Sumário: 1. Considerações Iniciais; 2. Emenda Constitucional 45/2004 e a Ampliação da Competência Trabalhista; 3. Denunciação da Lide Por Parte do Réu; 4. A Influência do Direito Fundamental da Ampla Defesa; Considerações Finais; Bibliografia
1. Considerações Iniciais
O tema proposto tem o escopo de trazer para debate questão polêmica no Processo do Trabalho que se identifica com a possibilidade de haver o ingresso de terceiro, de forma incidental, na ação trabalhista, tal qual ocorre nos procedimentos submetidos à Justiça Comum, cujo enfrentamento ocorre com bastante freqüência para os profissionais que atuam na advocacia em processos submetidos à Justiça do Trabalho, como é o nosso caso.
A questão não é totalmente nova, mas novos são os argumentos possíveis de justificação da introdução do terceiro na lide trabalhista, frente às recentes alterações legislativas que ampliaram a competência material da Justiça do Trabalho, especialmente com a edição da Emenda Constitucional 45/2004.
O alcance das novas disposições leva o intérprete a um maior número de possibilidade de demandas que passam a ser da competência da Justiça do Trabalho, e que ainda não estão plenamente definidas por parte dos doutrinadores, juristas e operadores do direito, pois ações que não se possibilitavam no foro trabalhista a partir de então se tornaram de sua competência, como é o caso das ações de indenização decorrentes do acidente do trabalho, os mandados de segurança e as ações de nulidade contra atos de autoridades administrativas em razão de penalidades impostas pelos órgãos de fiscalização, entre outras hipóteses decorrentes das disposições do art. 114, da Constituição Federal.
Por essa razão utilizamos no título do presente trabalho o termo ações trabalhistas para deixar claro que estamos vislumbrando uma grande quantidade de demandas a serem ajuizadas no foro trabalhista que não apenas a ação típica denominada reclamatória ou reclamação trabalhista.
Por outro lado, além da ampliação da competência material da Justiça do Trabalho temos o cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 227[1], da SDI-I, do Tribunal Superior do Trabalho, a qual exarava o entendimento de que a figura de intervenção de terceiro em questão era incompatível com Processo do Trabalho.
Esse conjunto de condicionantes faz com que a questão mereça ser rediscutida e melhor estudada, e essa é a nossa intenção com o trabalho ora proposto, vez que ainda não há uma posição que resolva definitivamente a questão da intervenção de terceiro no processo do trabalho com ingresso sob a forma de denunciação da lide.
2. Emenda Constitucional 45/2004 e a Ampliação da Competência Trabalhista
A edição da EC nº 45/2004 trouxe inúmeras alterações com a reforma ainda que parcial da estrutura do Poder Judiciário certamente com escopo de alcançar a tão pretendida celeridade aliada a efetividade da prestação jurisdicional fruto do clamor social de nossos tempos.
As medidas adotadas com a reforma do texto constitucional refletem uma primeira atitude em busca da celeridade, mas, como bem acentua Manoel Antonio Teixeira Filho[2], “é certo que essas alterações estruturais do Judiciário fazem parte da estratégia destinada ao atingimento desse escopo de celeridade. A efetiva rapidez na entrega da prestação jurisdicional, contudo, só poderá ser obtida por meio de uma profunda (e eficiente) alteração das normas legais infraconstitucionais sobre processo. Para que isso ocorra, não há necessidade de alterar-se o texto constitucional (afinal, a Constituição não é um Código de Processo): basta que o legislador ordinário se sensibilize em face da realidade que caracteriza, nos dias de hoje, a atividade jurisdicional, esse poder-dever estatal que não deixa de corresponder a uma das espécies do gênero serviço público.”
