ecológico para sua sobrevivência, acredita ou finge acreditar na falácia da inesgotabilidade dos recursos naturais, visando, ainda, alcançar os ideais da revolução industrial da busca de lucros a qualquer custo.

2. TUTELA AMBIENTAL E AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

A tutela constitucional do meio ambiente nas constituições brasileiras é atrasada, pois só com o advento da atual Constituição de 1988 o meio ambiente foi elevado à tutela constitucional.

É fato que a tutela infraconstitucional do meio ambiente é anterior a Constituição de 1988, mas a legislação não dispunha de suporte constitucional, mesmo o Brasil possuindo constituições prolixa, que se ocupavam de inúmeras matérias não limitadas à organização político administrativa.

Não obstante ser de importância vital para a vida humana, nenhuma das seis constituições pretéritas outorgou tutela ao meio ambiente.

O constituinte brasileiro não se ocupou do meio ambiente até 1988, o que seria de imprescindível relevância para a concretização de um desenvolvimento sustentável forte, caso tivesse dado a devida importância à tutela ambiental logo no início da era do descobrimento poderia elevar o país a um modelo ideal em desenvolvimento sustentável, com orgulho de seus seis biomas e da maior biodiversidade tropical do mundo, mas a história não foi bem assim.

O meio ambiente só passou a fazer parte dos assuntos políticos, sobretudo em âmbito internacional, após a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em 1972, na cidade de Estocolmo, o que impulsionou os movimentos ambientalistas pelo mundo.

Os movimentos ambientalistas surgiram após a percepção de que o Estado e o mercado não supriam os ideais ambientais, ocasionando ameaças a toda a sociedade em contrapartida a privatização dos lucros.

Nesse sentido, as legislações buscam interiorizar as externalidades negativas[3] decorrentes do processo produtivo através de princípios de direito ambiental como o poluidor-pagador[4], da prevenção[5] e, até mesmo da precaução[6], evitando danos decorrentes da incerteza científica.

No Brasil, apesar da edição da Lei 6.938 em 31 de agosto de 1981, dispondo sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, o Brasil foi palco de grandes desastres ambientais devido à negligência estatal na tutela ambiental.

Na sociedade de risco, Ulrich Beck relata à indiferença brasileira para a tutela ambiental ao citar a frase mencionada pelo Ministro do Planejamento em 1972 ‘O Brasil ainda pode importar poluição’ em contrapartida cita o desastre ambiental de 1984 na Vila Socó, em Cubatão, no litoral de São Paulo, que vitimou dezenas de moradores decorrentes do incêndio causado pelo derramamento de petróleo no mangue que abrigava inúmeras palafitas·.

Dois anos após tal fato, ocorre o incidente com Césio 137 na cidade de Goiânia, onde catadores de lixo encontraram objeto contendo substância radioativa e sem saber do que se tratava levaram a substância a diversos pontos da cidade e à exposição de diversas pessoas, ocasionando contaminações e mortes devido ao contato com o material radioativo[7].

Face ao clamor social por uma atuação positiva do estado frente às tragédias ocasionadas pelos desastres ambientais, o constituinte de 1988 finalmente conferiu tutela constitucional ao meio ambiente.

O contexto social de 1988 também foi favorável à tutela ambiental, pois a proteção constitucional foi concedida a inúmeros outros direitos como consequência do clamor de uma sociedade que sobreviveu a uma ditadura militar restritiva de direitos humanos e sociais.

Em face da conquista popular, a constituição de 1988 foi também conhecida como constituição cidadã, justamente pela ampla tutela de direitos humanos e sociais conferidos em seu texto.

A tutela ambiental no texto constitucional de 1988 foi abordada de modo multidisciplinar, é princípio da ordem econômica[8], inclusive como requisito de cumprimento da função social da propriedade privada[9], diretriz do sistema único de saúde[10] e da comunicação social[11], além de contar com capítulo próprio no artigo 225 detalhando seus desdobramentos.

Cumpre salientar que o rol de incumbências do Poder Público na defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal é apenas exemplificativo, passível a incorporação de outros deveres necessários à tutela do meio ambiente.( FENSTERSEIFER, 2008, p. 226)

O dispositivo constitucional é carregado de conteúdo valorativo, expressando diversos princípios do direito ambiental. Já no caput do artigo 225 da Constituição é possível visualizar o princípio da solidariedade intra e intergeracional, eis que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito das gerações presentes e futuras, incumbindo àquelas a defesa e preservação a fim de possibilitar igual gozo do direito ao meio ambiente sadio por estas.

