Qualidade do ensino jurídico noturno de instituições privadas

Em busca da qualidade

É possível ensino jurídico noturno com
qualidade, em especial nas universidades e faculdades privadas? “Sim, e com
muita qualidade” — responderão de pronto àqueles que, de uma forma ou de outra,
beneficiam-se financeira, social ou corporativamente deste ensino.

Porém, nada obstante pronta e acabada
esta resposta não nos interessa. É de algibeira, parcial e contaminada; existe
desde o descerramento da placa de inauguração do primeiro curso jurídico
noturno privado do país. Importa-nos uma resposta isenta e centrada numa
análise realística dos cursos noturnos de instituições privadas e, tanto quanto
possível, científica.

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Pelo exposto, convém novamente indagar:
É possível o desenvolvimento de ensino jurídico noturno em instituições privadas
que primem pela qualidade formativa?

Para responder a esta pergunta, faz-se
mister, de início, definir o que seja qualidade de ensino jurídico, e — diga-se de passagem a tarefa não é das mais fáceis.

Para definir o que seja qualidade no
ensino, já que tomamos a qualidade como um conceito unívoco,
adotaremos aqui os elementos da moderna ciência da qualidade que
floresce no âmbito da administração.

Ali, na moderna administração,
qualidade é o que o cliente quer. Satisfazer as necessidades e expectativas dos
clientes, eis a síntese da noção mais atual de qualidade. Porém, nada obstante
a noção de qualidade ser unívoca, ainda precisamos saber
se esta categoria de qualidade é relevante para o ensino jurídico. Acreditamos
que sim. Mas a noção de qualidade apontada, somente poderá ser transportada e
utilizada como parâmetro para o ensino jurídico se alargarmos e categorizarmos
a inteligência de quem seja “cliente” no ensino jurídico noturno privado.

Clientela

Existem três categorias de clientes do
ensino jurídico: o cliente primário — o acadêmico, o universitário,
aquele que se submete ao processo de ensino oferecido pela instituição
universitária.

Cliente secundário aquele que participa do processo de
formação jurídica, direta ou indiretamente, mas não pertence ao corpo discente
da instituição de ensino. Nesta categoria temos o corpo docente, o corpo
diretivo e administrativo das faculdades, familiares dos discentes, etc.

Por fim, o cliente terciário,
que é toda a sociedade que se utilizará direta ou indiretamente do produto acadêmico acabado, em atividades públicas ou privadas. Aqui
encontramos a pessoa física ou jurídica que contratará os serviços do advogado,
que se submeterá à prestação jurisdicional ou às decisões do parquet exaradas do profissional do direito a Ordem
dos Advogados do Brasil, a Magistratura e o Ministério Público em todos os seus
níveis, a polícia, etc.

Pelo exposto, verifica-se que o
conceito hodierno de qualidade, desde que distendida a noção do elemento cliente,
é perfeitamente adequado para o estudo das questões relacionadas com a
qualidade de ensino e, portanto,com o ensino jurídico
noturno em instituições privadas.

Equação da qualidade

Mas, além da distensão da clientela, é
necessário qualificar os termos da equação da noção moderna de qualidade (o que
o cliente quer). Tal noção acaba por requerer o concurso do elemento subjetivo,
pois pressupõe que o cliente “queira algo”, sendo cediço que boa parcela dos universitários não têm “prontidão”, ou seja,
maturidade para compreender onde estão e o que os clientes secundários e
terciários deles desejam.

Porém, não convém centrar nossa análise
no desvio. Cliente primário incapaz de querer qualidade é a exceção e não a
regra. Assim, nenhum estudo sério do problema da qualidade no ensino jurídico
noturno em instituições privadas pode estar calcado nesta categoria, sem
embargo de não dever olvidada por completo, mormente na adoção de estratégias
pedagógicas tendentes a despertar os que se encontram nos “braços de Morfeu”, esquecidos dos rigores do mundo neoliberal que
os aguarda ao cabo de seus estudos.

Cliente tipo (padrão)

Ora, se qualidade é o que o cliente
quer, impõe-se também conhecer o cliente em todas as suas vicissitudes. Não
basta investir na melhoria do ensino de forma aleatória. É preciso apostar no
atendimento, conhecer e satisfazer o cliente.

O cliente primário é o mais importante
no processo de ensino e, portanto, também na educação jurídica noturna em
instituições privadas. Conhecê-lo é essencial para satisfazê-lo. Mas como
conhecer e entender este cliente? Respondemos: através dos instrumentos
científicos de levantamento do perfil socioeconômico-cultural,
como questionários, tabulação de dados, detecção de desvio de informações.