Com relação à questão da efetividade entendemos de todo pertinentes os ensinamentos do Professor Dr. Carlos Alberto Alvaro De Oliveira[3], quando trata do tema Efetividade e Processo de Conhecimento aduz que: “Ao nosso entender a efetividade só se revela virtuosa se não colocar no limbo outros valores importantes do processo, a começar pelo da justiça, mas não só por este. Justiça no processo significa exercício da função jurisdicional de conformidade com os valores e princípios normativos conformadores do processo justo em determinada sociedade (imparcialidade e independência do órgão judicial, contraditório, ampla defesa, igualdade formal e material das partes, juiz natural, motivação, publicidade das audiências, término do processo em prazo razoável, direito à prova). Por isso, a racionalidade do direito processual não há de ser a racionalidade tecnológica-estratégica, mas a orientada por uma validade normativa que a fundamente e ao mesmo tempo fundamentada pelo discurso racional do juízo, de modo a que a sociedade possa controlar tanto a correção material quanto a concordância dogmática da decisão. Não desconheço, é claro, que o próprio valor justiça, espelhando a finalidade jurídica do processo, encontra-se intimamente relacionado com a atuação concreta e eficiente do direito material, entendido em sentido amplo como todas as situações subjetivas de vantagem conferidas pela ordem jurídica aos sujeitos de direito. Por isso mesmo, o acesso á justiça, elevado ao patamar de garantia constitucional na tradição jurídica brasileira, deve certamente compreender uma proteção juridicamente eficaz e temporalmente adequada. O que ponho em questão é a eficiência como fim, sem temperamentos, como meta absoluta, desatenta a outros valores e princípios normativos. O ponto é importante porque esses ditames axiológicos, além de se afinarem mais com a visão de um Estado democrático e participativo, poderão não só contribuir para a justiça da decisão como até para a própria efetividade.”
A EC nº 45/2004 veio consolidar, em determinados aspectos, a posição delineada pela jurisprudência dos Tribunais do Trabalho, como é o caso da competência para apreciar e julgar as ações de indenização por dano material e moral decorrentes de acidente do trabalho, entre outras inclusões de não menos importância teórica e prática ao Direito Processual do Trabalho.
Antes até da referida EC, doutrinadores de peso, como Wagner Giglio[4], já sustentavam a competência material da Justiça do Trabalho, pois a pretensão indenizatória de dano por acidente do trabalho decorre do vínculo de emprego e, nesse entendimento o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Minas Gerais, rejeitava eventuais conflitos de competência com relação às Varas do Trabalho e Justiça Comum daquele Estado, mantendo a tramitação das ações que eram ajuizadas no Foro Trabalhista.
De tal posicionamento, conjugado com a edição da EC 45/2004, surgiu incidente apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, que em voto fundamentado, da lavra do Ministro Carlos Ayres Britto[5], Relator do Conflito Negativo de Competência suscitado pela Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, pacificou entendimento de que a competência para processar e julgar ações decorrentes do acidente do trabalho é da Justiça do Trabalho e não mais da Justiça Comum dos Estados.
A edição da EC nº 45/2004 veio consagrar, em parte, o posicionamento já adotado pelo STF com relação às ações de indenização por dano moral e material decorrentes do acidente do trabalho, trazendo também em seu bojo outras matérias antes relegadas à apreciação da Justiça Comum, como é o caso de ações sobre representação sindical entre sindicatos, mandados de segurança, hábeas corpus e hábeas data, ações relativas às penalidades administrativas, entre outras controvérsias que decorram da relação de trabalho.
Antônio Álvares Da Silva[6] aborda com muita propriedade a questão, referenciando que: “Se à determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa a natureza da solução da lide, mas sim que o fundamento do pedido tenha sido feito em razão do contrato de trabalho, abriu-se efetivamente a porta para o desenvolvimento da competência da Justiça do Trabalho. O STF foi ao cerne do problema, que infelizmente nunca fora abordado pelo TST, sempre restritivo e conservador em relação à competência da Justiça do Trabalho, abortando as tendências expansionistas das instâncias inferiores. Foi preciso que ela fosse ameaçada de extinção, para que todos acordassem e reconhecessem que, estando a morrer o contrato individual de trabalho, seria necessário aumentar a competência para que houvesse a necessária reoxigneação da jurisdição do trabalho. O que o legislador fez foi seguir exatamente o caminho aberto pelo STF. Só que, em vez de enumerar caso a caso a competência importada de outros ramos do direito, generalizou, como convém a quem legisla, e fixou a competência genérica da Justiça do Trabalho para “todas as ações oriundas da relação de trabalho”. É de se esperar agora que o próprio STF leve à frente seu raciocínio e não restrinja o caminho que ele próprio foi pioneiro em abrir. Toda questão, pública ou privada, seja de que ramo for da Ciência do Direito, será competência da Justiça do Trabalho, desde que provenha da relação de trabalho.”