Ainda no caput o artigo 225 e o §1º, inciso VI contemplam o princípio da participação entre o Poder Público e a coletividade na tutela ambiental, sendo dever de ambos a tutela ambiental, incumbindo ao Estado prover a educação ambiental de todos a fim de possibilitar o exercício do dever constitucional.

O parágrafo primeiro em seus diversos incisos expressam os postulados da prevenção e precaução, exigindo do Estado um comportamento ativo no sentido de precaver-se de danos ambientais, vedando comportamentos passíveis de causá-los diante de incerteza cientifica e exigindo medidas de contenção de danos quando existentes e de eficácia comprovada.  

Os princípios ambientais constitucionais implícitos no artigo 225 da Constituição Federal devem ser interpretados em consonância com a dignidade da pessoa humana, pois é o pilar do ordenamento jurídico e princípio edificante da sociedade brasileira (SARLET, 2017, p. 86).

Assim, sendo o meio ambiente ecologicamente equilibrado essencial à sadia qualidade de vida, é forçoso concluir que é imprescindível a uma manutenção de vida com dignidade, eis que a dignidade possui conteúdo amplo a englobar a integridade física e psíquica inerente à tutela ambiental.

3. TUTELA AMBIENTAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Os direitos fundamentais, tais como são reconhecidos hoje, inalienáveis, universais e imprescritíveis são objeto de conquistas históricas do ser humano em face de poderes dominantes.

A evolução das conquistas histórica dos direitos humanos foi bem definida pelo jurista tcheco-francês Karl Vasak por ocasião de uma aula inaugural do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Strasbourg onde mencionou as gerações de direitos fundamentais (BULOS, 2015, p. 531).

As gerações, ou dimensões como preferem alguns, dos direitos humanos é relacionada às demandas sociais em cada época da história. A primeira geração se refere aos direitos individuais do cidadão face do Estado absolutista, culminando no Estado Liberal que garantiu ao cidadão direito de liberdade de locomoção, religião entre outros.

Com o decorrer do tempo, especialmente após a Primeira Guerra Mundial, a sociedade percebeu que não bastava ter direitos de liberdade, pois não seria capaz de prover sozinha alguns direitos de vital importância, como os relacionados à saúde, previdência, trabalho, assim surgiu uma nova demanda em face do Estado a fim de que este garantisse, além dos direitos individuais de liberdade, direitos sociais, econômicos e culturais, atuando positivamente para garantir igualdade material à população.

Com o advento da Revolução Industrial, a produção em séria, a substituição do homem pelas máquinas, e o aumento de demanda por matéria prima, novamente surge à necessidade de tutela de novos direitos, denominados de terceira geração, relacionados à tutela de direitos difusos, de fraternidade social, como menciona Celso Lafer (1988, p. 131) esses direitos tem como titulares não o individuo, como nos direitos de primeira e segunda dimensão, mas grupos humanos.

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Nesse sentido, a doutrina (BOBBIO, 2004, p. 209) menciona o advento de um Estado pós-moderno ou Socioambiental que demanda a tutela de novos direitos, juntamente com a concretização dos direitos sociais ainda não atendidos em sua plenitude e os direitos ambientais.

A Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente em 1972[12] reconheceu, logo no início de seu texto, que o meio ambiente em seus dois aspectos: natural e o artificial são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal também se manifestou acerca do direito ambiental como um direito fundamental de terceira dimensão e veem reafirmando tal posicionamento[13], pois os direitos humanos não mais se satisfazem com os direitos de liberdade e igualdade, exigindo atenção aos direitos difusos, que inclui o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Assim, o meio ambiente é um direito fundamental de terceira geração a somar-se com os direitos de primeira e segunda geração para integrar o núcleo de direitos fundamentais do ser humano.

A constitucionalização dos direitos humanos é imprescindível para concretizar os direitos declarados em âmbito internacional e o Brasil desenvolveu bem essa internalização de direitos ao relacionar os direitos fundamentais de modo exemplificativo no artigo 5º, §2º do texto de 1988, de modo a não excluir outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios constitucionais ou tratados internacionais e relacionar a tutela ambiental constitucional no artigo 225.