De início, é possível apontar a tipologia
básica do cliente primário das instituições de ensino jurídico
noturno privadas do país, sem muitas oscilações de perfil, a saber:

Em menor número, temos os clientes
primários universitários
, ou seja, os acadêmicos que não trabalham, e que,
portanto dispõem, em tese, de mais tempo e condições de dedicar-se ao processo
de ensino.

Numa quantidade um pouco maior,
encontramos os clientes primários universitário-trabalhador, aqueles que
trabalham em tempo parcial, de sorte que dispõem de condições e tempo maiores
para o estudo.

Por fim, temos em maior quantidade os clientes
primários trabalhador-universitário
, categoria que, pelo aspecto
quantitativo e por sua realidade, define o padrão do processo de ensino das
faculdades de direito privadas.

Cliente primário
trabalhador-universitário é aquele que trabalha, em sua maioria, em jornadas
diárias de (oito) 8 horas, custeia seu estudo, contribui para a economia
familiar e vive a dualidade trabalho-estudo, com todas as suas mazelas.

Nesta última categoria, são
encontradiças duas subcategorias de clientes: os que aspiram ascender às
carreiras jurídicas e aqueles que melancolicamente, numa atitude entre cínica e
desdenhosa, apenas desejam o “cartucho”. Estes últimos são o
desvio; os primeiros, o padrão.

Em outras palavras, o projeto
pedagógico do ensino jurídico noturno, em se verificando as proporções
indicadas, necessariamente deverá pautar-se em sua adaptabilidade à realidade
do cliente primário trabalhador-universitário que aspira exercer atividades jurídicas
ao término da graduação. Olvidar a realidade, deficiências e dificuldades deste
último cliente ou desviar o centro para outras categorias é pecado capital que
impede a qualidade no ensino jurídico noturno de instituições privadas.

Quando, através dos instrumentos
científicos próprios, a instituição privada de ensino jurídico noturno define o
perfil de seu cliente mais importante, e por conseqüência o que determina a
satisfação dos demais clientes (secundários e terciários), ela está apta a
cuidar do processo de ensino jurídico adaptado para o cliente tipo (cliente
primário trabalhador-universitário que aspira exercer atividades jurídicas).

Postas estas premissas, já estamos
conceitualmente aptos a pesquisar a possibilidade de qualidade nos cursos jurídicos
noturnos em instituições privadas e um modus
operandi
para alcançar tal finalidade.

Pacto pela qualidade

Na busca pela qualidade nos cursos
jurídicos noturnos, é preciso antecipar que a qualidade desejada só é possível
por meio da celebração de um pacto pela qualidade. A melhoria da
qualidade, no caso, dadas as dificuldades do
cliente-tipo, exige esforço conjugado. Há que se estabelecer, portanto, uma
parceria entre os atores do processo de ensino jurídico.

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O pacto pela qualidade deve ser celebrado
entre o corpo discente, o corpo docente e as entidades administrativas
superiores das universidades ou então das faculdades (entidades mantenedoras).

Somente por este pacto de esforço comum
é possível alcançar-se índices mínimos de qualidade dentro do contexto dos
cursos jurídicos noturnos.

Os ingredientes do pacto pela
qualidade, em sua receita mais simples, são os seguintes:

a) da parte das mantenedoras:

— investimentos em meios (informática,
biblioteca, instalações);

— requalificação
do corpo docente nos quesitos titulação, jornada e remuneração;

— celebração de acordos e convênios com
entidades públicas e privadas geradores de oportunidades de
alargamento de conhecimento dos discentes e docentes;

— criação da cultura da participação
passando as informações aos demais atores do processo pela adoção de projeto
pedagógico voltado para a qualidade e conduzido por profissionais competentes.

b) da parte das direções e
coordenações:

— adoção e efetiva implementação, após
discussão com os atores do processo de qualidade, de projeto pedagógico próprio
inspirado em pacto pela qualidade e adaptado à realidade em que está inserido o
curso jurídico noturno;

— manutenção de autonomia, em face das
pressões das mantenedoras, do corpo discente e docente pelo fiel cumprimento do
projeto pedagógico (honestidade acadêmica) posto e discutido com a comunidade
escolar através do pacto pela qualidade;

b) da parte do corpo docente:

— adoção de postura pró-ativa com maior
dedicação para a preparação de aulas e atividades complementares para o corpo
discente;

— busca de qualidade,  através de
processo sistemático e permanente de troca de informações e mútuo aprendizado
com seus alunos;

— transformação das impressões colhidas
do corpo discente em indicadores de seu grau de satisfação com o processo de
ensino.

c) da parte do corpo discente:

— mudança de atitude consistente no
processo de adoção do “vivenciar o direito”, modo de agir segundo que o
acadêmico passa, nos momentos de lazer, no seu trabalho, e alhures, a se
abastecer de conhecimentos que importem à sua formação, preservando-se os
mínimos de lazer e descanso.