A par dessas considerações, temos a medida adotada pelo TST de cancelar a Orientação Jurisprudencial nº 277 da SDI-I, o que embora não represente formalmente uma posição de acolhida da denunciação da lide no Processo do Trabalho, pelo menos demonstra a razoável coerência com as novas disposições com relação a competência material da Justiça do Trabalho, e certamente a preocupação de estudo e avaliação de novas demandas atraídas em função do texto legal, gerando outras hipóteses para eventual conhecimento de denunciação da lide por parte do réu.
Dentro desse contexto, não podemos deixar de mencionar, mesmo que apriorísticamente, sem ainda adentrar no mérito da questão, que a forma de intervenção de terceiro tratada no presente estudo, de denunciação da lide por parte do réu em ação trabalhista, desde que decorra da relação de trabalho, terá o seu exame também fixado pela competência da Justiça do Trabalho, independentemente de se tratar de lide incidental , e independentemente das pessoas entre as quais se estabelece .
3. Denunciação da Lide Por Parte do Réu
O estudo e a sistematização da participação de terceiro em processo, além das partes que compõem os pólos, ativo e passivo, da demanda não é novo, dela cuidando também a doutrina alienígena, salientando Francesco Carnelutti[7] que: “Mesmo, pois, que os sujeitos da relação sejam mais de dois, as partes é que não podem ser mais que duas. Parte é, assim, não tanto o sujeito em si, como o que é sujeito pela sua posição na relação. Precisamente porque as partes não são, nem mais nem menos de duas, para indicar quem não é parte emprega-se a palavra terceiro. Aqui se filia a tradicional antítese entre partes e terceiros, o que é o mesmo que dizer, entre partes e não partes. Esta terminologia não teria significado se não se tivessem em contra, não tanto as partes, como o número de partes”.
Athos Gusmão Carneiro[8] quando traça o conceito de terceiro, a partir do direito material, refere que: “No plano do direito processual, o conceito de terceiro terá igualmente de ser encontrado por negação. Suposta uma relação jurídica processual pendente entre A, como autor, e B, como réu, apresentam-se como terceiros C,D,E, etc., ou seja, todos os que não forem partes (nem coadjuvantes de parte) no processo pendente. Pela intervenção o terceiro torna-se parte (ou coadjuvante da parte) no processo pendente. Evidentemente, a intervenção de terceiros somente deve ser aceita sob determinados pressupostos: um deles, ocorrente em todos os casos de intervenção, é o de que o terceiro deve ser juridicamente interessado no processo pendente”.
A figura de intervenção de terceiro denominada denunciação da lide se encontra prevista no Código de Processo Civil, nos artigos 70 a 76, e é procedimento que poderá ser utilizado tanto pelo autor como pelo réu da demanda, de forma provocada, estando restrito o presente trabalho ao caso de sua utilização por parte do réu na ação trabalhista.
O caráter de demanda incidental da denunciação da lide e seu fundamento em relação jurídica de garantia é acentuado por Athos Gusmão Carneiro[9] que menciona expressamente que: “mediante o instituto da “denunciação da lide”, uma das partes (mais freqüentemente o réu), como “denunciante”, promove no mesmo processo uma “ação regressiva” contra terceiro – o “denunciado”. Citado, o terceiro torna-se réu na ação de denunciação. A denunciação pressupõe necessariamente que o denunciante tenha uma pretensão própria (um crédito de reembolso) contra o denunciado, pretensão que fará valer caso venha, ele denunciante, a sucumbir na ação principal.”