Nesse sentido, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental com dois fundamentos: o primeiro, por integrar o conceito de dignidade da pessoa humana, que é fundamento da República Brasileira; o segundo, em decorrência de sua tutela constitucional, inclusive com capítulo próprio, permitindo concluir que é um dos direitos fundamentais assegurados constitucionalmente.

Assim, incumbindo ao Estado contemporâneo o dever de adequar-se as novas demandas sociais tutelando os valores mais caros a sociedade diante de ameaças da modernidade, atenção especial deve ser dispensada a dignidade da pessoa humana, por ser o fundamento da República Federativa do Brasil, que deve ser entendida como um conceito dialético a ser adequado as mutações de valores sociais conforme a sua evolução. (FENSTERSEIFER, 2008, p. 54)

Os riscos da modernidade ameaçam a qualidade da vida humana, quando não ameaçam a própria vida humana, diante de constante exposição a poluições do ar, da terra e da água.

Em uma passagem da obra sociedade de risco, o autor relata a preocupação dos pais com os filhos devido a problemas respiratórios, ocasionados pela contaminação do ar, que embora reduzida nas áreas habitacionais arborizadas, afetam a qualidade de vida, pois os pais sofrem ao ver o sofrimento dos filhos (BECK, 2011, p.74).  

Diante das ameaças a qualidade de vida, o advento de movimentos defensores do meio ambiente e a proteção jurídica ambiental, a dignidade da pessoa humana deve ser entendida também com um viés ecológico, pois essencial à qualidade de vida, a qual integra a dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana é o valor primordial dos direitos humanos, dela decorre o fundamento de inúmeros direitos, tais como a igualdade, educação, moradia, emprego remunerado, meio ambiente ecologicamente equilibrado e outros.

Assim é possível afirmar que a defesa do direito ambiental implica a defesa dos direitos humanos (SARLET e FENSTERSEIFER, 2017, p. 97), pois aquele mantem implicações diretas com estes, na medida em que a tutela ao meio ambiente ecologicamente equilibrado garante a sadia qualidade de vida.

A sadia qualidade de vida, essencial a concretização da dignidade da pessoa humana, deve ser observada nos diversos contextos de meio ambiente, entendido como o natural, cultural, artificial e do trabalho. “Pode-se distribuir o bem jurídico ambiental em: a) ambiente natural ou físico, que contempla os recursos naturais de um modo geral, abrangendo a terra, a água, o ar atmosférico, a flora, a fauna e o patrimônio genético; b) ambiente cultura, que alberga o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, arqueológico e turístico; c) ambiente artificial ou criado, que compreende o espaço urbano construído, quer através de edificações, quer por intermédio de equipamentos públicos; e também d) ambiente do trabalho, que integra o ambiente onde as relações de trabalho são desempenhadas, tendo em conta o primado da vida e da dignidade do trabalhador em razão de situações de insalubridade e periculosidade.” (FENSTERSEIFER, 2008, p. 164).

Os diferentes contextos de meio ambiente conduzem ao bem estar social da pessoa humana como integrante da dignidade da pessoa humana. Por sua vez, a dignidade da pessoa humana é o mais notável direito humano da atualidade, para onde todos os demais direitos são direcionados.

Nesse sentido, não se concretiza o direito constitucional à moradia sem condições adequadas de saneamento básico, água potável e coleta de lixo, condições mínimas para uma moradia digna, da mesma forma, não se concretiza o direito à cultura sem condições de acesso e manutenção do conhecimento histórico e a beleza paisagística, assim como os espaços públicos que devem ser dotados de coletores de lixo seletivo, drenagem de aguas pluviais, iluminação pública e acessibilidade, enquanto o direito ao trabalho deve ser permeado de condições adequadas de proteção individual, livre de riscos e contaminações.

Toda a proteção ao meio ambiente converge para o bem estar social, o qual só é efetivamente alcançado com a tutela ecológica do meio ambiente, pois o ser humano depende da natureza para sua existência e bem estar.

Não obstante, a dimensão ecológica do princípio da dignidade da pessoa humana, a constituição federal de 1988 tutelou o meio ambiente ecologicamente equilibrado em capítulo próprio a fim de evidenciar que o meio ambiente deve ser tutelado não apenas em benefício do ser humano, mas como próprio sujeito de proteção, satisfazendo um critério de justiça interespécies (FENSTERSEIFER, 2008, p. 49).