— adoção de postura ativa, que o livre
de ser um receptor passivo do processo de ensino.

Melhoria dos processos

A melhoria dos processos nas instituições
de ensino jurídico passa necessariamente pelo trato particularizado das
especificidades de tais cursos.

Universidades, centros universitários
ou mesmo cursos isolados instalados sob a presidência de uma mesma entidade
mantenedora, tendem a adotar soluções administrativas e acadêmicas comuns
guiadas pelos imperativos de praticidade e economica.
Tal postura é desconforme ao anseio de busca de qualidade nos cursos jurídicos
de instituições privadas. Soluções que podem ser adequadas para cursos de exatas,
biomédicas ou mesmo outros ramos de ciências humanas, podem ser profundamente
deletérias para a formação jurídica.

De início, deve-se ter em conta que as
instâncias administrativas e acadêmicas das instituição
de ensino superior privado não são tão autônomas como podem parecer num
primeiro momento. Quem vivencia a realidade das faculdades bem sabe que
decisões administrativas podem comprometer seriamente o projeto pedagógico
instalado.

Ora, a melhoria do processo impõe duas
ordens de isolamento: a primeira, das instâncias acadêmica e administrativa,
definindo-se com precisão a competência e o raio de ação das autoridades de
cada uma das órbitas, e a segunda: o isolamento do processo de formação
jurídica de outros processos eventualmente existentes na instituição.

Estabelecidos os pressupostos do
processo, sua melhoria dar-se-á através da atuação dinâmica do pacto pela
qualidade.

Aspectos da reforma do ensino jurídico
quanto aos cursos noturnos

Questão da maior relevância para a
análise da qualidade dos cursos jurídicos noturnos é a que diz respeito à
contribuição da reforma do ensino jurídico, sintetizada na Portaria 1886, para
o almejado atingimento da qualidade dos cursos
jurídicos noturnos de instituições privadas. Em outras palavras, o que se coloca
é a seguinte questão: A reforma da Portaria 1886 tomou em conta a realidade dos
cursos que aqui consideramos?

Em verdade não se pode negar a
contribuição de qualquer esforço tendente a mudar a realidade do ensino
jurídico, que até bem pouco tempo atrás encontrava-se
em estado de abandono, torpor e inanição.

Porém não se pode negar que a Portaria
1886 só de resvalo, cuidou da realidade dos cursos jurídicos noturnos.

Mas, de se reconhecer que, dada a pluralidade da realidade cultural e socioeconômica do
país, talvez tenha sido uma dádiva o Ministério da Educação e Cultura não ter
descido a minúcias no disciplinamento da realidade
dos cursos jurídicos noturnos. Explicamos o porquê: se
a Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 é, como sua
própria rubrica estabelece, de diretrizes e bases da Educação; se esta
legislação é regente de todo o edifício legislativo da educação, isto importa
que a portaria 1886, também, indica diretrizes e bases para a reforma do ensino
jurídico noturno em instituições privadas.

Exceto naquilo que a referida Portaria
contém de cogente, em tudo o mais apenas empresta diretivas para os
estabelecimentos de ensino jurídico, o que é reforçado pela decantada autonomia
universitária. O que importa do aqui exposto é que os cursos jurídicos
noturnos, obedecidas as diretrizes e bases da portaria
1886, podem e devem buscar soluções alternativas adequadas para os contextos em
que se encontram inseridos, produzindo micro-reformas
do ensino jurídico, sempre na busca da qualidade.

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Conclusões

Por todo o exposto, infere-se que a
qualidade, como expressão de excelência, é possível no âmbito dos cursos
jurídicos de instituições de ensino superior privadas
através de pacto celebrado entre os atores do processo pedagógico após
levantamento do perfil do cliente-tipo contextualizado em sua realidade
socioeconômica, com perfeita delimitação das responsabilidades dos
participantes do processo para a obtenção da qualidade.


Informações Sobre o Autor

Eliezer Pereira Martins

Mestre e doutorando em direito PUC/SP – Advogado


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