Maria Berenice Dias[10] também é esclarecedora ao afirmar que “a denunciação da lide enseja a participação de outrem na ação processualizada, através do estabelecimento de nova demanda. Neste instituto, como nas demais formas intervencionais, também não se trata de ingresso de terceiro no processo, havendo tão-só integração de mais uma parte”.
Também é importante que se mencione a ressalva expressa de inexistência de litisconsórcio entre denunciante e denunciado, feita por Maria Berenice Dias[11] salientando a impropriedade técnica do texto legal, ao enfatizar que “o desdobramento de demandas, em ocorrendo a litisdenunciação, não gera multiplicação de partes em qualquer dos pólos da ação principal, não se visualizando formação de litisconsórcio entre denunciante e denunciado. É total a ausência de vínculo jurídico do denunciado com o outro figurante da demanda originária. A expressão do art. 74 do CPC, e do inciso I do artigo seguinte, ao nominar de litisconsortes do autor ou do réu os denunciados que vieram ao processo é pouco técnica como conclui CELSO AGRÍCOLA BARBI”.
No mesmo sentido Nelson Nery Junior[12] em comento ao artigo 74 do CPC, refere que a situação retrata forma de assistência simples e não litisconsórcio, enfatizando que “embora a norma fale em litisconsórcio, o denunciado é assistente simples (CPC50) do denunciante. Primeiro porque não tem relação jurídica com o adversário do denunciante, não podendo ser litisconsorte, pois lhe faltaria legitimidade para a causa; segundo porque tem interesse jurídico em que o denunciante vença a demanda, para que se desobrigue de indenizá-lo em regresso”.
Também é de se mencionar a relação de prejudicialidade existente com o resultado da primeira demanda e – ação principal – com a denunciação da lide, ressaltando Athos Gusmão Carneiro[13] que: “realmente, se o denunciante for vitorioso na ação principal, a ação regressiva será necessariamente julgada improcedente; se, no entanto, o denunciante sucumbir (no todo ou em parte) na ação principal, a ação de denunciação da lide tanto poderá ser julgada procedente (se realmente existir o direito de regresso), como improcedente”.
Esclareça-se que embora não exista disposição expressa na Consolidação das Leis do Trabalho, tal fato não é suficiente para afastar sua argüição, em face da disposição do artigo 769 da mesma, que prevê que o Direito Processual Comum será fonte subsidiária na omissão do Direito Processual do Trabalho, desde que não exista incompatibilidade entre as normas.
A possibilidade de argüição de denunciação da lide no Processo do Trabalho já tem sido sustentada por alguns doutrinadores, ficando restrita para o Processo do Trabalho a hipótese de que trata o inciso III, do art. 70 do CPC, ou seja, no caso do denunciado estar obrigado pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Ísis De Almeida[14] em recente trabalho faz um exame detalhado do instituto da intervenção de terceiro e, com relação a denunciação da lide, enumera autores favoráveis e desfavoráveis a sua aplicação nas ações trabalhistas, posicionando-se ao final contrariamente a aplicação do instituto no âmbito trabalhista, assim referenciando: “Nossa conclusão coincide com a de José Janguiê Bezerra Diniz, ilustre Procurador do Trabalho e ex-juiz do Trabalho da 6ª Região, que, com tanto brilho e eficiência, coordena este Congresso. Por isso, transcrevemo-la, como saiu no “Jornal Trabalhista” , de Brasília, em 20.10.93: “A luz do que foi expendido nos trechos ut supra, chega-se a ilação de que nenhum tipo de Intervenção de Terceiro, expressamente tratado no Código de Processo Civil, é admitido no Processo Trabalhista; apenas a Assistência, que, para alguns, não é instituto de Intervenção de Terceiro. Ademais, o próprio chamamento à autoria previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, art. 486, de acordo com uma corrente jurisprudencial, não é admissível, porquanto, segundo essa corrente, os riscos do empreendimento pertencem ao empregador. Para arrematar, apesar de ficar constatado que, processualmente falando, não é admissível Intervenção de Terceiro no Processo do Trabalho, os magistrados vêm admitindo-a em virtude dos princípios de ampla defesa e da economia processual”.