Alguns autores como Peter Singer, chegam a sustentar uma tutela constitucional da dignidade dos animais (BOSSELMANN, 2015, p. 242), por serem seres sensitivos, capazes de sofrer (FENSTERSEIFER, 2008, p. 44), assim sua tutela não se resume ao bem estar humano, mas é um fim em si mesmo.

A modernidade traz como uma de suas consequências o isolamento humano, devido à era computadorizada e a aceleração do tempo, motivo pelo qual os animais, cada vez mais, desempenham papel importante na vida humana como companhia humana para os momentos de solidão e medo, chegando fomentar a tutela de sua dignidade.

Nesse sentido, registre-se a crítica à cultura da humanização de animais domésticos com a imposição de roupas e utensílios, principalmente em cachorros e gatos, que ocasionam sofrimento aos animais, pois estranhos a sua natureza, descaracterizando e desrespeitando sua identidade natural (FENSTERSEIFER, 2008, p. 54).

Superada eventual discussão quanto à dignidade de seres não humanos, certo é que a natureza, incluído os animais, merecem proteção em face da atuação desarrazoada do ser humano,  garantindo-se harmonia dos componente da Terra.

Nesse contexto, a Agenda 21 Global, resultante da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio 92, elenca objetivos para abordagem integrada do planejamento e do gerenciamento dos recursos terrestres e conservação da diversidade biológica[14].

Embora sem cunho obrigatório, a Agenda 21 representa diretriz e instrumento de pressão moral para internalização de seu programa nas legislações internas dos Estados em busca de um desenvolvimento sustentável global.

Os compromissos internacionais corroboram o status fundamental da tutela ambiental de imprescindível relevância para a vida humana e não humana na Terra.

4. O EFEITO BORBOLETA NA TUTELA AMBIENTAL

A tutela ambiental é entendida como um assunto de abrangência transnacional, uma vez que a negligência de um Estado pode trazer consequências a outros territórios do planeta, a exemplo de danos relacionado ao uso de bombas nucleares e vazamentos de material radioativo.

Embora os danos ocasionados pelos elementos invisíveis sejam muito temidos, não se pode subestimar os danos causados pela negligência humana diária, a qual somada equivalem a danos ambientais de grandes proporções.

Nesse sentido é o denominado efeito borboleta utilizado pela primeira vez na década de 60, pelo matemático e meteorologista Edward Lorewz que percebeu que minúsculas alterações iniciais podem ocasionar uma grande alteração na atmosfera (OLIVO, 2018, p. 24).

O exemplo mais emblemático do efeito borboleta se refere ao simples bater de assas de uma borboleta que poderia ocasionar um tornado do outro lado do planeta, considerando que a atmosfera é um complexo de elementos extremamente sensíveis ao ar, umidade e outros.

Assim, como na meteorologia o efeito borboleta se expande para os diferentes ramos da ciência, a exemplo da matemática em que o arredondar de frações ocasiona resultados diversos.

Dessa maneira, o efeito borboleta é utilizado para expressar como uma conduta humana no Brasil pode ter efeitos em qualquer parte do mundo, pois como já mencionado os danos ambientais desconhecem os limites rígidos das fronteiras dos Estados, exemplificando: um simples canudinho jogado ao mar pode ser ingerido por uma tartaruga ameaçada de extinção provocando seu desaparecimento no bioma, causando um desequilíbrio no ecossistema, decorrente do fim da função ecológica desempenhada pelo animal. Exemplos como esse podem parecer um exagero, mas deixam de ser quando analisado sob a ótica dos inúmeros turistas que frequentam o litoral e nele deixam resíduos poluentes todos os anos.

Assim a tutela ao meio ambiente deve ser entendida de maneira multidimensional a tutelar todos os meios de vida, partindo de pequenos comportamentos individuais até atingir toda a coletividade.

Pequenos comportamentos diários como separar o lixo doméstico, auxiliar na manutenção de jardins e espaços públicos, reduzir a emissão de poluentes substituindo meios de transporte por outros ecologicamente corretos, diminuir o consumismo ao essencial, são alguns exemplos de condutas que reduzem a pegada ecológica e que somados são equiparados a condutas grande proporções.  

