Do direito de recorrer em liberdade na visão do Supremo Tribunal Federal

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Com base no art. 5º,
inciso LVII, da Constituição da República, que prescreve que “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”,
o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por 7 votos a 4, em sessão realizada em
05/02/09, reconheceu a réu condenado por tentativa de homicídio duplamente
qualificado o direito de recorrer, aos tribunais superiores, em liberdade.

Referida decisão objetivou pôr termo a uma antiga discussão sobre
a execução imediata da sentença condenatória na pendência de recurso
extraordinário e especial, dada a ausência de efeito suspensivo dos mencionados
instrumentos processuais, fazendo com que os réus cumprissem antecipadamente a
pena, o que levava parte da doutrina e da jurisprudência a considerá-la clara
violação ao princípio da presunção de inocência. 

É certo, no entanto, que a 1ª Turma do STF, no HC 90645/PE, já havia se pronunciado no sentido de que essa espécie de execução não
violaria o sobredito princípio, porém, tal orientação acabou por ser
reformulada no HC 84078,  o qual foi impetrado contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça
que mantivera a prisão preventiva do paciente, sob o argumento de que os
recursos especial e extraordinário, em regra, não possuem efeito suspensivo.

De
acordo com a nova linha de entendimento da Corte Suprema, transgride o princípio da não-culpabilidade a execução da
pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença
condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu (desde que presentes
os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP).  Dentre os argumentos esposados, afirma-se que:

(a)
os arts. 105, 147 e 164 da Lei de Execução Penal seriam adequados ao preceito
encartado no art. 5º, LVII, da CF, sobrepondo-se, temporal e materialmente, ao
disposto no art. 637 do CPP, que preceitua que o recurso extraordinário não tem
efeito suspensivo e, uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os
originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença;

(b)
a execução provisória da pena privativa de liberdade violaria, além do
princípio da presunção de inocência, o da isonomia, dado que as penas
restritivas de direitos não comportariam execução antes do trânsito em julgado
da sentença condenatória;

(c)
o modelo de execução penal consagrado na reforma penal de 1984 conferiria
concreção ao denominado princípio da presunção de inocência,  constituindo garantia contra a possibilidade
de a lei ou decisão judicial impor ao réu, antes do trânsito em julgado de
sentença condenatória, sanção ou conseqüência jurídica gravosa. No
entanto,  esse quadro teria sido alterado
com o advento da Lei 8.038/90, que estabeleceu normas procedimentais relativas
aos processos que tramitam perante o STJ e o STF, ao dispor que os recursos
extraordinário e especial seriam recebidos no efeito devolutivo. A supressão do
efeito suspensivo desses recursos seria reflexo de uma política criminal
vigorosamente repressiva, instalada na instituição da prisão temporária pela
Lei 7.960/89 e, posteriormente, na edição da Lei 8.072/90. (cf. Informativo n.
534 do STF)

Sobreleva aqui questionarmos a aplicabilidade do
art. 27, §2º, da Lei n. 8.038/90 no processo penal.

Reza
o mencionado dispositivo legal que os recursos extraordinário e especial serão
recebidos no efeito devolutivo. Diante disto, a doutrina majoritária sustenta que
tais recursos careceriam de efeito suspensivo, o que significa dizer que a
interposição quer do recurso especial, quer do recurso extraordinário, não
obstaria a execução imediata do conteúdo da decisão jurisdicional; sendo possível,
portanto, a execução provisória do julgado.

Tal
entendimento, no âmbito do processo penal, deve, necessariamente, ser outro, em
virtude das peculiaridades da relação jurídica material que constitui o seu
objeto.

Ao apregoar que “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória” e que “ninguém será privado
da liberdade… sem o devido processo legal”, a Constituição Federal, art. 5º,
LVII e LIV, respectivamente, confere ao Poder Judiciário, mediante atividade
jurisdicional, exercida nos parâmetros do devido processo legal, a exclusividade
da tarefa de infirmar, em decisão passada em julgado, a inocência do acusado,
até o momento tida como dogma. Demonstra, portanto, clara opção por um processo
penal centrado no respeito à liberdade individual e à dignidade do ser humano,
em contraposição ao sistema até então vigente, declaradamente inspirado no Código
de Processo Penal italiano da década de 30, de orientação fascista.

A redação conferida pelo legislador constituinte ao
dispositivo do art. 5º, LVII (“ninguém será considerado culpado…”)
privilegia o denominado princípio da presunção de inocência sob o enfoque da
regra de tratamento que os agentes incumbidos da persecução penal devem adotar
perante o acusado. Proíbe-se, nessa perspectiva, toda e qualquer forma de
tratamento do sujeito passivo da persecução que possa importar, ainda que
implicitamente, a sua equiparação com o culpado.

E não há dúvida de que a execução do conteúdo da condenação
antes do seu trânsito em julgado apresenta-se como uma das maneiras de se
realizar esse paralelo.

Assim, mesmo que, na espécie, se verifique a necessidade de
submeter o acusado à prisão cautelar (provisória, instrumental e necessária aos
fins do processo penal), ou de confirmar a já decretada (atos que devem, sob
pena de nulidade, ser satisfatoriamente fundamentados), ao recurso deve ser
conferido efeito suspensivo, pois os motivos do encarceramento em um e em outro
caso não se confundem.

Esta prisão, qual seja, a lastreada na inexistência de
efeito suspensivo de recurso possui natureza de pena privativa de liberdade, de
sanção imposta a quem reconhecidamente praticou infração penal; em outras palavras,
só pode ser, ou melhor, só poderia ser imposta a pessoa que já perdeu a
condição de inocente, mediante decisão condenatória de natureza penal transitada
em julgado. A prisão cautelar, por outro lado, funda-se na necessidade de se
assegurar, mediante a privação do direito individual de liberdade, a eficácia
da tutela jurisdicional a ser outorgada ao final do processo, sem que se
questione a culpabilidade do investigado ou do acusado.

Desse modo, o simples acórdão condenatório não pode servir
de fundamento idôneo para, por si só, demandar a custódia do paciente antes do
trânsito em julgado. No entanto, a interposição do recurso especial e/ou
recurso extraordinário não impede, em princípio, a prisão do condenado, desde
que presentes os requisitos da prisão cautelar. Esta, por ser compatível com o
mencionado art. 5º, LVII e LIV, da Constituição Federal, é que pode ser
imposta antes do trânsito em julgado, não a decorrente da regra do art. 27, § 2º,
da Lei n. 8.038/90, que, por expressa disposição legal, constitui execução
provisória da condenação.


Informações Sobre o Autor

Fernando Capez

Procurador de Justiça licenciado e Deputado Estadual. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela USP e doutor pela PUC/SP. Professor da Escola Superior do Ministério Público e de Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas. Autor de várias obras jurídicas


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