Também não admitem a denunciação da lide Manoel Antonio Teixeira Filho[15] por entender que não há competência da Justiça do Trabalho para apreciar a lide formada entre denunciante e denunciado, mesmo diante das significativas alterações trazidas pela EC 45/2004, que buscou centrar o foco da competência não mais nos sujeitos da relação de trabalho mas sim na própria relação de trabalho, no que é acompanhado por Antonio Álvares Da Silva[16].
Carlos Henrique Bezerra Leite[17] admite a possibilidade de utilização do instituto da Intervenção de Terceiros salientando que só deve ser admitido em situações especiais e expressamente previstas em lei, também entendendo pelo não cabimento da denunciação da lide por parte do réu em ação trabalhista[18].
Posicionamento diverso é adotado por Amauri Mascaro Nascimento, Carlos Coqueijo Costa e Cristóvão Piragibe Tostes Malta[19], os quais admitem a denunciação, na hipótese de ocorrer sucessão de empregadores, caso em que o sucedido poderá denunciar o sucessor, se estiver obrigado pela lei ou contrato a indenizar o prejuízo decorrente da demanda em ação regressiva. Embora essa hipótese seja uma das mais conhecidas na argumentação em favor da aplicação da denunciação da lide no processo do trabalho, as posições não são unânimes sobre seu efetivo cabimento.
Outra hipótese trazida pela doutrina estaria no art. 455 e parágrafo único da CLT em função do direito de regresso do empreiteiro principal em face do subempreiteiro[20], mas também contestada ao argumento de que encerraria matéria de natureza civil, e que a demanda incidental entre empreiteiro e subempreiteiro ficaria fora da competência da Justiça do Trabalho.
Registramos aqui nossa posição no sentido de que, em face da ampliação da competência da Justiça do Trabalho com o advento da EC 45/2004, para processar e julgar ações oriundas da relação de trabalho, o que equivale dizer que se incluem aqui todas as controvérsias que decorram da relação de trabalho, justifica-se também a apreciação da demanda incidental de denunciação da lide, desde que exista a possibilidade da ação regressiva, resultante da lei ou do contrato, mesmo envolvendo matéria civil.
Pensamos que a nova competência deverá trazer ao conhecimento dos Tribunais do Trabalho novas ações nem sempre envolvendo trabalhadores e empregadores, e nem por essa razão restará afastada a competência da Justiça do Trabalho.
Com a manifesta intenção de colaborarmos para o estudo deste instituto, e diante da quantidade de situações práticas vivenciadas ao longo dos anos de advocacia, tomamos a liberdade de sugerir a apreciação de duas novas hipóteses, onde pensamos que poderá ser possível por parte do réu, em ação trabalhista, efetuar a denunciação da lide, quais sejam:
a) na hipótese de ações que envolvam a terceirização, onde a reclamatória trabalhista tenha sido ajuizada por parte do empregado apenas contra o tomador, em se tratando de atividade-meio: nesse caso se o tomador alegar que a atividade desenvolvida é atividade-meio e demonstrar a existência de contrato firmado entre as empresas (prestadora e tomadora), com cláusula de garantia da empresa prestadora pelos créditos decorrentes das relações de trabalho, ocorrendo responsabilidade apenas subsidiária (Enunciado 331 do TST, item III), entendemos que o tomador tem direito de denunciar à lide a empresa prestadora. Além da existência de cláusula de garantia, a responsabilidade subsidiária é garantia legal (Enunciado 331 do TST, item IV) de que sejam excutidos para garantia de eventual crédito decorrente do título judicial os bens do devedor principal (empresa prestadora), e somente na sua falta ocorra a responsabilização do devedor subsidiário (tomador), entendo-se que se ajusta ao modelo do inciso III, do art. 70, do CPC;
b) na hipótese do empregador fornecer transporte aos seus empregados, na ocorrência de acidente em algum dos deslocamentos com danos pessoais a aos mesmos: há configuração de acidente do trabalho, pois se trata de deslocamento para ir ou retornar do trabalho (art.19, Lei nº 8213) e nesse caso a ação do empregado buscando indenização por dano material e moral decorrente do acidente do trabalho é da competência da Justiça do Trabalho. Entendemos que em face da responsabilidade legal do transportador dos empregados (art. 734 e 735 do Código Civil) pelos danos causados às pessoas transportadas, é pertinente a apresentação de denunciação da lide por parte do empregador se réu na ação trabalhista de indenização por dano moral e material decorrente do acidente do trabalho, denunciando o transportador[21] – hipótese que também se ajusta ao inciso III, do artigo 70, do CPC.