Nesse contexto cabe pontuar a máxima: pensar globalmente, agir localmente, pois a mudança de comportamento individual é o primeiro passo da humanidade a caminho da salvação do planeta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As civilizações primitivas reconheciam o meio ambiente ecológico como essencial à vida humana, sendo muitas vezes elevado a categorias de divindades. Com o avanço da razão humana o meio ambiente passou a ser tratado como bem material inesgotável, destinando-se as inúmeras necessidades humanas, até o momento em que já não havia recursos naturais suficientes, originando a percepção humana quanto à finitude dos recursos naturais e a necessidade de sua tutela.

A tutela do meio ambiente ecologicamente equilibrado é primordial para a manutenção da vida no planeta, embora tardia a conscientização da humanidade quanto à necessidade de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, os acordos internacionais denotam a crescente relevância da tutela ao meio ambiente para todos os povos.

Em consonância com os diversos acordos internacionais a tutela ao meio ambiente foi elevada ao status constitucional, pois inegável seu viés de direito fundamental, com repercussão na dignidade da pessoa humana, pilar do Estado Democrático de Direito e fundamento do Estado Socioambiental.

 Assim como o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito humano com repercussões em diversos acordos internacionais, sua proteção é também um dever de todos a ser cumprido individualmente para se atingir uma tutela ambiental globalizada, garantindo-se as presentes e futuras gerações o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como critério de justiça ambiental.

 

Referências
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BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 9 ed.rev.e atual de acordo com a Emenda Constitucional n. 83/2014, e os últimos julgados do Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Saraiva, 2015. 
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DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
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Notas
[1] As civilizações antigas eram baseadas em sistemas de valores que não se separavam a esfera humana da esfera natural. Era inconcebível, por exemplo, por Índios Norte-Americanos ou civilizações Maia e Inca buscar a prosperidade econômica à custa da sustentabilidade ecológica. BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade: transformando direito e governança. Tradução Phillip Gil França. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 29.

[2] A ONU e o meio ambiente. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/acao/meio-ambiente/> Acesso em: 22 jan. 2018

[3] São chamadas externalidades porque, embora resultante da produção, são recebidas pela coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido pelo produtor privado. Daí a expressão “privatização dos lucros e socialização de perdas”, quando identificadas externalidades negativas. (DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 142)

[4] Impõe-se ao “sujeito econômico” (produtor, consumidor, transportador), que nesta relação pode causar um problema ambiental, arcar com os custos da diminuição ou afastamento do dano. (DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 142)

[5] Com relação ao princípio da prevenção, submerge a ideia de um conhecimento completo sobre os efeitos de determinada técnica e, em razão do potencial lesivo já diagnosticado, o comando normativo toma o rumo de evitar tais danos já conhecidos. (FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente. A dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico constitucional do Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: livraria do advogado Editora, 2008. p. 81)

[6] Precaução é cuidado (in dubio pro securitate). O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento do perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. (DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 152)

[8] Artigo 170, inciso VI, da Constituição Federal de 1988

[9] Artigo 186, inciso II, da Constituição Federal de 1988

[10] Artigo 200, inciso VIII, da Constituição Federal de 1988

[11] Artigo 220, §3º, inciso II, da Constituição Federal de 1988

[12] Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente – 1972. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-o-ambiente-humano.html Acesso em: 25 jan. 2018.

[13] Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. 2. Danos ao meio ambiente. Determinação da cessação de despejo de efluentes sem tratamento no rio e na atmosfera da Comarca de Campo Belo/MG, sob pena de multa. 3. Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Direito Fundamental de terceira geração. Art. 225 da Constituição Federal. 4. Violação do princípio da separação de poderes. Inocorrência. Possibilidade de o Poder Judiciário determinar a adoção de medidas assecuratórias dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos previstos na Constituição Federal. 5. Efetividade do dano. Necessidade do reexame do conjunto fático-probatório. Impossibilidade. Súmula 279 do STF. 6. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 7. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 955846 AgR / MG – MINAS GERAIS. Min. GILMAR MENDES. Julgamento:  26/05/2017)

[14] Capítulos 10 e 15 da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global> Acesso em: 31 jan. 2018.


Informações Sobre o Autor

Diana Dalmolim Cadore

Analista Processual no Ministério Público do Estado de Rondônia. Mestranda em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali


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