Como já dissemos anteriormente, as duas hipóteses trazidas têm como função primordial trazer ao debate a questão tão controvertida, mas também buscam demonstrar que a partir de ações já vislumbradas no Foro Trabalhista (primeira hipótese) e de novas possibilidades de ações que passaram a ser ajuizadas a partir da EC 45/2004 (segunda hipótese), e atendidos aos requisitos legais é possível ocorrer denunciação da lide em ações trabalhistas.
Registramos ainda que, entendemos que a argüição de denunciação da lide faz parte da resposta do réu e não se submete a eventual vontade do autor da ação, mas tão somente de quem a provoca, submetida apenas a apreciação do julgador. Com relação a esse aspecto já tivemos oportunidade de vivenciar situações onde o juízo perante o qual foi oferecida a denunciação da lide ao invés de examinar se presentes os supostos de admissibilidade do instituto em questão, submeteram à apreciação do autor da demanda principal para saber se havia concordância do mesmo e, diante da discordância rejeitaram o pedido sob a alegação de que “ao autor cabe escolher o pólo passivo da demanda”. Ora, quer nos parecer que ao autor é lícito escolher o pólo passivo quando do ajuizamento da demanda, mas ele não detém o poder de concordar ou discordar da denunciação da lide ofertada pelo réu , pois nesse caso a provocação é exclusiva, cabendo ao juízo apreciar a conveniência da intervenção sem subverter a ordem processual.
Também importante o registro de que a denunciação da lide por parte do réu deve ser suscitada em momento processual próprio, ou seja, no momento da apresentação da contestação, sob a forma de preliminar ou ainda sob a forma de petição autônoma, ou ainda oralmente, de acordo com o estabelecido no art. 71, do CPC, aplicável subsidiariamente ao Processo do Trabalho, sujeitando-se assim à preclusão[22], no caso a temporal[23].
Discordamos da posição que rejeita a denunciação da lide por acreditar que tal fato poderá representar prejuízo à celeridade da demanda, e em contraponto vale acrescentar que a sua função precípua é também tentar reduzir o número de demandas regressivas fazendo com que as questões suscitadas, com a responsabilização do garante, no caso de procedência da ação principal, sejam devidamente resolvidas num mesmo processo.
4. A Influência do Direito Fundamental da Ampla Defesa
A ampla defesa antes de tudo é um direito fundamental devidamente constitucionalizado, encontrando-se expresso no artigo 5º, inciso LV, da vigente Constituição brasileira, a qual é garantida com os meios e recursos a ela inerentes.
Temos o Processo do Trabalho tão instrumental como o Processo Civil, e partilhando dos mesmos princípios gerais e direitos fundamentais, pelo que podemos extrair dos ensinamentos do Professor Dr. Carlos Alberto Alvaro De Oliveira[24], quando trata do Processo Civil na Perspectiva dos Direitos Fundamentais, lição que se aproveita na integralidade, quando o mesmo refere expressamente que: “Relembre-se que os direitos de primeira geração são os direitos da liberdade, a saber os direitos civis e políticos assegurados no plano constitucional; os da segunda geração dizem respeito aos direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos. A terceira geração compreende os direitos da fraternidade, ultrapassando os limites dos direitos individuais ou mesmo coletivos: o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. 3. No sistema jurídico brasileiro, essas ponderações ostentam enorme alcance prático, porque a Constituição de 1988 positivou de forma expressa os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração. Além disso, o § 1º do art. 5º da Constituição brasileira estatui de modo expresso que “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Esta última disposição constitucional reveste-se de grande significado. Por um lado, principalmente em matéria processual, os preceitos consagradores dos direitos fundamentais não dependem da edição de leis concretizadoras. Por outro, na Constituição brasileira, os direitos fundamentais de caráter processual ou informadores do processo não tiveram sua eficácia plena condicionada à regulação por lei infraconstitucional. Demais disso, já não se discute mais na doutrina do direito constitucional o papel dos direitos fundamentais e das normas de princípio – mesmo daquelas consideradas meramente programáticas – como diretivas materiais permanentes, vinculando positivamente todos os órgãos concretizadores, inclusive aqueles encarregados da jurisdição, devendo estes tomá-las em consideração em qualquer dos momentos da atividade concretizadora. Aliás, a mais importante fonte jurídica das normas de princípio são exatamente os direitos fundamentais. Como se vê, cada vez mais nos distanciamos da concepção tradicional, que via os direitos fundamentais como simples garantias, como mero direito de defesa do cidadão em face do Estado e não, como os compreende a mais recente doutrina, como direitos constitutivos institucionais, com ampla e forte potencialização. A questão revela-se particularmente sensível porquanto dessa forma atribui-se ao órgão judicial, no plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente os direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de modo a evitar agressões lesivas por parte destes (liberdade negativa)”.
Importante ainda que se possa refletir sobre a posição adotada por Norberto Bobbio[25] quando o mesmo discorre sobre os Fundamentos do Direito do Homem, e especificamente trata dos direitos fundamentais, quando referencia que: “… é preciso que se esteja convencido de que a realização dos direitos do homem é uma meta desejável; mas não basta essa convicção para que aquelas convicções se efetivem. Muitas dessas condições (e passo assim ao terceiro tema) não dependem da boa vontade nem mesmo dos governantes, e dependem menos ainda das boas razões adotadas para demonstrar a bondade absoluta desses direitos; somente a transformação industrial num país, por exemplo, torna possível a proteção dos direitos ligados às relações de trabalho. Deve-se recordar que o mais forte argumento adotado pelos reacionários de todos os países contra os direitos do homem, particularmente contra os direitos sociais, não é a sua falta de fundamento, mas a sua inexequibilidade. Quando se trata de enunciá-los, o acordo é obtido com relativa facilidade, independentemente do maior ou menor poder de convicção de seu fundamento absoluto; quando se trata de passar à ação, ainda que o fundamento seja inquestionável, começam as reservas e as oposições. O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.” (grifei)
Dentro da ótica dos direitos fundamentais e a vista do caráter essencialmente principiológico dos mesmos, como bem conclui Carlos Alberto Alvaro De Oliveira[26] só se pode determinar o que se entende por processo justo levando-se em conta as circunstâncias peculiares do caso, razão pela qual justificam-se na apresentação da ampla defesa todas as matérias que envolvam formas diretas ou indiretas, utilizando meios eficazes que propiciem ao réu a garantia de seus direitos e a justa prestação jurisdicional.
Entendemos que a argüição de denunciação da lide por parte do réu em ação trabalhista é um direito fundamental compreendido na ampla defesa, constitucionalmente assegurado, não se submetendo à vontade do autor da ação, e desde que presentes hipóteses legais que possam amparar a respectiva pretensão, o mesmo não pode ser tolhido pelo juízo sob pena de tal decisão implicar em manifesto cerceamento de defesa.
Em caso de indeferimento da propositura resta o registro em ata de audiência de protesto antipreclusivo por cerceamento de defesa, em razão da natureza interlocutória da decisão, o qual deve ser objeto de renovação por ocasião de registro das razões finais, a fim de que se possibilite a argüição da nulidade em preliminar das razões de recurso ordinário, no caso de procedência da demanda.
Considerações Finais
Não temos dúvidas que a matéria tratada no presente trabalho é controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência, mas o seu interesse prático reforça-se em face das alterações legislativas que ampliaram a competência material da Justiça do Trabalho, em especial a edição da Emenda Constitucional n º 45/2004.
A reforma mesmo que parcial da Estrutura do Poder Judiciário certamente buscou implementar celeridade aliada a efetividade, como fundamentos necessários à pronta e justa prestação jurisdicional.
A alteração do artigo 114 da Constituição Federal ampliou a competência material da Justiça do Trabalho, para não mais dar enfoque aos elementos subjetivos da relação de trabalho, mas sim se dirigiu a estabelecer a competência em função do objeto da lide ser decorrente da relação de trabalho.
Sugerimos no presente trabalho o exame de duas hipóteses, que no nosso entender justificam o oferecimento de denunciação da lide por parte do réu em ação trabalhista, por se enquadrarem no inciso III, do artigo 70, do CPC e que compreendem: a) ação de empregado de empresa prestadora de serviços, em atividade-meio, ajuizada apenas contra o tomador. Nesse caso, diante da existência de contrato com cláusula de garantia em favor do tomador, justifica-se a denunciação à lide do garante (tomador); e b) ação de indenização por dano moral e material decorrente de acidente de trabalho ocorrido durante o deslocamento, em transporte fornecido pelo empregador, sendo a ação ajuizada apenas contra o empregador. Nesse caso também se encontra presente a hipótese do inciso III, do art. 70, do CPC, justificando o oferecimento por parte do empregador de denunciação à lide do transportador.
A medida deve observar o prazo de oferecimento, que é o mesmo da contestação, podendo ser efetuada em peça autônoma ou em preliminar da contestação, ou ainda oralmente, desde que deixe clara a pretensão regressiva e observe aos requisitos do art. 282, do CPC.
Pensamos, de toda sorte, que não há lugar para se rejeitar a denunciação da lide como incompatível no processo do trabalho, e não vemos óbice à apreciação da mesma desde que a relação de garantia se encontre prevista na lei ou no contrato, na forma do inciso III, do artigo 70, do CPC, sendo a Justiça do Trabalho competente para apreciar e julgar a demanda incidental, desde que, a controvérsia resulte da relação de trabalho, independentemente da natureza da pretensão de reembolso envolver matéria civil.
Não podemos deixar de reiterar que entendemos ser irrecusável a influência dos direitos fundamentais sobre o processo como um todo, e negar esse efeito é o mesmo que negar a vigência da Carta Constitucional que institui os direitos fundamentais como o da ampla defesa, incerto no art. 5º, LV, da Magna Carta, garantida com os meios e recursos a ela inerentes.
Reiteramos que, desde que presentes as hipóteses que justifiquem a argüição de denunciação da lide por parte do réu em ação trabalhista, não há que se falar em indeferimento da propositura incidental pois, encontra-se diretamente vinculada ao direito fundamental da ampla defesa, restando em manifesto cerceamento de defesa a decisão denegatória.
Descabe, por outro lado, a interferência do autor da ação trabalhista no sentido de depender de sua aceitação a denunciação da lide, pois a mesma é, no caso examinado, provocada pelo réu, merecendo ser apreciada pelo juízo perante o qual tramita a demanda, sob pena de subversão da ordem processual.
Contra a decisão denegatória, de imediato não cabe recurso, em razão de sua natureza interlocutória, possibilitando-se o registro de protesto antipreclusivo na ocasião do indeferimento, a ser renovado em razões finais, possibilitando a posterior argüição de preliminar de nulidade no recurso ordinário a ser interposto no caso de ser procedente a demanda trabalhista.
Ao autor da ação trabalhista, no caso de deferimento da argüição de denunciação da lide, também cabe o registro de protesto antipreclusivo em face do deferimento, passível de renovação em razões finais, e eventual argüição de nulidade por ocasião da interposição de recurso ordinário, em face da nítida divergência tanto doutrinária como jurisprudencial sobre o cabimento da figura de intervenção de terceiro aqui tratada.
Informações Sobre o Autor
Angela Maria Alves Cardona
Advogada-RS, Especialista em Direito Processual do Trabalho, pela Ulbra, Doutoranda em Direito Privado pela Universidad de León, España, Ex-Membro das Bancas Examinadoras das Provas Objetiva e Prático-Profissional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do Exame de Ordem, da OAB-RS, Professora de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho nos Cursos de Preparação ao Exame de Ordem da Escola Fórum-RS.